Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 10-07-2018   Revisão trimestral da medida de cocacção., cláusula rebus sic stantibus; desnecessidade de audição do arguido - art.° 213.° do cpp.
Estando as medidas de coacção sujeitas à condição rebus sic stantibus, a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação.
O poder de ouvir o arguido é facultativo e depende da constatação ou não de elementos modificativos supervenientes. No caso dos autos os pressupostos iniciais mantiveram-se imutáveis.
Proc. 294/17.2JGLSB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Agostinho Torres - João Carrola - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Recurso penal 5a Secção penal
Relator: Agostinho Torres
Proc° NUIPC 294/17.2JGLSB-B.L1
Tribunal recorrido: Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal, Juiz 6
Recorrente (s): arguido FA...
Sumário:Revisão trimestral da medida de coacção, cláusula rebus sic
stantibus; desnecessidade de audição do arguido-art.° 213.° do CPP

ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA — 5a SECÇÃO (PENAL)
I-RELATÓRIO
1.1- Por simples decisão de 17 de maio de 2018 e na sequência de revisão trimestral oficiosa nos termos do art°213°, n°1,a) do CPP foi decidido manter a medida de coacção aplicada ao arguido FA... o qual foi
considerado desnecessário ouvir previamente.
Nessa decisão foi referido continuarem a existir os fortes indícios da prática dos imputados crimes de contrafacção de títulos equiparados a moeda, burla informática e branqueamento, tendo em atenção a sua gravidade e o facto de nada de novo ter sido carreado para os autos que pudesse atenuar as exigências cautelares, pelo que se mantinham os pressupostos de facto e de direito que levaram à aplicação aos arguidos da prisão preventiva.
Salienta-se que a medida de coacção inicialmente aplicada na sequência de 1° interrogatório judicial, fora mantida em sede de recurso, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de maio de 2018 e que, além dos fortes indícios dos crimes imputados, foi considerado haver forte perigo de continuação criminosa.
No relatório desse acordão sintetizou-se assim a decisão recorrida e a posição do arguido Fausto:
No proc.° n.° 294/17.2JGLSB-A, da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal, Juiz 6, por despacho judicial de 6 de Dezembro de 2017 foi decidido, em sede de 1.° interrogatório, que os arguidos FA..., IS..., e AR... aguardassem em Prisão Preventiva os ulteriores termos do processo por existir perigo de continuação da actividade criminosa, nos termos dos art°s 191°, a 194 °, 196°, 200.° n.° 1 al. d), 202°, n.° 1, al. a) e 204.° al. c), todos do Código de Processo Penal, encontrando-se fortemente indiciados da prática de:
— crimes de contrafacção de títulos equiparados à moeda, p. e p. pelo artigo 262°, n.° 1, e 267°, n.° 1, al. a) e c) do C. Penal, (FA..., IS... e AR...);
— crimes de burla informática qualificada, p. e p. pelo artigo 221°, n.°1 e 5 do C. Penal (FA..., IS... e AR...); e de
- crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368°-A do C. Penal (FA...).
II — Inconformado, o arguido FA... interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
-Nos autos de inquérito em referência, no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o Arguido ora Recorrente foi submetido à medida de coacção de prisão preventiva, conforme despacho judicial proferido em 6 de Dezembro de 2017.
-Salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode o Recorrente conformar-se com a decisão proferida no despacho que decide a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao ora Recorrente, conforme infra melhor se demonstrará.
No Despacho objecto do presente recurso e fundamentando a decisão, refere-se, quanto ao recorrente, que existe o perigo de manutenção da actividade criminosa.
Sendo este o único fundamento que serve de base para a aplicação da medida de coação mais gravosa, prevista no nosso Código de Processo Penal.
No que concerne ao perigo de continuação da actividade criminosa, considera o tribunal a guo, em sede de aplicação da medida de coacção, que este perigo dever-se-ia ao facto do Arguido ter a possibilidade de continuar a actividade criminosa a partir da sua habitação,
Visto que, conforme os co-arguidos explicaram, alegadamente toda a falsificação era efectuada
a partir de um computador/internet.
Primeiramente, no respeitante à informação prestada pelos co-arguidos, parece-nos que estes se encontram, alegadamente, bastante informados quanto ao modus operandi deste tipo de crimes, quanto mais não seja porque foi aos co-arguidos que foram apreendidas as máquinas que serviriam para falsificar os cartões bancários.
O Douto Tribunal a guo ignora e faz por ignorar a prova documental junta aos autos que comprovam a possibilidade do Arguido não fabricar qualquer cartão mas sim os co-arguidos.
Ao arguido foram apreendidos alguns cartões bancários, alegadamente falsificados, mas em momento algum foi apreendida uma máquina de fabrico/falsificação de cartões.
Da matéria indiciaria, não se pode extrair que o arguido falsificaria cartões bancários, mas sim, que alegadamente, utilizava os mesmos.
Ora, nenhuma das operações constantes da matéria indiciária é feita a partir do computador/internet, sendo todas efectuadas em bombas de gasolina, lojas etc.
Muito mais se estranha que, um arguido indiciado pela prática de crimes em que teria um lucro fácil de milhares de euros, conforme consta da matéria indiciária, não seja proprietário de um carro, de urna casa, limitando-se a viver em hostels que custam cerca de 10E noite.
Não demonstra qualquer sinal exterior de riqueza, não vive de luxos, fazendo uma vida modesta e trabalhando por biscates.
Por outro lado, não se poderá afirmar que existe de perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas,
Uma vez que estes autos não são de conhecimento público e que no meio envolvente onde o arguido irá residir sempre foi uma pessoa acarinhada.
Pelo que, as exigências de prevenção geral e especial são muito diminutas.
Atenta a factualidade supra descrita existem factores suficientemente carreados nos presentes autos que levem a verificar a inexistência de perigo de continuação da actividade criminosa.
Posto isto, é notório que é manifestamente desproporcional, desadequada e desnecessária a medida de coacção de prisão preventiva prevista no artigo 202.° do Código de Processo Penal, e que se lhe viu aplicada pelo despacho ora colocado em crise.
Acresce que o Recorrente não tem antecedentes criminais, não é referenciado nem possui ficha biográfica na Polícia Judiciária.
Inexistem, desde a detenção do arguido ora Recorrente, e segundo os resultados das diligências até à data realizadas, cujos resultados não são conhecidos, factos que permitam concluir sobre a
perigosidade actual para o processo e demais pressupostos cautelares no que se reporta à aplicação da prisão preventiva.
A verdade é que nada nos autos indicia concretamente que o arguido venha a dar continuidade à alegada conduta criminosa que lhe é imputada.
No modesto entendimento do ora Recorrente, o despacho recorrido não faz boa aplicação e interpretação do Direito, motivo também pelo qual é apresentado recurso do despacho que decidiu a aplicação da medida de coacção, proferido em 6 de Dezembro de 2017, tudo com as demais consequências legais.
Pedido:
Nestes termos e nos demais de Direito, cujo Douto suprimento de V.Exas. se invoca, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, ser revogada a decisão de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e ser aplicada medida de coacção não privativa da liberdade doutamente a ser fixada(...)
Nesse acórdão foi ainda decidido negar provimento ao recurso, dizendo no essencial que a ele respeitava:
Assim, (...) no que respeita ao arguido FA... as provas coligidas são contundentes no sentido de confirmar que este arguido assumia um papel preponderante na actividade investigada, agindo de forma concertada quer com o arguido IS..., quer com o arguido AR....
Pese embora este arguido não fosse possuidor de nenhum skimer (leitor/gravador de cartões), é legítimo concluir que, de acordo com as regras de experiência comum, em razão das largas centenas de cartões contrafeitos por si utilizados para efetuar os pagamentos fraudulentos nos postos de abastecimento e nos POS da empresa Autobigodes e K8PM, este arguido, tivesse acesso directo à contrafacção dos cartões, produzindo-os juntamente com os co-arguidos supra identificados. A circunstância do próprio não ser possuidor do equipamento necessário para a produção dos cartões fraudulentos revela até uma maior cautela da sua parte, procurando dissociar-se do seu fabrico, para que este pudesse ser apenas imputado aos demais arguidos. De sublinhar quanto a este ponto que o arguido IS… declarou ter adquirido o skimer que lhe foi apreendido ao arguido FA..., o que evidencia que o mesmo já foi possuidor deste equipamento, estava familiarizado com a sua aplicação para
o fabrico destes cartões e optou por cedê-lo ao co-arguido IS…, pese embora fosse FA... o principal utilizador e beneficiários dos pagamentos fraudulentos concretizados. Da mesma forma, não é verdade que o perigo de continuação da actividade criminosa apenas subsista se o arguido estiver sujeito a medida privativa de liberdade não detentiva, sendo suficiente a obrigação de permanência na habitação. Com efeito, pese embora a utilização massiva de cartões contrafeitos em POS de postos de abastecimento e da empresa Autobigodes, o certo é que este arguido possui os conhecimentos necessários para a obtenção dos dados dos cartões de crédito alheios, podendo utilizá-los no interior da sua habitação, quer mediante o seu uso em POS de empresas para ali transportados por colaboradores por si angariados, quer através de pagamentos online, como aliás o co-arguido irminch) AD… admitiu fazer.
Neste ponto, haverá que atender ao que o co-arguido JO..., o qual depôs com isenção de forma credível, declarando em sede de primeiro interrogatório judicial quanto a este arguido que o mesmo regressou de Angola por já estar referenciado naquele país pela contrafacção e utilização de cartões bancários fraudulentos.
Ora, a indiciação da prática anterior destes mesmos factos, associada ao estilo de vida deste arguido que, contrariamente ao defendido pela sua defesa, não leva uma vida modesta, não tendo hábitos de trabalho, antes vivendo sem exercer qualquer actividade profissional lícita, fazendo-se transportar habitualmente em táxis, permanecendo frequentemente e por períodos mais ou menos dilatados em estabelecimentos hoteleiros, efetuando gastos frequentes na restauração e em estabelecimentos de diversão nocturna, indicia um concreto perigo de continuação da actividade criminosa. o qual apenas pode ser acautelado com uma medida de coacção detentiva da liberdade de prisão preventiva. ...)
Pelo contrário, tudo aponta para que o IS…, sob o impulso do seu amigo FA..., tenha acedido à informação concernente ao fabrico e utilização dos cartões bancários contrafeitos, colaborando com aquele no seu fabrico e até explorando uma forma mais segura de concretizar as operações bancárias fraudulentas, ao requerer a 23 de Agosto de 2017 (fls. 740 dos autos) um POS à rede Unicre para realização de pagamentos por esta via, ou seja, o arguido acedeu ao POS poucos dias antes dos primeiros movimentos fraudulentos registados no POS da sua empresa
(—)
Assim, se considerar inadequadas ou insuficientes as medidas de coacção de liberdade provisória, desde o simples TIR., passando pela caução, obrigação de apresentação periódica, suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos, proibição de permanência de ausência e de contactos e obrigação de permanência na habitação com ou sem vigilância electrónica (quando esta for possível) — vd. arts° 196°,197.° 198°, 199°; 200.° e 201.° do CPP - o juiz pode impor a prisão preventiva —nos termos do Art.° 202.° n.° 1 do C.P.Penal (Prisão Preventiva) quando:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;
b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta, Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos,.
c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade fisica qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
(—)
— e se verifiquem singular ou cumulativamente os requisitos do art. ° 204° do
CPP:
-fuga ou perigo de fuga,.
— perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
— perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa (vd. art. ° 204°, als. a), b) e c), do CPP.).
No que concerne ao primeiro dos enunciados requisitos, a lei exige a verificação de fortes indícios, ao contrário do que acontece em várias outras situações, em que se aplicam preceitos onde se fala de indícios suficientes. Significando fortes indícios, um conjunto de elementos que relacionados e conjugados persuadem da culpabilidade do agente, fazendo ressaltar a convicção de que o arguido virá a ser condenado pela prática dos ilícitos típicos por que foi pronunciado.
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, nos termos do art.° 127°, do CPP.. Este princípio, não pode deixar de ser considerado na formulação de juízos que ao longo do processo alicerçam decisões como a da privação da liberdade, em função de exigências de natureza cautelar.
Começando pelo grau de indiciação da prática dos factos pelos arguidos, dir-se-á que da análise conjugada da prova reunida em sede de inquérito, mais precisamente dos elementos de prova mencionados supra, resultam fortemente indiciados a prática, pelos arguidos, dos referidos ilícitos criminais.
Vejamos a moldura penal abstracta dos crimes imputados e fortemente indiciados: crimes de contrafacção de títulos equiparados à moeda, p. e p. pelo artigo 262°, n.° 1, e 267°, n.° 1, al. a) e c) do C. Penal, (FA..., IS... e AR...): prisão de 3 a 12 anos
crimes de burla informática qualificada, p. e p. pelo artigo 221°, n.°1 e 5 do C. Penal (FA..., IS... e AR... ): 1 mês a 5 anos de prisão ou multa de 10 a 600 dias e de - crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368°-A do C. Penal (FA...).: 2 a 12 anos de prisão.
Caso se mantenham em sede de audiência de discussão e julgamento os elementos de prova que constam dos autos, existe uma alta probabilidade de os arguidos virem a ser condenados pela prática dos factos indiciados em pena privativa da liberdade.
Mais, atenta a natureza dos crimes, em causa, certo é que se verifica, a existência de perigo de continuação da actividade criminosa, considerando que os crimes em investigação nos autos permitem ser efectuados em grande escala numérica e são extremamente lucrativos.
Nenhuma das medidas não privativas da liberdade, ainda que em cumulação com outra ou outras, é suficiente ou adequada para assegurar as exigências cautelares, por não impedirem que se verifique, em concreto o supra referido perigo de continuação da actividade criminosa.
Mesmo a medida de obrigação de permanência na habitação, ainda que com sujeição a meios de vigilância electrónica, não permite acautelar o perigo tido por concretamente verificado: É, pois, ponderoso concluir que, quer pela gravidade dos factos, quer pelo montante das operações tentadas, quer pela ausência de actividade profissional lícita, quer pela circunstância dos factos terem sido praticados a partir da sua residência, quer pela facilidade de acesso a bens, não só de primeira necessidade, mas também a bens de luxo, como telemóveis top de gama, computadores, consolas e/ou jogos, perfumes, óculos escuros, existe um forte móbil à continuação da actividade criminosa (sublinha-se que, no curto período de aproximadamente 6 meses, os arguidos movimentaram a quantia total de € 179.984,32, através da realização de milhares de transações, só não logrando obter este valor a titulo de beneficio por terem sido bloqueadas diversas operações pelo sistema de prevenção de fraudes) e fundamentam um concreto perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, de continuação da actividade criminosa, motivo pelo qual se nos afigura proporcional, adequado e necessário ao afastamento deste perigo a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva.
Motivo pelo qual entendemos que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica, não é suficiente para acautelar os perigos supra descritos, afigura-se-nos que a prisão preventiva dos arguidos é, pois, além de proporcional à gravidade do crime e à pena que previsivelmente lhe será aplicada, reclamada pelas muito sentidas exigências de prevenção do concreto perigo de continuação da actividade criminosa, o que vale por dizer que as restantes medidas de coacção se revelam insuficientes e inadequadas às exigências cautelares que o caso reclama (artigos 193°, n.° 1 e 2 e 204°, al. c) do C. Processo Penal).(da resposta do M.P.)
Devem manter-se as medidas coactivas aplicadas, por estarem preenchidos todos os pressupostos legais essenciais da sua aplicação, isto é, a existência de fortes indícios da prática de crimes dolosos puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos e de burla informática conforme estabelece o art.° 202.° n.°1, als. a) e d) do C.P.P, e o perigo de continuação de actividade criminosa — vd art.° 204.° al. c) do C.P.P..
Assim, a medida de coacção de prisão preventiva imposta aos recorrentes, inexistindo outra medida que satisfaça os princípios da necessidade, adequação, subsidiariedade e legalidade, é a correcta e adequada, sendo aquela que se revela mais adequada a salvaguardar e realizar, in casu, as finalidades da sua aplicação e se mostrar proporcional à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (cfr. art.° 193°, n.° 1 do Código de Processo Penal).
A aplicação aos arguidos da Obrigação de Permanência na Habitação sob Vigilância Electrónica, não acautelaria o perigo de continuação de actividade criminosa, como se expôs. Nem muito menos e por maioria de razão, seria de submeter os arguidos a outra medida de coacção, como sejam apresentações periódicas e/ou caução, bem como proibição de condutas (vd art.°s do 196.° a 200.° do C.P.Penal).
Não foram violadas quaisquer normas legais ordinárias e/ou constitucionais, maxime os art.°s 13.°, 18.° n.° 2, 28.° e 32.° do C.P.Penal, não tendo sido prejudicado ou preterido qualquer direito de defesa dos arguidos.
As questões de constitucionalidade invocadas na resposta á resposta do Ministério Público, não podem ser consideradas, por extemporâneas, sem prejuízo de não se verificar qualquer inconstitucionalidade, como consideramos.
Pelo exposto, decide-se negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, confirmando-se a decisão recorrida. (...)
1.2 — Desta decisão recorreu o arguido FA…, dizendo em conclusões da motivação apresentada:
I. Nos autos de inquérito em referência, no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o Arguido ora Recorrente foi submetido à medida de coacção de prisão preventiva, conforme despacho judicial proferido em 6 de Dezembro de 2017.
II. Em sequência e nos termos prevenidos no artigo 213.° n.° 1 alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), a Mm.a Juiz de instrução, sem precedência de audição do arguido, fez reexame dos pressupostos daquela medida, decidindo manter o arguido sujeito a prisão preventiva, conforme despacho proferido em 6 de Março de 2018.
III. Salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode o Recorrente conformar-se com a decisão proferida no despacho que decide manutenção da medida de coacção de prisão preventiva ao ora Recorrente, conforme infra melhor se demonstrará.
IV. No Despacho objecto do presente recurso e fundamentando a decisão, refere-se, quanto ao recorrente, que existe o perigo de manutenção da actividade criminosa.
V. Sendo este o único fundamento que serve de base para a aplicação da medida de coacção mais gravosa, prevista no nosso Código de Processo Penal.
VI. No que concerne ao perigo de continuação da actividade criminosa, considera o tribunal a quo, em sede de aplicação da medida de coacção, que este perigo dever-se-ia ao facto do Arguido ter a possibilidade de continuar a actividade criminosa a partir da sua habitação,
VII. Visto que, conforme os co-arguidos explicaram, alegadamente toda a falsificação era efectuada a partir de um computador/internet.
VIII. Primeiramente, no respeitante à informação prestada pelos co-arguidos, parece-nos que estes se encontram, alegadamente, bastante informados quanto ao modus operandi deste tipo de crimes, quanto mais não seja porque foi aos co-arguidos que foram apreendidas as máquinas que serviriam para falsificar os cartões bancários.
IX. O Douto Tribunal a quo ignora e faz por ignorar a prova documental junta aos autos que comprovam a possibilidade do Arguido não fabricar qualquer cartão mas sim os co-arguidos.
X. Ao arguido foram apreendidos alguns cartões bancários, alegadamente falsificados, mas em momento algum foi apreendida uma máquina de fabrico/falsificação de cartões.
XI. Da matéria indiciária, não se pode extrair que o arguido falsificaria cartões bancários, mas sim, que alegadamente, utilizava os mesmos.
XII. Ora, nenhuma das operações constantes da matéria indiciária é feita a partir do computador/internet, sendo todas efectuadas em bombas de gasolina, lojas etc.
XIII. Muito mais se estranha que, um arguido indiciado pela prática de crimes em que teria um lucro fácil de milhares de euros, conforme consta da matéria indiciaria, não seja proprietário de um carro, de uma casa, limitando-se a viver em hostels que custam cerca de 10€ noite.
XIV. Não demonstra qualquer sinal exterior de riqueza, não vive de luxos, fazendo uma vida modesta e trabalhando por biscates.
XV. Por outro lado, não se poderá afirmar que existe de perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas,
XVI. Uma vez que estes autos não são de conhecimento público e que no meio envolvente onde o arguido irá residir sempre foi uma pessoa acarinhada.
XVII. Pelo que, as exigências de prevenção geral e especial são muito diminutas.
XVIII. Atenta a factualidade supra descrita existem factores suficientemente carreados nos presentes autos que levem a verificar a inexistência de perigo de continuação da actividade criminosa.
XIX. Posto isto, é notório que é manifestamente desproporcional, desadequada e desnecessária a medida de coacção de prisão preventiva prevista no artigo 202.° do Código de Processo Penal, e que se lhe viu mantida pelo despacho ora colocado em crise.
XX. Acresce que o Recorrente, não tem antecedentes criminais, não é referenciado nem possui ficha biográfica na Polícia Judiciária.
XXI. Inexistem, desde a detenção do arguido ora Recorrente, e segundo os resultados das diligências até à data realizadas, factos que permitam concluir sobre a perigosidade actual para o processo e demais pressupostos cautelares no que se reporta à aplicação da prisão preventiva.
XXII. A verdade é que nada nos autos indicia concretamente que o arguido venha a dar continuidade à alegada conduta criminosa que lhe é imputada.
XXIII. No modesto entendimento do ora Recorrente, o despacho recorrido não faz boa aplicação e interpretação do Direito, motivo também pelo qual é apresentado recurso do despacho que decidiu a manutenção da medida de coacção, proferido em 6 de Março de 2018, tudo com as demais consequências legais.
XXIV. Ora, por fim, sempre se poderá dizer que o aqui recorrente tem vindo a manter um comportamento exemplar intra murus e tem tido apoio do exterior.
XXV. O arguido tem casa e sustento assegurado assim que for alterada a medida de coação do mesmo.
XXVI. Não se compreendendo como poderá ser aplicada a medida de coação mais gravosa a um individuo jovem, primário e perfeitamente inserido na sociedade.
XXVII. A acrescer ao supra exposto, sempre se dirá que o Tribunal a quo procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, sem ouvir o arguido.
XXVIII. O Arguido foi demitido do seu direito em colaborar na determinação do seu estatuto coactivo o que culmina numa manifesta ilegalidade que conduz à nulidade do despacho recorrido.
XXIX. Segundo o artigo 213° n° 3 do CPP, «sempre que necessário o juiz ouve o Ministério Público e o arguido» (Sic).
XXX. E no seu n° 4 refere que «a fim de fundamentar as decisões sobre a manutenção, substituição ou revogação da prisão preventiva o juiz pode solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade do arguido » (Sic), o que não foi determinado.
XXXI. O Tribunal a quo considerou desnecessária a audição do arguido nos termos do preceito atrás invocado, não fundamentando, no entanto, a razão de tal determinação,
XXXII. Com o elevado respeito, no caso sub judice a ausência de fundamentação, assim como a dispensa de audição do arguido, constitui uma nulidade por preterição de um dever geral de fundamentação, que desde já se invoca e que resulta de imperativos constitucionais, nomeadamente artigo 32.° n.1 e 7 da Constituição da República Portuguesa.
XXXIII. Por último, ora Recorrente entende que o despacho ora recorrido não apreciou os pressupostos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
I. O despacho ora recorrido, é pois, omisso de qualquer fundamentação relativa à não alteração do estatuto coactivo do Arguido ora Recorrente, nos termos do artigo 97° n° 5 do CPP, o que inviabiliza uma correta defesa do arguido.
Pedido;
Nestes termos e nos demais de Direito, cujo Douto suprimento de V/Exas. se invoca, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, ser revogada a decisão de manutenção da medida de coacção de prisão preventiva e ser aplicada medida de coacção não privativa da liberdade, doutamente a ser fixada nos termos que o Venerando Tribunal achar por conveniente.
1.3- Em resposta disse o M°P°, em síntese:
a. Reiteramos aqui a existência de fortes indícios da prática por estes arguidos de crime de contrafação de títulos equiparados a moeda, p. e p. pela conjugação dos artigos 262°, n.°1 e 267°, n.°1, al. a) e c) do C. Penal, de crime de burla informática qualificada, p. e p. pelo artigo 221°, n.°1 e 5°, al. b) do C. Penal e de crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368- A, n.°1 e 2 do C. Penal.
b. Esses fortes indícios encontram-se devidamente alicerçados: nas imagens de videovigilância recolhidas nos locais em que foram efetuados os pagamentos fraudulentos com os cartões contrafeitos, nomeadamente, nos postos de abastecimento e nas superfícies comerciais, em que são identificados, de forma inequívoca, os arguidos FA... e AR..., a efetuar tentativas de pagamento, sucessivas, com um número elevado de cartões contrafeitos; nos talões de pagamentos efetuados por multibanco assinados por FA...; nas reservas de alojamentos efetuadas por FA...; na aquisição dos cartões pré-pagos com os dados de cartões contrafeitos efetuada por FA...; nos pagamentos fraudulentos, sucessivos e de elevado montante, efetuados com os cartões contrafeitos, no TPA do estabelecimento comercial de que é sócio IS...; nos leitores gravadores/skimers e nos cartões com bandas magnéticas apreendidos em casa de IS... e de AR..., utilizados para o fabrico dos cartões contrafeitos;, elementos de prova que evidenciam que o arguido recorrente possuía um amplo conhecimento e participação na actividade concernente ao fabrico e utilização de cartões contrafeitos para realização de operações bancárias fraudulentas, contendo dados cartões bancários de terceiros, e que daí retirava um benefício económico indevido da sua utilização, sendo também o denominador comum aos outros arguidos.
c. No que respeita ao arguido FA... as provas coligidas são contundentes no sentido de confirmar que este arguido assumia um papel preponderante na actividade investigada, agindo de forma concertada quer com o arguido IS..., quer com o arguido AR....
d. Pese embora este arguido não fosse possuidor de nenhum skimer (leitor/gravador de cartões), é legítimo concluir que, de acordo com as regras de experiência comum, em razão das largas
centenas de cartões contrafeitos por si utilizados para efetuar os pagamentos fraudulentos nos postos de abastecimento e nos POS da empresa Autobigodes e K8PM, este arguido, tivesse acesso directo à contrafacção dos cartões, produzindo-os juntamente com os co-arguidos supra identificados.
e. A circunstância do próprio não ser possuidor do equipamento necessário para a produção dos cartões fraudulentos revela até uma maior cautela da sua parte, procurando dissociar-se do seu fabrico, para que este pudesse ser apenas imputado aos demais arguidos. De sublinhar quanto a este ponto que o arguido IS... declarou ter adquirido o skimer que lhe foi apreendido ao arguido FA..., o que evidencia que o mesmo já foi possuidor deste equipamento, estava familiarizado com a sua aplicação para o fabrico destes cartões e optou por cedê-lo ao co-arguido Is..., pese embora fosse FA... o principal utilizador e beneficiários dos pagamentos fraudulentos concretizados.
f. Não é verdade que o perigo de continuação da actividade criminosa apenas subsista se o arguido estiver sujeito a medida privativa de liberdade não detentiva, sendo suficiente a obrigação de permanência na habitação. Pese embora a utilização massiva de cartões contrafeitos em POS de postos de abastecimento e da empresa Autobigodes, o certo é que este arguido possui os conhecimentos necessários para a obtenção dos dados dos cartões de crédito alheios, podendo utilizá-los no interior da sua habitação, quer mediante o seu uso em POS de empresas para ali transportados por colaboradores por si angariados, quer através de pagamentos online.
g. Haverá que atender ao que o co-arguido JO..., o qual depôs com isenção de forma credível, declarando em sede de primeiro interrogatório judicial quanto a este arguido que o mesmo regressou de Angola por já estar referenciado naquele país pela contrafacção e utilização de cartões bancários fraudulentos.
h. A indiciação da prática anterior destes mesmos factos, associada ao estilo de vida deste arguido que, contrariamente ao defendido pela sua defesa, não leva uma vida modesta, não tendo hábitos de trabalho, antes vivendo sem exercer qualquer actividade profissional lícita, fazendo-se transportar habitualmente em táxis, permanecendo frequentemente e por períodos mais ou menos dilatados em estabelecimentos hoteleiros, efetuando gastos frequentes na restauração e em estabelecimentos de diversão nocturna, indicia um concreto perigo de continuação da actividade criminosa, o qual apenas pode ser acautelado com uma medida de coacção detentiva da liberdade de prisão preventiva.
i. É, pois, ponderoso concluir que, quer pela gravidade dos factos, quer pelo montante das operações tentadas, quer pela ausência de actividade profissional lícita, quer pela facilidade de acesso a bens, não só de primeira necessidade, mas também a bens de luxo, existe um forte móbil à continuação da actividade criminosa (sublinha-se que, no curto período de aproximadamente 6 meses,
os arguidos movimentaram a quantia total de 179.984,32 E, através da realização de milhares de transações, só não logrando obter este valor a título de benefício por terem sido bloqueadas diversas operações pelo sistema de prevenção de fraudes) e fundamentam um concreto perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, de continuação da actividade criminosa, motivo pelo qual se nos afigura proporcional, adequado e necessário ao afastamento deste perigo a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva.
j. No que respeita à circunstância da medida de coacção ter sido mantida sem que o
arguido tivesse sido previamente ouvido, importa mencionar que, não só as diligências investigatórias entretanto realizadas não demonstraram qualquer atenuação dos indícios já apurados em primeiro interrogatório e que determinara a aplicação da medida privativa da liberdade (os quais se consolidaram com as diligências entretanto realizadas), como também não foram indicados pelo arguido quaisquer elementos novos, ainda não apreciados, que infirmassem os fundamentos de aplicação da medida de coacção privativa da liberdade aplicada, ou sequer o grau de intervenção do arguido no desenvolvimento da actividade, razão pela qual o Mmo. Juiz de Instrução, considerou desnecessária a audição do arguido.
Motivo pelo qual entendemos que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica, não é suficiente para acautelar os perigos supra descritos, afigura-se-nos que a prisão preventiva do arguido é, pois, além de proporcional à gravidade do crime e à pena que previsivelmente lhe será aplicada, reclamada pelas muito sentidas exigências de prevenção do concreto perigo de continuação da actividade criminosa, o que vale por dizer que as restantes medidas de coacção se revelam insuficientes e inadequadas às exigências cautelares que o caso reclama (artigos 193°, n.° 1 e 2 e 204°, al. c) do C. Processo Penal).
1.4 - Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o M°P° emitiu parecer no sentido de não merecer provimento.
1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.
II- CONHECENDO
2.1-0 âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410°, n.°2 do CPP.
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida.
Assim, traçado o quadro legal ternos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis no âmbito dos poderes desta Relação.
2.2-Está em discussão para apreciação e em síntese:
2.2.1- Estamos perante urna situação de verificação da cláusula rebus sie stantibus ou houve alegação e evidência de atenuação de exigências cautelares da medida fixada?
2.2.2- O arguido deveria ter sido ouvido previamente antes da revisão obrigatória da medida nos termos do art.° 213° do CPP.?
2.3 - A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL ad quem.
O fundamento da manutenção da medida aplicada de prisão preventiva foi o perigo de continuação da actividade criminosa além dos fortes indícios da prática dos crimes imputados.
Alega o arguido essencialmente que o perigo de continuação da actividade criminosa não se verifica, até porque não tem antecedentes criminais, nem é referenciado pela prática de crimes.
Por outro lado, a medida de manutenção da medida de coacção de prisão preventiva foi tomada sem que o arguido tivesse sido previamente ouvido.
Acontece que os fundamentos substanciais expostos no presente recurso foram antes apreciados no recurso apresentado por este arguido, aquando do despacho que aplicou a prisão preventiva.
Na verdade, a questão remete-se para a problemática de se saber se estamos ou não perante alteração dos pressupostos da medida fixada ao recorrente desde o despacho subsequente ao primeiro interrogatório judicial.
A resposta à questão em apreciação é clara e vai no sentido da improcedência do recurso nesta parte.
O arguido não invoca um único facto novo relevante que permitisse supor uma modificação essencial dos pressupostos iniciais.
Ademais, é inúmera a jurisprudência estabelecendo a imodificabilidade das medidas fixadas atendendo ao funcionamento da cláusula rebus sic stantibus, jurisprudência essa que não só aceitamos sem reservas como defendemos sempre em anteriores decisões nossas e nesta secção, crendo até que se trata de matéria em que existe praticamente uma consensualidade largamente majoritária, para não dizer mesmo unanimidade.
O ataque aos pressupostos devia ter-se concentrado no primeiro despacho e, no seguinte, apenas na invocação de factos novos e relevantes para a sua alteração.
O arguido nada de novo e de relevante diz no recurso proposto que não tenha referido desde logo no que instaurou para o Tribunal da Relação.
O artigo 213.° do CPP, ao acentuar a oficiosidade e ao instituir a obrigatoriedade de reexame, com uma periodicidade trimestral, pelo juiz, dos pressupostos da prisão preventiva, impondo um controlo jurisdicional, especialmente aturado das exigências dessa medida em cada momento, atento o seu carácter de medida de coacção extrema [Gil Moreira dos Santos, O Direito Processual Penal, Edições Asa, 2002, p. 301], assume, claramente, uma finalidade de reforço das garantias de defesa do arguido.
Visa evitar a manutenção da privação da liberdade do arguido por inércia, nomeadamente do próprio arguido, não obstante o mecanismo de controlo constituído e garantido pelo artigo 212.° do CPP.
Todavia, estando as medidas de coacção sujeitas à condição rebus sic stantibus, a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação.
Como tem sido entendimento constante, a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação. (cfr. entre muitos outros, o Ac. do TRL Porto de 21-09-2005)
Não foram trazidos aos autos quaisquer elementos novos que importem uma alteração dos pressupostos que determinaram a aplicação ao arguido supra indicado da medida de coacção de prisão preventiva, mantendo-se válidos e actuais os perigos que fundamentaram, em momento oportuno, a aplicação da medida de coacção vigente.
Conforme vem sendo sustentado pela jurisprudência vide Ac. TC de 30/07/2003, proferido no P.° 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vide Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.° 5558/04-3) e, bem assim, a jurisprudência firmada no STJ em Acórdão datado de 07/01/1998 in BMJ 473, pág. 564, a saber: A decisão que impõe a prisão preventiva apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, isto é enquanto não houver alteração das circunstâncias que .fundamentaram a prisão preventiva.
Ora, in casu e, à presente data, verifica-se mostrarem-se inalterados os pressupostos de facto e de direito que estiveram subjacentes à aplicação ao arguido supra indicado, da referida medida de coacção de prisão preventiva, não tendo ocorrido qualquer facto que importe uma atenuação das exigências cautelares que justificaram a aplicação de tal medida de coacção.
Como vem sendo orientação jurisprudencial dos Tribunais da Relação, a decisão que determina a prisão preventiva, se não for objecto de recurso ou, tendo-o sido, mas mantida nos seus precisos termos, adquire força de caso julgado, sem prejuízo do princípio rebus sic stantibus condição a que, pelas continuas variações do seu condicionalismo, estão sujeitas as medidas de coacção.
Tal significa que: «enquanto não ocorrerem alterações fundamentais na situação existente à data em que foi determinada a prisão preventiva, não pode o tribunal reformar essa decisão, sob pena de instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios», posição esta que se propugna no Ac. TRL de 14/8/09, sumariado em www.dgsi.pt e Ac. TRL de 3/2/93, in CJ Ano 28, 1, 247 e de 15/3/00, in CJ Ano 25, 2 235 e Ac. TRL de 4/11/04, In CJ Ano 29, 5, 128 e do STJ de 24/1/96 in DR I/S-A de 14/3/96 e de 7/1/98, in BMJ473, 564, que aqui se acolhe na integra.
Veja-se, entre outros, o Ac. do TRL, proferido no P.° n.° 1322/05, 3.ª Secção, Relator Clemente Lima, sumário acessível www.pgdl.pt: ...a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, isto é, enquanto não houver alteração das circunstâncias que a justificaram.
No mesmo sentido, Acs. da Relação do Porto de 7 de Jan.98, no B.M.J. n.° 473, pág. 564 e de l8Nov.92, na C.J. ano XVII, tomo 5, pág.255 e da Relação de Lisboa de 22Jun.04 (proc. 4909/04-5, 5.a Secção, Desembargadora Ana Sebastião):
I — Decorre do preceituado nos artigos 212. ° e 213.° do Código de Processo Penal que a decisão que aplica a prisão preventiva é inatacável enquanto não ocorrerem alterações significativas nos pressupostos em que a mesma assenta. Por isso, a eficácia do caso julgado da decisão que a aplica, dada a particular natureza das exigências que a justificam e a presunção de inocência do arguido, não é absoluta, dependendo da rigorosa manutenção dos pressupostos da respectiva decisão — Rebus sic stantibus.
II — O tribunal não pode, pois, pronunciar-se acerca das questões relativas a tais pressupostos que tenha anteriormente apreciado, pois o seu poder jurisdicional esgotou-se com tal apreciação, fora do condicionalismo do art.° 212.°, n.° 1, a) e b) e n.° 3, do Código de Processo Penal.
Ora, o arguido encontra-se em prisão preventiva por despacho transitado em julgado irrevogável enquanto (e só enquanto) se mantiverem inalteráveis os pressupostos que a determinaram e só se houver circunstâncias que produzam alteração desses pressupostos, será lícita, no mesmo processo, nova decisão, de sentido ou conteúdo diferente da que, anteriormente, transitada em julgado, aplicou medida(s) de coacção - art.° 212° do C.P.P. (cfr. Acórdão de 21¬01-98, in Processo n.° 1166/97); Ac. Rel. do Porto, de 16.10.91, proc. 9120589, citado em Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I vol., 2A edição, pag. 1021 e, entre outros, Ac. Rel. Porto, de 3.02.93, CJ, Ano XVIII, Tomo I, 247 -E do mesmo modo se tem vindo a pronunciar, nomeadamente, a Relação de Lisboa, como demonstram, a titulo exemplificativo, os Acórdãos de 08-11-2001 e de 09-04-2002,
respectivamente, nos Processos n.°s 10781/01 e 2547/02; e ainda os AC TRL nos recursos 5593/06; 3186/06; 11896/05 (este de 17.1.06) todos da 5ª secção, entre outros.
Ora, como já se disse, não se retira qualquer nova factualidade susceptível de produzir convicção bastante para a pretendida alteração da medida. Nada de novo se alega de relevante nesse sentido e que no essencial não tenha sido considerado no despacho inicial.
Mantém-se assim a linha de jurisprudência já seguida e que, entre outros e inúmeros acórdãos por nós relatados, daríamos também corno exemplo o de 22 de Janeiro de 2012. no proc° NUIPC 200/12.0JELSB-G.L1 desta 5' secção e, ainda:
Ac. TRG de 10-09-2012
1. As medidas de coacção não são imutáveis, já que pelas contínuas variações do seu condicionalismo estão sujeitas à condição rebus sic
stantibus.
11. No caso da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação, é a própria lei que, no art. 213 do CPP, determina que o juiz
proceda oficiosamente, pelo menos de três em três meses, ao reexame da subsistência dos seus pressupostos.
111. Mas a lei pressupõe sempre que algo mudou entre a primeira e a segunda decisão. O juiz não pode, sem alteração dos dados, «repensar» o
despacho anterior ou, simplesmente, revogá-lo. Também, inversamente, por maioria de razão, não pode «aperfeiçoá-lo», acrescentando-lhe
fundamentos que antes foram omitidos.
Ac. TRE de 29-01-2013 :
1. A cláusula rebus sic stantibus («permanecendo as coisas como estão» ou «enquanto as coisas estão assim») representa a teoria da imprevisão e a sua utilização pela jurisdição criminal assenta na ideia de inexistência de caso julgado formal e na possibilidade de alteração da decisão sobre medidas cautelares, ocorrendo alteração das circunstâncias que determinaram anterior decisão sobre a mesma matéria e no mesmo caso concreto.
2. Assim como a imutabilidade da decisão, caso não ocorram alterações das circunstâncias de facto e de direito entre a primeira tomada de decisão e a sua revisão, sem prejuízo da obrigação legal de reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação decorrente da previsão do artigo 213°, n° 1, do Código de Processo Penal (a) no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame e (b) quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada.
3. Naturalmente que, não havendo alteração das circunstâncias de facto e de direito que fundaram a primeira decisão, haverá que constatar e apenas isso mesmo, desde que a única alteração factual sempre presente, o decurso do tempo, não ganhe relevância no caso concreto.
Ac. TRC de 5-02-2014 :
A prévia audição do arguido e a realização de relatório social não constituem diligências impostas por lei no âmbito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, ficando ao prudente critério do juiz a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade da sua realização.
Ac. TRE de 17-03-2015 :
Mantendo-se, na íntegra, os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao arguido da medida de coação de prisão preventiva, não é necessária a audição do arguido aquando do reexame dos pressupostos de tal medida de coação (artigo 213°, n° 3, do C. P. Penal).
Ac. do TRG de 03.04.2017
1) 0 despacho judicial que aplique a prisão preventiva não é definitivo, mas a decisão deve permanecer imutável enquanto tudo se mantenha igual, isto é, sempre que posteriormente não se verifiquem circunstâncias, quer de facto quer de direito, que justifiquem a revogação ou a alteração da medida de coação.
11) Daqui decorre que o despacho proferido nos termos do art° 213° do CPP, como é o caso da decisão recorrida, destina-se unicamente a proceder reapreciação dos pressupostos, constantes do despacho que anteriormente determinou a aplicação da prisão preventiva e que a justificaram.
III) Como tal, a sua fundamentação tem por objeto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram ? aplicação da medida de coação, alterando-os, e por esta via, levando? sua substituição ou revogação.
No que respeita à circunstância da medida de coacção ter sido mantida em sede de revisão obrigatória sem que o arguido tivesse sido previamente ouvido o tribunal a quo considerou que inexistia qualquer atenuação dos pressupostos iniciais da medida.
Por outro lado, o arguido vem repetir no seu recurso o mesmo que já tinha dito antes e que lhe foi negado pelo Tribunal da Relação. Não indicou quaisquer elementos novos, ainda não apreciados que contradissessem os fundamentos de aplicação da medida de coacção. Por esse motivo se entendeu implicitamente desnecessária a audição do arguido.
O CPP em presença deste tipo de situação e de circunstância não exige nem impõe a audição do arguido.
Dispõe o art° 213° do CPP:
(...)
2 - Na decisão a que se refere o número anterior, ou sempre que necessário, o juiz verifica os fundamentos da elevação dos prazos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 215.° e no n.° 3 do artigo 218.°
3 - Sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o arguido. (...)
O poder de ouvir o arguido é facultativo e depende da constatação ou não de elementos modificativos supervenientes. No caso dos autos os pressupostos iniciais mantiveram-se imutáveis.
Veja-se assim, na jurisprudência:
Ac. TRG de 19-10-2009 :
I, Satisfaz as exigências de fundamentação, o despacho que, reexaminando os pressupostos da prisão preventiva, se limita a declarar que não se mostram alteradas as circunstâncias de facto e de direito que determinaram a aplicação daquela medida de coacção. Seria inútil exigir que nesses casos o juiz copiasse o despacho para o qual remete, o qual é do conhecimento dos interessados.
II. Aquando do reexame trimestral sobre a subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, o cumprimento do contraditório depende de um juízo de necessidade cuja formulação compete ao juiz, Tendo o arguido sido ouvido no momento da imposição da medida de coacção que lhe foi aplicada, é compreensível que naquele reexame, em que apenas se decide que tais pressupostos antes verificados se mantêm, tal audição seja considerada desnecessária.
Ac. TRG de 11-01-2010 :
O art° 213°, IV 3 do CPP determina que sempre que, sempre que necessário, o juiz ouve o M° P° e o arguido. Isto significa, desde logo, que a lei não impõe, não determina a obrigatoriedade de audição prévia do arguido nos casos de reexame. Sendo esta reapreciação obrigatoriamente realizada no prazo máximo de 3 meses, a contar da sua aplicação ou do seu reexame, a verdade é que a mesma só determinará a audição prévia quer do arguido quer do M° P° se o desenrolar do inquérito determinar alterações significativas aos pressupostos que determinaram a inicial aplicação da medida. Caso contrário, essa audição acaba por ser um acto completamente inútil pois, persistindo todo o circunstancialismo que já foi oportunamente analisado e decidido, nada mais há a aditar que não tenha sido considerado e ponderado.
Pelo exposto, improcede o recurso interposto.
III- DECISÃO
3.1 — Nestes termos, acordam os juízes em julgar o recurso improcedente.
3.2 - Taxa de justiça criminal em- 3 UC a cargo do recorrente Fausto
Lisboa, 10 de Julho de 2018
Os Juizes Desembargadores
Agostinho Torres
João Carrola
(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator — (art° 94°