Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 18-09-2018   Execução antecipada da pena acessória de expulsão.
Quando se trata de antecipar a execução da pena de expulsão, a lei exige não só que seja possível ao julgador efectuar um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado (exigência de prevenção especial), como, ainda, que essa antecipação se mostre compatível com os valores da defesa da ordem e da paz social (exigência de prevenção geral).
A antecipação da execução da pena acessória de expulsão, nos termos das normas supra citadas, tem carácter excepcional e não automático, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e fortemente limitada pelas finalidades de execução das penas.
O crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o arguido foi condenado se integra na denominada criminalidade altamente organizada, sendo este um dos crimes que mais consequências nefastas acarreta para a paz social. Neste tipo de crime são particularmente fortes as exigências preventivas, incluindo as de prevenção geral, pelo que, salvo raras excepções, as mesmas não ficam suficientemente satisfeitas com o cumprimento, por parte do condenado, de apenas um terço da pena de prisão, uma vez que a antecipação da execução da pena acessória de expulsão se traduz, em termos práticos, numa libertação definitiva. Mesmo em casos em que o crime de tráfico de estupefacientes se consubstancia apenas no transporte do produto, funcionando o condenado como um correio de droga, nem por isso são menores as necessidades de prevenção, uma vez que aquele transportava uma quantidade significativa de droga – cocaína –, droga essa de elevado poder destrutivo, o que potencia o aumento das razões de prevenção geral.
Ponderando o risco de reincidência criminal e ainda a necessidade do recluso adquirir competências pessoais e sociais, de modo a adequar o seu comportamento à normatividade da vida em sociedade, é inquestionável a negação da antecipação da execução da pena acessória de expulsão, que se traduziria numa libertação antecipada incondicional, antes do meio da pena, ainda que no seu país de origem e com interdição de entrada apenas no território português.
Proc. 1813/16.7TXLSB-B 5ª Secção
Desembargadores:  Anabela Simões - Cid Geraldo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 1813/16.7TXLSB-B.L1
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. No Processo n° 1813/16.7TXLSB-B, do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, Juiz 5, no qual é arguido WI..., por decisão, de 23 de Junho de 2018, foi decidido deferir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão do território nacional, por referência ao cumprimento de 1/3 da pena de 5 anos de prisão, aplicada por crime de tráfico de estupefacientes.
2. Não se conformando com esta decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público dela interpôs recurso, apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:
1. O presente recurso reporta-se à decisão proferida em 23-06-2018, que deferiu a antecipação da execução da pena acessória de expulsão aplicada a condenado em pena de 5 anos de prisão, por crime de tráfico de estupefacientes.
2. A execução antecipada da pena acessória de expulsão traduz-se numa efectiva liberdade antecipada incondicional, in caso sujeita aos requisitos formais e materiais previstos nos art. °s 188° - A n° 2 al. a) e 188° B, n.° 3 do Código Penal, a saber, que esteja cumprida um terço da pena, por se tratar de condenação em pena inferior a 5 anos de prisão; a expulsão se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
3. A antecipação da execução da pena acessória de expulsão, nos termos das normas supra citadas, tem carácter excecional e não automático, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e fortemente limitada pelas finalidades de execução das penas.
4. Tendo em conta as circunstâncias e gravidade do crime cometido, afigura-se-nos ser inultrapassável um juízo de prognose desfavorável à antecipação, nos termos do art. 188° - B, n° 3, pois embora o recluso assuma a prática dos factos e verbalize arrependimento, ainda apresenta urna reduzida consciência critica quanto ao desvalor da sua conduta e às consequências da mesma para um número significativo de potenciais vitimas, não oferecendo garantias minimamente fiáveis de que não reincidirá, pois apresenta um projeto de vida semelhante àquele que tinha antes da prática deste crime e que não foi contentor mas, pelo contrário, motivador da prática do crime.
5. Acresce que são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral - positiva e negativa - relativamente ao tipo de crime em causa, que se integra na denominada criminalidade altamente organizada' 1 pelo que, salvo raras excepções, tais exigências não ficam suficientemente satisfeitas com o cumprimento por parte do condenado de menos de metade da pena de prisão.
6 Funcionando o condenado como um correio de droga, nem por isso são menores as necessidades de prevenção, pois o transporte internacional de estupefacientes, pela difusão rápida das drogas junto dos mercados que abastecem os consumidores, constitui uma conduta especialmente danosa, cuja perseguição penal se mostra essencial para dificultar e evitar a prática deste crime.
7. O nosso país vem sendo uma importante porta de entrada de droga na Europa, situação que determina que ao longo das sucessivas leis de política criminal, o crime de tráfico de estupefacientes seja constantemente considerado um crime de prevenção prioritária.
8. O crime de tráfico de estupefacientes ameaça de forma intensa valores sociais fundamentais, provocando uma elevada danos idade de bens jurídicos estruturantes da própria sociedade, atendendo não só ao perigo e dano para a saúde dos consumidores, desestruturação familiar, como também à espiral de criminalidade associada.
9. Quanto a este tipo de crimes são cada vez mais elevadas as necessidades de prevenção geral, devendo prevalecer as exigências repressivas, em detrimento do risco a impor à sociedade mundialmente considerada, quando se antecipa a restituição à liberdade dos condenados, só por causa do bom comportamento prisional, da verbalização de arrependimento e de uma suposta perspetiva de vida normativa, baseada apenas em declarações do próprio condenado estrangeiro.
10. Ainda que interdito de entrar em território nacional, a antecipação da pena acessória de expulsão apenas fria satisfazer as necessidades de prevenção em território nacional, já o tráfico e introdução de estupefacientes noutro qualquer país não se mostraria salvaguardado, sendo que as necessidades de prevenção geral não se resumem ao nosso território, devendo ser vistas numa perspectiva global, de espaço europeu e mundial.
11.0 condenado não desconhecia, quando praticou os factos, as consequências e danosidade social que está associada ao tráfico de estupefacientes, neste momento verbaliza arrependimento principalmente pela vergonha por se encontrar em situação de reclusão.
12. Apesar de, em discurso bem estruturado, verbalizar consciência da danosidade social criada pela sua conduta, entendemos que tal não corresponde a uma verdadeira interiorização do desvalor da sua conduta, mas sim a tentativa de se libertar da pena que se encontra a cumprir.
13. A principal razão por que os traficantes dificilmente abandonam a actividade é a perspectiva de adquirirem dinheiro fácil e que esta supera os riscos que sabem correr. A expectativa de cumprirem uma pena reduzida e de regressarem ao seu país em liberdade definitiva após cumprirem pouquíssimo tempo de prisão, estimula a prática do crime, potenciando a reincidência.
H. Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 12-06-2018, processo n° 1253/16.8TXLSB - B (5ª Secção Criminal), segundo o qual «decidir no sentido da antecipação da execução da pena acessória de expulsão numa fase em que o marco do meio da pena nem sequer está próximo, será, ao invés de travar o combate que a lei exige, estimular/incentivar a sua prática».
15. Considera o citado acórdão que «tratando-se de actos de tráfico de estupefacientes de ordem internacional ... assumindo os chamados correios de droga, como é o caso do recluso, um papel de particular relevo ... é inteiramente justificada a decisão de não ser concedida a antecipação da execução da pena acessória de expulsão».
16. No caso em apreço, deferir a pretensão do recluso no sentido de ser expulso antecipadamente e libertado definitivamente, transmitiria um sinal de semi-impunidade que o cidadão comum não compreenderia.
17. Por todo o exposto, a decisão recorrida deve ser revogada e o recluso apenas ser expulso no momento em que a lei o determina, ou seja ao meio da pena (19-03-2019).
3. Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, respondeu o arguido, pugnando que seja negado provimento ao mesmo, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) O Ministério Público, veio recorrer da decisão de expulsão antecipada do Arguido, entendimento com o qual o Arguido não pode concordar face aos elementos carreados para os autos.
b) Mostram-se cumpridos os requisitos formais exigidos pela norma que permite a antecipação desta pena acessória estão preenchidos, nada relevando o facto do Arguido ter sido condenado numa pena que é o limite máximo da aplicação de tal antecipação, porquanto está ainda dentro da baliza de penas que permitem tal antecipação.
c) O legislador permite um regime menos exigente para as penas de prisão inferiores a cinco anos, quer ao nível da suspensão da pena, quer ao nível de expulsão antecipada, sendo que poderia o legislador ter excepcionado a aplicação de tal regime a certos crimes, e não o fez.
d) Neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 5 de Março de 2009 no ámbito do processo 42/2008-9 (in www.dgsi. com):
... Não compete aos tribunais definir ou participar em estratégias de prevenção e combate à criminalidade, uma vez que tal matéria é da competência da Assembleia da República„ do Governo, do Ministério Público e dos Órgãos de Polícia Criminal (..).
Por outro lado, sendo o legislador, certamente conhecedor das penas que os tribunais vinham aplicando aos condenados por tráfico de droga, na modalidade conhecida como correio de droga, nos termos do art. 21º do Dl. 15/93 de 22/01, situando muitas delas entre os 3 e 5 anos de prisão, por ocasião da última reforma do Código Penal, optou por alargar a possibilidade de suspensão da execução de penas de prisão até aos cinco anos, sem fazer qualquer ressalva relativamente a este tipo de crimes.
Há, pois, que concluir que o legislador quis que às penas de prisão aplicadas por tráfico de droga se aplicassem os mesmos critérios que aos restantes crimes, para aferir da possibilidade de suspensão na sua execução, nos termos do disposto no art. 9.ºdoCC.
e) O mesmo entendimento terá de ser aplicável à antecipação da pena acessória de expulsão.
Quanto às necessidades de prevenção geral, a análise efectuada à questão na douta sentença está justificada e bem ancorada em estudo sobre o fenómeno dos correios de droga, remetendo-se para os fundamentos indicados para entender que estamos no limiar mais baixo das exigências de prevenção geral.
g) Os correios de droga são o elo mais fraco do fenómeno, arriscando liberdade, integridade física e, muitas vezes, a vida, para fazer um transporte, sobre o qual não têm qualquer controlo além da aceitação da tarefa, a que acedem por motivos de debilidade económica e sendo, muitas vezes, denunciados pelo próprio mandante, mostrando-se acauteladas as necessidades de prevenção geral.
h) A douta sentença considerou e bem acauteladas as necessidades de prevenção geral e especial.
i) O Arguido demonstrou mais que arrependimento, vergonha pela conduta que encetou, declarando não ter sido essa a educação que os pais lhe deram, era primário e tinha apenas 24 anos à data do crime.
j) O Arguido tem apoio e enquadramento familiar no regresso ao Brasil, tendo uma promessa de trabalho, pelo que o juízo de prognose terá de ser considerado muito positivo.
k) O Arguido já tem, neste momento, cumpridos um ano e dez meses de pena de prisão, lendo um comportamento exemplar no estabelecimento prisional, onde trabalha e é benquisto dos funcionários e outros reclusos.
1) À data da sentença, estava-se a menos de nove meses da data da obrigatória expulsão e, à data do acórdão a proferir pelos colendos Srs. Juízes Desembargadores, estaremos certamente a menos de seis meses da data da obrigatória expulsão.
m) A expulsão antecipada do Arguido em tais termos não seria comunitariamente intolerável; acompanhada com a proibição de regresso a Portugal durante oito anos, bom comportamento em meio prisional e manifestação de arrependimento pelo Arguido, não repugnaria ao cidadão comum.
n) Deve indeferir-se o recurso ora apresentado, mantendo-se a douta sentença nos termos em que foi proferida.
4. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto pugnou pela procedência do recurso, nos precisos termos motivados pelo Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal da 1ª instância, ao que o arguido respondeu sustentando a manutenção da decisão recorrida.
5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.

6. O objecto do recurso, tal como ressalta das conclusões da motivação, versa saber se estão verificados os requisitos necessários para a antecipação da execução da pena acessória de expulsão do território nacional.

7. Observemos o que consta da decisão recorria:
Identificação do recluso: WI...
Objeto do processo: antecipação da execução da pena acessória de expulsão (art. 188. °-A n.° 2 do código de execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora em diante designado CEPMPL).
A senhora diretora do estabelecimento prisional emitiu parecer favorável (art. 188. °-An. °3 do CEPMPL).
Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento para a execução antecipada da pena acessória de expulsão (art. 188. °-B n.° 2 do CEPMPL).
O ministério público emitiu parecer desfavorável à antecipação, tendo a ilustre defensora do recluso pugnado em sentido contrário (art. 188. °-B n.° 3 do CEPMPL).
II. FUNDAMENTAÇÃO A) De facto
i) Factos mais relevantes:
1. Circunstâncias do caso: o recluso foi condenado no processo n.° 336/16.9JELSB do juiz 1 do juízo central criminal de Lisboa, na pena de 5 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 8 anos, pela prática, em setembro de 2016, de um crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciado, resumidamente, em, mediante a promessa de uma contrapartida monetária, ter aceitado transportar, dissimulada no interior do organismo, do Brasil para Portugal, cerca de 808 gramas de cocaína.
2. Marcos de cumprimento da pena: termo inicial em 19/09/2016, meio da pena em 19/03/2019, dois terços em 19/01/2020 e termo em 19/09/2021.
3. Vida anterior do recluso (antecedentes e condições pessoais): tem 26 anos de idade; é natural do Brasil; cresceu em agregado estruturado de médio estatuto socioeconómico; possui o 12.° ano de escolaridade; trabalhou durante cerca de seis anos, até que em janeiro de 2016, depois do decretamento da falência da empresa onde trabalhava, foi despedido; durante cinco meses recebeu subsídio de desemprego; à data dos factos integrava o agregado familiar de origem, que estaria a viver dificuldades de cariz económico; não tem antecedentes criminais.
4. Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime - denota vergonha e arrependimento quanto ao crime cometido, que enquadra numa situação de carência económica e no ensejo de ter mais dinheiro; denota crescimento pessoal e uma maturidade que não possuía à data do cometimento do crime; interiorizou a gravidade da sua conduta; vive a reclusão com sentimento de perda; comportamento - não tem averbada qualquer sanção disciplinar; compreende e respeita as normas institucionais; mantém boas relações com os seus pares, assim como com os vários grupos profissionais existentes no estabelecimento prisional; atividade ocupacional/ profissional/ensino/formação - trabalha desde pelo menos 20/01/2017, o que faz com muito empenho e sentido de responsabilidade; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais - frequentou o teatro e a ação de formação de inglês; medidas de flexibilização da pena - não beneficiou, até à data, de medidas de flexibilização da pena, atenta a pena acessória em que foi condenado.
5. Rede exterior: enquadramento/apoio .familiar/perspetiva futura — em meio livre irá viver com os seus pais, irmã, cunhado e sobrinha, com quem mantém contactos telefónicos frequentes e que se mostram disponíveis para o apoiar; o seu pai, a sua irmã e o seu cunhado trabalham; tem trabalho assegurado no Brasil, como auxiliar de serviços gerais; pretende continuar os estudos.
ii) Motivação da matéria de facto:
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica do recluso e do seu certificado de registo criminal, do documento junto a fls. 33, do parecer junto a fls. 42 e das declarações do recluso.
B) De direito
O tribunal pode determinar a antecipação da execução da pena acessória de expulsão desde que verificados os seguintes requisitos:
a) de ordem formal:
i) o tempo de cumprimento da pena, a saber, um terço da pena, porque se trata in casu de condenação em pena inferior a 5 anos (art. 188. °-A n.° 2 al. a) do CEPMPL);
ii) o consentimento do recluso na antecipação da expulsão.
b) de ordem substantiva:
i) revelar-se a expulsão compatível com a defesa da ordem e da paz social;
ii) ser de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (art. 188. °-B n.° 3 do CEPMPL).
WI... já atingiu um terço da pena e consentiu na antecipação da expulsão, pelo que resta analisar se estão verificados os requisitos de ordem substantiva, acima enunciados.
Conforme referido, o legislador exige que a antecipação se revele compatível com a defesa da ordem e paz social. Pretende-se, pois, dar ênfase à prevenção geral, traduzida na proteção dos bens jurídicos e na expetativa que a comunidade deposita no funcionamento do sistema penal. Não estando assegurado este requisito, não poderá ser concedida a antecipação, ainda que o condenado revele bom prognóstico de recuperação.
Este prognóstico de recuperação consubstancia outro dos pressupostos materiais: o legislador apenas permite a antecipação caso haja fundada expetativa de que, em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida responsavelmente, sem cometer crimes. Apela-se, em suma, à prevenção especial, na perspetiva de ressocialização e prevenção da reincidência. Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo de prognose sobre a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
Debruçando-nos sobre o caso em apreço, temos que o ilícito pelo qual WI... está em cumprimento de pena assume elevada gravidade, considerando o universo alargado de potenciais vítimas do crime de tráfico de estupefacientes e o facto de este ser facilitador do consumo de narcóticos (in casu cocaína, fortemente viciante), com as consequências nocivas de tal consumo para a saúde das vítimas e os respetivos efeitos colaterais, mormente a frequente desestruturação social e laboral do consumidor e subsequente desagregação do núcleo familiar, bem como a multiplicação da delinquência como meio para obter proventos para a sustentação dos hábitos aditivos. Estamos, portanto, perante ilícito gerador de grande preocupação junto da comunidade, pelo que só excecionalmente será aceite pela sociedade que o agente de um crime desta natureza seja libertado ainda antes de atingir o meio da pena, principalmente quando a libertação tem como consequência quase imediata a extinção da pena, como é o caso na execução da expulsão.
Sem embargo, o tráfico de estupefacientes abrange um vasto leque de condutas, no qual importa em concreto atentar com vista a perceber se, face ao ilícito em questão, a libertação antecipada do seu agente defrauda a expetativa no funcionamento do sistema penal e dá à comunidade e ao próprio recluso um sinal errado quanto aos bens cuja salvaguarda é pretendida por meio da criminalização.
In casu e tendo em conta o estudo da EMCDDA (2012) - citado por Joana Labrincha Costa dos Santos, na sua tese intitulada Correios de droga detidos em Portugal: trajetórias de vida e significados do crime, disponível em https:AdigitaLuip.pt/bitstream/10284/5121/1/JoanaSantos.pdf págs. 28 e 29 -, estudo esse que divide o tráfico de estupefacientes em três setores, a saber, produção, importação e distribuição, subdividindo o setor da importação em três tipos de importadores (o organizador/gerente, o importador auxiliar e o correio de droga), estamos na presença de um denominado correio de droga e, mais especificamente, perante um mula, significando o agente que realiza o transporte de estupefacientes atravessando uma fronteira internacional como mero detentor do produto, por contraposição aos correios de droga se1fLemployed, que são proprietários do produto que transportam. Isto é, estamos em face de alguém que não organiza e/ou gere o aspeto financeiro da transação das substâncias ilícitas e que, em regra - mas também no caso concreto, segundo indiciam os factos - se envolve no narcotráfico por heterodeterminação, sendo recrutado em momento de vulnerabilidade, mormente económica (in ob. citada, pág. 81), recebendo uma recompensa insignificante quando vistos os lucros obtidos por pessoas com outros papéis na cadeia de abastecimento (in ob. citada, pág. 39).
Ora, como é referido pela autora sobremencionada, muito embora sejam atualmente traficadas por ano milhares de toneladas de estupefacientes dos locais de produção para os mercados de consumo, ou entre mercados, sendo utilizados múltiplos métodos para o seu transporte, o certo é que o tráfico realizado por correios de droga, comparado com o tráfico global, tem uma representatividade considerada baixa (in ob. citada, pág. 27).
Estes aspetos - (i) relevância relativamente diminuta do tráfico sustentado em correios de droga, quando visto o narcotráfico na sua globalidade, (ii) aproveitamento de uma situação de vulnerabilidade do correio de droga pelo recrutados, (iii) alheamento do mula relativamente à organização do aspeto financeiro da transação das substâncias ilícitas e (iv) recebimento de uma recompensa insignificante quando vistos os lucros obtidos por pessoas com outros papéis na cadeia de abastecimento -, aliados ao facto de estarmos, no caso concreto de WI..., perante um agente sem antecedentes criminais de igual ou outra natureza, diminui consideravelmente a fasquia da prevenção geral e torna compreensível que se pondere uma libertação após um período mais curto de cumprimento de pena.
Este entendimento, sempre ressalvado o devido respeito por opinião diversa, não é afastado pelo facto de estarmos em face de um designado body pusher, ou seja, um transportador que oculta pacotes de drogas ilícitas no interior de cavidades corporais (cfr. ob. citada, pág. 31). Efetivamente, o facto de o agente aceitar ingerir os produtos a transportar, com risco considerável para a sua vida, traduz a medida do desespero em que em regra se encontra quando acede ao recrutamento. Trata-se, pois, de aspeto que diminui - ao invés de aumentar - as exigências de prevenção.
O que acaba de ser dito é, aliás, espelhado na dimensão da pena concretamente aplicada, não superior a 5 anos e, por isso, tratada pelo próprio legislador com um regime menos exigente, como ressalta quer do quadro penal - em que se consagra a possibilidade da suspensão -, quer do regime de execução - com previsão de possibilidade de concessão mais prematura de licenças de saída jurisdicionais [nos casos que não de expulsão] e com expulsão também mais prematura [ao meio da pena, e não aos dois terços], em caso de aplicação de pena acessória de expulsão.
De entre as exigências de prevenção geral suscitadas pelo crime de tráfico, encontramo-nos, portanto, no limiar mais baixo.
E as exigências de prevenção especial parecem-nos também acauteladas.
Efetivamente, os factos sobremencionados dão-nos conta de que WI... é crítico em relação à sua conduta e interiorizou a gravidade da mesma, expressando arrependimento e vergonha pelo crime cometido, o que constitui um forte indicador de que estará munido de um mecanismo interno que o afastará da prática de novos crimes. Na verdade, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado dispõe de um relevante inibidor, pois quem logra percecionar em plenitude o mal cometido, mais facilmente possui ferramentas passíveis de evitar a repetição da sua conduta. É a interiorização da responsabilidade que permite alterar comportamentos, o que se crê ter acontecido relativamente a WI....
Acresce ser esta a primeira vez que WI... está privado da liberdade e a reclusão é in casu especialmente penalizadora, porque executada em país distante daquele em que o condenado residia, sem possibilidade do benefício de saídas jurisdicionais, implicando, pois, um afastamento compulsivo prolongado da família, o que, tudo, incrementa o efetivo efeito dissuasor da pena.
Por outro lado, ainda, o recluso manteve sempre bom comportamento no estabelecimento prisional, evidenciou ser detentor de hábitos de trabalho e denota crescimento pessoal e uma maturidade que não possuía à data do cometimento do crime, aspetos que permitem acreditar, por um lado, que WI... está motivado para a mudança e, por outro, que será capaz de, em meio livre, manter uma conduta normativa.
Por último, não pode deixar de ser tida em conta a juventude do recluso e o efeito especialmente pernicioso que períodos mais longos de reclusão têm sobre delinquentes jovens primários (frisando a probabilidade de persistência da conduta delituosa por aumento de laços com pares desviantes em contextos, como por exemplo, os estabelecimentos prisionais, veja-se Andrews & Bonta, 2006; Bonta, 1997; Farrington, 2001, citados na tese sobremencionada, pág. 14).
Isto posto e considerando, também, que o recluso dispõe de enquadramento familiar e laboral, estando-se a menos de nove meses da data em que se daria a obrigatória expulsão, entende-se que o deferimento do requerido não choca, mormente a sociedade em que nos inserimos.
III DECISÃO
Em face de todo o exposto, defiro a antecipação da execução da pena acessória de expulsão do território nacional de WI.....

8. Apreciando o objecto do presente recurso:
Por decisão de 23 de Junho de 2018, ora objecto de recurso, foi deferida a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, ao recluso WI..., que cumpre pena de 5 anos de prisão, aplicada no processo n° 336/16.9JELSB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, cujo início de cumprimento se reporta a 19-09-2016, estando o meio previsto para 19-03-2019, os dois terços para 19¬01-2020 e o termo para 19-09-2021.
Tal decisão incidiu sobre o pedido formulado pelo recluso, com o fundamento de já ter cumprido um terço da pena, alegando ter bom comportamento e percurso prisional, estar arrependido, dispor de enquadramento familiar e de projecto laboral.
Na decisão recorrida, que se baseou no parecer favorável emitido pela directora do estabelecimento prisional, tendo como base legal o art° 188° - A° do CEPMPL, considerou-se o bom comportamento prisional do recluso, o arrependimento verbalizado, o apoio familiar e a perspectiva de emprego, para concluir estarem acauteladas as exigências de prevenção especial e que o tráfico realizado por correios de droga tem uma representatividade baixa, o que fez situar as exigências de prevenção geral no limiar mais baixo.
A Digna Magistrada do Ministério Público, discordando de tal entendimento, veio recorrer, sustentando, em suma, que não se mostram verificados os pressupostos que fundamentam tal clemência, na medida em que imperam fortes necessidades de prevenção geral, atenta a natureza do ilícito (tráfico de estupefacientes), mediante contrapartida monetária, espécie (cocaína), quantidade de droga transportada dissimulada no interior do organismo (105 embalagens, vulgo bolotas), o tempo de pena cumprido, que fazem como que a requerida antecipação seja comunitariamente intolerável, acrescendo a inexistência de elementos seguros e ponderosos que apontem para um juízo de prognose positivo quanto ao futuro comportamento deste traficante, pois, embora o recluso assuma a prática dos factos e verbalize arrependimento, ainda apresenta uma reduzida consciência critica quanto ao desvalor da sua conduta e às consequências da mesma para um número significativo de potenciais vitimas, não oferecendo garantias minimamente fiáveis de que não reincidirá, já que apresenta um projecto de vida semelhante àquele que tinha antes da prática deste crime e que não foi contentor mas, pelo contrário, motivador da prática do crime.
Apreciando:
O tribunal pode determinar a antecipação da execução da pena acessória de expulsão desde que verificados os seguintes requisitos:
a) De ordem formal:
i) O tempo de cumprimento da pena, a saber, um terço da pena, porque se trata in casu de condenação em pena inferior a 5 anos (art. 188.°-A n.° 2 al. a) do CEPMPL);
ii) O consentimento do recluso na antecipação da expulsão.
b) De ordem substantiva:
i) Revelar-se a expulsão compatível com a defesa da ordem e da paz social;
ii) Ser de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (art. 188.°-B n.° 3 do CEPMPL).
No caso, o arguido WI... já atingiu um terço da pena de prisão que lhe foi aplicada e consentiu na antecipação da expulsão, pelo que se mostram verificados os exigidos requisitos de ordem formal, sendo, assim, objecto de análise a discordância relativamente a verificação, ou não, dos requisitos de ordem substantiva, acima expressos.
Com efeito, quando se trata de antecipar a execução da pena de expulsão, a lei exige não só que seja possível ao julgador efectuar um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado (exigência de prevenção especial), como, ainda, que essa antecipação se mostre compatível com os valores da defesa da ordem e da paz social (exigência de prevenção geral).
A antecipação da execução da pena acessória de expulsão, nos termos das normas supra citadas, tem carácter excepcional e não automático, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e fortemente limitada pelas finalidades de execução das penas.
São, pois, de especial relevância as exigências de prevenção geral e especial — em consonância, aliás, com o disposto no n° 1 do art. 42° do Cód. Penal, que preceitua que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Cumpre, assim, efectuar uma análise das necessidades de prevenção, geral e especial, que se apresenta semelhante à que se impõe para a concessão da liberdade condicional facultativa, quando se encontra cumprida metade da pena (cf. art. 61.0, n.° 2, do CP).
Em suma, reunidos os pressupostos formais, a concessão da antecipação da execução da pena acessória de expulsão deverá atender, não só à necessidade de defesa da ordem e paz social, ou seja, prevenção geral, entendida corno protecção dos bens jurídicos e da expectativa da comunidade no funcionamento do sistema penal, mas, também, e simultaneamente, às necessidades de prevenção especial, na perspectiva de ressocialização e prevenção da reincidência, ou seja, do juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social, no sentido de que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Reportando-nos ao caso concreto, importa observar se existem fortes necessidades de prevenção geral e se poderá ser feito o juízo de prognose a que se vem aludindo, necessário à concessão da antecipação da execução da pena acessória de expulsão.
Começando pelas exigências de prevenção geral, e observada a decisão recorrida, verificamos que, não obstante a mesma ter considerado que o ilícito pelo qual o recluso está em cumprimento de pena assume elevada gravidade, por gerador de grande preocupação junto da comunidade, pelo que só excepcionalmente será aceite pela sociedade que o agente de um crime desta natureza seja libertado ainda antes de atingir o meio da pena, principalmente quando a libertação tem como consequência, quase imediata, a extinção da pena, como é o caso na execução da expulsão, acabou a mesma por entender que, de entre as exigências de prevenção geral suscitadas pelo crime de tráfico, nos encontramos, no caso, no limiar mais baixo, considerando (i)
relevância relativamente diminuta do tráfico sustentado em correios de droga, quando visto o narcotráfico na sua globalidade, (ii) aproveitamento de uma situação de vulnerabilidade do correio de droga pelo recrutador, (iii) alheamento do mula relativamente à organização do aspeto financeiro da transação das substâncias ilícitas e (iv) recebimento de uma recompensa insignificante quando vistos os lucros obtidos por pessoas com outros papéis na cadeia de abastecimento -, aliados ao facto de estarmos, no caso concreto de WI..., perante um agente sem antecedentes criminais de igual ou outra natureza, diminui consideravelmente a fasquia da prevenção geral e torna compreensível que se pondere uma libertação após um período mais curto de cumprimento de pena.
Sem embargo do sustentado, de forma cuidada, na decisão recorrida, entendemos, contudo, que, mesmo no caso dos chamados correios de droga, como é o do recluso em causa, nem por isso são menores as necessidades de prevenção geral, pois o transporte internacional de estupefacientes, pela difusão rápida das drogas junto dos mercados que abastecem os consumidores constitui uma conduta especialmente danosa, cuja perseguição penal se mostra essencial para dificultar e evitar a prática deste crime, ao que acresce que o nosso país vem sendo uma importante porta de entrada de droga na Europa, situação que determina que ao longo das sucessivas leis de política criminal o crime de tráfico de estupefacientes seja constantemente considerado um crime de prevenção prioritária.
É também esta a posição que o nosso Supremo Tribunal de Justiça vem sustentando, como ocorreu em Acórdão recente, datado de 23 de Maio de 2018, Processo n° 595/16.7JAPDL.L1.S1, onde se lê:
Este Tribunal tem sido chamado a apreciar, com frequência, casos similares de crimes de
tráfico praticados pelos comummente designados correios de droga, utilizados pelas redes e organizações de tráfico de droga, em correlação com situações de carência económica e fragilidade de que aquelas redes e organizações visam tirar vantagem, e enfatizando a sua importância no funcionamento deste mercado ilícito e na disseminação de produtos estupefacientes, nomeadamente de cocaína, o que, por regra, apesar da verificação dos respectivos pressupostos formais, conduz ao afastamento da possibilidade de suspensão da execução das penas.
E, ainda, seguindo o entendimento expresso no mesmo acórdão do STJ, que cita outras decisões daquele Tribunal, em idêntico sentido, deixamos aqui referência a duas.
Disse-se e este propósito, por exemplo, no acórdão de 11.06.2014 (processo 346/13.8JELSB.S1): não é possível ignorar o papel essencial dos correios na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos os correios tem a consciência de serem os instrumentos do mal (...) E ainda no acórdão de 19.02.2014 (Processo 86/13.8JELSB.S1, rel. Cons. Maia Costa: os correios, não sendo embora os donos da droga que transportam, estando normalmente desligados do meio e do circuito comercial dos estupefacientes, sendo meros contratados, pagos à peça, ou seja, pelo concreto serviço prestado, ficando, após a realização do serviço, fora do
ambiente das drogas, são, no entanto, uma peça importante, porventura cada vez mais importante, para fazer a conexão entre produção e consumo, sem a qual não existe negócio (todos os acórdãos em www dgs pt)
São, pois, elevadíssimas as necessidades de prevenção geral - positiva e negativa - relativamente ao tipo de crime em causa, tendo em conta a sua projecção negativa na sociedade, como, também, é salientado na motivação de recurso apresentada, pela Digna Magistrada do Ministério Público, onde refere: o cidadão comum não compreenderia o benefício tão cedo da liberdade. Com efeito, a concessão da medida, executada que se mostra menos de metade da pena, afrontaria, sem margem para quaisquer dúvidas, as finalidades que devem presidir à execução da pena de prisão, deixando sem tutela eficaz os bens jurídicos protegidos pela norma jurídica violada. Não nos podemos esquecer que o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual WI... foi condenado se integra na denominada criminalidade altamente organizada, sendo este um dos crimes que mais consequências nefastas acarreta para a paz social. Neste tipo de crime são particularmente fortes as exigências preventivas, incluindo as de prevenção geral, pelo que, salvo raras excepções, as mesmas não ficam suficientemente satisfeitas com o cumprimento, por parte do condenado, de apenas um terço da pena de prisão, uma vez que a antecipação da execução da pena acessória de expulsão se traduz, em termos práticos, numa libertação definitiva. Mesmo em casos como o de WI..., em que o crime de tráfico de estupefacientes se consubstancia apenas no transporte do produto, funcionando o condenado como um correio de droga, nem por isso são menores as necessidades de prevenção, uma vez que aquele transportava uma quantidade significativa de droga - 808,500 gramas de cocaína, droga essa de elevado poder destrutivo, tendo em conta a sua natureza, o que necessariamente, potencia o aumento das razões de prevenção geral de intimidação, razão por que consideramos que o cumprimento de menos de metade da pena de prisão não se mostra adequado para que não seja posta em causa irremediavelmente a necessária tutela dos bens jurídicos tutelados e a estabilização das expectativas comunitárias quanto à prática do crime.
Não se pode ignorar a utilização do nosso país como porta de entrada da droga para a Europa, nas rotas do tráfico internacional provenientes mormente da América do Sul, a que não é alheia a circunstância do nosso quadro legal punitivo, comparado com o de outros países europeus, ser francamente mais favorável.
Aliás, como bem sublinha a motivação de recurso apresentada, tratando-se de um crime de tráfico de estupefacientes de ordem internacional, libertando-se, neste momento, o recluso ficariam certamente frustradas as expectativas da comunidade na validade das normas da ordem jurídica que, pelo recluso, foram violadas e daria uma sensação de impunidade, porquanto a comunidade aceita dificilmente que alguém a cumprir pena por crime grave, como sucede com o recluso, seja libertado antes de atingir o meio da pena, sem que demonstre existirem fortes e excepcionais razões para isso. Ainda que interdito de entrar em território nacional, a antecipação da pena
acessória de expulsão apenas iria satisfazer as necessidades de prevenção em território nacional, já o tráfico e introdução de estupefacientes noutro qualquer país não se mostraria salvaguardado, sendo que consideramos que as necessidades de prevenção geral não se resumem ao nosso território, mas devem ser vistas numa perspectiva global, de espaço europeu e mesmo mundial. Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, numa situação semelhante, no acórdão de 12-06-2018, processo n° 1253/16.8TXLSB - B (5° Secção Criminal, Relator: Desembargador Cid Geraldo, também subscritor deste acórdão), segundo o qual «decidir no sentido da antecipação da execução da pena acessória de expulsão numa fase em que o marco do meio da pena nem sequer está próximo, será, ao invés de travar o combate que a lei exige, estimular/incentivar a sua prática» (...) «tratando-se de actos de tráfico de estupefacientes de ordem internacional ... assumindo os chamados correios de droga, como é o caso do recluso, um papel de particular relevo ... é inteiramente justificada a decisão de não ser concedida a antecipação da execução da pena acessória de expulsão».
Por outro lado, no plano da prevenção especial, no caso, embora o recluso assuma a prática dos factos e verbalize arrependimento, ainda apresenta uma reduzida consciência critica quanto ao desvalor da sua conduta e às consequências da mesma para um número significativo de potenciais vitimas, não oferecendo garantias minimamente fiáveis de que não reincidirá, na medida em apresenta um projecto de vida semelhante àquele que tinha antes da prática deste crime e que não foi contentor do mesmo. O arguido não desconhecia, quando praticou os factos, as consequências e a danosidade social que está associada ao tráfico dc estupefacientes. Neste momento, verbaliza arrependimento, por se encontrar em situação de reclusão. Apesar de verbalizar consciência da danosidade social criada pela sua conduta, entendemos que tal não corresponde a uma verdadeira interiorização do desvalor da mesma, mas sim a tentativa de se libertar da pena que se encontra a cumprir, num país distante daquele em que residia e com o consequente afastamento compulsivo prolongado da família.
Com efeito, o arguido demonstra fragilidades quanto à interiorização do sentido da pena, pela forma como, ainda, percepciona o seu comportamento ilícito, que justifica com alegada fase de debilidade económica e por querer ter mais dinheiro, tendo caído na tentação de aceitar proposta vinda de amigos de amigos, atribuindo as causas da sua actuação a factores externos, o que denota fraca interiorização da negatividade e gravidade da sua conduta e sugere a necessidade clara de trabalhar as suas capacidades reflexivas e consequenciais. Na verdade, o arguido tinha uma vida familiar estruturada, a qual deixou por ambição, não havendo garantias de que não volte a cair na tentação e novamente se deixar influenciar negativamente.
Como bem se saliente na motivação de recurso apresentada, a principal razão por que os traficantes dificilmente abandonam a actividade é a perspectiva de adquirirem dinheiro fácil e que esta supera os riscos que sabem correr. A expectativa de cumprirem uma pena reduzida e de regressarem ao seu país, em liberdade definitiva, após cumprirem pouquíssimo tempo de prisão, estimula a prática do crime, potenciando a reincidência.
Assim sendo, não nos parece possível fazer uma prognose favorável de que, caso o arguido fosse restituído à liberdade antecipando-se a sua expulsão, pautaria a sua conduta pela normatividade social e pelas regras jurídicas vigentes na sociedade.
O arguido carece, ainda, de desenvolver a sua atitude crítica de modo a criar condições internas que potenciem a necessária alteração comportamental, sendo indispensável que continue a ser sujeito a intervenção técnica que permita o desenvolvimento da sua capacidade critica, de modo a criar condições internas que potenciem a necessária alteração comportamental, sensibilizando-o de molde a prevenir comportamentos de idêntica natureza e a sentir a gravidade da sua conduta desviante.
Ponderando o risco de reincidência criminal e ainda a necessidade do recluso adquirir competências pessoais e sociais, de modo a adequar o seu comportamento à normatividade da vida em sociedade, é inquestionável a negação da antecipação da execução da pena acessória de expulsão, que se traduziria numa libertação antecipada incondicional, antes do meio da pena, ainda que no seu país de origem e com interdição de entrada apenas no território português.
Por todo o exposto, importa considerar que não estão reunidos os pressupostos materiais para determinar a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, procedendo, por isso, o recurso.
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público, revogando a decisão recorrida e determinando que o recluso WI... apenas seja expulso do território nacional (em execução da pena acessória que lhe foi aplicada), no meio da pena, ou seja, em 19 de Março de 2019.
Não são devidas custas.
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Lisboa, aos 18 de Setembro de 2018
Relatora: Anabela Simões Cardoso
Adjunto: Cid Geraldo