Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 08-05-2018   Principio do acusatório e da autonomia do Ministério Público. Caixa de correio eletrónico. Abertura com base em triagem.
1 – Ao Ministério Público compete a direção do inquérito, i.é assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades a que alude o artigo 262º e 267º, do CPP, ou seja o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação.
2 – Se o JIC restringiu de forma aleatória e não fundamentada o objecto da investigação dado que a sua decisão não perpassou uma análise da prova recolhida, que obliterou, atendendo somente a um critério de quantidade – número de e-mails- não se mostra enformado por qualquer suporte legal, constituindo uma intromissão da prova validamente recolhida pelo MP.
Proc. 184/12.5TELSB-C.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Carlos Espírito Santo - Anabela Simões - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc. n° 184/12.5TELSB-C.L1
Acordam, em conferência, os juízes da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No âmbito dos autos de Inquérito (actos jurisdicionais) supra ids., que correm termos no Tribunal Central de Instrução Criminal, foi proferido despacho judicial a indeferir requerimento do MP que solicitava a remessa à UTI da PJ do conteúdo da caixa de correio electrónico na…@edp.r t.pst anteriormente apreendida ou a realização de nova diligência judicial de abertura e visualização dos e-mails constantes daquele endereço com utilização de todas as palavras-chave indicadas pelo MP.
Inconformado com o teor de tal decisão interpôs o MP o presente recurso pedindo que seja o despacho a quo revogado e, em seu lugar, seja proferido novo despacho que dê cumprimento integral ao conjunto normativo invocado: declarando o Sr. juiz de instrução incompetente para efectuar uma triagem de e-mails com recurso a palavras-chave por si escolhidas, sejam elas quais forem; sendo o despacho recorrido substituído por outro que traduza a verificação perfunctória pelo Sr. JIC, sem a presença do arguido An... e do seu II. Mandatário, de todos os e-mails que lhe foram apresentados ou, em alternativa, solicitando ao Ministério Público ou à Polícia Judiciária que identifiquem os e-mails a juntar aos autos em papel, por relevantes para a descoberta da verdade, ou aqueles
a eventualmente autonomizar digitalmente por integrarem a reserva da vida privada ou corresponderem a comunicações entre arguido e defensor.
Apresentou para tal as seguintes conclusões:
1. 0 Ministério Público surge, na estrutura processual penal portuguesa, como o dominus da fase de inquérito, cabendo-lhe a sua direção e a tomada de decisões com vista à prossecução da sua finalidade: a decisão sobre a acusação ou o seu arquivamento.
2. Neste contexto, qualquer interpretação das normas processuais penais, designadamente dos art.s 17, ,53 n.s 2, ai. b), 262, n.1, 263, n. 1, 268 ou 269, do Código de Processo Penal, que admita uma intervenção judicial conformadora do destino do processo tem subjacente uma matriz essencialmente inquisitória que colide com a malha constitucional positivada.
3. Tal atividade é constitucionalmente vedada ao juiz de instrução, sendo violadora dos art.s 32, n. 5, e 219, n.s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, uma interpretação dos art.s 172, 53 n. 2, ai. b), 262, n. 1, 263, n. 1, 268 ou 269, do Código de Processo Penal, que admita uma conformação do processo em fase de inquérito pelo juiz de instrução à revelia do poder decisório do Ministério Público.
4. No dia 26 de junho de 2017 (fls. 1931 a 1934 - vol. 6), o JIC determinou pesquisa com base nas palavras-chave de fls. 1370 e, de seguida e face à grande quantidade de mensagens para visualizar na caixa de correio electrónico A…@edp.pt.pst, pelo Mmo. JIC foi determinada a triagem à referida caixa de correio electrónico através das seguintes palavras-chave que se mencionam: equilíbrio contratual, manuel pinho, columbia, decreto-lei, directiva, cessação antecipada e sistema eléctrico nacional. (sublinhado nosso)
5. O despacho judicial de 26 de junho de 2017, não se baseando numa análise prévia do que estará e do que não estará na alçada jurisdicional, consubstancia a prática de um (arbitrário) ato de selecção (aliás exclusão) de prova validamente recolhida (e sem sequer conhecer da mesma), para o qual se não mostra habilitado o juiz de instrução, já que um ato de selecção de prova se assume como um ato materialmente de inquérito (cf. art. 262, n. 1, do Código de Processo Penal).
6. O Sr. JIC determinou inicialmente uma pesquisa redundante, pois feita por referência às palavras-chave de fls. 1370, o que carecia de qualquer sentido, pois os e mails entregues pela EDP resultaram de pesquisa por essas palavras, pelo que o respectivo resultado só podia corresponder integralmente ao que lhe foi apresentado, como terá com toda a certeza ocorrido.
7. O Sr. JIC não determinou uma nova e restritiva triagem na sequência da constatação de que alguns, muitos ou poucos, e-mails apresentados integravam a reserva da vida privada mas, exclusivamente, porque da pesquisa com base nas palavras-chave de fls. 1370 resultou uma grande quantidade de mensagens para visualizar, ou seja e como se disse, exactamente aquelas que lhe tinham sido apresentadas.
8. Com essa opção, não só redutora como injustificada, o JIC deixou logo de fora pelo menos os e-mails que eventualmente contenham, desacompanhados de alguma das cinco palavras-chave usadas, as seguintes palavras/siglas/números: CMEC, Custos para a Manutenção, CAE, Contratos de Aquisição de Energia, SEN, Sistema Elétrico Nacional, ERSE, DPH, mecanismo de manutenção, energia elétrica, custos ociosos, extensão do domínio hídrico. Central Termoeléctrica de Sines, Central de Sines, 185/2003, 240/2004,172/2006, 226-A/2007, 264/2007, 32/2013, 96/92/EU, 2003/54/EC, Universidade, University, Philanthropies, Donation e Doações.
9. O Sr. JIC decidiu efectuar uma triagem redutora aos e-mails copiados (já de si triados aquando da realização da pesquisa informática na sede da EDP à caixa de e¬mails do arguido AN...) apenas porque da pesquisa inicial resultou uma grande quantidade de mensagens para visualizar.
10. Não pode ser a lei do menor esforço a delimitar [rectius a excluir) potenciais elementos de prova dos factos, do que resultaram apenas 47 e-mails (10 da primeira palavra-passe, 2 da segunda, 33 da terceira, 1 da quarta e 1 da quinta, isto para o período de julho de 2006 a 2014, conforme consta do auto de busca e apreensão à sede da EDP, a fls. 1405), no total de cerca de 38 megabytes, número que o Sr. JIC já não terá achado extraordinário nem incompatível com a sua disponibilidade para o efeito e, após a visualização do resultado da triagem efectuada, e tendo em conta a existência de diversas mensagens que estão relacionadas com o objecto do processo e que tem relevância para a investigação, determinou a sua junção aos autos.
11. Nada mais sendo exigível ao Sr. JIC do que uma leitura superficial dos e-mails apresentados, mais incompreensível se torna a opção de excluir todos os outros e¬mails, cuja visualização certamente lhe tomaria apenas mais um par de horas.
12. De qualquer modo, fossem dois dias, duas semanas, dois meses ou mesmo dois anos, o que se exige numa investigação séria, em especial numa complexa, é precisamente analisar o maior número de elementos de prova possível e nunca abdicar de o fazer por tal implicar muito trabalho.
13. Compete essencialmente ao JIC analisar, necessariamente de forma perfunctória, os e-mails que lhe são apresentados, a fim de verificar quais integram a esfera da reserva da vida privada ou correspondem a comunicações entre o arguido e o seu defensor.
14. Se dum universo residual inferior a 50 e-mails (resultantes da pesquisa por apenas cinco palavras-chave) surgem os reproduzidos na motivação de recurso, é de presumir que muito estará nos restantes (a maioria, note-se), resultantes de pesquisa pelas outras 27 palavras, siglas, expressões ou números supra aludidos, todos associados aos factos investigados.
15. É indiscutível que a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público (art. 263 n. 1 do Código de Processo Penal) e não ao Sr. JIC, não tendo nem devendo o rumo daquele ser, por um lado, conformado pelo segundo nem por outro, revelado antecipadamente aos visados na leitura judicial de e-mails ou doutra correspondência.
16. É ao Ministério Público que compete decidir, num primeiro momento - na fase de inquérito -, segundo a sua perspetiva (de titular do inquérito), o que pode/deve ser apreendido, o que se revela com interesse para a prova a fim de conformar a sua hipótese acusatória [Roxin]; compete, por seu turno, ao juiz de instrução, controlar/garantir a regularidade formal das apreensões.
17.0 que no mínimo se impunha, e impõe, ao Sr. JIC é uma não desconsideração displicente da esmagadora maioria dos e-mails em causa, sob pena de se postergar o direito da comunidade em ver a matéria em causa nos autos cabalmente esclarecida, mais a mais por ser de extrema relevância e a afectar globalmente, algo de que os Tribunais de Instrução Criminal também são o garante, o que aparentemente se ignora no despacho em crise.
18. Restringido injustificadamente o juiz de instrução criminal o acesso do Ministério Público a e-mails validamente obtidos, estar-se-á perante a nulidade enunciada no art. 119, al. e), do Código de Processo Penal.
19. Nulidade que o decurso de nenhum prazo permitirá sanar, pelo que também carece de razão o Sr. JIC quando refere que mesmo que alguma irregularidade tivesse sido praticada a mesma estaria sanada pelo decurso do prazo, conforme dispõe o art. 123 n. 1 do CPP.
20.0 Mm° juiz a quo excedeu os seus poderes, substituiu-se ao Ministério Público, violando as normas ínsitas nos art.s 4, 172, 53, n. 2, al. b), 263, n. 1, 262, n.e 1, e 267 do Código de Processo Penal, e 12, 22, 32, n.2 1, ai. c), e 75, n. 1, do Estatuto do Ministério Público.
21. A interferência que o Mm° juiz a quo provocou na atividade do Ministério Público comprometeu irremediavelmente a acusatoriedade do processo, violando o princípio do acusatório e a autonomia do Ministério Público, consagrados, respetivamente, no art. 32, n. 5, e 219, da Constituição da República Portuguesa, ao interpretar os art.s 17, 53, n. 2, al. b), 262, n. 1, 263, n. 1, 268 ou 269, do Código de Processo Penal, por forma a admitirem uma conformação do processo em fase de inquérito pelo juiz de instrução à revelia do poder decisório do Ministério Público.
22. Existindo uma inconstitucionalidade, por flagrantemente ser violado o art. 219 n.s 1 e 2 da Constituição onde tem assento a autonomia do Ministério Público enquanto magistratura hierarquizada.
23. Caso os e-mails tivessem sido objecto de intercepção nos termos dos arts. 187 n. 1 al. a) e 189 do CPP, poderiam ter sido visualizados pelo OPC e pelo Ministério Público em primeiro lugar, sendo apresentados já após selecção ao Juiz de Instrução Criminal para ulterior validação em conformidade com o art. 188, n.s 4 e 6 do CPP.
24. Assim sendo, não se vislumbra fundamento de ordem interpretativa ou sistemática para que os e-mails apreendidos nos termos do art. 17 da Lei 109/2009 de 15.09 sejam objecto de tratamento diverso, mais garantístico do que o relativo à apreensão directa de telecomunicações, por aplicação
estrita do regime do art. 179 do CPP, remissão que deve ser entendida apenas como garante do sigilo profissional, designadamente de Advogado.
25. Por conseguinte, considera o Ministério Público que a decisão em crise, ao não analisar perfunctoriamente todos os e-mails apresentados pelo Ministério Público ou a não autorizar o acesso pelo MP e pela PJ a todos para junção aos autos dos que se revelam pertinentes para a descoberta da verdade e dos que se revelam abrangidos pela esfera da reserva da vida privada ou do sigilo profissional, mostra-se ferida de inconstitucionalidade e de ilegalidade, pois viola o disposto no art. 219 n. 2 da Constituição da República Portuguesa, art. 12, 22, 32, n. 1, ai. c), e 75, n. 1, do Estatuto do Ministério Público, arts. 262 n. 1, 263, n. 1, 264, 268 e 269, estes dois últimos a contrario, do Código de Processo Penal.
Respondeu o arguido An... pugnando pela improcedência do recurso, nos termos constantes de fls. 30 a 51 deste apenso (fls. 3007 a 3028 dos autos principais), defendendo que o MP o que pretende é efectivamente sindicar o despacho judicial de 26-6-17 e não o de 13-9-17 e que, sendo, assim, o presente recurso é extemporâneo e extravasa o próprio âmbito do despacho dito recorrido. Acrescenta que o vício em análise deveria ter sido expressamente arguido diante do tribunal a quo só posteriormente, após decisão sobre aquele, poder vir a ser objecto de recurso autónomo perante de tribunais superiores. Defende ainda a legalidade da decisão tomada pelo Mm°. Juiz recorrido.
E o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte que ora releva:
Fls. 2115. Veio o M° P°, a 13-07-2017, solicitar que seja remetido UTI da PJ para análise o teor de todo o correio electrónico referente ao arguido An... ou, alternativa, a realização de nova diligência judicial para a visualização na totalidade de todo o correio electrónico em causa.
Notificado o arguido An... para se pronunciar quanto ao requerido pelo M° P° o mesmo nada-disse (fls. 2119).
No âmbito dos presentes autos teve lugar, por decisão do M° P°, à apreensão de correio electrónico relativo ao arguido An... (caixa de correio An...@edp.pt.pst).
Diz o artigo 17° da Lei n° 109/2009, de 15 de Setembro: «Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de
comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal».
No mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-1-2011: «Quanto à apreensão de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, a Lei do Cibercrime, ao remeter para o regime geral previsto no Código de Processo Penal, determina a aplicação deste regime na sua totalidade, sem redução do seu âmbito - tais apreensões têm de ser autorizadas ou determinadas por despacho judicial, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida, sob pena de nulidade».
Diz o artigo 179° n° 3 do CPP que: 0 juiz que tiver ordenado ou autorizado a apreensão deverá ser o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-lo juntar ao processo, caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ser utilizada como meio de prova e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova.
Na sequência das disposições legais acima referidas e da posição da jurisprudência citada foi, por despacho judicial de fls. 1753-1754, designado o dia 26 de Junho de 2017 para a tomada de conhecimento, por parte do JIC, do conteúdo do correio electrónico constante da caixa de correio: An...@edp.pt.pst.
Nesse mesmo despacho, com vista a acautelar interesses da investigação e da defesa, foi determinada a notificação do M° P° e do arguido para, querendo, estarem presentes.
Conforme consta do auto de fls. 1931 o M° P° não compareceu tendo apenas comparecido o mandatário do arguido An....
Conforme resulta do auto de fls. 1931, o JIC procedeu à abertura da caixa de correio acima referida, com os critérios que aí constam e ordenou a junção aos autos, conforme dispõe o art° 179° n° 3, segunda parte do CPP, o correio electrónico que considerou relevante, atento o objecto do processo. Mais consta do mesmo auto que, apesar de não considerar relevante o teor da restante informação, a mesma ficou acondicionada neste TCIC para garantir eventuais interesses da investigação ou da defesa.
O M° P° tomou conhecimento do conteúdo do auto no dia 30-06-2017, conforme consta de fls. 2000 e só veio apresentar o presente requerimento no dia 13-7-2017 (fls. 2115).
Em face das disposições legais acimas referidas e do disposto no artigo 268° n° 1 aI. d) do CPP, o processo de tomada de conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência (incluindo a electrónica), compete exclusivamente ao JIC, razão pela qual se indefere a pretensão do M° P° na parte que solicita a remessa à UTI da PJ o conteúdo de toda a caixa de correio electrónica em casa.
Quanto à segunda parte da pretensão do M°P°, ou seja, a realização de nova diligência judicial, vai a mesma indeferida na medida em que o M° P° se quisesse poderia ter estado presente e sugerir, com vista a eventual interesse da investigação, outros critérios para além daqueles que foram seguidos e que constam do auto. Para além disso, cumpre referir que mesmo que alguma irregularidade tivesse sido praticada a mesma estaria sanada pelo decurso do prazo, conforme dispõe o art° 123° n° 1 do CPP.
Assim sendo, indefere-se o requerido, sem prejuízo do decidido na parte final do despacho constante do auto de fls. 1904.
0 Digno PGA junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
Respondeu o arguido An... no sentido anteriormente propugnado.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
0 objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, é: saber se a caixa de correio electrónico na…@edp.ptpst pode ser remetido à UTI da P) para análise do seu conteúdo; se, em alternativa, deve realizar-se nova diligência judicial para visualização total de todo o correio electrónico em causa com utilização plena das palavras-chave indicadas pelo MP; se o JIC podia restringir a abertura e análise do conteúdo do correio electrónico em causa segundo uma triagem prévia de cinco palavras-chave por si seleccionadas e, na negativa, qual a natureza do vício subjacente.

Encontra-se em investigação nos presentes autos a eventual prática de crimes de corrupção passiva (art. 373°, C. Pen.); corrupção activa com agravação (arts. 374° e 374°-A, C. Pen.) e participação económica em negócio (art. 377°, C. Pen.). Assim, no âmbito do inquérito, o MP determinou a realização de buscas não domiciliárias, designadamente, na sede da EDP, com apreensão de correspondência electrónica, entre outros, do arguido An.... Tal veio a ser efectuado, tendo sido apreendido o correio electrónico constante do endereço An...@edp.pt.pst, de resto, voluntariamente fornecido. De entre a correspondência apreendida, o MP, determinou que fossem pesquisados os e-mails que correspondessem às palavras-chave enunciadas a fls. 1370. Sucede que, quando por imperativo legal, foram apresentados ao Mm° JIC os suportes contendo a correspondência apreendida, a fim de, em primeiro lugar, tomar conhecimento desta e determinar a sua relevância probatória, aquele decidiu, por despacho de 26-6-17, restringir as palavras-passe indicadas pelo MP, optando por abrir a correspondência em causa em função de cinco daquelas, deixando de fora as restantes, atenta a sua grande quantidade.
É contra esta restrição da apreciação da correspondência apreendida que o MP se insurge, na medida em que a considera uma intromissão indevida, por parte do JIC, no âmbito da direcção do inquérito, directamente contendente com a estrutura acusatória do processo penal e com o princípio da autonomia do MP.
Importa salientar que o MP não se insurgiu directamente contra o despacho do Mm° JIC de 26-6-17, mas tão-somente ante o proferido por aquele em 13-9-17, que indefere seja remetido à UTI da PJ a análise o teor de todo o correio electrónico referente ao arguido An... ou, alternativa, a realização de nova diligência judicial para a visualização na totalidade de todo o correio electrónico em causa.
Dispõe o artigo 17° da Lei n° 109/2009, de 15 de Setembro: «Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal».
Por outro lado, estabelece o artigo 179° n° 3 do CPP que: o juiz que tiver ordenado ou autorizado a apreensão deverá ser o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-lo juntar ao processo, caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ser utilizada como meio de prova e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova.
Dúvidas não restam de que compete ao MP a direcção do inquérito, ou seja, é este que assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades a que alude o art 262° e 267°, C. P. Pen., i.e., o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação. Para tal, goza o MP da autonomia consagrada no art. 219°, CRP e reiterada no seu Estatuto.
No caso em apreço, o Mm° JIC, em vez de analisar a globalidade da correspondência electrónica que lhe foi apresentada - arts. 17°, da Lei n°109/2009, de 15-9 e 179°, 3, C. P. Pen. - optou, atento um mero critério quantitativo, por restringir o conhecimento daquela, por forma aleatória, a cinco das palavras-chaves indicadas pelo MP, sem sequer fundamentar tal ablação e muito menos, sem curar de saber ou demonstrar que a utilização das restantes palavras-passe, mesmo a priori contendessem com a reserva da vida privada do arguido em causa, como se depreende, p. ex., de forma objectiva de palavras-chave indicadas pelo MP como CMEC, sistema eléctrico nacional, ERSE, DPH, Central Termoeléctrica de Sines ou Universidade, entre outras.
Assim sendo, dúvidas não restam de que o Mm° JIC restringiu de forma aleatória e não fundamentada o objecto da investigação, dado que a sua decisão não perpassou uma análise da prova recolhida, que obliterou, atendendo somente a um critério de quantidade, que não se mostra enformado por qualquer suporte legal.
Como anteriormente se assinalou, a direcção do inquérito cabe exclusivamente ao MP, no âmbito dos princípios do acusatório e da sua autonomia - arts. 40, 17°, 530, 2, b), 262°, 1 e 263°. C. P. Pen.; 1°, a3°, 1, c)e75°,EMP,32°,5e219°, 1e2,daCRP-, devendo o JIC, durante a fase de inquérito limitar-se a praticar os actos que lhe são constitucional e legalmente deferidos - arts. 202°, CRP e 268° e 269°, C. P. Pen., onde se estipula taxativamente os actos que devem ser praticados, ordenados ou autorizados pelo JIC, sendo que quaisquer outros devem encontrar-se expressamente previstos, o que não é o caso.
Destarte, a selecção arbitrária efectuadas pelo Mm° JIC das palavras-chave indicadas pelo MP constitui uma verdadeira intromissão na selecção da prova validamente recolhida pelo MP, ou seja, em acto materialmente de inquérito - art. 262°, 1, C. P. Pen. - , sem análise prévia da bondade probatória, o que constitui nulidade prevista no art. 119°, e), C. P. Pen., a qual é insanável e de conhecimento oficioso, para além de ofender directamente os princípios do acusatório e da autonomia do MP consagrados nos arts. 32°, 5 e 219°, da CRP.
Mesmo que não se considerasse que estamos perante uma nulidade insanável, invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso, sempre se imporia afirmar que só com o despacho revidendo o MP ficou ciente de que o Mm° JIC não iria realizar ou completar a diligência requerida, sendo certo que o inquérito continua a decorrer. Para além disso, importa observar que o Mm° JIC não praticou o acto requerido pelo MP, antes o tendo omitido (pelo menos, parcialmente), sendo certo que tinha o dever legal de o praticar - art. 268°, 1, d), C. P. Pen. - e apenas no despacho recorrido o Mm° JIC expressa claramente a decisão de não o praticar.
Concluindo, reitera-se que a actuação do Mm° JIC encerra uma actuação restritiva do objecto processual prosseguido pelo MP, de forma infundada, redundando numa falta (parcial) de exame da correspondência apreendida, que lhe foi presente pelo MP para os efeitos supra assinalados, o que encerra manifestamente a nulidade do art. 119°, e), C. P. Pen. (cfr. Tb. P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2° ed., anotação ao art. 179°) na medida em que oblitera indevidamente o objecto do processo definido pelo titular do inquérito.
Impõem-se apenas dois considerandos finais:
O primeiro prende-se com a assistência das partes no acto de abertura e conhecimento do teor das comunicações. Ora, neste particular, nada haja a debater ou a sujeitar a contraditório, nada obrigando à presença dos sujeitos processuais, o certo é que nada obsta ao contrário, pelo que a presença do MP e dos arguidos afectados em tal em nada contende com a validade do acto, antes contribuindo para a transparência do mesmo, embora sem consequências processuais.
Por outro lado, incumbindo ao JIC a primazia da tomada de conhecimento do conteúdo das comunicações apreendidas, nos moldes supra aludidos, sempre resultaria ilegal a sua prévia remessa e conhecimento à UTIC da PJ, como defendia o recorrente, pelo que nesta parte o recurso não poderia proceder.
Pelo exposto:
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso, considerando a nulidade do despacho recorrido, nos termos do art. 119. e), C. P. Pen., determinando em consequência que o Mm° JIC conheça e analise a correspondência apreendida utilizando todas as palavras-chave indicadas pelo MP.
Não é devida taxa de justiça.
L., 8-5-18
Carlos Espírito Santo
Anabela Simões Cardoso