Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 17-04-2018   Crime de injúria. Ofendidos agentes da PSP. Expressões susceptíveis de afetar a honra e consideração.
1. As expressões “vocês são uns palhaços”, “não valeis nada”, “ide-vos foder” dirigidas pela arguida a agentes da PSP que a tinham acabado de chamar a atenção sobre um seu comportamento, inculcam a ideia de que a arguida criticou um comportamento mas não expressamente as pessoas dos ofendidos.
2. Mesmo que se possa considerar que se trata de uma critica directamente dirigida à atuação dos ofendidos é patente que ela se situa na área do seu comportamento estritamente profissional e não atinge o núcleo da dignidade pessoal dos ofendidos.
3. No contexto em que foram preferidas, as expressões não têm outro significado que não seja a mera verbalização de linguagem grosseira, ordinária, sendo absolutamente incapazes de pôr em causa o carácter, o bom nome ou reputação dos visados.
Proc. 515/17.1PHSNT.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Margarida Bacelar - Agostinho Torres - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Recurso n° 515/17.1PHSNT.L1 5° Secção
ACÓRDÀO
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste- Juízo Local de pequena criminalidade de Sintra - Juiz 1, mediante acusação do Ministério Público, foi julgada em processo Sumário, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, a Arguida a seguir identificada:
M..., filha de L… e de G…, nascida em 25.09.84, solteira, empregada de bar, residente na Estrada da B…, 2605, Belas, mas com morada para efeitos de notificações na P…, 2735-000 Agualva, Cacém;
A final, foi decidido julgar procedente a acusação, e, em consequência:
a) Condenar a arguida M... na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), por cada um dos dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelo artigo 181.°, n.°1, 184.°, n.°2 e 132.°, n.°2, ai. 1, do C P.
b) Condenar a arguida M..., em cúmulo jurídico, na pena única de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), no quantitativo global de 500€ (quinhentos euros).
Inconformada, a arguida M... interpôs recurso da referida decisão, que motivou formulando as seguintes conclusões:
1 - Conforme sublinhado pela arguida na sua contestação, verbalmente apresentada na sessão de julgamento inicial ocorrida em 1/6/2017, carecia o MP de legitimidade para o prosseguimento da acção penal dado que, sendo os crimes imputados á arguida de natureza semi pública, e não constando nos autos a manifestação inequívoca dos ofendidos da pretensão de apreciação da responsabilidade penal pelos factos imputados, não poderia o processo seguir para julgamento, atento o disposto nos mos. ° 113° n° 1 , 181° n°1, 184°e188°n°1 a1.a)doCPeart.°49°n°1 CPP.
2 - Não constitui exercício de direito de queixa válido a declaração impressa no auto de noticia por detenção pelo respectivo agente autuante (e, portanto, a ele imputada) no relato dos factos por si participados, de que ele e outro colega agente da PSP, desejámos procedimento criminal contra a arguida, sendo o mesmo auto apenas assinado pelo agente autuante, ainda que nos crimes participados sejam ofendidos o referido agente autuante e o agente que nele consta como testemunha
3 - Nos termos do art.° 99° do CPP, o auto destina-se a documentar para além do roais, as declarações prestadas perante quem o redige, devendo conter a redução a escrito das mesmas, naturalmente, isolando-as do relato dos factos presenciados pelo agente redactor.
4- Não resulta dos autos que a referida testemunha/ofendido, estivesse impossibilitado ou se houvesse recusado a assinar o auto em causa.- art. ° 95° n° 1 e n° 3 CPP ( ainda que se refira a actos processuais que devam ser obrigatoriamente reduzidos a escrito).
50- Acresce que, nos termos do art.° 242° 11° 3, quando respeitante a crimes públicos ou particulares a denuncia ( porque é disso que se trata no auto de notícia dada a obrigatoriedade da mesma pelo seu redactor ), só dá lugar a instauração de inquérito se a queixa for posteriormente apresentada .
6- Portanto, no caso dos autos, tendo o órgão de polícia criminal presenciado dois crimes cujo procedimento dependia de queixa, ainda que ele próprio fosse o ofendido e, portanto, um dos titulares desse direito de queixa, compelia-lhe, obrigatoriamente, levantar um auto de notícia, nos lermos do art.° 243° n° 1 CPP e , subsequentemente, notificar os titulares do direito de queixa, os ofendidos, para o exercerem, querendo, atento o disposto no art.° 1 13° n° 1 CP e art.° 242° n° 2 CPP, mais se impondo tal comunicação atenta a imediata detenção da arguida e o disposto no art.° 255° n° 3 CPP que impõe a apresentação e registo da competente queixa para a manutenção da detenção, o que não aconteceu.
7- Tendo o tribunal a quo relegado o conhecimento da excepção de ilegitimidade do MP para o exercício da acção penal nos presentes autos para a sentença final que, conhecendo da mesmo, nos termos do art.° 368° n° 1 CPP, veio a julga-la ,deve a sentença ser revogada porque viola o disposto no art. ° 49° n° 1 CPP , art. ° 113 ° , 181° n° 1 e 184° com referência ao art.° 132° n° 2 al.) CP, e , bem assim, do 311 ° n° 1 e 386° n° 1 CPP.
8- A sentença deve ser revogada in lutto, determinando-se, ao invés, o arquivamento dos auto por inexistência da necessária queixa por parte dos elementos da PSP ofendidos.
9 - Quando assim não se entenda, deve a sentença em crise ser revogada no que concerne à decisão sobre a matéria de facto ínsita nos pontos 4 e 5 da mesma, sob a égide A - factos provados , no que concerne ao segmentos factuais infra em relevo:
4 - A arguida, dirigindo-se ao agente C... e ao Agente B..., proferiu as seguintes expressões: Vocês são uns palhaços , Não valeis nada , Ide-vos foder.
5 - A arguida sabia que os dois agentes da PSP C... e B... se encontravam no exercício das suas funções, dirigindo-lhes as supra referidas expressões , visando atingir a honra e a dignidade pessoal daqueles, o que quis e conseguiu.
10 - Atenta a prova produzida nos autos, em particular os depoimentos da testemunhas Queirós e Pereira, às declarações da arguida, nos segmentos supra identificados de acordo cora as referências das respectivas gravações indicadas nas actas das sessões em que foram prestadas, ao auto de noticia por detenção junto a fs. 3 e ss. e ao auto de denuncia cuja cópia foi junta na sessão de julgamento de 1/6/2017 a instruir a contestação ; analisadas à luz das regras da experiência , da lógica e da racionalidade, conclui-se que a mesma é insuficiente para a conclusão vertida no ponto 4 da sentença em crise , no segmento « proferiu as seguintes expressões : não valeis nada , ide-vos foder »; nem no ponto 5 , no segmento Dirigindo-lhes as supra referidas expressões, visando atingir a honra e a dignidade daqueles, o que quis e conseguiu.
11 - O que resulta da conjugação das provas produzidas e elencadas na motivação, é que a arguida se encontrava, no momento dos factos, verdadeiramente exaltada, quer em função da altercação com o taxista que motivou a sua deslocação á esquadra policial, quer em função da aparente inactividade , ou menor diligência, dos agentes , pretensamente ofendidos, no atendimento da mesura quanto ao (melindroso) assunto de denuncia de um crime de violência doméstica que fora vítima.
12 - Resulta, igualmente, de tais provas, que o proferimento das imputadas expressões é subsequente a um gesto invasivo da integridade física praticado pelo agente Queirós contra arguida.
13- Ora todo este circunstancialismo é importante para a apreciação do objectivo da arguida quando proferiu as expressões que lhe são imputadas e não foi devidamente valorado pelo tribunal na apreciação critica que fez das indicadas provas.
I4- O tribunal a quo não valorou tais circunstâncias para concluir pela pretensão ofensiva das expressões proferidas, independentemente da incerteza das mesmas conforme supra se referiu.
15 - A sentença em crise está assim infirmada por erro de julgamento quanto á matéria de facto, nos termos supra expostos, pelo que deve ser revogado e substituída por outra que dê corno não provados os factos insertos nos segmentos supra destacados nos pontos 4 e 5 da sentença em crise.
16 - Atentas as alterações da decisão da matéria de facto que clamamos, e que se crê venha a merecer provimento, jamais o tribunal poderá concluir pelo preenchimento dos elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de injúria, p.p. art. ° 181° CP, tendo a sentença em crise violando, assim, tal dispositivo legal e o princípio da presunção da inocência.
17 - Quer porque a expressão vocês são uns palhaços , no circunstancialismo que terá sido proferida, não tem, objectivamente, aptidão para ofender a honra e consideração do visado com a mesma, antes se traduzindo num juízo de valor no âmbito do exercício do direito de crítica , ainda que uma expressão grosseira e deselegante se trate.
18 - Quer porque, nem que a arguida quis denegrir a honra e consideração das testemunhas.
19 - Quer porque sequer se pode considerar que a mesma haja sido dirigida, particularmente, a qualquer um dos pretensos visados, destinatários do discurso em apreço, ruas antes à instituição a que os mesmos pertencem.
20 °- A decisão em crise é errada por faz , assim, uma incorrecta interpretação do disposto no art. ° 181° n° 1 CP, confundindo o âmbito do insulto como âmbito da injúria, com relevância penal.
21° - Ainda que assim não se entenda e, ao invés, se decida superiormente manter inalterada a decisão sobre a matéria de facto, o que apenas por mera hipótese académica consideramos, sere transigir, sempre se concluirá
22- A expressão vocês são uns palhaços , ainda que se considere que visasse, directamente, as testemunhas a quem foram dirigidas, não atinge o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade humana daqueles , que a previsão penal em causa, visa salvaguardar.
230- O mesmo se diga. em relação às demais expressões imputadas á arguida, caso o tribunal, ora em recurso, não decida alterar a decisão sobre a verificação das mesmas.
24 - É que todas elas, atento o circunstancialismo envolvente já enfatizado, não têm um conteúdo ofensivo da honra e consideração de qualquer das testemunhas/ ofendidos.
25 - E, sequer, se revela nos autos que a arguida quisesse, com qualquer dessas expressões, atingir, ou a honra ou consideração de qualquer das testemunhas ou que tivesse a consciência que as mesmas fossem ofensivas da honra e consideração daqueles.
26° - A conduta, assirn, imputada á arguida não tem relevância penal, não constituindo qualquer crime, pelo que a sentença em crise errou, pois, na condenação determinada, violando o disposto no art. ° 181 ° n° l CP, devendo ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida dos crimes em que foi acusada
Assim decidindo farão, V. Exas. JUSTIÇA!
O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pela Arguida/Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso.
A recorrente, notificada nos termos e para os efeitos previstos no art.° 417°, n° 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.
Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.° 419° do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.
FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados
1. No dia 01.06.17, pelas 6h, a arguida dirigiu-se à esquadra da PSP de Massamá, na companhia do taxista que a ali transportou e com quem estava em litígio quanto ao valor da tarifa.
2. Resolvida a situação, a arguida permaneceu no local pois pretendia apresentar queixa por violência doméstica, tendo-se então dirigido para esse efeito ao agente da PSP C..., que a começou a inquirir.
3. Após alguns minutos e sem que nada o fizesse prever, a arguida desferiu uma pancada no ecrã do computador, não o chegando a danificar.
4. A arguida foi chamada à atenção pelo agente da PSP C..., esta de forma exaltada, dirigindo-se àquele e ao outro agente da PSP presente, B..., proferiu as seguintes expressões: vocês são uns palhaços, não valeis nada, ide-vos foder .
5. A arguida sabia que os dois agentes da PSP C... e B... se encontravam no exercício das suas funções, dirigindo-lhes as supra referidas expressões, visando atingir a honra e a dignidade pessoal daqueles, o que quis e conseguiu.
6. A arguida agiu de forma voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou
1. A arguida não tem antecedentes criminais.
2. Sofreu um dia de detenção à ordem dos presentes autos.
3. Está desempregada e trabalha em part-time num bar, auferindo mensalmente cerca de €500.
4. Vive em casa de uma amiga, contribuindo para as despesas domésticas com 350€.
5. Tem quatro filhos menores de idade, de 15,11 e 4 anos. O mais novo frequenta um infantário pelo qual esta despende mensalmente a quantia de €85.
6. O pai dos menores não paga pensão de alimentos.
7. Estudou até ao 9.° ano.
8. A arguida acabou por apresentar queixa por violência doméstica.
A MOTIVAÇÀO DA DECISÀO SOBRE MATÉRIA DE FACTO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto aos factos que considerou provados:
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica, à luz das regras da experiência e de acordo com juízos de razoabilidade e bom senso, da prova produzida em audiência e da prova documental junta aos autos (mormente o auto de notícia para prova das circunstâncias de tempo e lugar, a queixa crime por violência doméstica e o CRC).
Sobre os factos objecto dos presentes autos arguido e testemunhas de acusação avançaram versões distintas.
Comecemos, então, pela arguida.
Mónica Lopes negou os factos imputados, admitindo todavia que se exaltou porque entendeu que os agentes da PSP não queriam tomar conta da sua queixa, antes fazendo juízos de valor que considerou ofensivos, nomeadamente quando lhe terão dito que não aparentava ser vítima de violência doméstica.
A arguida referiu que se dirigiu ao posto da PSP já que tendo ligado para a linha de apoio à vítima, pois pretendia que lhe arranjassem uma casa, a aconselharam ir apresentar queixa, não o tendo feito em momento anterior, mais precisamente há cerca de 3 meses quando saiu de casa onde vivia com o agressor, por temer represálias.
Diz que a certa altura o agente C... lhe torceu a mão e que para se libertar acabou por acertar no computador, tendo de seguido proferido expressões desagradáveis, em tom de voz elevado, já que estava exaltada, mas não aquelas que constam da acusação, por não ter por hábito usar esse tipo de linguagem.
Disse apenas ter proferido as seguintes expressões: não merecem estar no lugar que estão, não têm qualquer tipo de calibre para tal.
Referiu ainda que aquando da algemagem foi agredida, tendo sido tratada como um cão, não tendo todavia requerido para ser assistida ou levada ao hospital.
As testemunhas da acusação prestaram depoimentos de forma consentânea e consistente, pese embora se encontrassem notoriamente fatigados, porquanto os factos ocorreram próximo da mudança de turno, e que em consequência da detenção da arguida e apresentação da mesma a julgamento, não tiveram qualquer oportunidade para descansar.
O seu depoimento é em parte coincidente com o da arguida, no que concerne quer à chegada da arguida com o taxista, quer quanto à participação desta por um crime de violência doméstica, em ordem à obtenção de alojamento de acordo com o conselho da linha de apoio à violência doméstica.
A arguida começou então a ser inquirida pelo agente C..., que negou que tenha proferido a expressão referida por aquela, ou seja, de que ela não tivesse ar de vítima.
Afirmou que apenas fez as perguntas habituais por forma a lavrar a competente participação, mas que a perguntas feitas, esta se insurgia e ofendia, acusando-o de fazer juízos de valor.
Disse que a arguida estava exaltada, que lhe pediu várias vezes para se acalmar, mas que após ter deitado o computador ao chão lhe deu voz de detenção, altura em que dirigindo-se a si e ao seu colega presente, e que se encontrava ao seu lado, disse não valeis nada, vocês são uns palhaços, ide-vos foder.
A testemunha Bruno Ferreira confirmou as declarações do colega, tendo ainda referido que a arguida apareceu descalça na esquadra e aparentemente alcoolizada, estando muito exaltada e que ele próprio tentou falar com ela e acalmá-la sem sucesso e que a perguntas feitas, a arguida respondia sempre de forma rude, recusando-se a responder.
Do depoimento de ambos resultou que as expressões eram a si dirigidas, até porque eram os únicos agentes da PSP presentes e que estavam lado a lado.
Como se referiu o depoimento das testemunhas afigurou-se sincero, coerente e credível, inexistindo motivos para crer que foi concertado entre ambos.
Por outro lado, considerando o estado de exaltação confesso da arguida, bem como a circunstância de ter admitido que proferiu palavras desagradáveis, as expressões descritas na acusação são compatíveis com aquele e podem igualmente ser descritas como desagradáveis.
Por outro lado, o depoimento da arguida mereceu-nos reservas, considerando a sua postura em julgamento, o facto de por vezes não ter respondido directamente às perguntas que lhe eram feitas, centrada em repetir um discurso que nos pareceu preparado e pouco espontâneo.
Pelo supra exposto, o Tribunal não deu credibilidade à versão apresentada pela arguida.
Os factos que se deram como provados quanto à situação económica e pessoal da arguida resultaram das suas declarações e do depoimento da testemunha abonatória por si arrolada.
Teve-se em atenção o CRC junto aos autos.
O OBJECTO DO RECURSO DA ARGUIDA
Perante os factos considerados provados pela la instância, importa agora curar do mérito do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr.
o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in Recursos em Processo Penal cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in Curso de Processo Penal, vol. III, 2' ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 362 e 363).uSão só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).
As questões essenciais suscitadas pela Recorrente (nas conclusões das suas motivações) são as seguintes:
1) Se a sentença condenatória recorrida valorou incorrectamente as provas produzidas, violando o princípio da livre apreciação de prova (art. 127° do C.P.P.).
2) Se os factos provados foram erroneamente qualificados, do ponto de vista jurídico
MÉRITO DO RECURSO
Apreciando:
Dispõe o art. 181°, n° 1 do Cód. Penal que Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias. .
É sabido, pois assim o ensinam de modo pacífico a doutrina e a jurisprudência, que o crime de difamação, tendo como objecto o mesmo bem jurídico do crime de injúria - a honra e consideração -, distingue-se desta em virtude de a imputação de factos ou utilização de expressões ser feita por intermediação de um terceiro, com quem o agente comunica por qualquer forma verbal ou escrita, imputando ao ofendido ausente factos ou formulando juízos ofensivos da sua honra e consideração, ao passo que, na injúria, a imputação ou juízo ofensivos da honra são dirigidos directamente ao titular desse bem jurídico (arts. 180.°, n.° 1, e 181.°, n.° 1, do CP).
De acordo ainda com tal ensinamento não é necessário que as expressões empregues atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender pois o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano.
O que tudo significa que está afastada a exigência do dolo específico que se traduziria no chamado animus injuriandi como esclarece nomeadamente o Prof. Faria Costa'.
Ora, segundo a melhor doutrina penalista, a honra subjectiva/pessoal - que coincide com o juízo valorativo que cada um faz de si próprio, com o apreço de cada um por si (BELEZA DOS SANTOS in RLJ, Ano 92°, p. 168) - é, por si só, insuficiente para determinar a existência ou não de ofensa ao bem jurídico honra. Para nos darmos conta do bem fundado desta asserção basta pensar nas pessoas que são intrinsecamente incapazes de sentir uma tal ofensa ou então nas pessoas que possuem uma exagerada auto-estima.
Em contraponto, a honra objectiva/social, enquanto representação exterior de uma pessoa (o bom nome, a reputação, a consideração) é também, por si só, inadequada a aferir de uma tal lesão, uma vez que se faz depender a protecção penal de considerações unicamente exteriores à pessoa.
Para a doutrina penalista dominante, a honra é vista como um bem jurídico complexo, que abrange tanto o valor que cada um tem por si, como a sua reputação ou consideração exteriores. O que, porém, é incontestável é que «a existência e a medida da ofensa estão vinculadas à imagem real do indivíduo no contexto social, a qual, no entanto, não é necessariamente uniforme, antes varia consoante os diversos espaços em que a concreta pessoa se insere».
Daí que seja imprescindível, para a avaliação da existência de ofensa e do respectivo grau, a contextualização do agente, da sua conduta e do ofendido e a própria consciência ético-social da comunidade. Só ponderados todos esses elementos se poderá ajuizar, caso a caso, se a conduta do agente preenche ou não o tipo incriminador da injúria.
À luz do que fica exposto vejamos, então, a situação dos autos, atenta a factualidade assente como provada:
A recorrente depois de ter desferido uma pancada no ecrã do computador, foi chamada à atenção pelo agente da PSP C.... Na sequência deste facto, de forma exaltada, dirigindo-se àquele e ao outro agente da PSP presente, B..., proferiu as seguintes expressões: vocês são uns palhaços, não valeis nada, ide-vos foder.
Ora, não descurando que a linguagem usada pela recorrente foi forte e excessiva, o certo é que as expressões proferidas o foram num exercício de crítica exagerado, mas não são susceptíveis de afectar a honra e a consideração das pessoas a quem eram dirigidas de modo a merecer a tutela penal. Efectivamente, o teor das expressões em causa inculca a ideia de que se criticou um comportamento mas não expressamente as pessoas dos ofendidos.
Mas mesmo que se possa considerar que se trata de uma crítica directamente dirigida à actuação dos ofendidos é patente que ela se situa na área do seu comportamento estritamente profissional e não atinge o núcleo da dignidade pessoal dos ofendidos.
São juízos de valor sobre actuações dos ofendidos no âmbito das suas funções e não propriamente sobre as suas pessoas.
Não será despiciendo considerar que os Agentes das forças de segurança no exercício da sua actividade profissional, não podem ser particularmente sensíveis a alguns destemperos ou incorrecções de linguagem usados por um cidadão mais exaltado, (in casu até aparentemente alcoolizada, como é referido pela testemunha Bruno Ferreira) devem construir uma carapaça que os proteja contra comportamentos que ferem as regras do civismo exigível na convivência social.
No contexto em que foram proferidas, as expressões: vocês são uns palhaços, não valeis nada, ide-vos foder, não têm outro significado que não seja a mera verbalização de linguagem grosseira, ordinária, sendo absolutamente incapazes de pôr em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação dos visados.
E que « Como se escreveu em Acórdão desta Relação de Évora, no Proc. 488/09.4TASTB.E1, relatado pela Ex° Desembargadora Ana Brito, ao qual se adere por inteiro «o direito penal reveste natureza fragmentária, de tutela subsidiária (ou de última ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal, ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão se revela digna de pena (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 43).
Tutela apenas os valores essenciais e fundamentais da vida em sociedade, obedecendo a um princípio de intervenção mínima, bem como de proporcionalidade imanente ao Estado de Direito.
Assim, nem tudo o que causa contrariedade, é desagradável, pouco ético ou menos lícito, mesmo até quando formalmente pareça integrar-se num tipo de crime, será relevante para esse núcleo de interesses penalmente protegidos.
No caso, a lei tutela a dignidade e o bom-nome do visado, e não a sua susceptibilidade ou melindre. E tal valoração far-se-á de acordo com o que se entenda por ofensa da honra num determinado contexto temporal, local, social e cultural. Pois, voltando a Beleza dos Santos, nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria puníveis (Algumas Considerações sobre Crimes de Difamação ou de Injúria, RLJ 92, p.167).
Também Oliveira Mendes alerta para que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180° e 181°, tudo dependendo da intensidade ou perigo da ofensa (O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, p. 37) » (Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 13-05-2014, proferido no Proc. n°956/07.2TALLE.E1 no site htpp//www.dgsi.pt).
Pelo que se considera que os factos cosiderados provados não integram a prática dos crimes de injúria agravada dos arts. 181°, n° 1 e 184° do C. Penal , pelos quais a arguida/recorrente foi condenada.
A conclusão a que acaba de chegar-se torna despicienda a apreciação demais fundamentos de recurso invocados pela Recorrente.
DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da 5a Secção deste Tribunal da Relaçáo em conceder provimento ao recurso interposto e em consequência, altera-se a sentença recorrida, absolvendo-se a arguida da prática dos dois crimes de injúria agravada.
Sem tributação.
Lisboa 17-04-2018
Maria Margarida Bacelar
Agostinho Torres