Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 10-04-2018   Violência doméstica. Condenação em pena de prisão efectiva. Condenação anterior. Impossibilidade de suspensão da execução da pena.
1. A condenação do arguido em pena efectiva funda-se no comportamento concreto do agente, de acordo com o qual a condenação anterior em pena não detentiva, ainda que não transitada, não foi bastante para conter o seu propósito, sempre repetido, do cometimento de novo crime, pelo que na condenação não se pode deixar de atender na sua inadequação a deixar de perseguir a vitima e cometer novo crime, de idêntica natureza, o que radica em sede de prevenção especial e de reeducação do delinquente, exigências que demonstradamente se fazem sentir com especial acuidade.
2. Perante a recente condenação sofrida pelo arguido pela prática, na pessoa da ofendida, de crime da mesma natureza, e sendo claro que o mesmo está longe de ter interiorizado qualquer juízo de culpa, revelando antes tendência para minimizar o seu comportamento, não se coloca a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
3. É a revelada personalidade do arguido, a sua persistência criminosa, a falta de interiorização da gravidade dos factos perpetrados que ditam a necessidade de cumprimento da pena de prisão efectiva em função das exigências de prevenção especial.
4. Não deve ser dada mais uma oportunidade ao arguido para mal-tratar ou mesmo matar a ofendida, porque não mereceu a anterior.
Proc. 47/17.8T9BRR.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Anabela Simões - Cid Geraldo - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Processo n° 47/17.8T9BRR.L1
Acordam, em conferência, os Juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. No Processo Comum, com julgamento com intervenção do Tribunal Singular, n° 47/17.8T9BRR do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Barreiro, Juiz 2, foi julgado o arguido S..., tendo sido proferida sentença, datada de 31 de Outubro de 2017, que decidiu:
1. Condenar o arguido S..., pela prática de um crime de
violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.° n.° 1 alíneas b e c) e n.° 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.
2. Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, cuja taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 8.° n.° 5 do Regulamento das Custas Processuais, com referência à tabela III anexa e 513.° do Código de Processo Penal, - se fixa em 2 UC.
Após tránsito:
a) Boletim ao registo criminal (art. 5. °, n.° 1, alínea a) da Lei n.° 57/98, de 18 de Agosto).
b) Emita mandados de detenção e condução do arguido ao Estabelecimento Prisional.
c) Comunique a presente decisão nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 37.° da Lei n.° 112/2009 de 16 de Setembro, na redacção dada pela Lei 24/2017 de 25 de maio.
d) Comunique a presente decisão ao processo 91/15.OPEBRR da Instância Local Criminal do Barreiro - JI e ao processo 3630/15.2T8BRR-C da Instância Central de Família e Menores do Barreiro.
e) Comunique ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nos termos do artigo 191.° alínea a) da lei 23/2007 de 04 de julho na redação dada pela Lei 29/2012 de 09 de agosto.
Notifique e deposite - artigo 372.° n.° 5 do Código de Processo Penal.
2. Não se conformando com esta decisão o arguido dela interpôs recurso apresentando motivação da qual formula as seguintes conclusões:
1. O Arguido foi condenado como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. no Art.O 152° n°1 b) e c) e n°2,4 e 5 todos do C. Penal na pena de 2 anos e 9 meses prisão efectiva.
2. Foram incorretamente julgados os pontos n°s 6 e 13 da matéria de facto dada como provada pela decisão recorrida, que deverão passar a constar da (actualidade não assente.
3. O ponto 6 supramencionado em 2 que foi considerado provado, com base depoimentos indiretos e tão só nas declarações da ofendida, que não soube precisar em que data ocorreram os relatos.
4. A testemunha/ofendida declarou que as frases relatadas pela filha já haviam sido discutidas no âmbito de processo anteriormente julgado. Mais que,
5. O depoimento indireto não pode, nem deve ser considerado para efeitos de prova, caso contrário, a sua utilização é incompatível com o princípio da imediação e violador do disposto no Ari 129° do C.P.P.
6. O ponto 13 supramencionado em 2, foi incorretamente dado como facto provado, quando ali se procede à afirmação que o arguido já havia sido condenado em primeira instância,
7. O processo 91/15.OPBRR não se encontrava transitado em julgado à data da prática dos factos em apreço.
8. À data da prática dos factos em apreço nos presentes autos de que se apresenta recurso, arguido não estava no período da suspensão da pena a que foi condenado no processo 91/15.0 PBRR.
9. O ponto 13 dos factos provados encontra-se incorreto uma vez que refere a condenação do arguido em 1.° instancia em outubro do mesmo ano (leia-se 2016) quando a mesma só ocorreu 2/3/2017 data do trânsito em, julgado.
10. Ficou provado que nos factos em apreço não existiram agressões físicas à ofendida, no entanto tal foi desconsiderado pelo tribunal. Devendo em face do tipo de crime ser de considerar.
11. No que ao quantum da pena aplicada diz respeito, entende o Recorrente que o Tribunal A Quo não atendeu a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do Arguido e contra ele, nomeadamente, não foram tidas em consideração para além das circunstâncias agravantes, as circunstâncias atenuantes a que se reporta o Art. 71° do C.P., tendo sido violado este dispositivo legal,
12. Não teve em consideração, consequentemente violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto nos Art.° 71° e 40° ambos do CP.
13. Não tendo o tribunal considerado como favorável ao arguido o facto de entre abril de 2016 e novembro de 2016 não se verificaram qualquer facto a apontar ao arguido, bem como apos 5 Fevereiro 2017 inexistirem quaisquer contactos entre arguido e ofendida.
14. Desconsiderando igualmente que as datas dos factos coincidem com o decurso do julgamento no processo n.° 91/15.OPEBRR, o que reavivou os sentimentos de raiva que o arguido nutria em relação a ofendida, conduta que se reconhece desadequada e criminalmente censurável.
15. E grande o inconformismo do aqui Recorrente, porque condenado a pena de prisão efectiva, em face do que resultou efectivamente provado, nos presentes autos.
16. Não atendendo o tribunal as exigências de prevenção especial do caso concreto, que se afigura reduzida em virtude de não existirem atualmente contactos entre a vítima e o agressor. E que,
17. O arguido na data dos factos ora em apreço não havia ainda iniciado o acompanhamento especializado, inserido no plano individual de reinserção social proposto no âmbito da suspensão, plano esse que só foi homologado em 7/11/2017 e que o arguido se encontra a cumprir.
18. Este sim dando lhe uma hipótese para se reeducar,
19. Entendemos ser de aplicar, uma pena mais harmoniosa, de acordo com a sua realidade, quer dos factos quer do próprio arguido, considerando os argumentos supra, bem como, as possibilidades de reinserção e reintegração social do Arguido, que nos termos do Art.71 ° e do Art. 40° do C.P., se deve situar no limite mínimo da pena que será os 2 anos de pena a qual deve ainda ser suspensa na sua execução por igual período.
20. Respeitando-se o corolário do direito penal que se pauta pela preferência por penas não privativas da liberdade, o qual constitui um poder dever do tribunal, o recurso a pena de prisão só tem cabimento quando esgotadas as soluções não privativas da liberdade e quando as mesmas não se mostrem adequadas.
21. Que entendemos no presente caso não se mostram ainda esgotadas.
o fim das penas (...) não é outro senão de impedir o réu de fazer novos danos aos seus concidadãos e de dissuadir os outros de fazer o mesmo. Devem, assim, escolher-se as penas e o método de infligi-las de tal maneira que, observadas as devidas proporções, se produzirá um efeito mais eficaz e mais duradouro sobre os espíritos dos homens, e menos torturante sobre o corpo do réu.
Termos em que,
A) Deve ser dado provimento ao presente recurso, e desta forma ser a Sentença Recorrida revogada na parte em que condenou o Recorrente na pena de 2 anos e 9 meses de prisão efectiva, por esta ser desproporcional às finalidades da punição e, em consequência ser substituída por uma decisão, suspensa na sua execução por igual período, ainda que sujeita a regime de prova.

3. Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o Digno Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do mesmo, formulando as seguintes conclusões:
1. Atentas as declarações prestadas pela denunciante ao minuto, 27:20, entende-se, assim, que
o Tribunal no ponto 6., apenas, pode considerar como provado o seguinte:
Em data não concretamente apurada mas posterior a Outubro de 2016, o arguido transmitiu à filha menor que era sua intenção cortar a cabeça da sua mãe, facto que a mesma transmitiu à aqui denunciante.
2.° Considera o Ministério Público que, para além dos factos considerados como provados, deverá o Tribunal considerar como provado, o seguinte:
No dia em que o arguido assistiu à leitura ocorrida no processo n.° 91/15.0 PEBRR, procurou a denunciante no restaurante onde a mesma se encontrava com as suas amigas e cerrou o punho, fazendo-a crer ser sua intenção atingi-la na sua integridade física, o que a atemorizou.
3° Mais se entende que o Tribunal devia ter considerado como provado, porque resulta do depoimento prestado pela denunciante, C... (minuto 09:17m) e se mostra corroborado pela testemunha, C..., o seguinte:
Em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2017, o arguido dirigiu-se à residência da denunciante ao deparar com o veículo automóvel a si pertencente, que ali se encontrava imobilizado, escreveu a seguinte expressão: fuck puta.
4.° Resulta evidente a inexistência do vício de erro notório na apreciação da prova invocado pelo arguido, o qual não se confunde, seguramente, com a mera discordância com o teor decisório.
5.° O Tribunal a quo, no facto que considerou como provado em 13., não faz qualquer menção ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.° 91/15.0 PEBRR, mas sim, que o arguido havia sido condenado naqueles autos, o que era forçoso, já que aquele no dia em que assistiu à sua leitura, seguiu a ofendida, demonstrando uma conduta persistente, totalmente desrespeitadora da Sentença que o havia condenado.
6.° Efectivamente, é patente a gravidade das condutas levadas a efeito pelo arguido, como muito bem se fundamenta na sentença recorrida, revelando-se as necessidades de prevenção geral elevadas e as de prevenção especial, igualmente, muito elevadas, atendendo a que o arguido atingiu a liberdade e a integridade psíquica da vítima de tal forma, que a obrigou a começar uma nova vida longe da sua família e amigos.
7.° O Tribunal não poderá fazer um juízo de prognose favorável de que o arguido não irá cometer crime de igual natureza contra a vítima, facto preponderante para que a pena de prisão seja suspensa na sua execução, em virtude de apesar de condenado, ainda que por decisão não transitada em julgado, e sujeito a medida de coacção de não contactar a denunciante, o arguido não se coibiu de agir como acima descrito, violando a própria medida de coacção.
8.° Em consequência, entendemos que a sentença recorrida deverá ser mantida e o presente recurso ser declarado improcedente.

4. Neste Tribunal da Relação, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no seu Parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção do decidido.

5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.

6. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da medida da pena.
- Da suspensão da execução da pena.

7. Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
A) Resultaram provados os seguintes factos da acusação:
1. O arguido manteve relacionamento amoroso com C..., como se de marido e mulher se tratassem desde 2012 até 2015.
2. Residiram na Rua 3 Lote 5, 5,0 C e, posteriormente na Rua 10, Lote 61, 1.° Dto., Cidade do Sol.
3. Do relacionamento de ambos nasceu uma filha no dia 04 de fevereiro de 2012 de seu nome A....
4. Por sentença proferida no dia 17 de outubro de 2016 e já transitada em julgado, no âmbito do processo n.° 91/15.OPEBRR, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica perpetrado contra C..., na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova e ainda na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de três anos por factos ocorridos entre 2012 e abril de 2016.
5. Não obstante, no dia 13 de novembro de 2016, cerca das 11H00, no hipermercado Continente, na Avenida dos Fuzileiros Navais, em Barreiro, quando ali se deslocou para que C... lhe entregasse a sua filha menor, disse à ofendida 'falsa, esta mulher não presta para nada. Vai-te embora, sua mentirosa
6. Em datas posteriores, não concretamente apuradas disse à filha que matava a mãe e lhe arrancava a cabeça.
7. No dia 07 de dezembro de 2016, cerca das 20H45m, no local a que se alude em 5, na presença da filha, vociferou dirigindo-se a C..., a seguinte expressão sua vaca, sua puta, sua drogada, vais ver o que te faço
8. No dia 10 de dezembro de 2016, cerca das 12H30m, telefonou a C... e disse-lhe eu sei que vou acabar preso, mas tá descansada que os que. ficarem à solta, já tão tratados e isto não fica assim e alguém vai pagar por isto, o teu pai, o teu irmão, o A... ou o Nei.
9. No dia 11 de dezembro de 2016, pelas 12H00m dirigiu-se a casa da ofendida, sita na Avenida D. Afonso Henriques n.° 59, Barreiro, desferiu murros e pontapés na porta de entrada, gritando cabra, puta, dá-me a minha filha , puta, não vales um caralho, és uma drogada. Tu, o teu patrão e o teu pai vão morrer. Eu vou preso mas deixarei informação para vos fazerem a folha.
10. No dia 22 de janeiro de 2017, pelas 09:30, contactou Cátia telefonicamente e afirmou eu posso ir preso, mas mata-te. Vou atrás de ti. Dou cabo da tua vida.
11. No dia 05 de fevereiro de 2017, de manhã, no hipermercado Continente, na Avenida dos Fuzileiros Navais, no Barreiro, novamente quando ali se deslocou para que Cátia Máximo lhe entregasse a filha menor, dirigiu-se-lhe, chamando-lhe sua puta de merda; és uma puta de merda, és uma drogada e dizendo vou-te matar. Andas a foder à frente da minha filha. Vou acabar contigo
12. Atuou sempre querendo afetar, como afetou, o bem estar físico, psíquico, tranquilidade, honra e dignidade de Cátia Máximo, fazendo-a temer pela sua segurança, pela sua integridade física, pela sua vida, provocando-lhe pânico.
13. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, pois tinha sido condenado em primeira instância em outubro do mesmo ano pela prática do crime de violência doméstica contra a mesma ofendida.
14. Tinha capacidade para se determinar em sentido contrário e, ainda assim não se absteve de praticar as aludidas condutas.
15. O arguido para além da condenação a que se alude em 4, foi condenado por decisão proferida em 17 de junho de 2015, transitada em julgado no dia 02 de Setembro de 2015, pela prática em 17 de Setembro de 2011, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,50€.
Mais se provou:
16. Por causa da factualidade descrita de 5 a 12 e por temer pela própria vida e estabilidade emocional da sua filha, a ofendida mudou o seu centro de vida para localidade desconhecida do arguido.
17. No mês anterior à saída do Barreiro, a ofendida pernoitou sempre na casa de amigas.
18. Ainda, ambiciona regressar ao Barreiro, só não o fazendo com medo do arguido.
19. A Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais elaborou relatório social ao arguido, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde, além do mais, se lê o seguinte em sede de conclusões:
S… vive sozinho na casa de família (cedida pela mãe), estando desempregado, viria a assumir mo último ano um estilo de vida centrado em saídas e actividades recreativas. Referiu ter iniciado actividade profissional recente, alegação que nos levanta algumas reservas, sendo que não entregou comprovativo, sobressaindo antes suspeitas de que enfrente à data uma situação de provável fragilidade, em termos pessoais, económicos e sociais. Da análise do seu discurso/atitude, transparece persistência de alguma hostilidade face á vítima, tendendo este a projectar uma imagem negativa da mesma responsabilizando-a pelos seus problemas, aparentando estar ainda algo centrado no conflito, tendo dificuldade em adaptar-se à separação, exercício parental e aos processos judiciais em curso. Atendendo à avaliação efectuada, com base nas fontes e no instrumento de avaliação de risco de violência doméstica SARA, caso provados os alegados factos que estão na base do processo, salientaríamos como factores de risco identificados:
- Suspeita de vítima/exposição a violência na infância/adolescência
- Violência física perpetrada no passado face à vítima
- Violência física perpetrada no passado face a terceiros
- Ameaças de morte efectuadas no passado à vítima
- Violação da medida de coacção/proibição ausência de contactos com a vítima
- Reincidência no crime de violência doméstica, não obstante condenação recente
- Problemas de emprego recente
Negação da história de violência conjugal,
Face ao exposto, em caso de condenação, qualquer que venha a ser a decisão do tribunal, atendendo aos factores de risco, salientam-se como áreas de intervenção/necessidades identificadas: a manutenção da interdição de contactos com a vítima, o investimento numa rotina estruturada alicerçada em hábitos de trabalho, a submissão a uma intervenção dirigida a alteração do comportamento violento e impulsivo e desenvolvimento de atitudes e sentido de responsabilidade em contexto relacional parental.
Será previsto, caso permaneça em liberdade, que venha a integrar o PAVD - Programa de agressores de Violência Doméstica, na DGRSP, no contexto da pena suspensa em curso, sobressaindo-nos todavia algumas reservas em relação à sua capacidade de adesão/mudança.
20. O arguido iniciou funções na empresa Autovision - People, Empresa de Trabalho Temporário Lda., no passado dia 14 de Setembro de 2017, auferindo um vencimento base mensal de 625,00€ (seiscentos e vinte e cinco euros).
B) Factos não provados
a) Inexistem
C) Convicção do Tribunal
O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designada e essencialmente no depoimento da ofendida, muito sofrido, mas espontâneo e desinteressado. A testemunha Ana Cristina Araújo Carvalho, prestou um depoimento igualmente isento, desprendido e pautado pela verdade. Com efeito, a ofendida, que não se constituiu assistente, não se coibiu de relatar os factos, mesmo quando os mesmos favoreciam de algum modo o arguido. Foi notório o cumprimento do dever de verdade e de colaboração com a justiça. Veja-se a título de exemplo que a ofendida fez questão em frisar que no período em causa nestes autos, o arguido não a agrediu fisicamente. Foi confirmando, por outras palavras, a factualidade plasmada na acusação, cuja redacção o tribunal manteve, por ter ficado convencido que, no essencial foi o que ocorreu, em nada relevando pequenas diferenças de pormenor também imputáveis ao decurso do tempo e seus efeitos na memória.
A testemunha, amiga da ofendida, relatou a factualidade na parte que presenciou de modo coincidente.
Importa fundamentar um pouco mais a factualidade descrita em 12 e 16 e que se reporta ao efeito anímico que a conduta do arguido provocou na ofendida. O tribunal não tem dúvidas que a ofendida, mais do que medo, tem pânico do arguido, resultando evidente a autenticidade do depoimento da mesma na parte em que referiu que dormia na sua casa com a mesa da cozinha encostada à porta do terraço com medo que o arguido por ali entrasse de noite. A ofendida tem medo de morrer às mãos do arguido e fá-lo transparecer a quem consigo convive. O tribunal teve essa perceção com a imediação do julgamento e têm-no as pessoas que a acompanharam a julgamento e que na assistência se emocionaram sempre que a ofendida se emocionou, por exemplo quando relatou, sofrida, que a filha quando vinha das visitas do pai lhe contava que o pai tinha dito que ia cortar a cabeça à mãe, ou quando relatou que a filha perguntou aos avós o que é uma chupa pilas de merda, porque era o que o pai chamava à mãe. A ofendida confirmou as participações/queixas que efectuou e associou cada uma a cada uma das situações descritas na acusação. Em suma porque coerente, verosímil, espontâneo e sincero o tribunal valorou as declarações da ofendida como credíveis e julgou a factualidade de acordo com as mesmas. O arguido exerceu o direito ao silêncio, contudo, a final, depois de ouvir a produção de prova, abdicou desse direito e quis prestar declarações negando no essencial a factualidade, apenas assumindo as expressões menos gravosas, justificando-as com um contexto de raiva e de litígio no âmbito das responsabilidades parentais da filha. Raiva de que o tribunal não duvida e que o arguido não fez por controlar, praticando, não só o assumido, mas toda a factualidade julgada como provada de 5 a 13.
A prova dos antecedentes criminais funda-se no certificado de registo criminal, os factos atinentes às conclusões do relatório da DGRSP baseia-se no próprio, junto aos autos. O exercício de actividade profissional remunerada e actual funda-se no documento, junto pelo arguido na data da leitura da sentença.
III - ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Importa agora efectuar o necessário enquadramento jurídico e aferir se o arguido praticou o crime pelo qual vem acusado e se deverá pelo mesmo ser condenado.
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos fisicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1. grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o jacto contra menor, na presença de menor, no domicilio comum ou no domicilio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a saúde enquanto dignidade da pessoa humana, podendo englobai bens jurídicos como a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e até a honra. É, um crime de dano e de resultado que exige o dolo do agente, designadamente, o conhecimento da identidade e das características da vítima.
Entendemos, que este crime exige como pressuposto, uma vítima forçada. Ou seja, a vítima, independentemente de quem seja, terá de se encontrar numa qualquer relação de dependência com o agressor, por forma a que, mesmo sofrendo maus tratos físicos e psíquicos, a vítima não consiga libertar-se do agressor, nem reagir, seja por dependência económica, motivos sociais, familiares, ou mesmo afectivos. O essencial é que, em virtude do comportamento do agressor, a vida da vítima perca dignidade.
In Jornadas do Centro de estudos Judiciários, sobre o tema da violência doméstica, Plácido Conde Fernandes, docente no Centro de Estudos Judiciários, definiu com clareza e precisão qual o bem jurídico deste tipo legal de crime:
Não se vê, assim, razão para alterar o entendimento, já sedimentado, sobre a natureza do bem jurídico protegido, como sendo a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde fisica, psíquica, emocional e moral,
Desta, forma, e considerando que o crime de violência doméstica abarca uma multiplicidade de bens jurídicos, é necessário que os factos revistam especial gravidade de modo a serem aptos a provocar a degradação da dignidade humana da vítima, não bastando uma qualquer ofensa física ou psíquica.
O elemento objectivo deste tipo de crime consiste assim nas condutas de violência física, psicológica, verbal e sexual que não sejam punidas com pena mais grave por força de outra disposição legal, praticadas contra cônjuge ou pessoa com quem o arguido mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges. O elemento subjectivo deste tipo de crime exige o dolo, não sendo punível a negligência. Desta forma é necessário que o arguido saiba a correcta identidade e características da vítima e queira contra a mesma praticar actos de violência física, psíquica, verbal ou sexual. Analisemos então se as condutas praticadas pelo arguido foram ou não idóneas a atentar contra este bem jurídico e, em caso afirmativo se se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime base.
E de concluir que sim.
Com efeito, resulta dos autos, o que foi confirmado de forma notória em julgamento, que o arguido exerceu violência psicológica sobre a ofendida directamente e, mais grave, através da. filha de ambos. Violência que a ofendida teve dificuldade em se libertar, por via do vínculo que os une relativo às responsabilidades parentais de ambos sobre a filha em comum. O arguido no passado demonstrou ser capaz de exercer, como exerceu, violência física sobre a ofendida, pelo que a ameaça actual de que a voltará a exercer e que inclusivamente matará a ofendida é levada a sério por esta que, por esse motivo, vive atemorizada. Os pontapés que o arguido deu na porta, ainda que a coberto de um suposto interesse em privar com a filha, dão ênfase aos ímpetos violentos do arguido e criam na ofendida a consciência de que o mesmo facilmente passará das palavras aos atos. O mau estar psíquico foi em grau suficientemente elevado para comprometer a dignidade da vida humana da ofendida, motivo pelo qual a mesma se viu obrigada a abandonar a localidade onde sempre residiu e gostaria de continuar a residir. Como se tal não bastasse vê-se ainda a braços com a necessidade de utilizar aparelho electrónico que controle o arguido à distância. Este aparelho que visa garantir a segurança da vida, não permite que a ansiedade sentida cesse. A existência da pulseira não permite esquecer a existência do arguido, não como ex¬companheiro, não como progenitor de uma filha em comum, mas sim como agressor. Ansiedade sempre presente que será potenciado em caso de a pulseira alguma vez emitir sinal sonoro indicando aproximação do arguido. A própria necessidade de utilizar a pulseira pode ser indicador do crime de violência doméstica, porque efectivamente, com a sua utilização, a vida da vítima perde dignidade.
Por seu turno o arguido conhece bem a identidade da vítima, sabendo ser a mesma mãe de sua filha e o ascendente psicológico que exerce sobre ela, bem assim como a capacidade que tem em provocar o pânico na ofendida.
Praticou os factos, na maior parte das vezes, à frente e com o conhecimento da filha, pelo que está preenchida a condicionante que agrava a conduta, nos termos do n.° 2 do artigo 152.° do Código Penal.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que o cometeu o crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.° n.° 1 alínea b) e c), pelo qual deverá ser condenado, nos termos da agravante prevista no n.° 2 do artigo 152.° do Código Penal.
IV - DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
O crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.° n.° 2 do Código Penal, estabelece uma moldura penal de 2 a 5 anos de prisão.
Dispõe o artigo 71.° n.° 1 do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites previstos na moldura penal do tipo de crime em causa, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Importa ter em consideração as exigências de prevenção geral e especial.
Na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa - e para incentivar a convicção na sociedade, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas - prevenção geral positiva
Na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade.
Dispõe o artigo 71.° n.° 2 do Código Penal que na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstancias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
b) A intensidade do dolo ou da negligência
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram.
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica.
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime
A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa - artigo 40. ° n.° 2 do Código Penal.
Verifica-se no caso em apreço que, quanto às exigências de prevenção geral as mesmas são muito elevadas, atento o número elevado de verificação de crimes desta natureza e o sentimento de relativa impunidade que ainda hoje se faz sentir neste âmbito, por persistir na actualidade, desconforto na denúncia de crimes que se prendam com a vida íntima alheia e, noutros casos, receio de denunciar crimes praticados no próprio seio familiar. Não será despiciendo recordar que tem sido amplamente publicitado nos meios de comunicação social que de 2004 a 2016 morreram em Portugal 450 mulheres vítimas de violência doméstica. E por isso um crime com forte estigma social e fortes exigências ao nível da prevenção geral que reclama uma reacção vigorosa por parte dos tribunais.
Não descurando as necessidades de prevenção geral há que conciliá-las com as necessidades de prevenção especial, de forma a não instrumentalizar o arguido e evitar que a sua condenação sirva essencialmente de exemplo perante a sociedade e não vise a ressocialização do arguido. Acontece que neste caso o arguido não demonstrou qualquer arrependimento ao longo de toda a audiência de discussão e julgamento. Pelo contrário, apresentou no final uma atitude desculpabilizante dos seus actos, revelando uma falta de interiorização do desvalor das suas condutas o que dilata as necessidades de prevenção especial que o caso reclama. Acresce que o arguido tem antecedentes criminais pela prática dos mesmos factos e contra a mesma vítima. Os factos que deram origem aos presentes autos foram cometidos após decisão de primeira instância que o condenou a 3 anos de prisão suspensa na sua execução e, na pendência da medida de proibição de contactos que o arguido terá violado. A medida apenas excecionou contactos necessários à resolução de assuntos relacionados com a filha menor do casal que não possam ser tratados de outro modo. Ainda que tais assuntos tenham sido o pretexto da aproximação, a partir do momento em que o arguido ofende e ameaça de forma cruel e gratuita a ofendida, incorre em violação da medida. O juízo de prognose é muito desfavorável, só não sendo mais, porque nestes novos factos, o arguido não molestou o corpo da ofendida. Não obstante, o medo que as suas palavras e atos causaram na ofendida foi devastador e forçou a ofendida e mudar o seu centro de vida e a sujeitar-se à utilização de aparelho electrónico de controlo à distancia que é sempre perturbador.
O grau de ilicitude dos factos, pelas consequências no estado anímico da ofendida é elevado. Ainda assim, considerando que estamos perante um crime que só admite pena de prisão é de considerar mais gravosos, porque mais violentos os factos praticados no anterior processo em que o arguido foi condenado, razão pela qual entendemos que não deverá o arguido ser condenado neste processo em pena igual ou superior, antes ligeiramente inferior, na medida em que a medida concreta da pena deverá obedecer a critérios de proporcionalidade. O dolo é directo e intenso, tendo em conta a reiteração das condutas e a insensibilidade que as mesmas demonstram. A culpa é igualmente elevada, uma vez que se funda no dolo directo. Os sentimentos demonstrados no cometimento do crime concorrem contra o arguido, pois são fúteis e infundados, dir-se-á mesmo irracionais. As condições pessoais e económicas do arguido, são frágeis, pela instabilidade na inserção profissional ainda não devidamente sedimentada, não obstante o recente regresso ao mercado de trabalho. A conduta anterior aos factos é muito desfavorável ao arguido uma vez que o mesmo tem antecedentes criminais recentes pela prática de factos da mesma natureza e contra a mesma pessoa. A conduta posterior é favorável, não podendo contudo beneficiar o arguido, pois que não se deve a uma mudança comportamental, antes sim à mudança de centro de vida que a ofendida se viu forçada a levar a cabo com medo do arguido. O arguido não contacta a ofendida, porque desconhece onde a mesma reside e trabalha.
Termos em que se afigura justa, porque adequada à personalidade do arguido e proporcional à gravidade dos factos a aplicação de uma pena de 2 anos e 9 meses de prisão. Ficarão assim, acredita o tribunal, cabalmente salvaguardadas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, já que a pena será suficientemente alta para a sociedade a sentir como a reacção vigorosa que se impõe neste tipo de crime e, suficientemente baixa para permitir ao arguido idealizar um projecto de vida conforme ao direito após cumprimento de pena, sem sofrer de forma irreversível os efeitos criminógenos inerentes ao meio prisional.
V - DA NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Dispõe o artigo 50.° do Código Penal, que:
O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstáncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam deforma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O arguido já foi condenado pela prática de 1 crime de violência doméstica contra a mesma vítima, na pena de três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período.
Da leitura da sentença subentende-se que o juízo de prognose favorável, que resultou no concluir que a simples ameaça da pena seria suficiente a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclamava, resultou de uma presunção do julgador, provavelmente com recurso ao conceito de comum homem médio, de que uma ameaça de prisão de 3 anos é suficiente para dissuadir um arguido nunca antes condenado em pena de prisão, de praticar novos crimes. Infelizmente, o tribunal enganou-se. É certo que à data da prática dos factos a decisão ainda não tinha transitado em julgado, não obstante, o arguido forçosamente teria de prever, pelo menos como possível, que a decisão iria transitar em julgado. Mais, a exortação que o tribunal sempre faz ao arguido condenado em sede de leitura de sentença é feita na primeira instância, sendo nesse momento que se produz o efeito psicológico dissuasor de condutas desconformes ao direito. Efeito que o arguido facilmente ultrapassou e ignorou.
Salienta-se que o arguido não interiorizou minimamente o desvalor da conduta, mantendo discurso desculpabilizante em relação à sua pessoa. Por fim, é de salientar que o relatório social aponta para inúmeros factores de risco (8) no total, relativamente ao arguido e sublinha reservas na capacidade do arguido aderir a programa de agressores de violência doméstica e de mudar a sua conduta. O arguido já demonstrou essa incapacidade, pois há que assumi-lo com toda a frontalidade, o arguido verbalizou intenção de pôr termo à vida da ofendida. A ofendida acredita que tal desiderato é de possível concretização e o tribunal também. Importa forçosamente dissuadir o arguido de o fazer.
Neste contexto, não pode o tribunal acreditar que a simples censura do facto e ameaça de prisão, ainda que acompanhados de pena acessória de frequência a programa de violência doméstica, são suficientes para inibir o arguido de voltar a praticar factos de idêntica natureza.
Por tudo o exposto, o tribunal não suspenderá a execução da pena de prisão.
Acreditando que a pena de prisão efectiva, na dose adequada, é eficaz e suficiente para dissuadir o arguido no futuro de praticar crimes, não aplicará o tribunal qualquer pena acessória, sem prejuízo de se manterem vigentes as penas acessórias aplicadas no processo 91/15. OPEBRR.

8. Apreciação das questões objecto do recurso:
-Quanto à impugnação da matéria de facto e ao invocado erro notório na apreciação da prova:
Veio o recorrente invocar que os pontos 6 e 13 da matéria de facto dada como provada foram incorrectamente julgados, o primeiro (ponto 6) porque se baseou em depoimentos indirectos e nas declarações da ofendida, que não soube precisar em que data ocorreram os relatos, que podem ter ocorrido no âmbito do outro processo em que o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, e o segundo (ponto 13) na medida em que afirma que o arguido já havia sido condenado em primeira instância, quando o processo em causa ainda não se encontrava transitado em julgado, pelo que deverão ambos os pontos passar a constar da factualidade não assente.
Apreciando:
Cumpre recordar que as Relações julgam de facto e de direito - art.° 428° n° 1 do CPP - mas o duplo grau de jurisdição está condicionado e limitado à previsão do art.° 410° n°s 2 e 3 do CPP.
A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto exige aos recorrentes a especificação dos artigos ou pontos da matéria de facto que considera incorrectamente apreciados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, as provas que devem ser renovadas - art.° 412° n° 3 do CPP. E havendo provas gravadas cumpria ao recorrente, por força do disposto no n° 4 do art.° 412° do CPP, fazer tais especificações, por referência aos suportes técnicos, indicando as expressões e sentidos que das transcrições fundamentariam a sua pretensão, caso quisesse impugnar a matéria de facto fixada, o que, no caso, se mostra deficientemente efectuado.
Com efeito, o recorrente indicou os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, mas não indicou as provas concretas que permitem uma decisão diferente da recorrida, limitando-se, designadamente no que concerne à impugnação do ponto 6, a criticar a valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, pugnado uma perspectiva diferente e alegando que se baseou em depoimentos indirectos e nas declarações da ofendida.
O recorrente pretende substituir a sua versão dos factos - a qual não teve acolhimento na sentença recorrida, em termos por esta explicados, fundamentados e esclarecedores, pela versão dos factos dada como provada pelo tribunal na sentença, tendo o Senhor Juiz efectuado pormenorizado e cuidadoso exame crítico da prova no seu conjunto.
Sucede que o tribunal a quo explicou fundamentada e detalhadamente os motivos pelos quais não acolheu a versão do arguido, assim como avaliou e examinou todos os depoimentos e testemunhos, assim como os motivos pelos quais, igualmente de forma fundamentada, acolheu a versão da ofendida.
Assim, e no que concerne ao ponto 6:
Ouvidas as declarações prestadas pela ofendida Cátia Máximo, em sede de audiência de discussão e julgamento, verificamos que a mesma foi peremptória em afirmar que todos os factos de que estava a falar ocorreram após Outubro de 2016 ...e que a filha quando vinha das visitas com o pai lhe transmitia o pai vai-te cortar a cabeça.
O depoimento da ofendida não deixou margem de dúvidas para o tribunal recorrido por tudo o que se expôs na fundamentação da sentença recorrida e que este Tribunal de recurso, igualmente, acolhe, após a audição do seu depoimento.
A decisão do tribunal recorrido, que beneficiou da imediação, não merece qualquer censura, sendo de assinalar, como decidido na jurisprudência dos tribunais superiores, que quando da atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação ou oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras de experiência comum . Neste sentido verbi gratia o Acórdão do TR de Coimbra, de 6 de Março de 2002, in Col.' Jura, ano XXVII, Tomo II, pág. 44.
Assim, ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório (...) verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. Assim, só em caso de existência de provas, para se decidir em determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas incluindo as regras da experiência comum ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão de primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do art.° 431° do CPP, cfr. Ac. desta 5a Secção do TR de Lisboa, sendo relator o hoje Conselheiro Vasques Dinis, de 22 de Novembro de 2005, no processo n° 3717/05.5.
No caso, o recorrente não aceita a valoração constante da decisão recorrida, pretendendo que vingue a sua visão pessoal sobre a prova produzida, mas a convicção pelo tribunal recorrido formada, com base no conjunto da prova que perante ele é produzida, é a única que conta e tem de ser atendida, independentemente do juízo que sobre a mesma prova formem os diversos intervenientes processuais, nomeadamente o arguido, imbuído que está de um espírito de defesa dos seus próprios interesses.
No caso, a apreciação da prova pelo tribunal recorrido apoia-se em critérios objectivos, está devidamente motivada e foi norteada pelo cumprimento do dever de perseguir a verdade material, o que corresponde ao cumprimento adequado do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127° do CPP, não revelando ter havido qualquer arbítrio, ou discricionariedade na sua apreciação, nem vai contra a lógica, ou contra as regras da experiência comum, ou com recurso a qualquer prova indirecta.
Não se verifica, igualmente, o invocado, de forma absolutamente genérica e não levado às conclusões de recurso, vício de erro notório na apreciação da prova, cujo quadro legal disciplinador se encontra no disposto no art.° 410° n° 2 alínea c) do CPP, já que o mesmo exige que resulte ostensivo do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras de experiência comum e seja perceptível por uma pessoa média, o que significa, além do mais, inadmissibilidade de apelo a elementos exteriores à mesma decisão, o que desde logo nos leva à total improcedência de qualquer vício fundado em erro notório na apreciação da prova, no caso concreto.
Ponto 13 da matéria de facto considerada provada:
O recorrente confunde duas situações básicas: a condenação do arguido e o trânsito em julgado dessa condenação.
O que o ponto 13 dos factos provados refere é que:
13. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, pois tinha sido condenado em primeira instância em outubro do mesmo ano pela prática do crime de violência doméstica contra a mesma ofendida.
E já no ponto 4 dos factos provados se havia considerado como assente:
4. Por sentença proferida no dia 17 de outubro de 2016 e já transitada em julgado, no âmbito do processo n.° 91/15.OPEBRR, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica perpetrado contra Cátia Máximo, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova e ainda na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de três anos por factos ocorridos entre 2012 e abril de 2016.
Observamos, assim, que o art. 13° dos factos provados não é incorrecto, pois efectivamente o arguido foi condenado, em primeira instância, por sentença datada de Outubro de 2016, pela prática de um crime de violência doméstica, contra a mesma ofendida destes autos - C....
A circunstância de tal sentença só ter transitado em julgado em 2 de Março de 2017 em nada colide com o que o tribunal recorrido considerou como provado no ponto 13, já que aí, como vimos, não se faz qualquer menção ao trânsito em julgado dessa decisão, nem aí, ou em qualquer outro local da decisão recorrida, se considerou que os
factos destes autos foram praticados durante o período de suspensão da execução da pena, de uma anterior condenação.
E tamanha é a consciência do tribunal recorrido nesse ponto que se chegou mesmo a escrever na fundamentação da não suspensão da execução da pena de prisão que:
É certo que à data da prática dos factos a decisão ainda não tinha transitado em julgado, não obstante, o arguido forçosamente teria de prever, pelo menos como possível, que a decisão fria transitar em julgado.
Em concussão, pelos termos expostos, a decisão relativa à matéria de facto feita
pelo tribunal recorrido não merece qualquer censura, não tendo o recurso provimento.

- Quanto à medida da pena:
Quanto à pedida redução da pena de prisão aplicada pelo tribunal recorrido é manifesta, também, a improcedência do recurso, desde logo pelo elevado grau de gravidade dos factos e das suas consequências para a ofendida, como pela sua repercussão pública no meio social, o decurso de tempo em que os factos foram sendo sucessivamente perpetrados, mesmo após a condenação do arguido (ainda que não transitada em julgado), por crime da mesma natureza do aqui em causa e contra a mesma ofendida, como, ainda, pela falta de atenuantes, como a mera confissão ou o simples arrependimento.
Tal como se lê na sentença recorrida a propósito da medida concreta da pena aplicada:
Verifica-se no caso em apreço que, quanto às exigências de prevenção geral as mesmas são muito elevadas, atento o número elevado de verificação de crimes desta natureza e o sentimento de relativa impunidade que ainda hoje se faz sentir neste âmbito, por persistir na actualidade, desconforto na denúncia de crimes que se prendam com a vida íntima alheia e, noutros casos, receio de denunciar crimes praticados no próprio seio familiar. Não será despiciendo recordar que tem sido amplamente publicitado nos meios de comunicação social que de 2004 a 2016 morreram em Portugal 450 mulheres vítimas de violência doméstica. E por isso um crime com forte estigma social e fortes exigências ao nível da prevenção geral que reclama uma reacção vigorosa por parte dos tribunais.
Não descurando as necessidades de prevenção geral há que conciliá-las com as necessidades de prevenção especial, de forma a não instrumentalizar o arguido e evitar que a sua condenação sirva essencialmente de exemplo perante a sociedade e não vise a ressocialização do arguido. Acontece que neste caso o arguido não demonstrou qualquer arrependimento ao longo de toda a audiência de discussão e julgamento. Pelo contrário, apresentou no final uma atitude desculpabilizante dos seus actos, revelando uma falta de interiorização do desvalor das suas condutas o que dilata as necessidades de prevenção especial que o caso reclama. Acresce que o arguido tem antecedentes criminais pela prática dos mesmos factos e contra a mesma vítima. Os factos que deram origem aos presentes autos foram cometidos após decisão de primeira instância que o condenou a 3 anos de prisão suspensa na sua execução e, na pendência da medida de proibição de contactos que o arguido terá violado. A medida apenas excecionou contactos necessários à resolução de assuntos relacionados com a filha menor do casal que não possam ser tratados de outro modo. Ainda que tais assuntos tenham sido o pretexto da aproximação, a partir do momento em que o arguido ofende e ameaça de forma cruel e gratuita a ofendida, incorre em violação da medida. O juízo de prognose é muito desfavorável, só não sendo mais, porque nestes novos factos, o arguido não molestou o corpo da ofendida. Não obstante, o medo que as suas palavras e atos causaram na ofendida foi devastador e forçou a ofendida e mudar o seu centro de vida e a sujeitar-se à utilização de aparelho electrónico de controlo à distância que é sempre perturbador.
O grau de ilicitude dos factos, pelas consequências no estado anímico da ofendida é elevado. Ainda assim, considerando que estamos perante um crime que só admite pena de prisão é de considerar mais gravosos, porque mais violentos os factos praticados no anterior processo em que o arguido foi condenado, razão pela qual entendemos que não deverá o arguido ser condenado neste processo em pena igual ou superior, antes ligeiramente inferior, na medida em que a medida concreta da pena deverá obedecer a critérios de proporcionalidade. O dolo é directo e intenso, tendo em conta a reiteração das condutas e a insensibilidade que as mesmas demonstram. A culpa é igualmente elevada, uma vez que se funda no dolo directo. Os sentimentos demonstrados no cometimento do crime concorrem contra o arguido, pois são fúteis e infundados, dir-se-á mesmo irracionais. As condições pessoais e económicas do arguido, são frágeis, pela instabilidade na inserção profissional ainda não devidamente sedimentada, não obstante o recente regresso ao mercado de trabalho. A conduta anterior aos factos é muito desfavorável ao arguido uma vez que o mesmo tem antecedentes criminais recentes pela prática de factos da mesma natureza e contra a mesma pessoa. A conduta posterior é favorável, não podendo contudo beneficiar o arguido, pois que não se deve a uma mudança comportamental, antes sim à mudança de centro de vida que a ofendida se viu forçada a levar a cabo com medo do arguido. O arguido não contacta a ofendida, porque desconhece onde a mesma reside e trabalha.
Termos em que se afigura justa, porque adequada à personalidade do arguido e proporcional à gravidade dos factos a aplicação de uma pena de 2 anos e 9 meses de prisão. Ficarão assim, acredita o tribunal, cabalmente salvaguardadas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, já que a pena será suficientemente alta para a sociedade a sentir como a reacção vigorosa que se impõe neste tipo de crime e, suficientemente baixa para permitir ao arguido idealizar um projecto de vida conforme ao direito após cumprimento de pena, sem sofrer de forma irreversível os efeitos criminógenos inerentes ao meio prisional.
Ora ponderadas as circunstâncias enunciadas na sentença recorrida, como a inexistência de diminuição da culpa, ou de qualquer circunstância atenuante, como a inexistência de confissão, uma vez que o arguido não assumiu a responsabilidade da gravidade dos actos que praticou, procurando desculpabilizar-se dos mesmos, assim como a inexistência de arrependimento, cumpre observar o acerto da sentença recorrida na determinação da medida concreta da pena aplicada, o que inviabiliza a pretensão do arguido em ver reduzida tal pena, pois que está longe de ultrapassar a medida da sua culpa, correspondendo ao mínimo de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e só a medida fixada de 2 anos e 9 meses de prisão (muito próxima, aliás do mínimo legal, que são 2 anos) por adequada, proporcional e necessária, poderá ser adequada a satisfazer a sua função de socialização, termos que ditam a improcedência do recurso, também nesta parte.

- Da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão:
Vem, também, o recorrente recorrer da decisão do Tribunal da primeira instância na parte em que não lhe suspendeu a execução da pena de prisão aplicada.
Sustentou o tribunal recorrido tal decisão com os seguintes fundamentos (sublinhados nossos):
O arguido já foi condenado pela prática de 1 crime de violência doméstica contra a mesma vítima, na pena de três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período.
Da leitura da sentença subentende-se que o juízo de prognose favorável, que resultou no concluir que a simples ameaça da pena seria suficiente a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclamava, resultou de uma presunção do julgador, provavelmente com recurso ao conceito de comum homem médio, de que uma ameaça de prisão de 3 anos é suficiente para dissuadir um arguido nunca antes condenado em pena de prisão, de praticar novos crimes. infelizmente, o tribunal enganou-se. É certo que à data da prática dos factos a decisão ainda não tinha transitado em julgado, não obstante, o arguido forçosamente teria de prever, pelo menos como possível, que a decisão iria transitar em julgado. Mais, a exortação que o tribunal sempre faz ao arguido condenado em sede de leitura de Sentença é feita na primeira instância, sendo nesse momento que se produz o efeito psicológico dissuasor de condutas desconformes ao direito. Efeito que o arguido facilmente ultrapassou e ignorou. Salienta-se que o arguido não interiorizou minimamente o desvalor da conduta, mantendo discurso desculpabilizante em relação à sua pessoa. Por fim, é de salientar que o relatório social aponta para inúmeros factures de risco (8) num total, relativamente ao arguido e sublinha reservas na capacidade do arguido aderir a programa de agressores de violência doméstica e de mudar a sua conduta. O arguido já demonstrou essa incapacidade, pois há que assumi-lo com toda a frontalidade, o arguido verbalizou a intenção de por termo à vida da ofendida. A ofendida acredita que tal desiderato é de possível concretização e o tribunal também. importa forçosamente dissuadir o arguido de o fazer.
Neste contexto, não pode o tribunal acreditar que a simples censura do facto e ameaça de prisão, ainda que acompanhados de pena acessória de frequência a programa de violência doméstica, são suficientes para inibir o arguido de voltar a praticar factos de idêntica natureza.
Por tudo o exposto, o tribunal não suspenderá a execução da pena de prisão.
Acreditando que a pena de prisão efectiva, na dose adequada, é eficaz e suficiente para dissuadir o arguido no futuro de praticar crimes, não aplicará o tribunal qualquer pena acessória, sem prejuízo de se manterem vigentes as penas acessórias aplicadas no processo 91/15.0PEBRR.
Ora, perscrutada a decisão recorrida e a sua fundamentação, na parte em que considerou a impossibilidade de efectuar um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do recorrente, verifica-se que se encontra sustentada no persistente comportamento delituoso do arguido, que não se absteve de praticar novos factos graves, integradores do mesmo tipo de crime de violência doméstica, logo após a condenação em 3 anos de prisão, também, por crime de violência doméstica, cometido contra a mesma ofendida, do que resulta o manifesto acerto da decisão recorrida ao afirmar ser claro que o mesmo está longe de ter interiorizado qualquer juízo de culpa, revelando antes tendência para minimizar o seu comportamento.
O recorrente persistiu no grave comportamento delituoso e não interiorizou qualquer juízo de culpa, antes revelando uma tendência para minimizar a importância e desvalor do seu comportamento, tendo tido uma condenação recente, em pena de prisão não efectiva, mas que não obstou a que reiterasse no mesmo tipo de crime e contra a mesma vítima.
É evidente que o recorrente teve a sua oportunidade, na condenação anterior, em pena não detentiva, mas voltou a reincidir na prática do mesmo crime e contra a mesma ofendida.
Achamos que não devemos dar uma mais uma oportunidade ao recorrente para mal-tratar ou mesmo matar a ofendida, porque não mereceu a anterior.
A condenação em pena efectiva determinada neste processo funda-se no comportamento concreto do recorrente, nos termos já esclarecidos, segundo os quais a condenação, ainda que não transitada, anterior de pena não detentiva não foi bastante para conter o seu propósito, sempre repetido, do cometimento de novo crime, pelo que nesta condenação do recorrente não podemos deixar de atender na sua inadequação a deixar de perseguir a vítima e cometer novo crime, de idêntica natureza, o que radica, em sede de prevenção especial e de reeducação do delinquente, exigências que, no caso, demonstradamente, se fazem sentir com especial acuidade.
Tal como se refere na decisão recorrida, a recente condenação sofrida pelo arguido pela prática, na pessoa da ofendida, de crime da mesma natureza, e sendo claro que o mesmo está longe de ter interiorizado qualquer juízo de culpa, revelando antes tendência para minimizar o seu comportamento, não se coloca a possibilidade de suspensão da respectiva execução.
Efectivamente, é patente a gravidade das condutas levadas a efeito pelo arguido, como muito bem se fundamenta na sentença recorrida, revelando-se as necessidades de prevenção geral elevadas e as de prevenção especial, igualmente, muito elevadas, atendendo a que o arguido atingiu a liberdade e a integridade psíquica da vítima de tal forma que a obrigou a começar uma nova vida, longe da sua família e amigos, levada a cabo com medo do arguido e é só por isso que o recorrente não contacta a ofendida, porque desconhece onde a mesma reside e trabalha, e não por uma mudança comportamental sua, que possa servir como factor atenuante, ou de juízo de prognose favorável.
O Tribunal não poderia ter feito um juízo de prognose favorável de que o arguido não irá cometer crime de igual natureza contra a vítima, facto preponderante para que a pena de prisão seja suspensa na sua execução, em virtude de, apesar de condenado, ainda que por decisão não transitada em julgado, e sujeito a medida de coacção de não contactar a denunciante, o arguido não se coibiu de agir como acima descrito, violando a própria medida de coacção.
É, pois, evidente a completa ausência de interiorização da gravidade dos actos perpetrados por parte do recorrente, o qual demonstra falta de espírito crítico e de motivação para adoptar um comportamento normativamente adequado, sendo tal persistência relevante para aferir do pronóstico sobre a insuficiência da suspensão da execução da pena para acautelar os fins da punição, tenha ou não sido objecto de condenação criminal.
Assim sendo, também os fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo para não suspender a execução da pena de prisão aplicada se mostram ajustados, congruentes e completos, perante o quadro circunstancial descrito e em face da personalidade do arguido e, atentas as circunstâncias do crime, nem seria expectável que a confiança da comunidade na validade da norma violada fosse restabelecida sem o cumprimento efectivo de uma pena de prisão.
Em suma, é a revelada personalidade do recorrente, a sua persistência criminosa e a falta de interiorização da gravidade dos factos perpetrados que ditam a necessidade de cumprimento da pena de prisão efectiva em função das exigências de prevenção
especial.

Decisão:
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente (5 UCs).
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)
Lisboa, 10 de Abril de 2018
Relatora: Anabela Simões Cardoso
Cid Geraldo