Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 30-01-2018   Cancelamento provisório do registo criminal. Obtenção da nacionalidade portuguesa.
Dispondo a lei que o cancelamento pode ser decretado quando se trate de emitir um certificado para qualquer finalidade, não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art.° 229, n° 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Proc. 240/17.3TXLSB-A.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Margarida Bacelar - Agostinho Torres - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Recurso n° 240/17.3TXLSB-A.L1
5ª Secção
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. No Processo n° 240/17.3TXLSB-A.L1, do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, 3° Juízo, foi proferida decisão, em 02/10/2017, que determinou o cancelamento provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa, das sentenças proferidas nos Proc. n° 734/00.OPFCSC, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, 3° Juízo Criminal, Proc. n° 91/02.OPFCSC, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, 4° Juízo Criminal, Proc. n° 1777/03.7PBOER, do Tribunal Judicial de Oeiras, 1° Juízo Competência Criminal e Proc. n° 108/09.7PJOER, do Tribunal Judicial de Oeiras, 1° Juízo Competência Criminal.
2.0 Ministério Público interpôs recurso desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
a) O requerente N... vem solicitar a reabilitação judicial/ cancelamento provisório do registo criminal para efeitos de obtenção pelo mesmo de nacionalidade portuguesa.
b) - Do seu registo criminal, junto a fls. 3 a 10 dos autos constam averbadas as seguintes condenações:
- condenação por decisão transitada em julgado na data de 2.7.2002, no âmbito do processo n.° 734/00.OPFCSC, por factos cometidos a 11.11.2000, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, declarada extinta na data de 9.10.2004;
- condenação por decisão transitada em julgado na data de 5.3.2003, no âmbito do processo n.° 91/02.0PFCSC, por factos cometidos a 5.2.2002, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, declarada extinta na data de 7.12.2007;
- condenação, por decisão transitada em julgado na data de 7.3.2006, no âmbito do processo n.° 1777/03.7PBOER, por factos cometidos a 30.9.2003, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos. Esta pena foi declarada extinta na data de 7.1.2011;
- condenação, por decisão transitada em julgado na data de 3.5.2011, no âmbito do processo n.° 108/09.7PJOER, por factos cometidos a 31.10.2009, pela prática de crime de tráfico de menor gravidade e de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e na pena de multa, declarada extinta na data de 24.1.2012.
c) A Lei da Nacionalidade - Lei n°37/81, de 3.10., com as alterações da Lei n°25/94, de 19.08,
DL n°322-A/2004, de 14.12., Lei n°1/2004, de 15.01 e Lei n°2/2006, de 17.04 - no seu art°6°, n°l, faz referência a um certo número de requisitos que, devem estar cumulativamente preenchidos para que um cidadão estrangeiro possa obter a nacionalidade portuguesa, mormente, o requisito previsto na sua al. d) que determina Não terem sido condenados, com
trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
d) Ora, tal como resulta do CRC do requerente e das certidões das sentenças condenatórias juntas aos autos, e como acima referimos, o mesmo sofreu condenações em 4 processos distintos pela prática de crimes de tráfico de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts 21°,n°l e 25°, al. a) do Decreto-Lei n°15/93, de 23 de Janeiro, aos quais corresponde pena de prisão de 1 a 5 anos.
e) Tais crimes não são puníveis com pena inferior a 3 anos de prisão, pelo que não se verifica o requisito legal que permite a um cidadão estrangeiro obter a nacionalidade portuguesa, previsto
na al. d) do n°1 do art°6° da Lei da Nacionalidade e, como tal emitimos parecer desfavorável ao pedido formulado pelo requerente.
O No entanto, os autos prosseguiram com a solicitação de informação à DGRSP com vista a aferir da verificação ou não do requisito previsto na al. b) do art°12° da Lei 37/2015, de 5.5, com a consequente prolação da decisão ora recorrida que deferiu o pedido de cancelamento provisório do registo criminal do requerente, fundando-se no entendimento de que, para se aferir dos requisitos para a obtenção da nacionalidade temos apenas que considerar o disposto no art°12° da Lei n° 37/2015, de 5.5, ou seja: a) já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) que o interessado haja assumido bom comportamento social; c) que se mostre cumprida a obrigação de indemnizar o ofendido, conjugado com os n°s 5 e 6 do art°10° da mesma Lei, e o disposto no art°229° do CEPMPL, uma vez que a lei da nacionalidade não impõe qualquer restrição ou impedimento ao cancelamento provisório do registo criminal, como faz a Lei 113/2009, de 17/9 (relativamente à protecção de menores).
g) Discordamos desta interpretação, desde logo, porque a jurisprudência administrativa aponta
no sentido de que o legislador, para efeitos de concessão da nacionalidade, por naturalização, definiu como pressuposto a não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, independentemente da pena concretamente aplicada.
h) Repare-se que o direito à nacionalidade a conferir a cidadãos estrangeiros, face ao ordenamento jurídico vigente, só pode ser concedido se estes, entre outros requisitos legais, revelarem ausência de antecedentes criminais, no quadro do patamar já referido, o que se justifica em face das necessidades de segurança interna do Estado.
i) Tais necessidades foram consideradas à data da publicação da Lei da Nacionalidade e alterações posteriores, sendo hoje em dia particularmente prementes, em face dos graves eventos históricos vividos, quer na Europa, que a nível mundial.
j) E registe-se ainda que, apesar de a Lei da Nacionalidade já ter sofrido alterações, de numa delas resultou uma alteração (permitindo, por exemplo, a naturalização de condenados com pena igual ou superior a 3 anos) ou eliminação do requisito previsto na al. d) do n°l do seu art°6°., o que demostra o seu relevo e necessidade de ser atendido aquando da apreciação do pedido de cancelamento provisório do registo criminal.
1) Outra interpretação levaria a que o julgador pudesse pôr em causa, por via do cancelamento provisório do registo criminal de um cidadão, a salvaguarda da segurança interna, extravasando a sua função, que é a de salvaguarda dos direitos, liberdades e garantia de todos os cidadãos.
m) O cancelamento provisório do registo criminal, de condenações como as do requerente nos processos acima referidos, para efeitos de trabalho, face ao quadro vigente actual, e uma vez observados os requisitos previstos no art°12° da Lei 37/2015, de 5.5., é legalmente possível, tal como resulta ainda dos n°s 5 e 6 do art°10° do mesmo diploma legal, podendo o mesmo levar uma vida normal integrado na sociedade portuguesa, como tudo indica que leva.
n) Situação diferente é pretender alcançar o direito à nacionalidade, por via da naturalização, mediante o cancelamento provisório do registo criminal, o qual lhe está vedado, pelo menos até ao cancelamento definitivo do registo criminal, nos termos do art°11° da Lei n°37/2015, de 5.5.
o) As normas jurídicas devem ser interpretadas de forma articulada, de modo a respeitar a unidade do sistema jurídico, sob pena de quebra dessa unidade.
p) Como tal, as disposições legais - art°10° e 12° - Lei n°37/2015, de 5.5., o art°229° do CEPMPL e o art°6° da Lei da Nacionalidade - devem ser interpretados de forma harmoniosa, não se podendo fazer prevalecer as duas primeiras sobre a última quando todas têm o mesmo valor e até se pode considerar, como o fez a decisão recorrida, sob pena de violação dos n°s 1 e 3 do art°9° do C.C.
q) Como interpretar a remissão que o art°12° da Lei n°37/2015, de 5.5. faz para os n°s 5 e 6 do seu art°10°, deve ser interpretada no sentido de que a expressão referida no n°6 para qualquer outra finalidade?
r) A interpretação do sentido e abrangência da expressão qualquer outra finalidade tem de ser contextualizada, face à sua inserção normativa. E essa inserção normativa situa-se no âmbito da obtenção de certificados de registo criminal para exercício de actividades - e não para aquisição de direitos - sejam elas de que natureza forem.
s) O n°5 do art° 10° refere para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal, sendo certo que o n°6 retoma a tónica da actividade laboral, aparecendo a expressão qualquer outra finalidade no segmento da avaliação da idoneidade.
t) Assim, a expressão qualquer outra finalidade surge, na economia do texto, como qualquer outro desiderato que se mostre correlacionado (embora não expressamente mencionado, mas englobável nas definições imediatamente anteriores) com os fins de emprego ou de exercício de qualquer outra actividade de natureza similar.
u) Num contexto em que se faz expressa referência a exercício e actividade, não se pode entender que qualquer outra finalidade saia desta conjuntura, abrangendo a noção de aquisição de um direito, pois a inserção normativa não permite tal alargamento interpretativo.
v) A decisão ora recorrida incorreu em violação do disposto nos arts 9°,n°s 1 e 3 do C.C., 229°, n°I e 230° do CEPMPL, 6°,n°l, al. d) e 9°, al. b)da Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3.10, com as alterações da Lei n°25/94, de 19.08, DL n°322-A/2004, de 14.12., Lei n°1/2004, de 15.01 e Lei n°2/2006, de 17.04 - 10°, n°s 5 e 6 e 12° da Lei 37/15, de 5.5.
x)Nesta conformidade, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e determinando-se a sua substituição por outra que indefira o cancelamento do registo provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa das decisões judiciais condenatórias proferidas nos processos 734/00.OPFCSC, 91/02.OPFCSC, 1777/03.7PBOER e 108/09.7PJOER,
Contudo, Vas Exas. melhor farão JUSTIÇA!
3.Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, aquando da vista a que se refere o art.416° do Código de Processo Penal, limitou-se a apor o seu visto.
4. Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art. 419° do CPP, cumpre decidir.
O OBJECTO DO PRESENTE RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa
conhecer (Cfr., neste sentido, o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ n° 484, pág 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ n° 478, pág 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ n° 477, pág 263); SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES (in Recursos em Processo Penal, p. 48); GERMANO MARQUES DA SILVA (in Curso de Processo Penal, vol. III, 2° ed., 2000, p. 335); JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES (in Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, 1988, p. 387); e ALBERTO DOS REIS (in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363) («São só as questões suscitadas pelo
recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).
No caso sub juditio, a única questão suscitada pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) é a seguinte:
1. A de saber se, o pedido formulado pelo Requerente Nelson Rogério deve ser indeferido, porquanto, não se verifica o requisito legal que permite a um cidadão estrangeiro obter a nacionalidade portuguesa, previsto na al. d) do n°1 do art°6° da Lei da Nacionalidade.
O MÉRITO DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Alega o recorrente, para justificar a revogação da decisão recorrida, que, «como
resulta do CRC do requerente e das certidões das sentenças condenatórias juntas aos autos, e como acima referimos, o mesmo sofreu condenações em 4 processos distintos pela prática de crimes de tráfico de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts 21 °,n°1 e 25°, al. a) do Decreto-Lei n°15/93, de 23 de Janeiro, aos quais corresponde pena de prisão de 1 a 5 anos.
Tais crimes não são puníveis com pena inferior a 3 anos de prisão, pelo que não se verifica o requisito legal que permite a um cidadão estrangeiro obter a nacionalidade portuguesa, previsto na al. d) do n°1 do art°6° da Lei da Nacionalidade.»
A decisão recorrida, determinou o cancelamento provisório do registo criminal das decisões proferidas nos Proc. n° 734/00.OPFCSC, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, 3° Juízo Criminal, Proc. n° 91/02.OPFCSC, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, 4° Juízo Criminal, Proc. n° 1777/03.7PBOER, do Tribunal Judicial de Oeiras, 1 ° Juízo Competência Criminal e Proc. n° 108/09.7PJOER, do Tribunal Judicial de Oeiras, 1° Juízo Competência Criminal.
Para tanto, fundamentou-se no seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 12° da Lei n° 37/2015, de 5.05, o Tribunal de Execução de Penas poderá determinar o cancelamento das decisões constantes do registo criminal, quando:
n já tenham sido extintas as penas aplicadas;
n o interessado haja assumido bom comportamento social;
n se mostre cumprida a obrigação de indemnizar o ofendido;
Do teor da certidão junta aos autos e do CRC, resulta que as penas se mostram extintas. Sobre o requerente não recaiu a obrigação de indemnizar.
O requerente não praticou novos factos com relevo criminal, sendo os últimos factos ilícitos conhecidos datados de 2011 e mostra-se devidamente inserido na sociedade, trabalhando regularmente.
Ao contrário do que já decidimos e que constitui a posição do M° P°, entendemos actualmente que nada obsta ao cancelamento provisório do registo criminal para efeitos da obtenção da nacionalidade portuguesa.
Com efeito, para aferirmos dos requisitos para a obtenção da nacionalidade temos apenas que considerar o disposto nos arts. 12° da Lei 37/2015, de 5/5 e o disposto no art.° 229° do CEPMPL, isto porque a lei da nacionalidade, Lei 37/81, de 3/10, não impõe qualquer restrição ou impedimento ao cancelamento provisório do registo criminal como faz a Lei 113/2009, de 17/9 (relativamente a protecção de menores.
(...)
Ao TEP cumpre aferir se o pedido de cancelamento foi feito de acordo com os requisitos legais, sendo admissível o cancelamento para qualquer outra finalidade para além das previstas nas alíneas a) a c) do art.° 10° n° 6, da Lei 37/2015, de 5/5, desde que tenham sido declaradas extintas as penas aplicadas, o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se adaptado e haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido. Neste sentido Ac. TRL de 27.9.2016 in www. dgsi.pt.
Conclui-se, pois, que a pena aplicada produziu a sua função, uma vez que não é conhecido actualmente qualquer facto em desabono do requerente.
Da ficha policial do requerente, solicitada à PJ, e da informação policial solicitada à PSP da área da sua residência, e não consta registo de outros processos contra o requerente.
Verifica-se, assim, que se o requerente tem condições para beneficiar da reabilitação judicial, embora tenha sido condenado pela prática de crimes abstractamente punível com pena de 1 a 5 anos de prisão. Entendemos, tal como expusemos supra que esse facto não afasta a possibilidade do cancelamento provisório do registo criminal.
Desde já se refere que o nosso entendimento quanto à questão em apreço é, no essencial, coincidente com o referido na decisão recorrida.
Daí que, aderindo nós a toda a argumentação aduzida no Acórdão desta Relação proferido no Proc.° n° 934/15.8TXLSB-B.L1-5, citado pelo Recorrente e na decisão recorrida, cuja fundamentação subscrevemos, e no qual se consignou que:
... No entender do Ministério Público, falta um dos requisitos para que a um estrangeiro possa adquirir a nacionalidade portuguesa, por a al. d) do n° 1 do art.° 6° da Lei n° 37/81, de 3/10, exigir a não condenação, com trânsito em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Efectivamente, a Lei n° 37/81, de 3/10, veda a aquisição da nacionalidade portuguesa ao cidadão estrangeiro que tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.
Tal disposição dirige-se tanto ao cidadão requerente como à entidade competente para a concessão da nacionalidade, que não é este Tribunal.
Sucede que o processo de cancelamento provisório do registo criminal visa precisamente reabilitar o cidadão, seja ele nacional ou estrangeiro, que foi condenado pela prática de um crime.
A finalidade do processo é o cancelamento do registo referente a essa condenação. Se se deferir a respectiva pretensão, do registo já não constará a condenação.
Portanto, o cancelamento do registo criminal e a concessão da nacionalidade são duas questões que se colocam em momentos diferentes e perante entidades diversas. Uma precede a outra.
No caso dos autos, o que releva é apenas o primeiro momento: em sede de processo judicial no TEP, perante um concreto pedido deduzido para uma certa finalidade (que tem de ser indicada no requerimento inicial), tem de se apurar se é admissível o cancelamento provisório do registo da condenação para aquela finalidade. Repare-se que o TEP não é o destinatário do certificado do registo criminal, designadamente não é a entidade que tem de apreciar se existem inibições, interdições ou incapacidades em virtude da prática de crime, as quais vedam o acesso a actividades, profissões, funções, etc. Na fase em que o TEP intervém o certificado do registo criminal contém sempre a menção à condenação cujo cancelamento se pretende.
O que o TEP tem de apurar, nesta fase, é se existe alguma disposição que impeça o requerente
de recorrer ao cancelamento provisório do registo criminal para a concreta finalidade indicada no requerimento inicial.
Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não se vislumbra que actualmente exista qualquer obstáculo legal ao requerido cancelamento.
Com efeito, no âmbito da Lei n° 57/98, de 18/8, era permitido, em princípio, o cancelamento do registo criminal para qualquer fim, mas o art.° 16°, n° 1, ressalvava sem prejuízo do disposto nos n°s 2 e 3 do artigo 11 °. Significava isto que nos casos previstos nos n°s 2 e 3 do artigo 11 ° não era admissível o cancelamento do registo criminal, existindo portanto um obstáculo legal à formulação de um pedido de cancelamento nos casos em que, por força de lei, exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade .
Porém, a Lei n° 57/98, de 18/8, foi revogada pelo art.° 46°, n° 1, da Lei n° 37/2015, de 5 de Maio, e actualmente não existe qualquer obstáculo legal a que seja pedido o cancelamento para qualquer finalidade, sem prejuízo do disposto na Lei n° 113/2009, de 17/9 (medidas de protecção de menores). Nos casos previstos na Lei no 113/2009 é que existem obstáculos legais ao recurso ao processo de cancelamento provisório do registo criminal, mas não é esse o circunstancialismo que está em causa nestes autos.
Isso mesmo resulta expressamente do art.° 12° da Lei n° 37/2015, de 5 de Maio, ao dispor que o tribunal de execução de penas pode determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos do n°s 5 e 6 do artigo 10°, onde se descriminam as seguintes finalidades:
a)Fins de emprego, público ou privado;
b)Exercício de profissão ou actividade em Portugal;
c)Exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa;
d) Qualquer outra finalidade.
Portanto, dispondo a lei que o cancelamento pode ser decretado quando se trate de emitir um certificado para qualquer finalidade, não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art.° 229, n° 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade , mais nada nos resta senão concluir que com
fundamento nestas considerações, não merece censura a decisão recorrida. Eis por que o presente recurso irá improceder.
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes que constituem a 5a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem tributação.
Lisboa, 30/01/2018
Maria Margarida Bacelar
Agostinho Torres