I – O desconto a realizar na pena deve ser efectuado sobre a pena que seria aplicada ao arguido sem descontos só depois se procedendo ao cômputo da pena daí resultante, a partir da data de início efectivo da execução.
II – Assim, os dias de privação da liberdade, por razões diversas do cumprimento da pena, são descontados por inteiro no cumprimento da pena de prisão, pelo que no momento do cumprimento da pena, tais dias deverão ser computados na duração global da pena, contando como cumprimentos parciais da mesma.
III – A circunstância do artigo 80º, n.º 1, do Código Penal, se referir ao “cumprimento da pena” visa unicamente esclarecer que os dias de privação de liberdade que aí se referem deverão considerar-se como dias de cumprimento da pena.
Proc. 79/15.0PTOER-A.L1 5ª Secção
Desembargadores: Anabela Simões - Cid Geraldo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 79/15.OPTOER-A.L1
Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. No Processo Sumário n° 79/15.OPTOER, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Oeiras, Juiz 3, foi julgado o arguido, H..., e condenado na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, mas cuja substituição de pena foi revogada, determinando-se o cumprimento da pena de prisão.
O arguido está preso à ordem dos presentes autos desde 24 de Outubro de 2017.
Pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi apresentada a seguinte promoção de liquidação da pena de prisão:
a) Início de execução do cumprimento da pena - 24 de Outubro de 217;
b)Dias de privação de liberdade por razão diversa do cumprimento de pena a serem descontados - 1 dia, resultante da detenção à ordem destes autos;
c) Termo da pena - 22 de Fevereiro de 2018.
2. Sobre esta promoção recaiu o seguinte despacho datado de 10 de Novembro de 2017:
Nos presentes autos foi o arguido H... condenado numa pena de 4 (quatro) meses de prisão que foi substituída por multa, mas cuja substituição de penas foi revogada com fundamento na falta de pagamento dessa pena pecuniária.
Desde 24.10.2017 que o arguido se encontra em cumprimento ininterrupto da mencionada pena de prisão.
O termo dessa pena verifica-se 4 (quatro) meses decorridos desde o seu início, a 24.10.2017.
Assim, o arguido atingiria o termo da pena em 24/02/2018. Sucede que ao cumprimento da referida pena, segundo os termos supra liquidados, importa descontar 1 dia em que o arguido esteve privado da liberdade à ordem dos presentes autos cf. art. 80°, n° 1 do Código Penal.
Assim sendo, descontando-se 1 dia ao cumprimento de pena (i.e. à pena de 4 meses em execução segundo a sua liquidação integral nos termos acima enunciados), o arguido atingirá o termo da pena em 23.02.2018.
A liquidação da pena que acima efetuamos é diferente da liquidação de pena efectuada pela digna magistrada do Ministério Público.
Ë que a digna magistrada do Ministério Público liquidou o cumprimento da pena em termos de esta terminar a 22.02.2018.
As diferentes liquidações em apreço explicam-se pelos distintos métodos empregues pelo tribunal e pelo Ministério Público.
O tribunal conta a duração da pena concretamente aplicada (i.e. 4 meses) no tempo (i. e. 4 meses a partir do seu início, a 24.10.2017, coincidindo com a data em que o condenado entrou em reclusão) e à
data obtida (i.e. 24.02.2018) desconta 1 dia em compensação pelo período de tempo em que o condenado esteve privado da liberdade, concluindo assim que o condenado terminará o cumprimento de pena a 23.02.2018 (i.e. 1 dia antes da data em que terminaria essa pena caso esta, por, falta de desconto, tivesse que ser integralmente cumprida).
Diversamente, a digna magistrada do Ministério Público subtrai 1 dia à pena concretamente aplicada (i. e. 4 meses - 1 dia), entendendo que assim procede ao desconto do período de tempo que o arguido esteve privado da liberdade e, por necessidade decorrente da utilização de diferentes unidades de conta (i.e mês versos dia), decompõe o 4.° e último mês da pena em 30 dias, fazendo equivaler 1 mês de prisão a 30 dias de prisão.
Portanto, a digna magistrada do Ministério Público calcula em 3 meses e 29 dias a pena a cumprir pelo arguido e, contando o seu cumprimento a partir de 24.10.2017, conclui que ele terminará o cumprimento dessa pena em 22 de. fevereiro de 2018.
Salvo o devido respeito pela digna magistrada do Ministério Público, que é muito, entendemos que a metodologia que propugna não tem arrimo na letra e no espírito da lei.
A interpretação da lei deve reconstituir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cf artigo 9. °, n.° 1 do Código Civil, adiante designado por CO. Deve, pois, interpretar-se os preceitos atendendo aos seus elementos literal, histórico, sistemático e teleológico, observando que qualquer pensamento legislativo extraído deverá ter o mínimo de correspondência na letra da lei e presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf artigo 9. °, n. °s 2 e 3 do CC).
A pena de prisão determinada tem a duração certa que ficou decidida em sentença condenatória transitada em julgado em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sob pena de violação do princípio da legalidade- cf art. 27° n.°2 da Constituição da República Portuguesa (adiante designada por CRP), cf arts. 41.° n. °s 1 ,2 e 3, 71.º., 40. do Código Penal (adiante designado por CP) e cf arts. 369° e 375° n° 1 do Código de Processo Penal (adiante designado por CPP).
A contagem dos prazos da pena de prisão é feita segundo os critérios estabelecidos na lei processual penal e, na sua falta, na lei civil - cf artigo 41. °, n°4 do CP.
Sem deixar qualquer aspeto omisso ou lacunoso que justifique a aplicação analógica da lei civil ou qualquer interpretação extensiva dos preceitos da lei processual pena ou da lei civil com vista em converter 1 mês em 30 dias, o legislador dispôs no artigo 479° do Código de Processo Penal, sob a epígrafe Contagem do tempo de prisão, como se conta a duração de uma pena de prisão, conforme esta foi concretamente determinada em sentença condenatória proferida pelo tribunal do julgamento do condenado.
O teor desse preceito normativo é o seguinte:
Artigo 479.°
Contagem do tempo de prisão
1- Na contagem do tempo de prisão, os anos, meses e dias são computados segundo os critérios seguintes:
a) A prisão fixada em anos termina no dia correspondente, dentro do último ano, ao do início da contagem e, se não existir dia correspondente, no último dia do mês;
b)A prisão fixada em meses é contada considerando-se cada mês um período que termina no dia correspondente do mês seguinte ou, não o havendo, no último dia do mês;
c)A prisão fixada em dias é contada considerando-se cada dia um período de vinte e quatro horas, sem prejuízo do que no artigo 481.° se dispõe quanto ao momento da libertação.
2 - Quando a prisão não for cumprida continuamente, ao dia encontrado segundo os critérios do número anterior acresce o tempo correspondente às interrupções.
O artigo 479.° do Código de Processo Penal estabelece os critérios de contagem do tempo de prisão cumprida continuamente (n.° 1) e interruptamente (n.° 2) e, em qualquer um desses casos, ao longo de meses e/ou anos cuja duração é variável, consabido que é que os meses se dividem entre os que têm, respectivamente, 31 dias, 30 dias e 27/28 dias (fevereiro, consoante o ano seja ou não bissexto), assim como os anos se dividem entre os que têm 365 dias e os que, sendo bissextos e ocorrendo a cada quatro anos, têm 366 dias de duração.
Daí que terminarão em 24.02.2018 os 4 meses de prisão que o arguido começou a cumprir em 24.10.2017 - cf. 479.n° 1, al. b) do Código de Processo Penal.
Sendo certo que o desconto equivale a uma operação de dedução ou de abate a uma unidade determinada e certa, em compensação de algo, vejamos qual a unidade sobre a qual incidirá o desconto a efectuar na duração da prisão para compensação do período de privação de liberdade com fundamento em detenção.
A resposta é fornecida pelo artigo 80. °, n.° 1 do Código Penal, segundo o qual, a A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. »- negrito nosso.
O cumprimento da pena de prisão corresponde à sua duração contada no tempo, ou ao seu cômputo ou, socorrendo-nos da expressividade própria de uma imagem, à sua duração contada no calendário, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 479.° do Código de Processo Penal.
Com efeito, o legislador não estabeleceu no artigo 80. °, n. ° 1 do Código Penal o desconto na pena ou o desconto na medida da pena aplicada (no caso, 4 meses de prisão), tendo estabelecido sim o desconto no cumprimento da pena de prisão (no caso, 4 meses de prisão a contar no tempo segundo o disposto no artigo 479.° do Código de Processo Penal).
Note-se que o legislador, estabelecendo o regime das consequências jurídicas do facto sob o título 111 do Código Penal, aludiu diferenciadamente a cumprimento de pena ou pena cumprida sempre que está em causa o tempo de cumprimento efectivo de prisão e a necessidade de se lhe proceder descontos por variadas causas (45.°, n.° 1, 46°, n.°8, 59. °, n.°4, 63°, 64°, n.°3, 78°, n° 1, 80. °, n.° 1, 81. °, do Código Penal).
Indicador que cumprimento da pena de prisão (cf art. 80. 0, n.° 1 do CP) não equivale a pena de prisão ou a duração de pena de prisão ou a medida da pena de prisão, atente-se que o legislador aludiu somente a pena de prisão quando está em causa a sua escolha e determinação (çf art. 41. 0, 43.; 70 e ss. do CP), assim como aludiu a execução de pena de prisão quando está em causa o modo do seu cumprimento (substituição, suspensão, reclusão efectiva) - cf art. 42°, 43.° 44. 0, 46. 0, 50. 0, 51.°, do CP.
O legislador podia ter disposto que o desconto é, feito na pena ou ainda que é feito na medida ou na duração da pena concretamente aplicada, mas não o fez, tendo antes estabelecido que o desconto é feito no cumprimento da pena de prisão, o que, bem vistas as coisas, são conceitos diferentes e realidades distintas, conforme já tivemos oportunidade de explanar e adiante enfatizaremos.
Todavia não o, fez, pelo que não há fundamento legal para que o desconto sob apreço incida sobre a medida da pena concretamente aplicada (i.e. 4 meses - 1 dia) e não sobre o tempo pelo qual a pena se cumpre (i.e. descontando 1 dia à data do termo final da pena, 24.02.2018, antecipa-se em 1 dia a libertação do condenado).
Com efeito, não está em causa qualquer espécie de redução de pena, pois do que ora se trata é a realidade diversa de um desconto imputado ao cumprimento de pena.
Trata-se de uma inequívoca opção legislativa, tanto assim que se tivesse consagrado o desconto na duração ou medida da pena, o legislador teria sido forçado a facultar ao intérprete ou julgador uma regra de conversão de unidades de conta, dado que o desconto de tempo efectuado, à cabeça na medida ou na duração da pena de prisão obrigaria amiúde o julgador a ter que mudar de unidades (ano em meses e meses em dias) na contagem do tempo, convertendo 1 ano em x meses e y dias, 2 ou mais anos em x anos e y meses, ou x meses em y dias.
Ora, se é certo que o legislador não, forneceu essa regra de conversão de unidades de conta, cujos termos e espíritos são contraditórios e inconciliáveis com o modo de computar o tempo previsto no artigo 479.° do Código de Processo Penal, é porque não pretendeu que o desconto fosse efectuado na duração ou na medida da pena concretamente aplicada, mas sim, conforme estabeleceu no artigo 80. °, n.° 1 do Código Penal, no cumprimento da pena.
Todavia, a digna magistrada do Ministério Público, sem citar qualquer norma jurídica que arrime o seu entendimento, usa um critério de conversão de diferentes unidades de conta do tempo por forma a tornar possível a metodologia que empregou na liquidação do cumprimento da pena de prisão. Com efeito, decompós 1 mês de prisão em 30 dias de prisão, estabelecendo uma equivalência entre as duas distintas unidades de conta do tempo (1 mês = 30 dias de prisão).
Todavia, não existe norma jurídica que habilite uma operação desse tipo.
O legislador não estabelece em lei alguma que um mês de prisão corresponde a 30 dias, mas diz-nos sim que um mês de prisão corresponde sim ao hiato temporal compreendido entre os mesmos dias dos correspondentes meses que se sucedem no tempo contínuo (cf. art. 479.° do CPP). Nem podia ser de outra maneira diante o desenrolar da duração da prisão num tempo cujas unidades de conta (anos e meses) têm em si diferentes durações.
Socorrendo-nos da clareza própria dos exemplos práticos, o legislador considera, ao abrigo do disposto no artigo 479. °, n.° 1 do Código de Processo Penal, que corresponde ao cumprimento de 1 mês de prisão a reclusão cumprida:
• de 01.02.2017 a 01.03.2017, correspondendo a um hiato temporal com a duração de 28 dias;
• de 01.03.2017 01.04.2017, correspondendo a um hiato temporal com a duração de 31 dias;
• de 15.04.2018 a 15.05.2018, correspondendo a um hiato temporal com a duração de 30 dias. De resto, a equivalência de 1 mês de prisão com 30 dias de prisão é, salvo melhor entendimento,
incompreensível e ilógica.
Não se compreende por que razão a digna magistrada do Ministério Público calculou em 30 dias um mês de prisão se num ano há 7 meses de 31 dias, 4 meses de 30 dias e, consoante o ano seja ou não bissexto, 1 mês de 27 ou 28 dias.
E afigura-se desprovido de sentido lógico converter-se o último mês de duração de uma pena de prisão em 30 dias, segundo equivalência feita pela digna magistrada do Ministério Público, quando esse mês tanto pode ter 30 dias, como pode ter 31 dias ou 27/28 dias.
Note-se que no caso sob apreço nos autos, o 4.° e último mês de prisão a cumprir pelo arguido tem 31 dias, correspondendo ao hiato temporal que vai de 24/01/2018 a 24/02/2018.
Nesta circunstáncia, o método de contagem que. foi empregue pela digna magistrada do Ministério Público concede uma benesse ou um beneficio injustificado ao arguido, pois que antecipa a sua libertação em 2 dias em face do cumprimento integral da pena (i. e. sem descontos) e, de igual modo, antecipa a sua libertação em 1 dia em face do cumprimento da pena que foi objecto de desconto.
O princípio in dúbio pro reo ou in dúbio pro liberlale não é invocável para justificar um método de contagem como aquele que é utilizado pela digna magistrada do Ministério Público. E que tais princípios constitucionais apenas têm cabimento e aplicação quando se confrontam duas interpretações normativas que sejam plausíveis, o que não concedemos suceder no caso da posição que ora rejeitamos, já que esta não tem arrimo na letra e no espírito da lei, conforme já explanamos acima.
Em todo o caso, ainda que por mera hipótese se concedesse plausibilidade jurídica ao método de contagem propugnado pela digna magistrada do Ministério Público, este não se traduz na aplicação de um regime jurídico que seja concretamente mais favorável aos condenados em penas de prisão.
O método empregue pela digna magistrada do Ministério Público poderá antecipar em 1 dia o termo final de uma pena de prisão concretamente aplicada, conforme sucede no presente caso, mas em casos em que:
• o último mês de cumprimento de prisão tenha menos de 30 dias (i.e..fevereiro), causará uma dilação de 1 ou 2 dia(s) na datas de libertação do condenado, prejudicando-o;
• se imponha liquidar termos intercalares, tais como 1/2, 2/3 e 5/6 da pena, causará uma dilação de dia(s) às datas a partir das quais pode ser concedida liberdade condicional ao condenado, prejudicando-o.
Socorrendo-nos novamente da clareza própria dos exemplos, vejamos uma liquidação desse tipo que foi efectuada pela digna magistrada em outros autos.
Usando do mesmo método usado na promoção sob apreço, nos autos 4/16.1 PAOER, a digna magistrada liquidou o cumprimento iniciado a 02.102016 de uma pena única e 3 anos e 3 meses de prisão, uma vez procedendo ao desconto de 4 meses e 15 dias de tempo em que o arguido esteve privado da liberdade, em termos de considerar que:
• o meio da pena ocorrerá a 15.05.2018, mediante subtracção do tempo a descontar (i.e. 4 meses e 15 dias) ao tempo que corresponderia a metade da medida da pena concretamente aplicada;
• os dois terços (2/3) da pena ocorrerão a 30.11.2018, mediante subtracção do tempo a descontar (i.e. 4 meses e 15 dias) ao tempo que corresponderia a 2/3 da medida da pena concretamente aplicada;
• e o termo da pena ocorrerá a 29.12.2019, mediante a subtração de 4 meses e 15 dias à medida da pena concretamente aplicada (i.e. 3 anos e 3 meses) e a subsequente contagem no tempo do resultado dessa operação.
Diversamente, usando o método de contagem usado neste despacho, este tribunal liquidou o cumprimento iniciado a 02.102016 de uma pena única e 3 anos e 3 meses de prisão, uma vez procedendo ao desconto de 4 meses e 15 dias de tempo em que o arguido esteve privado da liberdade, em termos de considerar que:
• o meio da pena ocorrerá a 14.05.2018, i.e. 1 dia antes da data achada pela digna magistrada do Ministério Público;
• os dois terços (2/3) da pena ocorrerão a 29.11.2018, i.e. 1 dia antes da data achada pela digna magistrada do Ministério Público;
• e o termo da pena ocorrerá a 30.12.2019, i. e. 1 dia depois da data achada pela digna magistrada do Ministério Público.
Propugnando o entendimento que ora defendemos, veja-se o Ac. TRG de 05.06.2017 (cujo sumário está disponivel em http: //wwvw. pgdlisboa. pt/leis/leiostra_articulado. php?artigo_id=109A0080&nid=109& tabela = leive lhas&pagina=l&ficha=l&nversao=2), anotação ao artigo segundo o qual « II) Compete ao tribunal de julgamento apenas determinar e enunciar a medida concreta da pena e informar os períodos de detenção a descontar em tal medida, nos termos dos art°s 80° e 82° do CP, competindo depois ao Tribunal de Execução das Penas a decisão última e única juridicamente relevante, sobre as datas concretas para a apreciação da eventual concessão da liberdade condicional.il) Na liquidação da pena de prisão a que o arguido se mostra condenado, os períodos de privação de liberdade deverão ser descontados no cumprimento da pena e não na pena concreta, ou seja, é preferível faccionar um dia, como o da data de início de cumprimento de uma pena para proceder ao seu cômputo, do que por mero despacho, e, sem qualquer fundamento legal expresso, efectuar uma alteração na medida concreta da pena, determinada por uma decisão já transitada em julgado.IH) Tal regime mostra-se sempre concretamente mais favorável aos condenados, por permitir sempre uma apreciação da liberdade condicional mais próxima da data do início do cumprimento efectivo da pena.» - negrito nosso.
Aplicando o entendimento jurídico que ora propugnamos, mais se veja os seguintes arestos, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt:
- Ac. TRG, de 05.06.2017, relatado por Fernando Pina.
- Ac. TRG, de 06.10.2014, relatado por Ana Teixeira da Silva;
- Ac. TRG, de 06.02.2012, relatado por Filipe Melo:
«I) Sendo o desconto estabelecido no art° 80°, n° 1 do C. Penal, um beneficio para os condenados, também eles devem beneficiar, no cumprimento das penas de prisão onde os descontos são efectuados, de um regime de contagens que leve em conta esses mesmos descontos como cumprimento de pena.
II) Desta forma, sem qualquer ficção, ajusta-se tal tratamento à letra da lei, quando manda que os períodos de privação de liberdade sejam descontados por inteiro no cumprimento da pena de prisão. (..)
Tal entendimento, de resto, e ao contrário do que temos visto seguir, é o defendido por Figueiredo Dias, quando ensina que Para efeito de se considerar «cumprida» metade da pena, contabiliza-se seguramente qualquer redução que a pena tenha sofrido, nomeadamente por via de perdão parcial ou de outra medida graciosa; como igualmente se contabiliza qualquer privação de liberdade sofrida no processo que conduziu à condenação ou por causa dele, nomeadamente, o tempo de prisão preventiva. Deste modo, pode acontecer que logo no momento da condenação o arguido esteja em condições - ao menos formais - de ser colocado em liberdade condicional - Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 536.
Ficção existe, em nossa opinião, no entendimento trazido pelo Ministério Público na sua resposta (fls. 3038; 96 destes autos de recurso) de que o condenado apenas inicia o cumprimento de pena na data em que transitou em julgado a decisão condenatória e em que é colocado à ordem do processo ou dá entrada no estabelecimento prisional para o cumprimento dessa pena.
Neste sentido, ou seja, de que os períodos de privação da liberdade indicados no n° 1 do art. 80° do Código Penal devem ser levados em conta no cômputo dos prazos de concessão da liberdade condicional, veja-se o Ac.TRP n° 208/04.0CBBAO-B.P1 - 4a Sec, de 25/03/2009, Relator Jorge Jacob.
No sentido de que o meio da pena c os 2/3 da pena são calculados não sobre o remanescente da pena a cumprir (depois de operado o desconto) mas sobre todo o tempo de detenção já sofrido [o que interessa é o tempo dc cadeia efectivamente já sofrido] também se pronunciou o Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa, 2008, pág. 211 (em anotação ao artigo 61. °):
... para cálculo dos 6 meses, dos dois terços e dos cinco sextos da pena ... o tribunal., já deve considerar como tempo de cumprimento efectivo de pena o período de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação descontado na sentença condenatória...(nota 5); ...pode acontecer que por. força do desconto do período da privação cautelar da liberdade na pena de prisão, o condenado já se encontre formalmente em condições de beneficiar de liberdade condicional .Por exemplo , sendo o arguido condenado em 3 anos de prisão , mas já tendo sofrido 2 anos de prisão preventiva, ele já estaria em condições de beneficiar de liberdade condicional na data da condenação(nota 7).
E também Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. IU, pág. 216 e Sandra Oliveira e Silva, A Liberdade Condicional no Direito Português, RFDUPI-2004, págs 373-375 e nota 56 (disponível na internet).
No mesmo sentido se pronunciaram os seguintes crestos:
- Ac. da Rei. do Porto de 2-11-2011, rei. Moreira Ramos;
Ac. da Rei. do Porto de 25-3-2009, rei. Jorge Jacob - Ac. da Rei. de Lisboa de 7-9-2009, rei. Carlos Almeida
- Ac. Rei. de Lisboa, 20-10-2009, rei. Carlos Espírito Santo.
- Ac. da Rei. de Coimbra de 25-3-2009, Jorge Gonçalves;
- Ac. da Rei. de Coimbra 1-8-2007, rei. Freitas Vieira.
E o único modo coerente para isso se dar cumprimento ao estatuído, é o de, encontrada a pena final, se proceder à contagem, dia a dia, de todo o tempo de privação de liberdade já sofrido, descontá-lo como tempo já cumprido naquela pena e, então sim, encontrar o remanescente para se acharem as datas exactas do meio da pena e dos 2/3 exigidos pelo art° 61°. (..)»
- Ac. TRP, de 02.11.2011, relatado por Moreira Ramos;
- Ac. TRE, de 02.07.2011 e de 17.06.2014, relatados por Renato Barroso
De resto, salvo melhor entendimento, o método de contagem utilizado que a digna magistrada do Ministério Público concede injustificada e arbitrariamente um tratamento desigual a condenados que cumprem na íntegra penas de prisão e a condenados que cumprem penas de prisão que são objecto de desconto.
Segundo o método de contagem propugnado pela digna magistrada do Ministério Público:
• um condenado que tivesse a cumprir na íntegra (i.e. sem desconto) uma pena de 4 meses de prisão desde 24.10.2017, terminaria o cumprimento dessa pena e seria libertado em 24.02.2018;
• outro condenado que tivesse que cumprir uma pena de 4 meses de prisão descontada em 1 dia nos termos do disposto no artigo 80. °, n.° 1 do CP, terminaria o cumprimento dessa pena e seria libertado em 22.02.2018, logo dois dias antes do primeiro.
A referida desigualdade de tratamento estender-se-ia aos casos em que há lugar à liquidação de termos intercalares na duração da pena (i.e. 1/2, 2/3, 5/6), pois que o condenado em pena passível de desconto poderia ser libertado condicionalmente com uma antecedência superior à que teria direito por força desse desconto.
Nessa espécie de casos, como se justifica que o primeiro dos referidos condenados termine o cumprimento de pena e saia em liberdade 2 dias antes de o segundo dos referidos condenados o fazer, quando deveria fazê-lo 1 dia antes? Como se justifica que o primeiro dos referidos condenados possa sair em liberdade condicional 2 dias antes de o segundo, quando só deveria poder fazê-lo 1 dia antes?
É que o desconto em cumprimento de pena não é nem pode equivaler a uma redução de pena, por manifesta falta de fundamentação legal.
Tal desigualdade de tratamento é contrária aos princípios jusfilosóficos que fundamentam o poder punitivo do Estado e aos princípios jurídico-constitucionais que fundamental a aplicação, designadamente do princípio da legalidade (cf art. 29.° e 30.° da CRP) e do princípio da culpa, porquanto redundaria numa redução de pena que, por ser arbitrária, indevida e injustificada, desenraizaria o cumprimento da prisão da sentença que a aplicou e da concreta aquilatação feita nessa decisão judicial das exigências de prevenção e da culpa.
E, salvo melhor entendimento, tal desigualdade de tratamento, por ser arbitrária, é contrária ao princípio da igualdade (cf art. 13.° da CRP).
Donde, salvo melhor entendimento, entendemos que o artigo 80. °, n.° 1 do Código Penal é inconstitucional quando concretamente interpretado como estabelecendo o desconto da privação de liberdade na duração ou na medida da pena que lhe foi concretamente aplicada, com vista à subsequente contagem do tempo remanescente de duração dessa pena. Consequentemente, nega-se a aplicação desse preceito segundo esse significado.
Destarte, por não concordar com os seus termos, não homologo a liquidação do cumprimento de prisão que foi efectuado pela digna magistrada do Ministério Público, e, em consequência, ordeno que se extraia e entregue-se as competentes certidões e proceda-se às competentes comunicações, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 477. °, n.° 1 do Código de Processo Penal, tendo por referência a liquidação de cumprimento de pena de prisão que este tribunal efectuou (i.e cumprimento ininterrupto de pena de 4 meses desde 24.10.2017, cujo termo final, na sequência de 1 dia de desconto, ocorrerá a 23/02/2018).
3. Não se conformando com tal decisão a Digna Magistrada do Ministério Público dela interpôs recurso no qual formulou as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido adoptou uma metodologia de desconto assente em dois passos lógicos de verificação sucessiva, a saber:
(i) determinação da data fictícia em que seria atingido o termo da pena, num cenário hipotético de inexistência de dias a descontar; e
(ii) subtracção a tal data fictícia do dia de desconto que cumpria considerar.
2. Diferentemente, a promoção do Ministério Público sobre a qual esse despacho incidiu adoptou uma metodologia assente em três passos lógicos de verificação sucessiva, a saber: (i) determinação abstracta do período temporal correspondente à integralidade da pena a cumprir pelo condenado, sem descontos; (ir) subtracção a essa data dos dias de desconto que devam ser considerados) e (iii) soma dos períodos temporais resultantes das operações antecedentes à data de início de cumprimento da pena.
3. O art. 80. °, n.° 1 do Código Penal refere somente que os períodos de privação da liberdade, por motivos diversos do cumprimento, serão descontados no cumprimento da pena, nada referindo quanto ao modo como esse desconto se realizará em termos lógico-matemáticos.
4. Contudo, a jurisprudência majoritária tem considerado que o desconto se realiza sobre a pena que seria aplicada ao arguido sem descontos, só depois se procedendo ao cômputo da pena daí resultante, a partir da data de início efectivo da execução - neste sentido, Ac. TRP, proc. 1692/09.OJAPRT-B.P1, datado de 04-05-2011 e disponível em www.dgsi.pt; Ac. TRP, proc. 120/06.8CFVNC-A.P1, datado de 14-10-2015, e disponível em www.dgsi.pt; e ainda os vários acórdãos citados no despacho recorrido.
5. A liquidação de qualquer pena comporta, como caminho lógico necessário, o prévio apuramento da duração abstracta da pena a ser cumprida pelo arguido e, só após, o cômputo concreto dessa duração no calendário - só se pode computar a duração que previamente se determinou.
6. O desconto é ainda uma operação incluída na determinação da duração da pena a cumprir, encontrando-se sistematicamente situado na Secção IV do Capítulo IV, o qual versa sobre a Escolha e medida da pena e o qual inclui secções destinadas às regras gerais de determinação da medida da pena, à reincidência e à punição do concurso de crimes e do crime continuado.
7. Deverá assim incidir sempre e necessariamente sobre a pena aplicada ao arguido, e não sobre um qualquer conceito autónomo e de contornos desconhecidos de cumprimento de pena, extraído do art. 80. °, n.° 1 do Código Penal.
8. O despacho recorrido incorre numa inversão lógica, ao realizar uma liquidação de pena sem existência legal ou processual e sem previamente determinar a duração concreta da pena a ser aplicada ao arguido - o art. 479.° do Código de Processo Penal apenas se aplica uma vez realizadas todas as operações tendentes à determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, entre as quais se inclui o desconto.
9. O art. 479.° do Código de Processo Penal não se mostra sequer auto-suficiente ao nível do cômputo de todas as penas de prisão, não sendo operante ao nível da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, e obrigando nesses casos a lançar mão do art. 279.° do Código Civil, de onde se extrai a equivalência implícita entre um mês e 30 dias, a qual contudo não teve qualquer repercussão significativa na liquidação realizada pelo Ministério Público.
10. A posição assumida pelo Ministério Público na sua promoção mostra-se como a mais consentânea com a teleologia do art. 80. °, n.° 1 do Código Penal, que estipula um beneficio a favor do condenado, permitindo ao arguido concluir o cumprimento de pena um dia antes da liquidação que resulta do despacho recorrido.
11. A liquidação da pena realizada pelo Ministério Público, ao comportaras seguintes operações, deu cumprimento à precedência lógica do desconto previsto no art. 80. °, n.° 1 do Código Penal em relação ao art. 479.° do Código de Processo Penal, e mostrou-se inteiramente consentânea com o sentido interpretativo a dar a tais normativos:
(i) Identificação das parcelas necessárias às operações de determinação da duração da pena aplicada ao arguido, mais concretamente a duração inicialmente fixada pela sentença (4 meses) e os dias de desconto a tomar em conta (1 dia de detenção);
(ii) Identificação do período de pena correspondente à integralidade da mesma sem descontos, ou seja 4 meses;
(iii) Subtracção ao período de pena assim obtida de 1 dia de desconto, com o que se obteve 3 meses e 29 dias (integralidade da pena, com desconto);
(iv) Cômputo dos períodos com desconto a partir da data de início efectivo de execução da pena, assim se obtendo a data concreta de 22 de Fevereiro (integralidade da pena, com desconto).
12. 0 Tribunal a quo deu uso a metodologia sem cabimento na letra da lei, e que contraria frontalmente os elementos sistemático e teleológico que subjazem à mesma, assim violando o disposto nos arts. 80. °, n.° 1 do Código Penal e 479. °, n.° 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, e devendo consequentemente o despacho recorrido ser revogado e substituído por douto acórdão que homologue a liquidação de pena realizada pelo Ministério Público e determine a subsequente tramitação do processo.
Nestes termos, deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se o despacho recorrido por douto acórdão que homologue a liquidação de pena realizada pelo Ministério Público e determine a subsequente tramitação do processo.
4. O arguido respondeu ao recurso interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público, concluindo:
a) O Arguido perante as diferentes posições vertidas nos autos, ambas muito bem fundamentadas, entende que deverá sempre a lei ser interpretada recorrendo ao entendimento mais favorável ao arguido.
b) Assim sendo, com vista a evitar repetições e delongas, vem o Arguido aderir à posição vertida nas doutas alegações do Ministério Público.
Nestes termos, requer-se o provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.
5. O Senhor Juiz recorrido proferiu despacho de sustentação.
6. Admitido o recurso interposto, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo e subidos os autos a este tribunal, nele a Excelentíssima Senhora Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, sufragando os fundamentos do recurso da Digna Magistrada do Ministério Público
recorrente, junto da la instância.
7. Colhidos os vistos legais realizou-se a competente conferência.
8. Antes de mais, convirá recordar que, de acordo com o preceituado no artigo 412°, n° 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pela recorrente.
Partindo desta premissa, o objecto do recurso versa a apreciação do critério legal da operação de cálculo da contagem do tempo de prisão para efeitos de liquidação de pena (única questão a apreciar).
Apreciando:
Por sentença constante de folhas 55 a 61, foi o arguido H... condenado na pena de 4 meses de prisão. substituída por 120 dias de multa, mas cuja substituição de pena foi revogada, e, ainda na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 7 meses, determinando-se, assim, o cumprimento da pena de prisão.
O arguido iniciou o cumprimento da pena de prisão à ordem dos presentes autos no dia 24 de Outubro de 2017.
Importa considerar que o arguido sofreu 1 (um) dia de prk tição da liberdade. resultante da detenção à ordem destes autos, que cumpre descontar, nos termos do disposto no artigo 80° do Código Penal.
Efectuando o referido desconto do tempo de detenção sofrido pelo arguido, de 1 (um) dia, com vista a determinar a data do termo do cumprimento da pena, a Digna Magistrada do Ministério Público calculou a data do termo para 22 de Fevereiro de 2018, o que propôs na competente liquidação de pena, nos termos dos artigos 477° n° 2 e 479° n° 1 ambos do Código de Processo Penal.
Tal promoção não mereceu a concordância do Senhor juiz a quo, que não homologou aquela liquidação de pena, fixando a data do termo de cumprimento de pena para 23 de Fevereiro de 2018, sustentando, em síntese, que deu uso a metodologia diversa de aplicação dos termos do desconto previsto no art. 80° n° 1 do Código Penal.
O Tribunal a quo explicita a metodologia adoptada no despacho recorrido nos seguintes termos:
O tribunal conta a duração da pena concretamente aplicada (i.e. 4 meses) no tempo (i.e. 4 meses a partir do seu início, a 24.10.2017, coincidindo com a data em que o condenado entrou em reclusão) e à data obtida (i.e. 24.02.2018) desconta 1 dia em compensação pelo período de tempo em que o condenado esteve privado da liberdade, concluindo assim que o condenado terminará o cumprimento de pena a 23.02.2018 (i.e. 1 dia antes da data em que terminaria essa pena caso esta, por falta de desconto, tivesse de ser integralmente cumprida).
Temos, assim, e segundo se refere no despacho recorrido, que a metodologia aí adoptada envolve os seguintes passos:
a) Apuramento da data de cumprimento da totalidade da pena, num cenário hipotético de inexistência de dias a descontar;
b) Subtracção, à data assim obtida, do dia de privação da liberdade, por razões diferentes do cumprimento da pena.
Por sua vez, a promoção feita pela Digna Magistrada do Ministério, sobre a qual recaiu o despacho recorrido, assenta nos seguintes passos:
a) Determinação abstracta do período temporal correspondente à integralidade da pena a cumprir pelo condenado;
b) Subtracção do dia de privação da liberdade por motivo diverso do cumprimento da pena ao período assim obtido;
c) Soma dos períodos resultantes das duas operações anteriores à data de início do cumprimento da pena, assim se obtendo o momento de término da integralidade da pena.
Observamos, pois, que o despacho recorrido realiza uma primeira liquidação fictícia da pena, num cenário hipotético de inexistência de descontos, e subtrai o período a descontar dessa data fictícia, enquanto a Digna Magistrada do Ministério Público realiza primeiramente o apuramento dos períodos de cumprimento da pena, resultantes das operações de desconto. e realiza a liquidação subsequente. com base nesses períodos reais de cumprimento.
A divergência radica, pois, apenas na forma de contemplar tais descontos, mais concretamente, na data que deve ser atendida para efectuar a contagem da pena.
Importa, pois, analisar qual o sentido interpretativo que deverá extrair-se do normativo constante do art. 80.°, n.° 1 do Código Penal e como deveria o mesmo ter sido aplicado ao caso dos autos, se de acordo com o entendimento perfilhado pela Digna Magistrada do Ministério Público, se de acordo com o entendimento perfilhado no despacho recorrido.
Vejamos:
Nos termos do artigo 80° n° 1 do Código Penal (redacção introduzida pela Lei n° 59/07, de 4 de Setembro) - o único que verdadeiramente impera em tal domínio, já que o artigo 479° do Código de Processo Penal se atém apenas ao modo como devem ser contabilizados os respectivos períodos temporais já considerados:
A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão. final do processo no âmbito do qual as medidas, foram aplicadas .
Este normativo legal refere somente que os períodos de privação de liberdade, por motivos diversos do cumprimento, serão descontados no cumprimento da pena, nada referindo, contudo, quanto ao modo como esse desconto se realizará em termos lógico-matemáticos.
Contudo, sempre foi nosso entendimento, na esteira, aliás, da jurisprudência maioritária, e tal como constante da liquidação feita nos autos pela Digna Magistrada do Ministério Público, recorrente, que tal desconto se deve realizar sobre a pena que seria aplicada ao arguido sem descontos, só depois de procedendo ao cômputo da pena daí resultante, a partir da dada de início efectivo da execução.
Temos, assim, que ós dias de privacão da liberdade, por razões diversas do cumprimento de pena, são descontados por inteiro no cumprimento da pena de prisão, pelo que, no momento do cumprimento da pena. tais dias deverão ser computados na durarão global da pena, contando como cumprimentos parciais da mesma.
A circunstância de o art. 80.° n.° 1 do Código Penal referir-se ao cumprimento da pena visa unicamente esclarecer que os dias de privação da liberdade, que aí se referem, deverão considerar-se como dias de cumprimento da pena.
O elemento literal e sistemático do mencionado preceito legal leva-nos, pois, ao entendimento que tais períodos de privação de liberdade, ocorridos por razões jurídico-processuais alheias e diversas do cumprimento de pena, se convertem a posteriori em dias de cumprimento da pena que venha a ser aplicada ao arguido.
Na prática a pena começa a cumprir-se aquando da detenção inicial. E cremos até que foi esse o raciocínio que o legislador tinha em mente quando veio consignar que, em certas circunstâncias, deverão descontar-se os períodos de detenção sofridos no âmbito de outros processos, assim salvaguardando as situações em que alguém detido preventivamente à ordem de determinado processo venha a ser absolvido, mas era condenado no âmbito de um outro processo (cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.° 1692/09.OJAPRT-B.P1, datado de 04-05-2011 e disponível em www.dgsi.pt).
Acresce que, como bem refere a Digna Magistrada do Ministério, em sede de motivação de recurso:
Antes de mais, nada na redacção do art. 80. °, n.° 1 do Código Penal legitima a realização de operações que visem determinar datas faccionadas de cumprimento, como aquelas que constam do despacho recorrido.
Por outro lado, cremos que a realização da liquidação de qualquer pena pressupõe um caminho lógico necessário, que implica, antes de mais o apuramento das realidades estáticas do início do cumprimento da pena e da duração da mesma, para só depois passar à realidade dinâmica da sua repercussão concreta no calendário.
Ora, o desconto é ainda uma operação incluída na determinação da duração da pena a cumprir, sendo assim logicamente antecedente à já referida repercussão temporal concreta da pena.
Com efeito, o art. 80.° do Código Penal encontra-se sistematicamente situado na Secção IV do Capítulo IV, o qual versa sobre a Escolha e medida da pena e o qual inclui secções destinadas às regras gerais de determinação da medida da pena, à reincidência e à punição do concurso de crimes e do crime continuado.
O pensamento do legislador revela-se assim com especial clareza: o desconto é uma vicissitude especial da determinação da medida da pena.
Caso o legislador pretendesse configurar o desconto como uma mera vicissitude do cumprimento da pena, certamente teria acolhido o correspondente regime nas regras processuais de execução das penas, previstas nos arts. 477. ° e seguintes do Código de Processo Penal.
Se assim é, , facilmente se conclui que, sendo a determinação da medida da pena uma operação que antecede logicamente a liquidação da pena, e correspondendo o desconto a uma operação que é ainda de determinação da medida da pena, a mesma terá sempre de realizar-se sobre a pena aplicada ao arguido.
Neste sentido, ou seja, pugnando pela metodologia de desconto similar à utilizada pela Digna Magistrada do Ministério Público na promoção sobre a qual recaiu o despacho recorrido, vide, a título exemplificativo, a seguinte jurisprudência:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.° 1692/09.OJAPRT-B.P1, datado de 04-05-2011 e disponível em www.dgsi.pt, onde a aplicação concreta do desconto se efectiva da forma que se passa a transcrever:
Daqui decorre que para efeitos de liquidação de pena há, pois, que descontar os 10 meses e 15 dias de privação da liberdade na pena aplicada, de 2 anos e 2 meses de prisão.
Assim sendo, dando início à contagem e levando em conta que o início de cumprimento de pena ocorre em 4/01/2011 (data de cumprimento dos mandados de condução ao EP) há que descontar da pena de 2 anos e 2 meses de prisão, a privação da liberdade sofrida, tal correspondendo ao remanescente de pena ainda por cumprir de 1 ano, 3 meses e 15 dias.:lprís. encontrado o remanescente. soma-se o mesuro à dais de início de cumprimento de pena, achando-se o termo da pena, o qual ocorrerá em 19 04 2012.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.° 120/06.8GFVNG-A.PI, datado de 14-10-2015 e disponível em www.dgsi.pt, onde se refere o seguinte:
Deste modo, é de arredar liminarmente a pretensão do recorrente de ver aplicadas as regras do mencionado art. 479°, sendo inviável e legalmente infundada a solicitação de que o desconto fosse executado a partir da data determinada para o termo da pena de 1 ano de prisão [25/5/2016 - 194 dias], pois que, aqui. é inegável que o desconto da pena anterior e a liquidação da pena a cumprir constituem momentos distintos e sucessivos. Em primeiro lurar há cure determinar a pena a ctlnnprir procedendo ao desconto em causa e_ só então. será possível concrc tilar a liquidação da pena com ohscrvcrneia dos critérios consagrados no art. -41 9°. do ['ricl 1' oc. Penal. a propósito dos quais não há qualquer controvérsia ou divergência. (sublinhado nosso).
E mesmos os acórdãos citados no mesmo recorrido não se afastam deste entendimento.
Vejamos, a título de exemplo:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 06.10.2014, proferido no processo n.°55/14.OYRGMR e disponível em www.dgsi.pt, principia-se por realizar o desconto nos períodos de cumprimento da pena, para só depois computar os períodos assim obtidos, a partir do início da data de cumprimento.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 06.02.2012, proferido no processo n.°296/06.4JABRG-B e disponível em www.dgsi.pt, refere-se que encontrada a pena final, [deve-]se proceder à contagem, dia a dia, de todo o tempo de privação de liberdade já sofrido, descontá-lo como tempo já cumprido naquela pena e, então sim, encontrar o remanescente para se acharem as datas exactas do meio da pena e dos 2/3 exigidos pelo art° 61°..
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 02.11.2011, proferido no processo n.° 70/09.6JAPRT-B.P1 e disponível em www.dgsi.pt, refere-se que Consequentemente (na esteira da posição que foi acolhida no já citado acórdão da Relação do Porto de 4/05/2011, proferido no Rec. Penal n°1692/09.OJAPRT-B.P 1-4aSec), entende-se que a determinação dos prazos da pena de prisão que relevam para a aplicação da liberdade condicional tenha de fazer-se dentro da pena de prisão a cumprir, tal como ela fica determinada depois de descontado o tempo de detenção, de prisão preventiva, e/ou de sujeição à medida de obrigação de permanência na habitação..
Concluímos, assim, que o entendimento do Tribunal recorrido não só não tem acolhimento legal, como contraria a interpretação dos art°s 80° n° 1 do Código Penal e 477° a 479° do Código de Processo Penal, para além de resultar em prejuízo do arguido, o que contraria o princípio constitucional do tratamento mais favorável para o mesmo.
Com bem se refere, em sede de motivação de recurso, se o desconto se apresenta como uma medida de favor em relação ao arguido, é evidente que o critério preferencial de resolução de qualquer dúvida interpretativa passará por considerar, no espectro admissível da interpretação literal, o sentido que melhor permitirá alcançar essa favorabilidade.
Atribuir preferência a uma interpretação mais constrangedora dos direitos do arguido implicaria frustrar o sentido útil do preceito em causa e a intencionalidade legislativa que lhe subjazeu.
Neste sentido se pronuncia precisamente um dos acórdãos citados no despacho recorrido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 06.02.2012, proferido no processo n.° 296/06.4JABRG-B e disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que sendo o desconto estabelecido no art° 80°, n° 1 do C. Penal, um benefício para os condenados, também eles devem beneficiar, no cumprimento das penas de prisão onde os descontos são efectuados, de um regime de contagens que leve em conta esses mesmos descontos como cumprimento de pena..
E revertendo este entendimento para a situação dos autos, a verdade é que a liquidação de pena realizada pela Digna Magistrada do Ministério Público se mostra mais favorável para os interesses do arguido, cumprindo, assim, esse desígnio.
Tudo visto, resulta evidente que a liquidação da pena realizada pela Digna Magistrada do Ministério Público concretiza fielmente e com precisão os termos previstos no art. 80.° n.° 1 do Código Penal, mostrando-se conforme com os seus elementos interpretativos sistemático e teleológico, e merecendo, assim, a correspondente homologação.
Pelo exposto se conclui que o despacho proferido pelo Tribunal recorrido viola o disposto nos arts. 80.° n.° 1 do Código Penal e 479.° n.° 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, devendo consequentemente ser revogado e substituído por outro que homologue a liquidação de pena realizada pela Digna Magistrada do Ministério Público e determine a subsequente tramitação do processo.
Assim:
Tomando-se, como referência, a data de entrada no estabelecimento prisional, no caso, 24 de Outubro de 2017;
Toma-se em consideração o tempo total da condenação na pena aplicada, no caso de 4 (quatro) meses de prisão;
Ao qual se desconta o tempo de detenção, no caso de 1 (um) dia;
Do que resulta a pena remanescente por cumprir, no caso de 3 (três) meses e 29 (vinte e nove) dias.
Sempre tomando como referência a data do início de prisão à ordem do processo, no caso, 24 de Outubro de 2017, adiciona-se a pena remanescente por cumprir, no caso de 3 (três) meses e 29 (vinte e nove) dias;
Do que resulta a data de termo do cumprimento da pena, no caso o dia 22 de Fevereiro de 2018.
9. Decisão:
Em conformidade com o exposto, após conferência, acordam os Juízes da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em dar provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e substituindo o mesmo pela Homologação da Liquidação de Pena, acertadamente elaborada pela Digna Magistrada do Ministério Público, determinando-se o termo da pena para o dia 22 de Fevereiro de 2018, seguindo-se os demais termos legais, mormente o estatuído no artigo 477° do Código de Processo Penal.
Comunique, de imediato, com cópia, ao TEP, ao Estabelecimento Prisional e à Ia Instância, com nota de urgente.
Sem custas.
Notifique.
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)
Lisboa, aos 23 de Janeiro de 2018
Relatora: Anabela Simões Cardoso
Cid Geraldo