1. As conversas de teor político-partidário gravadas em suportes autónomos, fechadas, lacradas e guardadas em cofre, tendo em conta que se decidiu que as mesmas eram alheias ao processo – art. 188.º, n.º 2, do CPP – não tendo sido destruídas para salvaguardar a possibilidade de apreciação pela defesa do seu interesse – arts. 18.º, n.º 2, 32.º e 34.º, n.º 1, da CRP, não devem ser acedidas pelos assistentes.
2. O acórdão do STJ de fixação e jurisprudência de 09/03/2017 refere-se unicamente à posição processual do arguido, não se identificando com a situação dos autos.
3. É nulo o despacho judicial que permite o acesso a outros sujeitos processuais, que não a defesa do arguido, dos suportes que comportam as sessões das escutas telefónicas que antes foram consideradas por decisão judicial como de conteúdo político-partidário, gravadas em suportes autónomos, fechados e lacrados, que não foram utilizados pela investigação durante a fase de inquérito.
Proc. 122/13.8TELSB-AQ 5ª Secção
Desembargadores: Carlos Espírito Santo - Anabela Simões - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Proc. no 122/13.8TELSB-AQ.L1
Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No âmbito dos autos de Inquérito (actos jurisdicionais) supra ids., que correm termos no Tribunal Central de Instrução Criminal, foi proferido despacho a autorizar os arguidos e assistentes, até ao termo dos prazos referidos no n.o 8 do art.° 188.° do CPP, o exame de todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas, mediante operacionalização de tal exame no DCIAP, em moldes a definir pelo M.0 P.0 que tem a custódia de tais suportes e dos autos.
Inconformado com o teor de tal decisão interpôs o arguido J..., com os demais sinais dos autos, o presente recurso pedindo se declare nulo aquele despacho, quer por ter autorizado a disponibilização e acesso a outros sujeitos processuais de todos os suportes que contenham escutas telefónicas, sem distinguir e impedir o acesso àquelas que contenham conversações que não se refiram ao objecto do processo, nomeadamente as que se reportem a conversas de teor político-partidário. Estende ainda o recorrente o pedido de nulidade à continuação da tramitação dos autos como Inquérito, sem remessa daqueles ao tribunal competente para a Instrução e consequente distribuição neste; para além de contestar a natureza do despacho em apreço como acto urgente.
Apresentou para tal as seguintes conclusões:
i. O despacho recorrido está ferido de nulidade, talqualmente todo a fase processual destes autos, por violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal, por omissão da atempada entrega do Processo no Tribunal Central de Instrução Criminal e sua distribuição ao Juiz de Instrução legal.
ii. 0 despacho viola o disposto no número 1 do artigo 206° do Código de Processo Civil, os artigos 17°, 53° e 111° n° 2 do Código de Processo Penal;
iii. Estas normas prevêem um regime processual que seria inconstitucional se as mesmas pudessem ser interpretadas (como o são, pelo menos implicitamente, no despacho recorrido) no sentido de que só após o requerimento de abertura de instrução se iniciaria uma nova fase processual e de que só então haveria lugar à distribuição do processo - por violação da própria autonomia e estatuto constitucional do Ministério Público (definido, designadamente, nos números 1 e 2 do artigo 219° da Constituição da República), por violação do direito de acesso ao direito e a um processo justo e equitativo (consagrado no seu artigo 20°, n°s 1 e 4) e por violação das garantias de defesa, designadamente, da jurisdicionalização de toda a instrução e do direito ao juiz legal (expressamente consagradas pelos números 1, 4 e 9 do artigo 32°);
iv. A nova fase processual iniciou-se, em rigor - e como sempre foi reconhecido unanimemente na doutrina e jurisprudência, que sempre considerou o Inquérito uma fase preliminar substancialmente pré-processual -, com a prolação da acusação;
v. Só com a imediata entrega do processo no Tribunal e a sua distribuição se mostraria garantida a própria fé pública que os autos de um processo judicial necessariamente exigem e o próprio direito ao devido processo legal e ao Juiz Natural;
vi. A violação do regime legal e constitucional antes descrito, consubstancia no caso uma grave violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal, o que determina a nulidade do processo desde a prolação da acusação, por força do disposto no artigo 119° a) do Código de Processo Penal e a nulidade da própria notificação da acusação que, nos termos do artigo 111° n° 2, só poderia ter sido feita pela secretaria do Tribunal, Juízo ou Secção de Instrução que viesse a ser considerada competente;
vii. O despacho recorrido é ainda nulo, ou mesmo processualmente inexistente, por violação do disposto no artigo 42° n° 3 do Código de Processo Penal, uma vez que a questão que dele é objeto (permitir a divulgação pelos assistentes jornalistas de órgãos de comunicação social de escutas que eles notoriamente utilizam para caluniar difamar e ofender o direito à honra e ao respeito pela vida privada dos arguidos, maxime do Recorrente) não tem qualquer urgência processualmente relevante, para a realização da justiça, a descoberta da verdade e o restabelecimento da paz jurídica, que são as únicas finalidade do processo penal de qualquer estado de direito democrático;
i. E por objetivamente significar inaceitável e legalmente proibida legitimação e indiciária cumplicidade na prática de crimes, sendo certo que a lei penal portuguesa, no artigo 88° do Código de Processo Penal, tipifica como crime de desobediência simples precisamente essa divulgação através da publicação por qualquer meio de conversações ou comunicações intercetadas no âmbito de um processo, salvo se (...) os intervenientes expressamente consentirem na publicação;
ii. Resulta dos autos e é do perfeito conhecimento do Senhor Juiz recorrido, que nenhum dos intervenientes nas escutas em causa autorizou a sua divulgação pelos referidos jornalistas assistentes do Ministério Público;
iii. E é também necessariamente do conhecimento do mesmo Senhor Juiz, por se tratar de facto notório, que os mesmos jornalistas assistentes do Ministério Público publicaram entre a data em que a acusação foi publicamente divulgada e a data do despacho recorrido, por escrito e por transmissão áudio e audiovisual, nos órgãos de comunicação social para que trabalham, mais de 300 conversações e comunicações intercetadas no âmbito deste processo;
iv. O despacho recorrido consubstancia indiciariamente um ato de comparticipação na prática dessas condutas que a lei tipifica como criminosas, razão por que se mostra ferido de nulidade, que contagia o processo, por preenchimento dessa tipificada comparticipação e violação do disposto no artigo citado -por integrar a previsão do artigo 126° do Código de Processo Penal (ofende a integridade moral das pessoas assim postas em causa através destes meios de obtenção de prova) e por viciação das próprias intercepções e violação dos requisitos e condições previstas nos artigos 187°, 188° e 189° do Código de Processo Penal, integrando assim a previsão do artigo 190°, que prescreve para tal violação a sanção da absoluta e insanável nulidade.
Respondeu o MP, pugnando pela procedência do recurso, tendo para tal formulado as seguintes conclusões:
I.º - Encontrando-se a discordância com a decisão recorrida e o objeto do presente recurso limitado à questão de saber se os assistentes podem ou não aceder às sessões de escuta cujo conteúdo foi considerado de conversa político partidária e que foram gravadas em suportes autónomos, deve a eficácia suspensiva gerada com a interposição do presente recurso ser limitada a esse acesso por parte dos assistentes, mantendo-se exequível a decisão na parte relativa ao acesso às mesmas sessões por parte da Defesa dos arguidos que foram acusados nos presentes autos - questão a decidir em exame preliminar nos termos do art. 417°-7 a) do Cod. Processo Penal.
2.º - A decisão Recorrida suporta-se na aplicação do acórdão para fixação de jurisprudência, proferido pelo STJ, na data de 09.03.2017, mas o mesmo recaía sobre uma questão diversa, relacionada com o acesso a sessões analisadas pela investigação, em fase de inquérito, mas não mandadas transcrever nem arroladas como prova.
3.º - A decisão recorrida foi suscitada pelo requerimento apresentado por um dos assistentes constituídos nos autos, nos termos do qual pretendia ter o acesso e obter cópia dos suporte técnicos de sessões de escutas que haviam sido consideradas como de conteúdo politico-partidário e que permaneceram gravadas em suportes autónomos, fechados em envelopes lacrados, não utilizados pela investigação, durante toda a fase de inquérito.
4.º - A decisão recorrida, ao conceder aos assistentes o acesso a essas sessões gravadas em suportes autónomos e consideradas como de conteúdo alheio ao objeto dos autos, permanecendo lacradas durante a fase de inquérito, está a ir além do estatuto de subordinação ao Ministério Público, que rege a figura do assistente, violando a interpretação que temos como correta do disposto no art. 690-1 do Cod. Processo Penal.
5.º - A decisão recorrida contradiz as decisões anteriormente proferidas no sentido da autonomização e selagem dos suportes das gravações das sessões de escuta consideradas de conteúdo politico-partidário, uma vez que esse procedimento foi determinado judicialmente apenas no sentido de salvaguardar a possibilidade de apreciação pela Defesa do interesse das mesmas sessões -veja-se a decisão de folhas 534 dos autos.
6.º - A diferenciação do tratamento entre assistentes e arguidos, em sede de acesso a elementos dos autos, mesmo no que se reporta a sessões de interceção telefónica, decorre da imposição constitucional de limites de proporcionalidade e necessidade à garantia de sigilo e inviolabilidade das comunicações - art. 34° da Constituição da República.
7.º - A decisão recorrida analisa e reconhece o seu caráter de urgente, de forma fundada e respeitadora dos direitos dos intervenientes e da celeridade processual, justificando-se que tenha sido proferida pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, pese embora o recurso pendente sobre uma anterior decisão que indefere a verificação de um pretenso impedimento para o mesmo Senhor Juiz prosseguir nos presentes autos, sendo uma decisão que cabe na exceção ao efeito suspensivo de tal recurso, nos termos do art. 42°-3 do Cod. Processo Penal.
8.º - Não tem cabimento legal, face ao Cod. Processo Penal vigente, o entendimento de que o processo, após a dedução da acusação, deveria ter sido, de imediato, distribuído no Tribunal Central de Instrução Criminal, devendo ter sido este tribunal a proceder à notificação da acusação, uma vez que a estrutura processual penal reconhece a existência de diferentes fases processuais, sendo a de Instrução meramente facultativa, pelo que, apenas após o decurso dos prazos para o requerimento da abertura dessa fase, se decidirá se o processo deve ser distribuído no TCIC ou no Tribunal de Julgamento - art. 17° do Cod. Processo Penal.
9.º - A decisão recorrida limita-se a interpretar e aplicar a Lei em sede da definição do acesso pelos intervenientes a elementos do processo, após a dedução de acusação, não podendo considerar-se inquinada, nos termos previstos para diferentes fases processuais nos arts. 126° e 190° do Cod. Processo Penal, pela susceptibilidade de abuso de direito por parte dos intervenientes processuais que venham a proceder à publicação das sessões de escuta, facto que, a verificar-se, legitimará o Recorrente a reagir através do desencadear da respectiva reacção criminal, nos termos do art. 88° do Cod. Processo Penal.
Em conclusão final, entendemos que, por razões diversas das alegadas na motivação de recurso, deve a decisão recorrida ser reformulada no sentido de indeferir o acesso por parte dos assistentes constituídos nos autos às sessões de interceção telefónica que foram consideradas como relativas a conversas de conteúdo politico-partidário e cujos suportes de gravação permaneceram, durante toda a fase de inquérito, em envelopes fechados e lacrados, não tendo sido consideradas pela investigação nem arroladas como prova.
E o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte que ora releva :
Fls. 45832 a 45833, com referência a fls. 45631 e seg.s - L..., veio requerer, na qualidade de assistente, que lhe fossem/sejam entregues cópias de suportes das intercepções telefónicas que se mostram referidas no processo como existentes, para além das transcritas pelo M.° P.0 e maximé todas as que foram colocadas em suporte autónomo e lacradas, ficando à guarda do DCIAP.
O Ministério Público pronunciou-se nos termos que infra se transcrevem: «Requerimento de folhas 45631
O assistente L... pretende ter acesso a todos os suportes técnicos das interceções produzidas nos presentes autos, inclusive às que foram mandadas gravar em suportes autónomos, por dizerem respeito a conversas de caráter político partidário.
O requerente funda a sua pretensão no disposto nos arts. 188°-8 e 9 do Cod. Processo Penal.
Entendemos dever ser deferida a pretensão relativa aos suportes técnicos das interceções realizadas, com excepção das sessões que foram mandadas gravar em suportes autónomos, por dizerem respeito a conversas de natureza político partidária.
Com efeito, estas últimas sessões, tais como algumas relativas a conversas com advogados, apenas não foram mandadas destruir, nos termos do art. 188°-6 b) e c) do Cod. Processo Penal, porque se pretendia acautelar os interesses da Defesa, de forma a poderem ser aproveitadas no interesse da mesma.
O requerente teve acesso aos relatórios produzidos pelo OPC, onde se identificam as sessões que vieram a merecer a referida qualificação.
No entanto, o requerente não se reporta especificamente a quaisquer sessões em concreto, optando por uma lógica de acesso total a todos os suportes que se encontram salvaguardados em envelopes fechados.
Atendendo à razão que determinou que tais sessões fossem gravadas em suportes autónomos e não imediatamente destruídas, bem como considerando a posição subordinada do assistente, nos termos do art. 690-1 do Cod. Processo Penal, o Ministério Público entende que as referidas sessões, consideradas como referentes a conversas politico partidárias e que não foram arroladas como prova, não devem ser acedidas pelo assistente, agora requerente, sem prejuízo de sessões que venha a identificar em concreto e que reporte ao objeto do processo, a partir dos relatórios de apreciação periódica apresentados pelo OPC e a que já teve acesso.
Remeta-se, da mesma forma, ao TCIC para apreciação e decisão, aceitando-se que se considere urgente a tomada de posição sobre a questão, de forma a salvaguardar o uso das prerrogativas previstas no art. 69°-2 e 1880-9 c) do Cod. Processo Penal.» (sic).
Cumpre apreciar e decidir:
Na verdade, da compulsação dos autos, facilmente se alcança a existência nos diversos momentos de controle de intercepções (ex vi dos n.°s 3, 4 e 6 do art.° 188.° do CPP) nos respectivos períodos de vigência de referências e conversações abrangidas pelo n.° 6 do art.° 188.° do CPP, desde logo mandadas eliminar e outras que, para salvaguardar eventual interesse pela Defesa (ou outros intervenientes processuais) se ordenou a colocação em suporte autónomo lacrado.
Foi deduzido despacho de encerramento do inquérito com acusação.
Já foi efectuada a notificação dos assistentes e de todos os arguidos, com excepção de José Paulo Pinto de Sousa, em relação ao qual foi oportunamente expedida carta rogatória às Justiças de Angola, ainda não devolvida e entranhada nos autos.
Corre um período em que os arguidos e assistentes se podem prevalecer da fase facultativa da instrução - ex vi dos art.°s 286.° e 287.° do CPP.
Conforme tive oportunidade de significar nestes autos (vidé despacho de 12/10/2017, em razão do recurso interposto do despacho em que não reconheci o impedimento que me foi aposto, cuja tramitação ainda decorre na primeira instância, enquanto não for proferida, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, decisão de mérito transitada em julgado, apenas proferirei despachos para salvaguarda de actos urgentes - ex vi do segmento final do n.° 3 do art.° 42.º do CPP.
Quanto ao conceito de actos processuais urgentes, atenho-me ao entendimento jurisprudencial sancionado pelos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 05/04/2017, no Processo n.° 189/12.6 TELSB-AB.P1 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/09/2015, no Processo 208/13.9TELSB-B.L1-9, disponíveis em www.dgsi.pt.
Cabem nesse conceito tanto os actos destinados a assegurar os direitos da defesa do arguido, como os que visem assegurar valores do processo inerentes à efectividade e celeridade do exercício da acção penal.
O escopo destes requerimentos, para habilitar ao exercício de direitos, liberdades e garantias, impõe que o JIC profira, de imediato, despacho, independentemente da fase processual em que tal possível violação de exercício ocorra.
No caso da pretensão ora formulada, se o JIC signatário se quedasse imóvel até que o TRLx decida, os arguidos e assistentes ficariam impedidos de exercer os seus direitos, habilitando-se a decidir e determinarem-se quanto ao recurso ou não àquela fase facultativa de instrução.
É neste conspecto que vou lançar despacho sobre estas pretensões definindo posição sobre tal acesso aos suportes de intercepção.
É consabidamente uma matéria de ingente relevância para os requerentes.
Sobre tal matéria cumpre-nos acatar a jurisprudência fixada pelo Acórdão para Fixação de Jurisprudência, de 09/03/2017 (proferido no Processo 50/14.0 SLLSB¬U.L1.S1- 5.a Secção do STJ), publicado no D.R. I série, 72, 11/04/2017, P. 1852-1856 que nos permitimos transcrever e que resolve liminarmente a questão:
«Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em face do exposto, os juízes que constituem o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça decidem:
a) Confirmar o acórdão recorrido;
b) Fixar a seguinte jurisprudência: «A partir do encerramento do inquérito com dedução de acusação, o arguido, até ao termo dos prazos referidos no n.° 8 do artigo 188.° do Código de Processo Penal, tem o direito de examinar todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas e de obter, à sua custa, cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, mesmo das que já tiverem sido transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada.» (sic).
Consequentemente, ante o entendimento fixado:
- A partir do encerramento do inquérito, com dedução de acusação, o arguido (e o texto refere-se também ao assistente), até ao termo dos prazos referidos no n.° 8 do art.° 188.° do CPP, têm o direito de examinar todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas e de (subsequentemente) obter, à sua custa, cópias das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, mesmo das que já tiverem sido transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada.
Consequentemente, o direito de o arguido e assistente obterem cópias dos suportes técnicos foi limitado pelo legislador à cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo como prova e, de forma expressa, às partes (sessões) que contenham conversações ou comunicações que não se encontrem transcritas.
Foi-lhes, assim, conferido o direito, ao arguido e ao assistente, de examinarem os suportes técnicos, na secção, assegurando a ampla defesa dos seus direitos e interesses, bem como acautelando o principio da igualdade de armas, que decorre da estrutura acusatória do processo criminal.
Sufragamos, ainda, a posição plasmada no referido Acórdão, quando se postula:
«A exigência de que o exame dos suportes técnicos pelo assistente e pelo arguido seja feito na secretaria e de que só lhes sejam entregues cópias das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo visa minimizar o risco de divulgação de dados relativos a matéria reservada, como observa Paulo Pinto de Albuquerque: (...) o exame é feito sempre na secretaria, seja ele pedido pelo arguido, pelo assistente ou pelas pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas. Por isso, o legislador permite apenas a obtenção de cópias em condições muito restritas (as do artigo 188.0, n.° 8) e sob controlo do tribunal. A confiança dos suportes técnicos das escutas permitiria a reprodução descontrolada dos mesmos, o que o legislador não quis [Comentário do Código de Processo Penal, 4a edição actualizada, pagina 539].
Deve ainda notar-se que o não acesso do arguido (e do assistente) aos suportes técnicos das escutas antes do encerramento do inquérito foi tido como assente pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.° 13/2009 do Supremo Tribunal de Justiça, onde, a propósito da actividade atribuída ao Ministério Público durante o inquérito pelo n.° 7 do artigo 188.°, se afirma que, nessa fase, haja ou não segredo de justiça, não há ainda acesso aos suportes técnicos por parte do arguido e do assistente, como decorre do n.° 8 do artigo 188.° [Diário da República, 1.a série, de 6 Novembro de 2009, página 8371].
Reafirma-se, pois, que, relativamente aos suportes técnicos, o arguido só tem direito a que lhe sejam entregues cópias das partes das gravações que pretenda transcrever para juntar ao processo, em concordância com André Lamas Leite, que não vê neste ponto razão para controvérsia: estabelece-se agora que a obtenção de cópias apenas pode ter por fito a transcrição de partes tidas por relevantes para serem juntas aos autos até ao termo do prazo para requerer a abertura da instrução ou para deduzir contestação [ob. cit, página 652].
Isso não significa, porém, que não possa obter cópias de partes já transcritas por iniciativa de outro sujeito processual. Mas, porque «não é lícito realizar no processo actos inúteis», nos termos do artigo 130.° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4.° do Código de Processo Penal, só poderá obter essas cópias se apresentar motivos que o justifiquem. Um desses motivos, admitido pelo acórdão recorrido, pode ser o da eventual desconformidade entre aquilo que consta dos suportes técnicos e aquilo que foi transcrito. Haverá também razão para transcrever conversações ou comunicações já transcritas no caso de o arguido pretender justificadamente que estas não se encontram suficientemente contextualizadas, como admite Carlos Adérito Teixeira [Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e os novos problemas, revista do cej, 1º semestre 2008, n° 9, página 268].
Esta solução traduz uma ponderação equilibrada dos interesses em jogo: por um lado, garante o direito de defesa do arguido, permitindo-lhe o exame de todas as conversações ou comunicações gravadas e a obtenção de cópia das partes que pretenda transcrever e juntar ao processo para aí poderem valer como prova, mesmo das já transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada, e, por outro, ao vedar a saída da secretaria de cópia dos suportes técnicos das conversações ou comunicações que não se destinem a ser transcritas para efeitos de prova, diminuindo a possibilidade de divulgação do seu conteúdo, salvaguarda os direitos de sigilo das comunicações, à palavra e à privacidade nos casos em que os fins do processo penal não impõem o seu sacrifício.
É claro que o arguido ou o assistente podem não transcrever todas as partes das gravações de que pediram cópias, ou por que já não o pretendiam fazer no momento em que apresentaram o pedido ou por outra razão, como falta de tempo ou mudança de opinião sobre a relevância de determinadas partes. Mas esse é um risco que o regime estabelecido decidiu suportar, em vista dos interesses que pretende servir, e, como se disse, será minimizado com a entrega apenas das cópias das partes das gravações ainda não transcritas no processo, só lhe sendo disponibilizadas cópias de partes já transcritas, se quanto a estas se mostrar justificada uma nova transcrição.
O acórdão recorrido, negando o direito de o arguido obter cópia dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não se proponha transcrever para juntar ao processo, não contraria a interpretação que aqui se faz do n.° 8 do artigo 188.° do Código de Processo Penal.» (sic).
Consequentemente, decido autorizar os arguidos e assistentes, até ao termo dos prazos referidos no n.° 8 do art.° 188.0 do CPP, o exame de todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas, mediante operacionalização de tal exame no DCIAP, em moldes a definir pelo M.0 P.0 que tem a custódia de tais suportes e dos autos.
Oportunamente e se requerido tomar-se-á posição sobre eventuais pedidos de cópias, no quadro definido pela Jurisprudência Uniformizada vigente.
A Digna PGA junto deste Tribunal apôs o seu visto. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
0 objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, é: saber se pode ser facultado indistintamente a qualquer dos sujeitos processuais o acesso de todos os suportes que contém escutas telefónicas recolhidas durante a fase de inquérito, incluindo as que não se referem ao objecto do processo, não foram utilizadas pela investigação e foram gravadas, por decisão judicial, em suportes autónomos devidamente guardados e lacrados, designadamente, as classificadas de conversa de cariz político-partidário; se o despacho recorrido enferma de qualquer vício em virtude de o processo não ter sido previamente enviado à distribuição como Instrução; e se o Mm° juiz recorrido podia ter praticado o acto em causa enquanto urgente.
Salvo o devido respeito, o presente recurso não faria qualquer sentido caso fossem respeitadas as decisões judiciais anteriormente proferidas no processo. Na verdade, foi anteriormente determinado judicialmente que as escutas telefónicas em causa nenhum relevo tinham para o processo, consubstanciando tão-somente conversações de cariz político-partidário entre o arguido J... e outros camaradas de partido, pelo que foi decidida a sua não utilização como meio de prova e a sua selagem e guarda apenas para disponibilização pela defesa do arguido, em seu eventual interesse. De resto, o não cumprimento estrito do art.188°, 6, C. P. Pen., impôs-se após o denominado caso Freeport tendo em conta unicamente os interesses da defesa.
Assim sendo, muito nos surpreende o despacho recorrido ao incluir nas autorizações de divulgação as escutas em causa. Na verdade, estando aquelas a coberto de anterior despacho judicial a determinar que as mesmas são alheias ao objecto do processo, não se entende que agora se enfiem as mesmas no mesmo saco das que foram utilizadas pelo MP como meio probatório'.
Como se sublinhou, as escutas em causa encontram-se gravadas em suportes autónomos, fechadas, lacradas e guardadas em cofre, tendo em conta que se decidiu que as mesmas eram alheias ao objecto do processo - art. 188°, 2, C. P. Pen. - não tendo sido destruídas para salvaguardar a possibilidade de apreciação peça defesa do seu interesse - arts. 18°, 2, 32° e 34°, 1, da CRP. Ora, a decisão recorrida está a perverter esta finalidade permitindo uma devassa da vida do recorrente sem interesse processual, designadamente de prova.
Para além disso, entendemos que o acórdão do STJ de fixação de jurisprudência em nada se identifica com a situação dos autos que se refere unicamente à posição processual do arguido o qual tem manifestamente um estatuto diferenciado do assistente - arts. 57° a 70°, C. P. Pen. - atenta a diferenciação de interesses prosseguidos, sem embargo do princípio do processo justo e equitativo que envolve, entre outros, o direito de petição, do esclarecimento, assim como o contraditório e o direito ao recurso.
Já no que se refere à pretensa nulidade decorrente da decisão em causa ter sido proferida pelo JIC que acompanhou o inquérito e não pelo JIC que poderá presidir à instrução do processo, entendemos que a mesma não tem qualquer justificação.
Desde logo, porque as notificações inerentes a determinado acto (neste caso a acusação) devem ser determinadas pelo próprio órgão que a profere, enquanto condição de eficácia daquele, o que configura princípio geral de direito. De resto, mesmo que o acto seja insusceptível de recurso ou de reclamação, sempre pode ser alvo de arguição de nulidades, aclaração ou mesmo de rectificação de erros materiais, os quais devem ser apreciados e praticados pelo órgão que os proferiu.
Por outro lado, a distribuição do processo a um juiz de instrução implica que alguém a requeira, o que no estado actual do processo não é certo dado que se encontra a decorrer o prazo para tal. Ou seja, a instrução constitui uma fase facultativa do processo penal, sendo que o prazo para a requerer se encontra ainda a decorrer. Assim sendo, os autos principais tanto podem vir a ser distribuídos ao tribunal de instrução criminal, caso seja requerida a instrução, como podem transitar directamente para o tribunal de julgamento, na hipótese daquela fase processual não vir a ser - arts. 286, 2, 287° e 311°, C. P. Pen. Por outro lado, a falta ou irregularidade da distribuição - art. 203°, C. P. Civ ex vi do art. 40
C. P. Pen. - não envolve qualquer nulidade (desde que não contenda, como é o caso, com a competência do tribunal) como decorre do princípio da taxatividade expresso no art. 118, C. P. Pen.. Assim, in casu a competência do TCIC (relativamente à prática dos actos jurisdicionais) mantêm-se, mesmo após a dedução da acusação (envolvendo a prática de todos os actos que ainda se relacionem directamente com o inquérito (como é o caso da validade e relevância dos meios de prova recolhidos durante aquele) e até o processo ser remetido (por esgotamento das diligências atinentes ao inquérito, como é o caso) para o tribunal de julgamento ou, eventualmente, de instrução, para realização desta, caso venha a ser requerida, impondo-se, só então, o acto de distribuição, como emanação do princípio do juiz natural - cfr. arts. 100 e ss., maxime os arts. 170, 290°, 268°, 269°, todos do C. P. Pen..
Resulta das peças processuais transmitidas a este Tribunal no presente apenso, que foi deduzido pedido de recusa do Mm°. Juiz que proferiu o despacho recorrido, o qual ainda não foi objecto de decisão com trânsito em julgado, pelo que aquele só poderá praticar nestes autos os actos considerados urgentes permitidos pelo art. 430, 2, C. P. Pen.. Sucede que, no caso em apreço, o despacho ora recorrido encerra manifestamente um acto urgente na medida em que, para além de versar sobre os suportes das escutas telefónicas objecto do requerimento dos assistentes (estes salvaguardados pelo efeito suspensivo conferido ao recurso), contendem igualmente com as escutas telefónicas já transcritas pelo MP e utilizadas como meio de prova no processo ou susceptíveis de o virem a ser pelos sujeitos processuais e daí que se imponha tão rápido quanto possível, a definição do regime da sua utilização, bem como da sua disponibilização, tendo em conta que se encontra a decorrer prazo para requerimento da fase de instrução e se impõe, neste pequeno ínterim que as partes possam aceder àquelas a fim de preparar e instruir, mormente as suas defesas. Nesta medida, entende-se que o despacho recorrido se insere no rol de actos urgentes que é lícito praticar pelo MM°. Juiz recorrido, no âmbito do art. 43°, 2, C. P. Pen., pelo que não se configura neste particular qualquer nulidade (cfr. Acs. cit. no despacho recorrido e P. Pinto de Albuquerque,
Comentário do Código de Processo Penal, 2a ed., anotação ao art. 43°).
Reitera-se, finalmente, que para além da parte em que o Mm° Juiz recorrido, no seu despacho em crise, permite o acesso e exame a arguidos e assistentes de todo o conteúdo dos suportes técnicos que contenham comunicações telefónicas objecto de escuta, sem destrinçar entre as que constituem meio de prova e as que o não são e que se encontram guardadas e lacradas em suportes autónomos, não utilizadas pela investigação, por serem estranhas ao objecto do processo (por serem de estrito cariz político partidário) e apenas não foram destruídas para precaver eventuais interesses da defesa do recorrente - caso em que o despacho recorrido incorre na nulidade do art. 190°, por violação dos normativos precedentes, para além de desrespeitar o comando constitucional do art. 340 da CRP (mormente quanto à necessidade e proporcionalidade da intromissão nas comunicações - não se antolha no despacho recorrido qualquer outra inconstitucionalidade, nulidade ou irregularidade processuais.
Pelo exposto:
Acordam em conferência, os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento parcial ao recurso, declarando nulo o despacho recorrido na parte em que permite o acesso a outros sujeitos processuais, que não a defesa do recorrente, dos suportes que comportam as sessões das escutas telefónicas que antes foram consideradas por decisão judicial como de conteúdo político-partidário, gravadas em suportes autónomos, fechados e lacrados, que não foram utilizados pela investigação durante a fase de inquérito.
Não é devida taxa de justiça.
Lisboa, 24-4-18
Carlos Espírito Santo
Anabela Simões Cardoso