Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 05-06-2018   Arresto preventivo. Prazo de interposição de recurso. Inquérito. Acesso a documentos em segredo de justiça.
1. Ao arresto preventivo previsto no art. 228.º do CPP, não obstante ser-lhe aplicável o regime substantivo da lei processual civil, aplica-se o regime do processo penal quanto aos prazos processuais, só se justificando o apelo ao CPC nos casos omisso, nos termos do art. 4.º do CPP.
2. O prazo de interposição de recurso no arresto preventivo não corre em férias judiciais, apesar da natureza urgente que o processo de arreto tem no processo civil, pois que não se mostra contemplado no art. 104.º, n.º 2, do CPP.
3. No inquérito a decisão de permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de ato ou documento em segredo de justiça, prevista no n.º 9 do art. 86.º, do CPP, é da competência do MP enquanto autoridade judiciária que dirige o inquérito, não estando prevista expressamente como um ato da competência do juiz de instrução, ou que tenha que ser por ele autorizada ou validada nos termos dos arts. 268.º e 269.º do CPP.
4. O JIC ao decidir sobre essa pretensão, sem ter competência para apreciar o pedido, comete uma nulidade insanável prevista na al. E) do art. 119.º, do CPP.
Proc. 324/14.0TELSB-BK.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Maria José Machado - Carlos Espírito Santo - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Recurso n.° 324/14.OTELSB-BK.L1
(Proc. n-°324/14.OTELB-A do Tribunal Central de Instrução Criminal)
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório
1. No processo supra identificado em que foi ordenado o arresto preventivo de activos de Massa Insolvente da sociedade de direito luxemburguês Ri..., S.A., entre os quais se inclui as unidades de participação que esta detém na He...-Fundo Especial de Investimento Fechado, foi requerida ao tribunal, por aquela, a substituição do arresto pelo produto da venda dessas mesmas unidades de participação, no valor de € 24.605.412,17, deduzidos os custos a pagar pelo processo de venda, que já haviam sido autorizados e aprovados pelo Tribunal de Comércio do Luxemburgo.
2. Tal pretensão foi indeferida pelo Sr. Juiz de instrução por ter chegado ao conhecimento da investigação actos graves por parte dos representantes da sociedade Ba..., sociedade contratada pelos liquidatários dos processos de insolvência que correm termos no Luxemburgo, para sua representação em Portugal em procedimentos de liquidação do património das sociedades holdings do topo do ramo não financeiro do Grupo …, entre elas a Ri... S.A..
3. Na sequência desse despacho veio a Massa Insolvente da sociedade de direito luxemburguês Ri..., S.A. requerer ao Ministério Público que: a) autorizasse o acesso da mesma a todos os autos intercalares de interceção e gravação de conversações ou comunicações, respetivos autos de transcrição e correspondentes suportes técnicos que serviram para fundamentar aquela decisão; b) autorizasse que a requerente invocasse a existência e fundamentos desse despacho às sociedades BA... e AR... S.A., bem como aos respectivos representantes, tudo nos termos constantes do requerimento de fls. 939 a 944 destes autos (correspondente a fls. 21857 a 21862 do processo principal).
4. Sobre esse requerimento recaiu a seguinte despacho do Sr. Juiz de instrução:
(transcrição)
«Fls. 21892, com referência a fis. 21857 a 21862 - Veio a Massa Insolvente da Sociedade de Direito Luxemburguês RI..., SA, a douto punho, requerer autorização para acesso a todos os autos intercalares de intercepção e gravação de conversações ou comunicações, respectivos autos de transcrição e correspondentes suportes técnicos que serviram para fundamentar a o despacho de fis. 21735 e seg.s.
Mais requer autorização para invocar a existência e fundamentos do despacho de fis. 21735 e seg.s às sociedades BA... e AR..., SA e respectivos representantes, tudo nos termos constantes do requerimento, que aqui se dá por reproduzido.
O M.° P.° opõe-se ao acesso aos elementos pretendidos, aduzindo o seguinte:
«Considerando que os elementos probatórios a que a Requerente pretende aceder se encontram em inquérito sujeito a segredo de justiça - o que, desde logo, prejudica a possibilidade de aplicar o artigo 90.° do CPP - e não revestindo a mesma a qualidade e estatuto de sujeito processual para os efeitos previstos no art.° 89. °, n.° 1 do CPP, não é possível, no entender do Ministério Público, deferir o requerido na al. a), i.e., o acesso aos autos intercalares, autos de transcrição e suportes técnicos citados no despacho proferido, deixando-se consignada, para os devidos efeitos, a oposição expressa do Ministério Público ao deferimento desse acesso.
Já quanto ao requerido na alínea b) do requerimento, nada se opõe ao mesmo, uma vez que a existência e os fundamentos da decisão que foi proferida constituem matéria do domínio público, tendo motivado, inclusivamente, a emissão de um esclarecimento por parte da PGR nos termos do artigo 86. °, n.° 13 do CPP, colocado no dia 3/11/2017 na página do DCIAP.» (sic).
Cumpre decidir:
Tendo presente que os elementos cuja requerente pretende consultar fazem parte da prova de processo de inquérito ainda não encerrado e sujeito a segredo de justiça e a requerente não reveste a qualidade e estatuto de sujeito processual para os efeitos previstos no art.° 89.°, n.° 1 do CPP, concorda-se com a oposição deduzida pelo Ministério Público supra transcrita.
Com tais fundamentos, indefere-se a requerida consulta dos elementos relativos às intercepções telefónicas.
No tocante à requerida autorização para invocar a existência e fundamentos do despacho de fls. 21735 e seg.s às sociedades BA... e AR..., SA e respectivos representantes, vai a mesma deferida.
Notifique.»
5. Notificada desse despacho a requerente, Massa Insolvente da sociedade de direito luxemburguês Ri..., S.A., veio invocar, nos termos constantes do requerimento cuja cópia se mostra junta a fls. 949 a 957 dos presentes autos, a incompetência do Sr. Juiz de instrução para a prolação de tal despacho e requerer a revogação do mesmo com fundamento na sua nulidade, nos termos e para os efeitos do art.° 119.°, alínea e) do CPP.
6. Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho do Sr. Juiz de Instrução, a 13/12/2017:
«Fls. 22211 a 22212, com referência a fls. 22159 a 22169 - Nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção em apreço, aos quais me arrimo, por ilustrar com suficiência de argumentação o entendimento que perfilhamos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual, não se reconhece a arguida nulidade do despacho de fls. 22054 e seg.s, que aqui se renova, em face da posição mantida pelo titular da acção penal.
Notifique.»
7. Desse despacho veio a requerente, Massa Insolvente da sociedade de direito luxemburguês Ri..., S.A, interpor o presente recurso, conforme motivação constante de fls. 1 a 25 destes autos, extraindo da mesma as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto do Despacho do Mm.° Juiz de Instrução Criminal, de dia 13.12.2017, a fls. 22310, que, seguindo in totum a posição do Ministério Público de Os. 22211 e s., reitera o não levantamento do segredo de justiça e o consequente não acesso da Recorrente a parte dos elementos constantes dos autos (designadamente, àqueles referidos no requerimento de fls. 21857 e ss., apresentado pela aqui Recorrente, no dia31.10.2017, por referência ao já antes referido no despacho de fls. 21734 e ss.) - o Despacho Recorrido.
2) Ao acompanhar o Ministério Público, o Mm.° Juiz a quo fundamenta a sua opinião, vertida no Despacho Recorrido, em três argumentos: (i) Diz-se que «foi dado integral cumprimento ao disposto no artigo 89. °, n.°s 1 e 2 d o CPP»; (ii) Considerando o artigo 86.°, n.°s 9,12 e 13, refere-se que «não se verificam, sequer perfunctoriamente, os pressupostos das normas invocadas»; e, por fim, (iii) Crê se que «a divulgação dos elementos do processo em causa poderia colocar em causa a investigação».
3) A regra no processo penal é a publicidade, interna e externa (artigo 86°, n.° 1, CPP). Nessa medida, as exceções à regra da publicidade do processo penal querem-se diminutas, sendo, pois, por isso mesmo, que mesmo o segredo de justiça - seja externo, seja interno - conhece, ele próprio, exceções (e.g., artigos 86.°, n.os 9 a 13, e 89.°) n.° 1, CPP), o que, bem vistas as coisas, representam a devolução da normalidade ao processo penal, já que se retorna à regra da publicidade.
4) Mesmo no caso em que o segredo de justiça seja decretado, poderá e deverá ceder sempre que haja oportunidade de averiguar, após requerimento de interessado(s), que os concretos interesses que estiveram por detrás do decretamento, ab initio, do segredo não se fazem sentir ou fazem-se sentir de modo mais ténue, num determinado momento e em relação a determinada informação ou documento, em face dos interesses (também legítimos!) que militam em sentido diametralmente oposto - lógica subjacente ao 86.°, n.° 9, CPP, preceito que permite o levantamento parcial e apenas a determinadas pessoas, do segredo de justiça imposto, quando «.tal não puser em causa a investigação» e «se afigurar (...) [Conveniente ao esclarecimento da verdade» ou «indispensável ao exercício de direitos pelos interessados».
5) A questão do levantamento do segredo de justiça contende, ela própria, com a concordância prática das finalidades do processo penal, as quais se apresentam, sempre, irremediavelmente conflituantes - conflito que, no presente caso, é evidente: (i) de um lado, a realização da justiça e a descoberta da verdade material e, nessa medida, o restabelecimento da paz jurídica (refletidas na opção de segredo de justiça interno); (ii) de outro lado, a proteção dos direitos das pessoas, nomeadamente da Recorrente e dos credores lesados que, através dos seus Liquidatários, representa (ideias que apontam no sentido do acesso aos elementos probatórios em questão).
6) Em primeiro lugar e antes de mais, o primeiro argumento assumido no Despacho Recorrido, nos termos do qual se refere que «.foi dado integral cumprimento ao disposto no artigo 89°, n. °s 1 e 2 cio CPP», não pode senão improceder, atenta a falta de cabimento do mesmo ao caso sub iudice: à custa de uma indefinição quanto ao estatuto que a Recorrente assume nos presentes autos, a mesma, efetivamente, não se insere em nenhuma das categorias elencadas no n.° 1 do artigo 89.° CPP e, nessa medida, apenas e só a disciplina do artigo 86.°, n.° 9, CPP (e não a do artigo 86.°, n.° 1, CPP) pode ser chamada à colação - como foi.
7) Em segundo lugar, o argumento apontado pelo Despacho Recorrido segundo o qual a «divulgação dos elementos do processo poderia colocarem causa a investigação» também não pode proceder, por, assim, o Despacho Recorrido revelar ignorar: (i) o facto de ter sido o próprio Mm.° Juiz a quo a divulgar, no seu despacho de fls. 21735 e ss. - que sucedeu à promoção do Ministério Público de fls. 21697 e segs. -, a transcrição de excertos das gravações aqui em causa (e que, naturalmente, consubstanciarão os elementos mais relevantes dali retirados); desatender (ii) a circunstância de a Recorrente pretender apenas o acesso a uma parte muitíssimo circunscrita da factualidade apurada na investigação em curso, a qual nem sequer se interliga, factual ou cronologicamente, com os factos que constituem o objeto central do inquérito em apreço; e, por fim, por o Despacho Recorrido, assim, revelar ignorar (iii) o facto de a Lei oferecer garantias (autênticos contrapesos) quando, em determinados casos, permite o acesso aos autos criminais sob segredo de justiça, as quais servem, justamente, para assegurar os interesses da investigação que estiveram por detrás do decretamento do segredo, então, parcialmente levantado (artigo 86.°, n.°10, CPP e 371.°,n.°1,CP).
8) Por outro lado, também não pode proceder o argumento, invocado pelo Despacho Recorrido, de que «não se verificam, sequer perfunctoriamente, os pressupostos das normas invocadas», i.,e., quanto ao artigo 86.°, n.° 9 (norma efetivamente invocada pela Recorrente), o levantamento do segredo de justiça ser «conveniente ao esclarecimento da verdade» ou «ser indispensável ao exercício de direitos pelos interessados».
9) Com efeito, e como foi desde cedo revelado, o levantamento parcial do segredo de justiça solicitado prosseguiria os legítimos interesses da Recorrente e seus credores, os quais se podem resumir da seguinte forma: (i) Interesse em proteger os direitos e interesses (legítimos) dos credores da Recorrente, lesados com a anulação da venda das unidades de participação da Recorrente no fundo He... - Fundo Especial de Investimento Fechado (Fundo), já que tal anulação pode chegar a colocar em xeque a própria subsistência do Fundo; (ii) Interesse em informar o Juiz Gilles Herrmann, Juiz que segue o respetivo processo de insolvência da Recorrente no Luxemburgo, de tudo quanto levou ao gorar do negócio em causa, em cujo processo já havia sido despendido tempo, bem como recursos humanos e financeiros de monta; (iii) Interesse em apurar a verdade dos factos relatados pelo Dig.mo Senhor Procurador da República (a fls. 21697 e segs.), depois seguido pelo Mm.° Juiz a quo (a fls. 21735 e segs.), indispensável para aferir pela existência (ou não) de fundamentos bastantes para tomar, no melhor interesse dos credores da Recorrente, as devidas medidas, de cariz civil e / ou criminal, em relação às sociedade BA... e AR..., S.A. e respetivos representantes; (iv) Interesse em apurar a verdade dos factos relatados pelo Dig.mo Senhor Procurador da República (a fls. 21697 e segs.), depois seguido pelo Mm.° Juiz a quo (a fls. 21735 e segs.), indispensável para concluir acerca da sua adequação e bondade (ou não) e, portanto, acerca da necessidade (ou não) da respetiva sindicância, ainda que por vias extraordinárias, da decisão de fls. 21735 segs.
10) Ponderando todos os interesses (e finalidades do processo penal) que se encontravam (e encontram) irremediavelmente em conflito e considerando o preenchimento dos requisitos necessários para o efeito e, bem assim, a ideia de proporcionalidade que sempre se impõe em qualquer decisão que restrinja direitos liberdades e garantias, o Despacho a quo nunca poderia ter reiterado a decisão de não levantamento do segredo de justiça.
11) Nessa medida, o Despacho Recorrido, ao negar o acesso (parcial) aos autos à aqui Recorrente, revelou-se ilegal, por não observar o disposto no artigo 86 °, n.° 9, CPP, e contrário à nossa Lei Fundamental, por violar direitos fundamentais da Recorrente (artigos20.°, n.°s 1,2, primeira parte, 4, in fine, e 5, 62.°, n.° 1, CRP e artigo 6.°, n.° 1, da CEDH e artigo 1.° do Protocolo n.° 1 adicional à CEDH) e, bem assim, o princípio da proporcionalidade (artigos 2.° e 18.°, n.° 2, CRP), devendo, por isso, ser revogado.
8. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e formulando as seguintes conclusões (transcrição das conclusões):
1. O presente recurso é extemporâneo, porque instaurado depois do término do prazo de 30 dias concedido para tal, não tendo sido sequer alegada a verificação do circunstancialismo previsto nos artigos 139.°, n.° 5 e 140.° do CPC;
2. Tendo o recurso sido admitido, deverá ser rejeitado nos termos do disposto nos artigos 420.°, n.° 1, al. b) e 414.°, n.° 2 do CPP.
3. A Recorrente não possui legitimidade para recorrer, pois não é titular de «direito afectado pela decisão», nos termos do artigo 401.°, n.° 1, al. d) in fine do CPP;
4. Devendo, consequentemente, ser proferido despacho de rejeição do recurso, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 401.°, n.° 1, al. d), 414.°, n.°s 2 e 3 e 420.°, n.° 1, al. b) do CPP;
5. Analisando a motivação e as conclusões, delas resulta que a Recorrente recorre, expressamente, de despacho que lhe negou o acesso aos autos nos termos do artigo 89.°, n.° s 1 e 2 do CPP, peticionando que lhe sejam facultados elementos de processo que se encontra em segredo de justiça;
6. Tal despacho do JIC é irrecorrível, nos termos do artigo 89.°, n.° 2 do CPP;
7. Tendo o recurso sido admitido, deverá ser rejeitado nos termos do disposto nos artigos 420.°, n.° 1, al. b) e 414.°, n.° 2 do CPP;O despacho recorrido não enferma de qualquer nulidade, ilegalidade ou inconstitucionalidade, aplicando com correcção as normas aplicáveis;
8. Com efeito, mesmo considerando os interesses que na óptica da Recorrente deveriam suscitar uma decisão contrária àquela que foi proferida, é clara e manifesta a preponderância do interesse em que tais elementos permaneçam em segredo de justiça, pois a divulgação do seu teor poderia comprometer decisivamente a investigação dos factos com relevo criminal resultantes desses elementos, para além de poder lesar os também legítimos direitos dos partiripantPs processuais;
9. Deve afirmar-se a preponderância do interesse na boa administração da justiça e no cabal apuramento da verdade num processo penal dirigido pelas autoridades constitucionalmente mandatadas para tal, sobre interesses de natureza privada, eminentemente patrimoniais, relacionados com eventuais pretensões indemnizatórias que podem ou não ser accionadas por parte da Recorrente;
10. Para além disso, mesmo do ponto de vista dos interesses enunciados pela Recorrente se afigura desnecessário - e por isso desproporcional - o requerido acesso a elementos do processo;
11. Na verdade, já ordenou nos presentes autos o Mmo. JIC que fosse dado conhecimento do teor da decisão que faz apelo a tais elementos probatórios, de fls. 21735 e ss., devidamente traduzida, às autoridades judiciais luxemburguesas, sendo o texto da decisão suficientemente especificado e factualmente fundamentado, contendo, inclusivamente extractos das conversações telefónicas interceptadas;
12. Note-se também que a decisão de fls. 21735, com a sua fundamentação, bastou para que a Recorrente da mesma interpusesse recurso, o qual se encontra pendente nesse Venerando Tribunal, não tendo a mesma necessitado de outros elementos para o fazer, designadamente dos elementos que pretende agora consultar;
13. A conceder à Recorrente o acesso aos elementos por si pretendidos, estar-se-ia a comprometer decisivamente uma investigação em curso, quando, em boa verdade, não se alcança que o benefício a alcançar pela Recorrente não se cinja a um interesse privado;
14. Não padecendo a decisão recorrida de qualquer vício e encontrando-se devidamente fundamentada, forçoso é considerar que o recurso, caso não seja rejeitado, deverá ser considerado improcedente;
9. Subidos os autos a esta Relação, o Exm.° Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso ser rejeitado por ter sido interposto para além do prazo e a recorrente não ter legitimidade para recorrer ou, caso assim se não entenda ser o mesmo julgado improcedente nos termos da resposta apresentada pelo Ministério Público na 1 a instância.
10. A recorrente respondeu a tal parecer, nos termos constantes de fls. 1064 a 1083, pugnando pela tempestividade do recurso, a sua admissibilidade e legitimidade bem como pela sua procedência.
11. Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado.
II - Fundamentaçâo
1. Das questões a decidir:
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação nas quais sintetiza as razões do pedido (art.° 412°, n°1 do CPP).
Tendo presentes as conclusões formuladas pela recorrente, que condensam as razões da sua impugnação, em causa no recurso está o não levantamento do segredo de justiça relativamente a determinados elementos de prova cujo acesso foi requerido pela recorrente, que não é sujeito processual no inquérito.
Antes, porém, como questão prévia, importa apreciar quanto à tempestividade do recurso, à sua admissibilidade e à legitimidade da recorrente, questões que foram suscitadas pelo Ministério Público na sua resposta.
2. Apreciação
2.1. Questão prévia
Alega o Ministério Público que o recurso foi interposto para além do prazo legal de 30 dias, uma vez que este prazo é contínuo não se suspendendo nas férias judiciais, por estar em causa um processo de natureza urgente, nos termos dos artigos 104.°, n°s 1 e 2 e 103, n.°2 do CPP e 138.°, n.°1 do CPC.
O arresto preventivo constitui uma medida de garantia patrimonial prevista no no n.° 1 do artigo 228.° do C.P.P., de natureza processual penal, que é aplicada em função de exigências processuais de natureza cautelar.
Não obstante ser aplicável o regime substantivo previsto na lei processual civil para o arresto, o regime processual aplicável, designadamente ao nível dos prazos processuais, é o do processo penal, só se justificando o apelo ao Código de Processo Civil (C.P.C.) nos casos omissos, nos termos do artigo 4.°, do C.P.P..
Assim, tem vindo a ser decidido pela Jurisprudência que, não se aplica ao arresto preventivo decretado em processo penal, como medida de garantia patrimonial, as regras processuais quanto aos prazos previstas no Código de Processo Civil, mas antes as regras processuais previstas no Código de Processo Penal (cf. acórdãos citados pela recorrente da Relação de Guimarães de 9.09.2016, no processo n.°584/12.OTAVNF.Gl, e da Relação do Porto de 6/03/2013, processo 6138/12.4TDPRT-A.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Nos termos do art.° 411.°, n°1 do CPP o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se, entre outros, a partir da notificação da decisão - al. a) do mesmo preceito.
A lei processual penal determina no seu artigo 103.°, n°1 que os actos processuais se praticam nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais, com execpção dos actos processuais expressamente previstos nas diversas alíneas do seu n.°2.
Por sua vez, estabelece o art.° 104.°, n.°2 do CPP que correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do n°2 do art.° 103.°.
Em nenhuma dessas alíneas está previsto a prática de um acto processual - interposição de um recurso - num processo em que foi decretado o arresto preventivo de bens, apesar da natureza urgente que o processo de arresto tem no processo civil (art.° 363.°do CPC).
Assim sendo, o prazo para a interposição do recurso no âmbito de um processo dessa natureza, não corre nas férias judiciais.
Uma vez que a recorrente foi notificada da decisão recorrida por carta registada a 14.02.20017 e que ocorreram férias judicais de 22.12.2017 a 03.01.2018, tendo o prazo de 30 dias para a interposição do recurso se suspendido nas férias judiciais, então a apresentação do recurso no dia 30.01.2018 é tempestiva.
Quanto à legitimidade da recorrente para a interposição do recurso, estando em causa um despacho judicial que afectou um direto que a recorrente pretendia exercer no processo, é a mesma parte legítima nos termos da alínea d), parte final do n.°1 do CPP.
Estando em causa o exercício de um direito ao abrigo do art.° 86.°, n.°9 do CPP, o despacho que recaiu sobre a pretensão da recorrente, independentemente da sua valia, porque proferido pela autoridade judiciária - juiz de instrução, é recorrível visto não estar no caso prevista na lei a sua irrecorribilidade - art. 399.° e 400.°, a contrario, do CPP.
Não existem, pois, razões para a rejeição do recurso por este tribunal, nos termos do art.° 414.°, n.°2 e 3 do CPP.
2.2. Do objecto do recurso
Está em causa a denegação de acesso à recorrente, por parte do Sr. Juiz de instrução, ao conteúdo de intercepções telefónicas feitas no decurso do inquérito, entre um administrador da sociedade BA..., contratada pelos liquidatários dos processos de insolvência da recorrente no Luxemburgo para sua representação em Portugal em procedimentos de liquidação do património das sociedades holdings do topo do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo, cuja actividade é investigada, entre elas a recorrente, e um vogal do Conselho de Adminstração da He..., em que a recorrente detêm várias unidades de participação e cuja venda foi requerida, entre outras intercepções.
O acesso ao conteúdo de conversações resultantes de intercepções telefónicas, que forem transcritas nos autos de inquérito, quer por parte do assistente ou do arguido, quer por parte das pessoas que tiverem sido escutadas está expressamente regulamentado no art.° 188.° n°s 8 e 11 do CPP.
Será, pois, à luz desse preceito legal e da sua conjugação com o art.° 86.°, n°9 do CPP, que deverá ser apreciada a pretensão da recorrente.
Constata-se, porém, que o pedido formulado pela recorrente de acesso a tais elementos de prova, foi feito ao abrigo do disposto no art.° 86.°, n°9 do CPP e dirigido ao Ministério Público.
Nos termos desse preceito legal cabe à autoridade judiciária, fundadamente, dar ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas de acto ou de documento em segredo de justiça, se tal não puser em causa a investigação e se afigurar: a) conveniente ao esclarecimento da verdade; ou b) indispensável ao exercício de direitos pelos interessados.
No conceito de autoridade judiciária inclui-se, nos termos do art.° 1°, alínea a) do CPP o juiz, o juiz de instrução criminal e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência.
Sendo o inquérito da titularidade do Ministério Público, a quem compete praticar todos os actos e assegurar os meios de prova necessários à realização das finalidades do mesmo, previstas no art.° 262° do CPP, a lei estabelece nos artigos 268.° e 269.° do CPP, quais os actos que no decurso do inquérito competem exclusivamente ao juiz de instrução, ou são de ordenar ou autorizar por este.
Entre esses actos, está a prática de actos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução - alínea f) do n.°1 do art.° 268.° do CPP.
Nessa medida, por exemplo, compete ao juiz de instrução, mediante requerimento do arguido, do assistente, ou do ofendido e ouvido o Ministério Público determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase do inquérito, a segredo de justiça, nos termos previstos no n.°2 do art.° 86° do CPP.
Compete, também, ao juiz de instrução enquanto autoridade judiciária, validar a decisão do Ministério Público de aplicar ao processo, durante a fase do inquérito, do segredo de justiça, no prazo máximo de setenta e duas horas - n.° 3 do mesmo preceito.
A decisão de permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, prevista no n°9 do mesmo art.° 86.° é da competência do Ministério Público enquanto autoridade judicária que dirige o inquérito, não estando prevista expressamente como um acto da competência do juiz de instrução, ou que tenha que ser por ele autorizado, ou validado nos termos dos referidos artigos 268.° e 269.° do CPP.
Ao proferir aquela decisão, indeferindo a pretensão da recorrente, sem ter competência para apreciar o pedido, que nem sequer lhe foi dirigido, não pode deixar de se concluir que o Sr. Juiz de instrução cometeu a nulidade insanável prevista na alínea e) do art.° 119.° do CPP, tal como invocou o recorrente, quando arguiu a nulidade desse despacho.
Por isso não pode deixar de se revogar o despacho proferido pelo Sr. Juiz de instrução a 13 de Novembro de 2017 e bem assim o despacho recorrido por ele proferido a 13 de Dezembro de 2017, mediante o qual o Sr. Juiz de instrução renovou aquele outro despacho.
Ficando desse modo prejudicado o conhecimento do mérito do despacho recorrido.
Em consequência, deverá a pretensão da recorrente de acesso àqueles elementos de prova ser apreciada apenas pelo Ministério Público e contra tal decisão se insurgir a recorrente nos termos que considerar adequados, se da mesma discordar.
III - Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal desta Relação em revogar o despacho recorrido e bem assim o despacho que o mesmo renova, proferido a 13.11.2017, por se verificar, quanto a ambos, uma nulidade insanável, nos termos do art.° 119.0, alínea e) do Código de Processo Penal e, em consequência, em não conhecer quanto ao mérito do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 5 de Junho de 2018
(processado e revisto pela relatora)
(Maria José Costa Machado)
(Carlos Manuel Espírito Santo)