Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 10-07-2018   Buscas. Formalidades.
O recorrente foi constituído arguido e sujeito a busca domiciliária, em cumprimento de mandados de detenção fora de flagrante delito tendo-lhe sido então apreendidos no interior da residência dinheiro e e 1630 maços de tabaco de várias marcas. Em tais circunstâncias foi o recorrente encontrado em flagrante delito de crime de contrabando qualificado em violação das infracções tributárias.
Verificando-se o flagrante delito, podia ser ordenada a busca nos termos do art.° 174° n° 5 alínea c) do CPP, e sendo do conhecimento dos investigadores que o recorrente utilizava o referido armazém nas suas actividades criminosas e não sendo o recorrente proprietário do mesmo, não havia lugar a cumprimento das formalidades da busca previstas no art.° 176° do CPP em relação ao recorrente.
Tendo a busca sido previamente ordenada pela autoridade competente que necessariamente procedeu à devida apreciação da sua necessidade e à ponderação dos interesses em conflito, o legislador apenas exige que aquelas formalidades sejam cumpridas na pessoa de quem tenha o domínio fáctico do lugar. Não sendo o recorrente proprietário, nem sequer arrendatário de tal espaço, não havia lugar às formalidades da busca previstas no art.° 176° do CPP quanto ao recorrente
Proc. 3/17.6F9LSB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Ricardo Cardoso - Filipa Macedo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Proc.° n° 3/17.6F9LSB.L1
Acordam em conferência os Juízes da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
1. No Processo de Inquérito n° 3/17.6F9LSB do Juízo de Instrução Criminal de Loures (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, no qual são arguidos J... e Outros, por despacho, proferido a 21 de Março de 2018, foi decidido o seguinte:
O arguido J... arguiu a nulidade da busca realizada ao armazém B..., com a consequente declaração de constituição como prova nula dos bens apreendidos, na sequência de tal busca.

O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se, conforme consta de fls. 1822 e 1823, no sentido da omissão das formalidades invocadas não ser cominada expressamente com qualquer nulidade, nem estar abrangida pelo disposto no art.° 126.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.
Mais referiu que a busca foi ordenada pela entidade competente e cumprida no respectivo prazo legal.
Referiu ainda que a busca ao armazém só foi efectuada na sequência de terem, sido detectados e apreendidos 1630 maços de tabaco na residência do arguido e outros 90 no veículo com a matrícula ..., razão pela qual sempre haveria dispensa do cumprimento das formalidades do art.° 176.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, por via do disposto no art.° 174.°, n.° 5, alínea c) do mesmo diploma legal.
Por fim, referiu que, de toda a maneira, foi entregue cópia do mandado a quem tinha disponibilidade do espaço, em concordância com as legais exigências.
Cumpre apreciar e decidir:
Compulsados os autos, constata-se que a busca realizada ao armazém identificado como B..., sito na R..., 2700 — 391, Amadora foi ordenada por despacho, datado de 13 de Março de 2018 (cfr. fls. 1640) do Digno titular da acção penal, i.e., a entidade judiciária competente, de harmonia com o disposto no art.° 174.°, n° 3 do Código de Processo Penal.
Mais, constata-se igualmente que a busca ao referido armazém (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 1601 e 1602 e relatório fotográfico a ele acoplado de fls. 1603), cumpriu as legais formalidades a que se refere o art.° 176.° do Código de Processo Penal, porquanto no acto da busca iniciada pelas 18.10 horas do dia 13 de Março de 2018 e finalizada pelas 18.30 horas desse mesmo dia, foi entregue cópia do mandado e do respectivo despacho que ordenou a sua emissão a V... pessoa, na qualidade de pessoa responsável por aquele armazém e que assistiu à diligência desde o seu início ao seu fim (cfr. fls. 1598, a 1600).
Por fim, mesmo que assim não se entenda, cumpre referir que a busca realizada ao referido armazém, foi efectuada na sequência de busca domiciliária à residência do arguido J... (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 1484 a 1487 e relatório fotográfico de fls. 1488 a 1495), ordenada judicialmente, e à sua viatura (cfr. fls. 1496 a 1497 e relatório fotográfico de fls. 1498 a 1499), buscas essa iniciadas, respectivamente, pelas 7.00 horas e pelas 12.35 horas do dia 13 de Março de 2018, das quais resultou a apreensão de material detido pelo arguido (1630 maços de tabaco na residência e 90 no veículo), facto consubstanciador, por reporte, desde logo, ao tipo criminal previsto no art.° 92.° do R.G.I.T., da prática em flagrante delito desse crime de contrabando e legitimador da detenção de J... pela entidade policial, de harmonia com o disposto nos arts. 256.° e 255.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
Nessa conformidade, na sequência da detenção em flagrante delito do arguido J... sempre estaria dispensado, por via do disposto no art.° 174.°, n.° 5, alínea c) do Código de Processo Penal, o cumprimento das legais formalidades a que se refere o art.° 176.° na realização da busca ao armazém, realizada em momento posterior à detenção em flagrante delito.
Em face do exposto, improcede a invocada nulidade da busca e consequente invalidade da prova recolhida.
Notifique com cópia.
2. Não se conformando com esta decisão o arguido J... dela interpôs recurso apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:
1° Entende o arguido que a busca efectuada ao armazém B..., sito na R…, Amadora, é nula.
2° Entende também o arguido que a apreensão efectuada na sequência de tal busca é, consequentemente, nula.
3° Resulta dos autos que no dia 13-3-2018, pelas 12h00, por suspeitas da prática de um crime de contrabando qualificado, o recorrente foi detido fora de flagrante delito, constituído arguido e sujeito a busca domiciliária, em cumprimento de mandados de detenção fora de flagrante delito emitidos do Ministério Público em 12-02-2018, e de mandados de busca domiciliária, emitidos pelo Juiz de Instrução Criminal também em 12-02-2018.
4° A partir das 10h45 de 13-3-2018 o arguido esteve acompanhado de advogado constituído.
5° Às 18h00 do dia 13-3-2018 a GNR levou a efeito uma busca, em cumprimento de um mandado emitido pelo Ministério Público em 13-3-2018, ao já identificado armazém, por suspeitas de que naquele armazém o já arguido deteria produtos de contrabando.
6° O visado pela busca era o arguido, por entender o Ministério Público que seria o arguido quem ocupava aquele armazém e o utilizava para fim ilícito, ou seja, para guarda de tabaco de contrabando.
7° Ora estatui o art.° 176° do Código de Processo Penal que a busca obedece a formalidades.
8° Nomeadamente à entrega ao visado, prévia à realização da busca, de cópia do despacho que a determinou e à menção de que pode assistir à busca e fazer-se acompanhar por pessoa da sua confiança.
9° Entende a doutrina, de que se cita, a título de exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao CPP, 4a Ed. UCP, página 492 e seguintes, que o visado na busca tem os seguintes direitos:
a) O direito a ser notificado do despacho que determinou a busca e o direito a conhecer os fundamentos da busca;
b) O direito a não consentir na busca;
c) O direito a assistir à busca;
d) O direito a fazer-se acompanhar ou substituir na assistência à busca;
e) Sendo o visado arguido, o direito a fazer-se acompanhar por advogado e por pessoa da sua confiança;
f) O direito ao respeito pela propriedade;
g) O direito a ser constituído arguido;
h) O direito a cópia do auto de diligência.
10° Na busca em apreço nos autos, e retirando-se já dos autos que, anteriormente à emissão do mandado para a sua realização, o recorrente havia sido constituído arguido, permanecia detido fora de flagrante delito e estava acompanhado de advogado constituído, viu o recorrente/arguido/visado na busca ser-lhe proibido o exercício dos seguintes direitos:
a) O direito a ser notificado do despacho que determinou a busca e o direito a conhecer os fundamentos da busca;
b) O direito a assistir à busca;
c) O direito a fazer-se acompanhar ou substituir na assistência à busca;
d) Sendo o visado arguido, o direito a fazer-se acompanhar por advogado e por pessoa da sua confiança;
e) O direito a cópia do auto de diligência
11° Mas ainda que se entendesse que a busca ao armazém havia sido realizada por ter ocorrido flagrante delito, também a jurisprudência entende que, após 34 minutos de detenção em flagrante delito, já não subsiste fundamento para que ocorra busca motivada por flagrante delito, como se alcança do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pelo Exmo Sr. Desembargador Antero Luís, datado de 22-01-2015, no processo n° 81/14.0PJLRS-A.L1-9.
12° O arguido foi detido às 12h00 e a busca foi realizada às 18h00, ou seja, mais de 34 minutos após a detenção do arguido.
13° Conclui-se, pois, que ao indeferir a arguida nulidade da busca e apreensão, o Tribunal a quo violou os arts 174° e 176°, ambos do Código de Processo Penal.
14° Deveria aquele Tribunal ter interpretado e aplicado estas normas no sentido de ter sido ilegal a busca, e consequente apreensão, realizada por terem sido violados os direitos do arguido e as suas garantias de defesa, e por terem sido violados os artigos 174° e 176, ambos do C. P. Penal.
15° Com a interpretação inconstitucional que fez da lei, o Tribunal a quo violou ainda o art.° 32° da Constituição da República Portuguesa.
16° Interpretação inconstitucional que o arguido desde logo alegou, no requerimento de arguição de nulidade, e que se deixa novamente alegado, para os efeitos previstos no art.° 72°, n° 2, da Lei n° 28/82, de 15-11-.
17° De facto, ao interpretar os arts. 174° e 176°, do C. P. Penal, no sentido de que não é nula a busca efectuada nos termos já expostos, o Tribunal a quo diminuiu as garantias de defesa ao arguido.
18° Ora o art.° 32° da C. R. Portuguesa estatui que o processo criminal assegura ao arguido todas as garantias de defesa. É, assim, inconstitucional a interpretação redutora de garantias de defesa do Tribunal a quo.
19° Com a interpretação da lei sugerida pelo arguido o Tribunal a quo teria concluído pela violação das garantias de defesa do arguido e pela violação do art.° 32° da C. R. P.
20° Deve, pois, o despacho que validou a busca e a apreensão ser revogado, por ilegal, declarando-se nulas quer a busca quer a apreensão realizadas ao armazém B... sito na R, Amadora.
NESTES TERMOS, nos melhores de direito, e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido.
3. Admitido o recurso com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, o M°P° respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:
II — ENQUADRAMENTO
Antes de se entrar na análise da concreta questão suscitada, cabe fazer uma breve resenha das circunstâncias que antecederam a busca em apreço.
Com efeito, como refere o recorrente, o mesmo foi detido por suspeitas da prática de crimes de contrabando qualificado e introdução fraudulenta no consumo, igualmente qualificado.
Na verdade, nos termos do despacho proferido em sede de primeiro interrogatório judicial (fls. 1679 a 1718), foi considerado fortemente indiciado, entre o mais e no que concerne ao arguido J…, ora recorrente, o seguinte:
12. Na maioria das ocasiões, os mencionados arguidos e suspeitos venderam o tabaco aos arguidos BE... ou J..., os quais, no mencionado período temporal, se dedicaram à compra e posterior venda de tabaco a terceiros que contactavam ou que os contactavam para o efeito, mediante contrapartida económica e sempre sem proceder ao cumprimento das mencionadas obrigações fiscais.
(—)
17. Os aludidos arguidos BE...e J... acordavam telefonicamente com os aludidos AD..., MA..., MO... e AL... as quantidades de tabaco que lhes iriam adquirir e o respectivo preço, sendo que aqueles procediam em seguida à aquisição do tabaco em Angola e seu transporte para Portugal, por vezes exclusivamente para entrega ao arguido BE...ou ao arguido J....
(…)
54.Também nesse dia 18-10-2017, e na sequência de prévio contacto telefónico, o arguido MA... encontrou-se com o arguido J... na aludida habitação sita na Avenida ... em C…, onde este recebeu daquele e mediante contrapartida económica, 2903 (dois mil novecentos e três) maços de tabaco da marca KINGSPORT, PALL MALL, AMERICAN BLEND e ROTHMANS, 250 (duzentos e cinquenta) maços de tabaco da marca ROTHMANS AZUL — dos que haviam sido introduzidos em território nacional no dia anterior — com o valor estimado da mercadoria em € 12.612,00, os quais foram apreendidos ao arguido J... no âmbito de subsequente acção de fiscalização
(…)
59.Também na execução do descrito plano comum e na prossecução dos objectivos da referida organização, os arguidos MA... e PE... e o suspeito AD... entregaram ainda tabaco ao arguido J..., mediante contrapartida económica nas seguintes datas:
a) No dia 16-11-2017, na Rua Parque Natural da S…, 2855-630 Seixal, tendo os arguidos MA... e PE... entregue tabaco acondicionado em diversos sacos de grandes dimensões;
b) No dia 27-11-2017, na R…, Agualva-Cacém, tendo o arguido MA... entregue uma quantidade de tabaco não apurada, tendo ainda sido combinada uma entrega, que não se concretizou, na residência do arguido AL..., sita R…, em Od…;
c) No dia 03-01-2018 o suspeito AD... chegou ao Porto, proveniente de Angola, transportando consigo tabaco acondicionado em seis malas de viagem, que seguidamente transportou em veículo conduzido pelo arguido J... para a residência deste último sita na R…, Agualva-Cacém;
No dia 13 de Março de 2018, na sequência de mandado de busca domiciliária emitido a 12 de Fevereiro de 2018 (logo, 29 dias antes da sua realização) e de busca a veículo emitido nesse mesmo dia 13-03, foram localizados na posse do ora recorrente:
- Na residência sita na R…, Agualva-Cacém: € 5.545,00 em notas e 1630 maços de tabaco de várias marcas, cfr. auto de busca e apreensão de fls.1484 a 1495;
- No interior do veículo de matrícula ...: 90 maços de tabaco de marca Rothmans Switch, cfr. auto de busca e apreensão de fls 1496 a 1499.
Assim, o tabaco apreendido ao ora recorrente no decurso da investigação e até tais buscas ascendia a 4.873 maços — relativamente aos quais eram devidos, a título de IEC, IVA e direitos aduaneiros, mais de € 15.000,00 —, a acrescer ao tabaco entregue nas circunstâncias documentadas através de vigilâncias e sem apreensão.
Razão pela qual, independentemente da competência do Ministério Público para a emissão de mandados fora de flagrante delito, sempre se impunha a detenção do ora recorrente em flagrante delito, como de resto ficou a constar no despacho proferido pela Mma Juiz de Instrução Criminal em sede de interrogatório judicial.
III — DAS BUSCAS EM FLAGRANTE DELITO
Dispõe o artigo 176°, n.° 1, do CPP que: Antes de se proceder a busca, é entregue, salvo nos casos do n.° 5 do artigo 174°, a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, cópia do despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga.
Ora, como ficou referido, só depois dessa detenção é que se procedeu à busca no referido armazém (fls. 1601 e segs.), pelo que, nos termos do artigo 174°, n.° 5, alínea c), do CPP, estava dispensado o cumprimento das referidas formalidades.
Não ignoramos a jurisprudência citada pelo ora recorrente; contudo, também não podemos deixar de destacar o voto de vencido formulado em tal acórdão, nos termos do qual o Exmo. Senhor Desembargador João Abrunhosa fez consignar o seguinte:
Entendo que devia considerar-se válida a busca aqui em causa e, portanto, procedente o recurso, pelas seguintes razões:
O flagrante delito verifica-se quando o crime se está cometendo ou se acabou de cometer ou quando o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar (art.° 256°/1/2 do CPP).
A mera detenção de droga integra os diferentes tipos de tráfico de droga.
Por isso, entendemos que, enquanto o Arguido tiver na sua disponibilidade a droga, como era o caso, está em flagrante delito de tráfico.
O facto de estar formalmente detido não altera a sua relação com a droga.
Ou será que um Arguido que esteja cumprir pena de prisão e, da cadeia, consiga coordenar uma operação de tráfico de droga, que manda armazenar em sua casa, não está em flagrante delito?
E um Arguido que tem em sua casa, em Lisboa, 500 kg de cocaína e se desloca ao Algarve, para a negociar, sendo preso no regresso, por conduzir embriagado, para ser apresentado em tribunal no dia seguinte, deixou de estar em flagrante delito enquanto esteve preso?
Cremos, pois, como já dissemos, que o Arguido que mantém na sua disponibilidade droga, ainda que esteja preso, está em flagrante delito de tráfico, como era o caso..
Também neste sentido, veja-se o acórdão da mesma Relação, proferido a 29-01-2015 — não publicado —, proferido no âmbito do processo 449/14.1PILRS-A.L1.
No caso dos autos, a GNR detectou a necessidade de realizar tais buscas bem antes das 16:51 (fls. 1638) e encontrava-se legitimada para proceder a tais buscas, nos termos descritos. Porém, atenta tal hora e havendo ainda disponibilidade por parte do Ministério Público, entendeu tal OPC — e bem —, reforçar essa legitimidade com a emissão de mandados de busca por parte da autoridade judiciária competente.
IV — DO CUMPRIMENTO DAS FORMALIDADES DA BUSCA
Insurge-se o recorrente contra a circunstância de, segunda alega, não terem sido cumpridas as formalidades previstas no artigo 176° do CPP.
Dispõe o n.° 1 de tal artigo que: Antes de se proceder a busca, é entregue, salvo nos casos do n.° 5 do artigo 174°, a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, cópia do despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga.
Assim, para efeitos do cumprimento de tais formalidades, a Lei não impõe a entrega do mandado ao suspeito, ao arguido ou sequer ao visado, mas apenas a quem tiver a disponibilidade do lugar.
Para a Relação de Guimarães, conforme acórdão de 16-10-2016 :
IV — O que está em causa, quanto aos estabelecimentos comerciais, não é, pois, directamente, a protecção do exercício do comércio, mas o direito de reserva, que por razões de intimidade e outras, é reconhecido à generalidade dos espaços não livremente acessíveis ao público.
V — Daí que a norma do art.° 174 n° 4 al. b) do CPP não refira o arguido nem o suspeito, nem, tão pouco o proprietário, mas o visado.
VI — Visado é, neste contexto, a pessoa que tem a disponibilidade do local, isto é, quem, no concreto, pode permitir ou autorizar, a quem quer que arbitrariamente entenda, autoridade policial ou não, a entrada no local, pois que seria sem sentido o entendimento de que, por força de lei, alguém pode ter o poder de autorizar a entrada de qualquer pessoa num local, desde que essa pessoa não seja um agente da autoridade.
VII — Na verdade, se o consentimento for prestado por quem tem essa qualidade, nenhum vício substancial existirá, decorrente da falta de poderes para o acto.
VIII — No caso dos estabelecimentos comerciais, a pessoa com tais poderes é, normalmente, o seu responsável directo, quem o tem à sua guarda, quem se apresenta, sem que nada razoavelmente o permita duvidar, como podendo dispor do espaço em causa, nada tendo isso a ver com a figura do proprietário, que pode, até, nunca ter estado no estabelecimento..
Em bom rigor, quer-nos parecer que os conceitos de visado e de pessoa com disponibilidade do lugar não constituem sequer sinónimos, encontrando-se este num patamar de maior distanciação do indivíduo ao local da busca e ao objecto da investigação.
Na verdade, dúvidas não subsistem — em face da jurisprudência das Relações, do Supremo Tribunal de Justiça e inclusive do Tribunal Constitucional —, que o conceito de visado, na medida em que se cinge à pessoa que pode consentir na realização da revista e da busca, domiciliária ou não — cfr. artigos 174°, n.° 5, alínea b) e 177°, n.° 2, alínea b), e n.° 3, ambos do CPP —, está estreitamente ligado aos direitos à intimidade e à reserva da vida privada.
Assim, se o visado pela revista só poderá ser a pessoa cujo corpo será revistado, já o visado pela busca terá de ser a pessoa cuja privacidade será violada, ainda que não seja a única pessoa a ter a disponibilidade do lugar ou o seu domínio de facto.
A integração desse conceito à luz dos princípios constitucionais é absolutamente imprescindível, na medida em que dela depende que se aceite uma restrição a direitos fundamentais tão relevante como a intromissão num espaço reservado, no domicílio ou no próprio corpo.
Mas tudo o que ficou dito não se aplica, a nosso ver, ao conceito de pessoa com disponibilidade do lugar.
Com efeito, o artigo 176° do CPP não regula as condições de admissibilidade da busca, mas sim as concretas formalidades de execução de uma busca que já se considera previamente admitida, mediante decisão da autoridade judiciária competente.
Nessa medida, carecia de sentido que a Lei exigisse o cumprimento de tais formalidades na pessoa do arguido ou sequer do visado, porquanto a presença deste não constitui requisito de admissibilidade ou sequer de execução da busca.
Basta pensar no caso de o arguido ter sido detido no Porto, e, enquanto acompanha a busca à sua residência sita em tal cidade, são igualmente executados mandados de busca em estabelecimentos ou residências no Algarve ou noutros pontos do País.
Ou o caso do arguido que se encontra preso, preventivo ou até em cumprimento de pena, mas relativamente ao qual é necessário proceder a buscas num armazém que explorava antes dessa prisão.
Ou ainda o caso em que a busca é imprescindível até para identificar o autor do crime, que só será conhecido após a busca, mas que poderá não se encontrar no local...
Assim, tendo a busca sido previamente ordenada pela autoridade competente —que necessariamente procedeu à devida apreciação da sua necessidade e à ponderação dos interesses em conflito —, o legislador apenas exige que aquelas formalidades sejam cumpridas na pessoa de quem tenha o domínio fáctico do lugar.
No caso dos autos, e conforme amplamente documentado a fls. 1599 a 1600, todas essas formalidades foram cumpridas, em especial no que concerne à entrega de cópia do mandado, na pessoa de V..., legal representante da empresa proprietária dos armazéns, que igualmente acompanhou a busca.
Note-se que o arguido não era proprietário, nem sequer arrendatário de tal espaço, sendo que a utilização e gozo do mesmo por parte do recorrente é matéria que se reporta ao juízo indiciário e — na fase de julgamento — de prova quanto à imputação ao recorrente da posse do tabaco ali apreendido.
Razão pela qual é de concluir que foram cumpridas todas as formalidades legais na execução da busca ora em apreço.
Mesmo assim não se entendendo, sempre se dirá que,
V — DA NATUREZA DO VÍCIO
Na eventualidade de se considerar que foram omitidas as formalidades previstas no artigo 176° do CPP, é porém forçoso concluir que tal não acarreta a consequência invocada pelo recorrente.
Com efeito, resulta do artigo 118° do CPP que, salvo as normas relativas às proibições de prova, A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei., sendo que, quando assim não sucede, o acto é irregular.
Efectivamente, rege o artigo 126°, n.° 3, do mesmo Código que, em Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular..
E é em tal norma que radica a consideração de que são nulas as provas obtidas mediante busca não autorizada nem consentida e fora das condições em que tal é legalmente admissível, como por exemplo em flagrante delito.
Em reforço de tal disposição geral, consagrou ainda o legislador que o despacho da autoridade judiciária que ordena ou autoriza a revista ou a busca tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade. (artigo 174°, n.° 3 e n.° 4) e que A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade. (artigo 177°, n.° 1).
Ou seja, é clara a intenção do legislador de proibir a obtenção de prova mediante intromissão na vida privada, mas também de regular os concretos termos em que tal intromissão é admissível.
Já as normas constantes dos artigos 175° e 176° do CPP, com as expressivas epígrafes Formalidades da revista e Formalidades da busca não se reportam às condições de admissibilidade desses meios de obtenção de prova, mas apenas aos concretos procedimentos que devem ser observados na sua execução, partindo já do pressuposto que os mesmos são não só admissíveis, como inclusive foram ordenados ou autorizados por despacho da autoridade competente.
Daí que em parte alguma dessas duas disposições se encontre prevista a cominação sob pena de nulidade.
E é natural que a preterição das formalidades inerentes à entrega do mandado não seja cominada com tal vício, porquanto nem sempre será possível o seu cumprimento, como sucede em qualquer dos casos exemplificativos supra enunciados.
Destarte, afigura-se-nos inultrapassável a conclusão de que uma eventual violação do disposto no artigo 176° do CPP apenas poderá acarretar o vício de irregularidade, nos termos do artigo 123° do CPP, a qual se deve considerar sanada, na medida em que, em sede do interrogatório judicial de 14 de Março, o ora recorrente tomou conhecimento dos objectos apreendidos no decurso da busca e teve acesso aos autos, em especial ao respectivo auto de apreensão, despacho que ordenou a busca e certificação dos mandados.
Assim, bem andou a Mma Juiz de Instrução ao indeferir a arguida nulidade das buscas ao armazém em apreço.
Em face de tudo o que ficou exposto, a decisão sub judice não padece de qualquer vício ou incorrecção, nada contendo que censura mereça.
Termos em que deve o recurso interposto pelo arguido ser julgado totalmente improcedente.
4. Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
6. Suscita-se a apreciação da validade da busca e apreensão de tabaco em caso de crime de contrabando qualificado previsto no art.° 92.° do RGIT.
7. Apreciação.
O recorrente alega que a busca ao armazém e a subsequente apreensão de tabaco são nulas por preterição das formalidades previstas no art.° 176° do Código de Processo Penal, por esta busca ter sido determinada por decisão do M°P° de 13 de Março de 2018, quando o recorrente se encontrava detido fora de flagrante delito, constituído arguido e sujeito a busca domiciliária, em cumprimento de mandados de detenção fora de flagrante delito emitidos do Ministério Público em 12-02-2018, e de mandados de busca domiciliária, emitidos pelo Juiz de Instrução Criminal também em 12-02-2018.
Tendo suscitado tal questão o Juiz de Instrução Criminal indeferiu a invocada nulidade por preterição das formalidades previstas no art.° 176° do CPP, por entender que a busca ao armazém se realizou em flagrante delito de crime de contrabando encontrando-se dispensadas tais formalidades nos termos do art.° 174° n° 5 alínea c) do CPP.
Aqui chegados, fácil se torna a enunciação da questão fulcral do objecto do recurso, que se revela a de saber se a busca ocorreu em situação de flagrante delito ou fora dela.
A situação no plano da matéria de facto não oferece dúvidas de que no dia 13 de Março de 2018, pelas 12 horas, o recorrente foi constituído arguido e sujeito a busca domiciliária, em cumprimento de mandados de detenção fora de flagrante delito tendo-lhe sido então apreendidos no interior da residência € 5.545,00 em notas e 1630 maços de tabaco de várias marcas, cfr. auto de busca e apreensão de fls.1484 a 1495, e no interior do seu veículo automóvel 90 maços de tabaco de marca Rothmans Switch, cfr. auto de busca e apreensão de fls 1496 a 1499, relativamente aos quais eram devidos, a título de IEC, IVA e direitos aduaneiros, mais de € 15.000,00, a acrescer ao tabaco entregue nas circunstâncias documentadas através de vigilâncias e sem apreensão.
Em tais circunstâncias foi o recorrente encontrado em flagrante delito de crime de contrabando qualificado em violação das infracções tributárias.
O crime de contrabando, (tal como o de tráfico de estupefacientes, ou o de evasão,) integra-se na categoria dos crimes permanentes, caracterizados pela manutenção do estado ilícito ser dependente da vontade do autor, assim que não somente a sua produção, mas também a sua duração realiza o preenchimento do tipo legal (Johannes Wessels, Direito Penal, Parte Geral, página 8, ed. 1976, Sérgio António Fabris Editor, Porto Alegre).
Verificando-se o flagrante delito, podia ser ordenada a busca nos termos do art.° 174° n° 5 alínea c) do CPP, e sendo do conhecimento dos investigadores que o recorrente utilizava o referido armazém nas suas actividades criminosas e não sendo o recorrente proprietário do mesmo, não havia lugar a cumprimento das formalidades da busca previstas no art.° 176° do CPP em relação ao recorrente.
Assim, tendo a busca sido previamente ordenada pela autoridade competente que necessariamente procedeu à devida apreciação da sua necessidade e à ponderação dos interesses em conflito, o legislador apenas exige que aquelas formalidades sejam cumpridas na pessoa de quem tenha o domínio fáctico do lugar.
Ora, no caso dos autos, todas essas formalidades foram cumpridas, em especial no que concerne à entrega de cópia do mandado e dos seus fundamentos, na pessoa de V..., legal representante da empresa proprietária dos armazéns, que igualmente acompanhou a busca.
Não sendo o recorrente proprietário, nem sequer arrendatário de tal espaço, não havia lugar às formalidades da busca previstas no art.° 176° do CPP quanto ao recorrente.
Temos assim de concluir que foram cumpridas todas as formalidades legais na execução da busca e subsequente apreensão, confirmando a decisão recorrida e negando provimento ao recurso.
8. Decisão:
Em conformidade com o exposto acordam os juízes neste tribunal em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido J... e confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente em 4 (quatro) Unidades de Conta.
(Texto elaborado de acordo com a raiz latina da língua portuguesa, em suporte informático e integralmente revisto pelos signatários)
Lisboa, 10 de Julho de 2018
Ricardo Manuel Chrystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso
Filipa Maria de Frias Macedo Branco