Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 05-06-2018   MDE. Motivo de recusa facultativa.
1. Correndo em Portugal e Itália processos com o mesmo objecto, que a pessoa cuja entrega foi pedida se mantém actualmente em prisão preventiva à ordem do processo que corre em Portugal, e que não existe qualquer acordo entre as autoridades portuguesas e italianas quanto à determinação da competência para prosseguimento do procedimento em causa, deve recusar-se a entrega do Requerido às autoridades italianas, por se encontrar pendente em Portugal processo penal contra essa mesma pessoa pelos factos que motivaram a emissão do MDE a que se referem os autos – al. B) do n.º 1 do art. 12.º, da Lei 65/2003, de 23/08.
Proc. 556/18.1YRLSB 5ª Secção
Desembargadores:  Simões de Carvalho - Margarida Bacelar - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Processo 556/18.1YRLSB

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, promoveu a execução do presente Mandado de Detenção Europeu emitido em 30-01-2018 pelo Mm.° Juiz encarregado de investigações preliminares do Tribunal de Génova, Itália, em que é requerido o cidadão italiano Fausto Orru, melhor identificado a fls. 22, actualmente preso preventivamente em Portugal, no Estabelecimento Prisional de Caxias, à ordem do processo n.° 362/17.OJELSB, que corre termos na Comarca de Lisboa, tendo em vista a prossecução de procedimento criminal, em Itália, por factos integradores da prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
Teve lugar a audição a que se refere o Art.° 18° da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, durante a qual o detido manifestou a sua oposição à entrega e declarou não renunciar à aplicação da regra da especialidade, ao mesmo tempo que requereu prazo para deduzir oposição.
Na mesma diligência, em função das razões melhor constantes da promoção transcrita no respectivo auto, o Ministério Público expressou, além do mais, o entendimento de possível ocorrência de motivo de recusa facultativa da execução de Mandado de Detenção Europeu.
Após junção aos autos da solicitada certidão de que consta, designadamente, a acusação, contra o requerido, proferida no âmbito do supra mencionado processo (cfr. fls. 29 a 80), bem como da cópia do despacho em que é assumida a competência dos Tribunais Portugueses para a apreciação da respectiva responsabilidade penal (cfr. fls. 82 e v.°) e, ainda, da necessária tradução do Mandado de Detenção Europeu (cfr. fls. 92 a 94 v.°), disso se deu conhecimento ao mesmo, tendo este sido notificado, também, para formalizar a dedução da respectiva oposição, nos termos do ordenado em sede da já supra referida audição.
Veio então o requerido, dando por reproduzida toda a argumentação expendida pelo Digno Magistrado do M° P° em la Instância, por com ela concordar, dizer que, nomeadamente, se revela indiscutível que os factos investigados pelas autoridades italianas são os mesmos que os investigados pelas autoridades portuguesas, o que só pode conduzir ao indeferimento do pedido deduzido por aquelas (cfr. fls. 99 a 100).
De seguida, veio o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitir parecer (cfr. fls. 102 a 105) no sentido de que deverá ser proferida decisão que reca execução do Mandado de Detenção Europeu, ao abrigo do disposto no Art.° 12°, n.° 1, alínea b) da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, na sua actual redacção, a qual transpõe para a ordem interna a Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho.
Designado dia para alegações orais, foram as mesmas oportunamente produzidas (cfr. fls. 114).
Colhidos os vistos legais, foram os autos presentes à conferência para apreciação da incidência indicada.
Cumpre decidir:

Considera-se provado o seguinte:
a) Fausto Orru foi apresentado no Tribunal da Relação de Lisboa, em 13-03-2018, por ser pedida a sua entrega com vista a prossecução de procedimento criminal, em Itália, por factos integradores da prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, infracção esta prevista e punida nos Art.°s 110° do Código Penal Italiano. 73°, n.° 1 e 80°, n.° 2 da Lei de Estupefacientes Italiana DPR 309/90 e 4° da Lei n.° 1461/16-03-2006, com pena de prisão até 30 anos;
b) Tais factos consistiram em o requerido, no dia 30-09-2017, em águas internacionais ao largo dos Açores, juntamente com outros cúmplices, transportar e ter ilegitimamente na sua posse 400 quilos de cocaína, escondida no interior da embarcação à vela, italiana, chamada Gioia;
c) Após ser informado da existência e conteúdo do Mandado de Detenção Europeu, bem como da possibilidade de consentir em ser entregue às autoridades italianas e de renunciar à regra da especialidade, disse o predito requerido não consentir na entrega e não renunciar à regra da especialidade;
d) Com data de 06-03-2018, foi deduzida acusação contra o sobredito requerido e o indivíduo que se identificou como sendo S... pela prática, em co-autoria e em concurso real, de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo Art.° 28°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 45/96, de 3 de Setembro, com referência à tabela anexa 1-B e de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos Art.°s 21°, n.° 1 e 24°, alínea c), do citado Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-B;
e) Por despacho, proferido em 21-03-2018, foi assumida a competência dos Tribunais Portugueses para a apreciação da responsabilidade penal do requerido;
f) No prazo que lhe foi concedido para esse efeito, veio o mesmo deduzir oposição, nos termos supra descritos.

Na definição legal dada pelo Art.° 1 ° da Lei n° 65/2003, de 23 de Agosto,
«O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade».
Trata-se de um instrumento destinado a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados membros, substituindo o recurso ao tradicional e mais complexo processo de extradição, para se alcançar o mesmo fim.
O objecto do presente processo encontra-se delimitado pelos termos do mandado de detenção europeu.
Na situação concreta, inexiste qualquer dúvida sobre a aplicação da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, com a nova redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 35/2015, de 4 de Maio.
Quanto ao presente mandado a executar contra o requerido Fausto Orru, não se suscitam dúvidas sobre a sua autenticidade e proveniência, estando o mesmo devidamente traduzido para português.
Verifica-se, por sua vez, que a pessoa procurada pode não consentir na sua entrega ao Estado membro de emissão, nos termos previstos no Art.° 21° da Lei n.° 65/03, de 23 de Agosto, mas essa oposição só pode fundar-se no erro na identidade do detido ou na existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu.
A entrega requerida foi solicitada para efeito de prossecução de procedimento criminal por crime de tráfico de estupefacientes.
Assim, face ao disposto no Art.° 2° da sobredita Lei, os ilícitos imputados à pessoa procurada englobam-se no âmbito do Mandado de Detenção Europeu (factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses).
Para além do mais, no caso vertente, não há lugar a controlo da dupla incriminação do facto, urna vez que o crime que é imputado ao requerido se mostra incluído no rol previsto no n.° 2 do supra mencionado artigo, designadamente na sua alínea e).
Subsequentemente, torna-se forçoso salientar inexistirem quaisquer dos fundamentos de recusa obrigatória constantes do Art.° 11° da Lei n.° 65/03, de 23 de Agosto.
Contudo, verifica-se ser inequívoco ocorrer um fundamento de recusa facultativa.
Na verdade, determina o Art.° 12° da antedita Lei que: 1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: (...) b) estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu .
Ora, conforme resulta da leitura dos factos constantes da acusação formulada no âmbito do supra mencionado processo n.° 362/17.OJELSB, ao ora requerido é imputada, em Portugal, a prática, em co-autoria e em concurso real, de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo Art.° 28°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 45/96, de 3 de Setembro, com referência à tabela anexa 1-B e de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos Art.°s 21°, n.° 1 e 24°, alínea c), do citado Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexai-B.
Inexistem dúvidas de que os factos carreados nessa acusação são os mesmos que se mostram descritos no Mandado de Detenção Europeu apresentado por Itália.
Além de que se constata ter Portugal já assumido a competência para o julgamento, por força de despacho já produzido (cfr. fls. 83 e v.°) e, também, da acusação anteriormente deduzida (cfr. fls. 60 a 78).
Deste modo, uma vez que os processos instaurados em Portugal e em Itália têm o mesmo objecto, que a pessoa cuja entrega foi pedida se mantém actualmente em prisão preventiva à ordem do processo que corre no nosso país, e que não existe qualquer acordo entre as autoridades portuguesas e italianas quanto à determinação da competência para prosseguimento do processo em causa, entende este Tribunal dever recusar a entrega do requerido Fausto Orru às autoridades italianas, por se encontrar pendente em Portugal procedimento penal contra essa mesma pessoa pelos factos que motivaram a emissão do Mandado de Detenção Europeu a que se referem estes autos - alínea b) do n.° 1 do Art.° 12° da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto.

Pelo exposto, acordam os juízes da 5a Secção deste Tribunal da Relação em recusar a entrega de Fausto Orru às autoridades italianas, nos termos da alínea b) do n.° 1 do Art.° 12° da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto.
Após trânsito:
- Informe o processo n.° 362/17.OJELSB que deixou de interessar a detenção do requerido à ordem dos presentes autos.
- Comunique ao Estado membro de emissão, Itália, o teor da presente decisão.

Processado e revisto pelo relator.

Lisboa, 5 de junho de 2018
José Simões de Carvalho
Maria Margarida Bacelar
Agostinho Torres