1. De harmonia com o preceituado no art. 120.º, n.º 1, do CP, a prescrição suspende-se pelo tempo em que a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência, sendo que, contrariamente ao que sucede para outras causas suspensivas, a Lei, neste caso, não confere limitação ao respectivo prazo.
2. Entender o contrário poderia ser uma forma de premiar a fuga à Justiça, para além do que estamos perante comportamento prima facie imputável ao arguido que, contra as obrigações por si assumidas no TIR, alterou a morada fornecida sem a comunicar.
Proc. 77/04.0TAASL.L1 5ª Secção
Desembargadores: Luís Gominho - José Adriano - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Processo n.° 77/04.OTAASL-L1 (Relator: Luís Gominho)
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.a) da Relação de Lisboa:
I - Relatório:
I - 1.) No Juízo de Média Instância Criminal de Sintra, na altura, Comarca de Lisboa Noroeste, foi o arguido Bo..., com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, acusado pelo Ministério Público, da prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.° n.°s 1 e 3 do Código Penal.
Efectuado o julgamento e proferida a respectiva sentença, veio aquele a ser condenado pela sobredita infracção, entre o mais, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), ou seja, na multa total de € 1.08000.
I - 2.) Afirmando-se inconformado com a mesma, recorreu o arguido supra mencionado para esta Relação, deixando exaradas as seguintes conclusões:
1a - Não pode o Arguido/Recorrente conformar-se com a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que o condenou.
2.a - Salvo o devido respeito, crê o Arguido/Recorrente o crime pelo qual foi condenado se encontra à muito prescrito.
3.a - Os factos eventuais pelos quais o Arguido/Recorrente foi condenado datam de 24 de Junho de 2004.
4.a - A sentença recorrida data de 18 de Dezembro de 2009.
5.a - Tal sentença foi notificada ao Arguido/Recorrente em 13 de Fevereiro de 2018.
6.a - Ao crime pelo qual o arguido foi condenado é aplicável uma pena máxima inferior a cinco anos de prisão (vide artigo 360.°, n.° 1, do Código Penal).
7.a - O procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime em causa tiver decorrido o prazo de cinco anos (vide artigo 118.°, n.° 1, alínea c), do Código Penal).
8.a - Mesmo ressalvadas eventuais causas de suspensão e/ou interrupção da prescrição, atento o lapso de tempo decorrido desde a prática dos eventuais factos ilícitos, o procedimento criminal há muito se encontra prescrito.
Nestes termos, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, sendo a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que, considerando o procedimento criminal prescrito, absolva o Arguido/Recorrente do crime pelo qual se encontrava acusado.
I - 3.) Na sua resposta, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Sintra concluiu por seu turno:
1.° - O Recorrente/arguido vem invocar que o crime pelo qual foi condenado se encontra prescrito, uma vez que os factos foram praticados em 24.06.2004, a sentença foi proferida em 18.12.2009 e apenas foi notificado da sentença em 13.02.2018, não existindo nos autos quaisquer causas de suspensão ou interrupção da prescrição.
2.° - O que interessa para o caso, é que existiram várias interrupções da prescrição, e em qualquer desses momentos se interrompeu portanto a contagem do prazo da prescrição. Posteriormente já na fase posterior ao julgamento e da prolação da respetiva sentença, não foi possível a notificação da mesma ao arguido.
3.° - Dispõe o artigo 120.°, n.° 1, do Código Penal o seguinte A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a)(...)
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; ou (...) .
4.° - Desde a sentença condenatória proferida a 18.12.2009 até à notificação pessoal da mesma ao condenado a 13.02.2018, ocorreu impossibilidade de efetuar a notificação ao arguido, julgado na ausência o que constitui causa se suspensão da prescrição do procedimento criminal desde o momento da realização da audiência permanecendo o processo suspenso até cessar o facto suspensivo, nos termos do disposto no artigo 120.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal.
5.° - Assim, o único entendimento relativamente ao prazo a que alude a alínea d) do n° 1 do artigo 120° e que se encontra prevista na lei é a de que a mesma não estabelece qual o seu termo ao contrário do que sucede nos casos das outras alíneas.
6.° - Em face do exposto, entende-se que existiram factos suspensivos da prescrição, pelo que não se encontra prescrito o procedimento criminal contra o recorrente, nos termos do disposto no artigo 120°, n° 1, alínea d) do Código Penal.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto por não se encontrar prescrito o procedimento criminal.
II - Subidos os autos a esta Relação, a Exm.° Sr.a Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer por via do qual propugnou a rejeição do recurso, sendo que em relação à invocada prescrição do procedimento criminal, defendeu a sua não verificação.
No cumprimento do art. 417.°, n.° 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
Tendo lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir:
III - 3.1.) De harmonia com as conclusões acima deixadas transcritas, que entre nós, como é sabido, fixam e delimitam o respectivo objecto, com o recurso interposto, tem em vista o arguido T... submeter como única questão à apreciação do presente Tribunal, a da eventual prescrição do procedimento criminal nos autos.
III - 3.2.) Confiramos primeiro a matéria de facto que se mostra definida:
Factos provados:
1) No dia 24 de Junho de 2004, pelas 11.30 horas, o ora arguido foi inquirido na qualidade de testemunha, no posto da GNR de Casal de Cambra, comarca de Sintra.
2) O ora arguido prestou depoimento perante o Soldado da GNR Hu..., no âmbito do inquérito n.° 14/04.1FBSTB, a correr termos na Comarca de Alcácer do Sal.
3) No referido inquérito, foi denunciado que, no dia 1 de Maio de 2004, cerca das 10.30 horas, o arguido Ma… conduzia o motociclo com a matrícula …, na Estrada Nacional n.° 5, comarca de Alcácer do Sal, sem ser titular de documento válido que o habilitasse à condução do referido motociclo.
4) No entanto, o ora arguido Bo... então testemunha naquele inquérito, no âmbito da referida inquirição declarou que era o próprio que naquelas circunstâncias de tempo e lugar conduzia o referido motociclo.
5) O arguido M..., no processo n.° 14/04.1FBSTB da Comarca de Alcácer do Sal, veio a ser condenado por sentença transitada em julgado, e com base nos factos acima referidos, na prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal.
6) O arguido Bo..., no momento da inquirição no posto da GNR de Casal de Cambra, foi advertido de que deveria responder com verdade às perguntas feitas, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, mas apesar da referida advertência, declarou que era o próprio que conduzia o referido motociclo, o que se veio a apurar ser falso, de acordo com a sentença transitada em julgado.
7) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
8) O arguido não tem antecedentes criminais. Factos não provados
Consignou-se inexistirem.
III - 3.1.) Tal como justamente o consigna a Exm.a Sr.a Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, compulsado o teor da sentença ora deixada recorrida, certo é que em parte alguma da mesma se consegue alcançar traço do tratamento da questão agora submetida a apreciação.
Da mesma forma que também não se descortina em que momento e local aquela terá sido suscitada para ser levada em conta nessa sede ou de modo a justificar um juízo de não pronúncia.
Não se desconhece que com data de 04/04/2018, o Mm.° Juiz a quo veiculou o seu entendimento em como a prescrição não se verificara (cfr. fls. 272). Mas esta não é a decisão recorrida.
Ora a intervenção do Tribunal da Relação, a não ser em situações especiais previstas na Lei, não tem em vista a prolação de decisões novas em substituição da 1.a Instância, mas antes, a sindicância das por esta proferidas.
Pelo que, não estando em causa a apreciação da conformidade legal de qualquer segmento da decisão final que, enquanto tal, refira a questão supra-identificada, o recurso apresentado não pode ser conhecido.
O que quase justifica a sua rejeição.
III - 3.2.) Em todo o caso, tendo em conta a natureza oficiosa do conhecimento de tal instituto, sempre se dirá o seguinte:
O crime que aqui temos em referência (falsidade de testemunho) é punido com prisão até 3 anos (cfr. art. 360.°, n.°1, do Cód. Penal).
Pelo que o seu prazo normal de prescrição é de 5 anos (art. 118.°, n.°1, al. c), do mesmo Diploma).
Os respectivos factos mostram-se datados de 24 de Julho de 2004.
O procedimento criminal interrompeu-se em 19/03/2005 com a constituição do Recorrente na qualidade de arguido (art. 121.°, n.°1, al. a), do Cód. Penal, e fls. 40 a 44).
Inutilizado assim o prazo inicial, o mesmo volta a interromper-se com a notificação da acusação (art. 121.°, n.°1, al. b), do Cód. Penal, e fls. 70 e 72). Ou seja, 06/03/2006, mais os cinco dias a que se refere o art. 133.°, n.°3, do Cód. Proc. Penal.
O julgamento é realizado na ausência do Arguido e a sentença é proferida em 18/12/2009, o que significa que desde 13/03/2006 até esse momento não havia decorrido o prazo supra-indicado (apenas 3 anos 9 meses e 5 dias).
A partir daquele primeira data, passam-se a desenvolver diligências conducentes ao conhecimento do paradeiro do Arguido, tendo em vista a sua notificação do conteúdo da decisão de mérito proferida.
A qual só foi alcançada em 13 de Maio de 2018, conforme se extrai de fls. 252 verso.
De harmonia com preceituado no art. 120.°, n.°1, al. d), do Cód. Penal, a prescrição suspende-se pelo tempo em que a sentença não poder ser notificada ao arguido julgado na ausência.
Sendo que, contrariamente ao que sucede para as outras causas suspensivas, a Lei, neste caso, não confere limitação ao respectivo prazo.
Pelo que entre 18/12/2009 e 13/05/2018, o prazo de prescrição se manteve suspenso.
E pode até perceber-se o sentido daquela excepção:
E que entender o contrário, poderia ser uma forma de premiar a fuga à Justiça, para além do que, estamos perante comportamento prima facie imputável ao arguido, que contra as obrigações por si assumidas no TIR, alterou a morada fornecida sem a comunicar.
Por essa razão, aquele efeito extintivo também não se alcançou por via do preceituado no art. 121.°, n.°3, do Cód. Penal.
Pelo que, ao contrário do que sustenta, nem ao momento em que foi proferida a sentença nem ao momento em que foi interposto o recurso (ou neste momento), o procedimento criminal se mostra extinto.
Assim:
IV - Decisão:
Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se em não tomar conhecimento do recurso interposto pelo arguido Bo..., sem prejuízo de se deixar esclarecido que o procedimento criminal nestes autos não se mostra ainda prescrito.
Pelo seu decaimento e independentemente do benefício do apoio judiciário de que possam beneficiar, ficará aquele condenado no pagamento de 3 (três) UCs de taxa de justiça, nos termos dos art.°s 513.° e 514.° do CPP e respectivo Regulamento das Custas Judiciárias.
Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1° signatário
Luís Gominho
José Adriano