Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 03-10-2018   Fraude fiscal. Descoberta da verdade material e da justiça do caso concreto. Requerimento de produção de provas.
Não tendo sido possível até ao final da investigação aceder ao local onde a documentação se encontrava para que a mesma pudesse ser apreendida e junta aos autos, a sua obtenção actual e subsequente junção aos autos é inteiramente tempestiva à luz do disposto no art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal, em conjugação com o disposto no n° 4, alínea a), 1º parte, a contrario sensu, do mesmo preceito e com o art. 165º, n° 1, segunda parte, também do Código de Processo Penal.
Requerido ainda pelo o MP que fosse solicitado à sociedade arguida que forneça ao processo facturas a que se reporta a acusação, juntamente com documentação de suporte às mesmas associada e outra informação, não virá mal ao Mundo em que ao Tribunal escute e analise os meios de prova referidos. Podendo ter mais elementos decidirá com mais segurança.
É certo que o MP já poderia ter juntado alguns dos elementos de prova e, se ouvidas já em inquérito, devia ter oferecido desde logo as testemunhas a audiência.De qualquer forma em nome da descoberta da verdade material e da justiça do caso concreto, entende-se ser de dar lugar à produção das provas requeridas.
Proc. 5/11.6IDFUN.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Adelina Oliveira - Jorge Raposo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Desembargadora Relatora Adelina Barradas de Oliveira
Recorrente MP
Acórdão proferido na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Nos presentes autos interpôs o MP um recurso intercalar no qual alega o seguinte:
Os três arguidos supra identificados chegaram a julgamento acusados pela prática de quatro crimes de fraude fiscal
Através do recurso à utilização de facturas falsas, ficcionaram custos fiscalmente relevantes na actividade da sociedade arguida durante o exercício fiscal relativo ao ano de 2006, de onde resultou, para todos eles, a obtenção de uma vantagem patrimonial ilegítima com o correspondente prejuízo para o Estado Português.
Durante o julgamento que teve lugar no âmbito dos presentes autos, veio o Ministério Público requerer diligências de prova ulteriores, mais precisamente a audição de ANT... e JOM... na qualidade de testemunhas, bem como a solicitação à D... do envio a estes autos das certidões das declarações fiscais apresentadas pela sociedade arguida referentes aos períodos de I.R.C. e I.V.A. indicados na acusação pública, e, ainda, da própria declaração fiscal apresentada pela sociedade BRA... relativa ao período 2006/06T.
O Ministério Público formulou tal pedido sublinhando que as referidas diligências probatórias se mostravam indispensáveis à descoberta da verdade, designadamente para a prova dos factos 5., 6., 8., 11., 12., 13., 14 e 15. da acusação pública e oferecendo os fundamentos resumidamente enunciados nos pontos III) e IV) do segmento A.1) da motivação de recurso que antecede e que aqui damos por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
Porém a Mmª Juiz indeferiu o pedido de produção das diligências probatórias acima referidas invocando os fundamentos resumidamente enunciados no ponto VI) do segmento A.1) da motivação que antecede (e que aqui damos por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais).
Perante o sentido do aludido despacho, o Ministério Público, declarando expressamente que não abdicava da faculdade legal de contra o mesmo poder recorrer, arguiu de imediato a nulidade processual que o mencionado despacho consubstanciou, solicitando a sua reparação com o deferimento das diligências peticionadas.
No entanto, o Tribunal recorrido indeferiu também a arguição da nulidade efectuada pelo Ministério Público proferindo despacho onde exarou que a decisão anterior está devidamente fundamentada, de facto e de direito, pelo que inexiste qualquer nulidade processual.
Na sentença depois proferida neste processo, o Tribunal A Quo absolveu todos os arguidos da prática dos crimes de fraude fiscal que lhes foram imputados por ter dado como não provados os factos a que acima fizemos referência como sendo precisamente aqueles por nós referidos no ponto 3.) destas conclusões, cuja cabal demonstração dependia das diligências probatórias ulteriores peticionadas pelo Ministério Público igualmente descritas no ponto 2.) destas conclusões (e cuja não prova foi decisiva para a absolvição dos arguidos).
O presente recurso versa, portanto, sobre os dois despachos acima destacados sob os pontos 4.) e 6.) destas conclusões de recurso: ou seja tanto incide sobre o despacho que rejeitou a audição das duas testemunhas e a junção do acervo documental indicado no referido ponto 4.) destas conclusões, como também incide sobre o subsequente despacho nos termos do qual o Tribunal rejeitou, outrossim, a existência da nulidade processual invocada pelo Ministério Público nos termos supra expostos.
A.2) - Enquadramento jurídico do caso
De acordo com a disciplina legal estabelecida no art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal, é inequívoco poder afirmar-se que, entre outros meios de prova, a prova documental e testemunhal serão sempre admissíveis na fase de julgamento mesmo depois do momento processual em que, por regra, deveriam ter sido produzidas - ou seja já depois da fase de inquérito, instrução, contestação ou até do art. 316° do Código de Processo Penal —desde que revelem ser indispensáveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e que tal produção de prova tenha lugar até ao encerramento da audiência.
B.1.) Da questão referente à indevida rejeição da prova testemunhal requerida
Apesar da fase de julgamento em processo penal estar fundamentalmente vocacionada para a discussão de toda a prova já indicada no processo que será, consequentemente, aí reproduzida, vigora, ainda, nesta fase do processo, o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material (bem como o do inquisitório). Uma das consequências deste princípio fundamental da lei processual penal, resulta na obrigação do Tribunal no sentido de, mesmo na fase de julgamento, oficiosamente ou a requerimento, ordenar as diligências de prova que se mostrem necessárias à descoberta da verdade, desde que cumpridos os requisitos legais enunciados no art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal. Tal significa, para além do mais, que o legislador processual penal teve a preocupação de fazer prevalecer o interesse da descoberta da verdade, o qual constitui um princípio nuclear e estruturante de todo o processo penal, sobre os formalismos inerentes ao momento da indicação e produção da prova.
Não assiste, portanto, qualquer razão ao Tribunal A Quo ao ter indeferido a audição de testemunhas peticionada pelo Ministério Público nos termos acima expostos, mesmo admitindo que o Ministério Público pudesse e devesse ter indicado a prova em apreço nos momentos sublinhados pelo julgador.
Isto porque, em primeiro lugar, é preciso ter em conta que, de acordo com a tese da acusação, os cheques cujas cópias foram juntas aos autos serviram para simular pagamentos dos arguidos à sociedade BRA... como forma de justificar os pagamentos das facturas em causa, sendo certo que, de acordo com a mesma tese, os serviços subjacentes a tais facturas não existiram ou, se existiram, não foram realizados pela sociedade BRA..., o que significa que o dinheiro em questão nunca foi pago a esta sociedade nem a ninguém a ela ligado, tendo sido reconduzido, por isso, à sua origem, ou seja à esfera patrimonial dos arguidos.
Logo, sendo as duas testemunhas cuja audição ora se pretende quem procedeu ao levantamento/desconto dos cheques de fls. 113 e 116, no valor global de €170.000,00 (que são dois dos 5 cheques indicados na acusação) e não tendo as mesmas nenhuma ligação conhecida à sociedade BRA..., a sua audição mostra-se indispensável à descoberta da verdade pois só estas poderão esclarecer a que título procederam ao levantamento dos cheques em apreço, em que circunstâncias concretas o fizeram e a quem entregaram o dinheiro daí resultante, o que servirá para desnudar o mencionado esquema fraudulento executado pelos arguidos.
Com efeito, como a própria sentença reconhece, o julgador ficou com dúvidas sobre se os trabalhos a que se reportavam as facturas foram ou não prestados, sobre se foi ou não a BRA... a prestá-los, assim como se o DII… era ou não o seu gerente de facto e, em suma, se tais facturas se reportavam ou não a operações simuladas, sublinhando que a prova indirecta ou indiciária recolhida se mostrou insuficiente para as dissipar.
Por conseguinte, não podia o Tribunal ter rejeitado a produção da prova ulterior requerida pelo Ministério Público. Ainda para mais quando os arguidos nada contribuíram para o esclarecimento dos factos (já que se remeteram integralmente ao silêncio) e quando a prova requerida se mostrava susceptível de poder dilucidar as ditas dúvidas ilustrando os factos que suportam a acusação: designadamente a existência de pagamentos simulados para ocultar o verdadeiro destino do dinheiro pretensamente utilizado para pagar as facturas que, por seu turno, são idóneos a demonstrar a falsidade das mesmas (ainda que juntamente com a restante prova já produzida nos autos).
E não podia porque, ao tê-lo feito, entrou numa clara contradição que se prende com a invocação de dúvidas para sustentar a absolvição dos arguidos quando estas mesmas dúvidas poderiam ser dissipadas com a produção da prova ulterior peticionada pelo Ministério Público e quando nem os próprios arguidos forneceram ao Tribunal qualquer versão alternativa dos factos susceptível de originar as ditas dúvidas.
(...) o julgador estava legalmente obrigado a admitir tais depoimentos, independentemente do Ministério Público dever ter ou não providenciado mais cedo pela sua inquirição, pelo que, não o tendo feito, violou os comandos legais previstos no supra referido art. 340°, sendo certo que o Tribunal nem sequer explicou porque razão, no seu entendimento, a referida a audição das sobreditas testemunhas não e mostrava indispensável à descoberta da verdade.
(...) a testemunha SAM..., ao contrário do que referiu nas declarações prestadas no âmbito da acção inspectiva sobre a sociedade arguida levada a cabo pela Inspecção Tributária, veio agora referir em julgamento ter entregado o dinheiro de três dos cheques identificados nos autos ao referido DII... quando não o disse na referida audição perante a Inspecção Tributária.
Isto significa que, na nossa óptica, e por obediência ao princípio da investigação e da descoberta da verdade material, se impõe ouvir primeiro as duas testemunhas ora indicadas pelo Ministério Público (responsáveis pelo levantamento dos outros dois cheques em causa nestes autos) para, depois, e oportunamente, mediante o que por elas for dito, considerar o chamamento do referido DII... para vir esclarecer se recebeu o dinheiro em questão, a que título e qual a sua intervenção no presente contexto. Note-se que, a este respeito, até o próprio Tribunal recorrido considerou que seria fundamental para a descoberta da verdade a audição do mencionado DII… sem ter, no entanto, diligenciado pela sua audição pois bastou-se com uma informação elaborada pelo S.E.F. há mais de seis anos, ou seja em Junho de 2011.
Perante tal cenário, que terá de encarar-se como superveniente na medida em que difere do panorama probatório reflectido no inquérito, pode mesmo justificar-se ser também ulterior a necessidade de ouvir as testemunhas agora chamadas pelo Ministério Público, o que permitiria a audição das mesmas ainda que não se considerassem indispensáveis para a descoberta da verdade.
Posto isto, consideramos que, também na perspectiva da alegada intempestividade do requerimento do Ministério Público, carece de validade a tese defendida pelo Tribunal recorrido, pelo que, também nesta linha de pensamento se mostra que tal tese violou o disposto no art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal.
B.2) Da questão referente à indevida rejeição da prova documental requerida
O Tribunal A Quo, com as suas decisões, negou peremptoriamente o chamamento aos autos do acervo documental descrito nos pontos II) e IV) do segmento A.1) da motivação do presente recurso, sendo certo que, ao ter obstaculizado a consecução de tal acto, violou o disposto nos arts. 165°, n° 1, e 340°, n° 1, do Código de Processa Penal. Não colhe a argumentação expendida pelo Tribunal A Quo no sentido de que os documentos em apreço, face à produção da prova realizada nos autos, não eram indispensáveis para a descoberta da verdade material com a agravante de que, apesar de assim ter concluído, não explicou no despacho proferido porque razão os documentos em causa não eram indispensáveis para a descoberta da verdade.
Na verdade, se é sabido que um dos períodos de I.V.A. onde se integram as facturas falsas indicadas na acusação e indevidamente contabilizadas pela sociedade arguida é precisamente o período 2006/06T, e se é sabido que a sociedade BRA... apresentou apenas uma declaração de I.V.A. no período 2006/06T cujo conteúdo era desconforme com os resultados do cruzamento de dados de outros sujeitos passivos efectuados pela administração fiscal, torna-se indispensável à descoberta da verdade carrear para o processo essa declaração única com vista ao auxílio da demonstração dos factos 8.) e 13.) da acusação (nomeadamente no concernente ao facto da sociedade BRA... não ter exixc stência real e não poder ter prestado os serviços reportados nas facturas), ainda que este elemento probatório careça de ser avaliado conjuntamente com os demais já existentes nos autos.
Com efeito, esta sociedade não só nada declarou fiscalmente em quaisquer outros períodos como também, no único período em que faz essa declaração, não menciona qualquer dado de onde se possa presumir a eventual existência de qualquer relação comercial com a sociedade arguida, nem denota, tão pouco, ter subcontratado serviços compatíveis, em termos de valor, grandeza e natureza, com aqueles que depois alegadamente prestou à sociedade arguida, tendo em conta nomeadamente a área de actividade da sociedade arguida e a ordem de grandeza documentada nos valores das facturas (daí que a integração no processo da referida declaração fiscal de 2006/06T da BRA... seja essencial no sentido de contribuir para a demonstração deste estado de coisas juntamente com os demais elementos documentais dos autos).
A certidão das declarações de IVA. e I.R.C. da sociedade arguida relativas aos períodos fixados no nosso requerimento (originais e corrigidas) e que correspondem aos da acusação, mostram-se, também elas, indispensáveis à descoberta da verdade igualmente por três ordens de razões principais.
Isto porque: em primeiro lugar, só com base em tais declarações fiscais se pode firmar a prova dos factos 11.) e 12.) da acusação no sentido de garantir e demonstrar que a sociedade arguida declarou à administração fiscal indevidamente como custos as facturas indicadas pela acusação e que essa declaração fiscal foi levada a cabo pelos arguidos em ordem à obtenção das vantagens patrimoniais ilegítimas descritas no facto 11.) da acusação; em segundo lugar, pois só com base na data de entrega das referidas declarações se pode aferir com o rigor necessário qual a data de consumação dos crimes imputados aos arguidos; e em terceiro lugar, pois só estribados no teor das declarações fiscais da sociedade arguida expurgadas das incorrecções apontadas pela Administração Fiscal poderá fazer-se prova do facto 12.) da acusação onde se refere que a sociedade arguida repôs a verdade fiscal regularizando a sua situação declarativa e pagando os valores de impostos em dívida.
B.3) Conclusões a extrair dos dois pontos anteriores
Posto tudo isto, sucede que, feita a necessária comparação entre a argumentação contida nos dos dois despachos ora recorridos e na sentença depois proferida pelo Tribunal A Quo, deles extraímos, como já referimos, uma posição contraditória assumida pelo julgador no caso vertente que inquina por completo as decisões proferidas e ora impugnadas no sentido de não admitirem a prova testemunhal e documental por nós supra indicada.
(...) o referido julgador ter considerado os meios de prova peticionados em julgamento pelo Ministério Público como sendo não indispensáveis ou essenciais para a descoberta da verdade quando veio, depois, a absolver os arguidos por alegada ausência de prova suficiente, sendo certo que os referidos meios de prova rejeitados e tidos como irrelevantes se reputam como idóneos a suprir as dúvidas assinaladas pelo julgador e que se alimentaram na apontada ausência de prova.
(...) deverão ser revogados os despachos do Tribunal A Quo referidos nos pontos VI) e VIII) do segmento A.1) da motivação do presente recurso por força dos quais foi determinada: a não admissão da inquirição em julgamento das testemunhas Araújo Sol e JOM...; bem como a não admissão da solicitação à D... das certidões das
declarações fiscais apresentadas pela sociedade arguida referentes aos períodos de I.R.C. e I.V.A. indicados na acusação pública; e, ainda, da própria declaração fiscal apresentada pela sociedade BRA... relativa ao período 2006/06T.
(...) deverão estes ser substituídos por uma decisão superior que, não só, ordene a inquirição em julgamento das duas testemunhas atrás referidas, mas também determine a solicitação à D... do envio a estes autos dos documentos atrás referidos e, por conseguinte, ordene ainda a oportuna prolacção de nova sentença onde os resultados probatórios de tais diligências sejam tidos em consideração, impondo-se assim a revogação da sentença já proferida nos autos, o que igualmente se requer.
C.) Da verificação da nulidade gerada pelo primeiro despacho ora recorrido, de acordo com a previsão legal do art. 120°, n°s. 1 e 2, alínea d), do Código de Processo Penal
Tendo presente o contexto em que nos encontramos, resulta igualmente vincado no presente recurso, a partir da análise da argumentação expendida sob os pontos A) e B) da motivação de recurso que antecede, que o indeferimento, pelo Tribunal A Quo, relativo à prova testemunhal e documental por nós peticionada, e a sua confirmação com a prolacção do segundo despacho ora sob discussão, gerou uma nulidade processual, nos termos do disposto no art. 120°, n° 1 e 2, alínea d), Código de Processo Penal, na medida em que constituiu efectivamente uma omissão de diligências probatórias reputadas como essenciais à descoberta da verdade.
Temos, portanto, que, por errada interpretação, e face à posição confirmada com o segundo despacho recorrido, o Tribunal A Quo violou outrossim, para além das normas acima referidas, o disposto no art. 120°, nrs. 1 e 2, alínea d), do Código de Processo Penal.
Desta feita, observamos ainda que, segundo dispõem os arts. 122°, nrs. 1 e 2, do Código de Processo Penal, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar, sendo que a sua declaração determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição. Em face da construção lógica que temos vindo a empreender, e ao abrigo deste dispositivo legal, alcança-sc que todos os actos processuais subsequentes aos despachos ora recorridos se encontram também, para além dos próprios, feridos de nulidade, carecendo, por isso, da necessária correcção e repetição.
(...) deverá ser reconhecida e declarada nula a omissão de pr ira em questão, tal como o despacho que a gerou e aquele que não reparou a mencionada nulidade e, bem assim, todos os actos que se lhes seguiram, como foi o caso, nomeadamente, da sentença absolutória proferida nos presentes autos, cuja nulidade ora se pretende ver igualmente declarada, procedendo-se, portanto, à anulação de todo o correspondente processado, nos termos do referido art. 122°, nrs. 1 e 2, do Código de Processo Penal.
Recorreu ainda da decisão final
Em resposta ao recurso intercalar interposto o MP neste Tribunal concordou com as alegações do mesmo
Dos despachos recorridos resulta que o tribunal recorrido indeferiu a inquirição de testemunhas pedidas e de junção de documentos aos autos porque entendeu que as testemunhas em causa foram inquiridas em sede de inquérito e não foram indicadas pelo MP para julgamento.
Entende o tribunal que tal sucedeu porque o MP não as quis adicionar ou porque não as achou relevantes para a descoberta da verdade material.
Acrescenta ainda que o arrolamento de novas testemunhas durante a audiência de julgamento tem carácter excecional deve fundar-se na sua estrita necessidade para melhor se apreciar e decidir a causa e em circunstancias supervenientes ocorridas.
De outro modo diz o Mmo Juiz a quo, estaria encontrada a forma de acrescer á prova anteriormente indicada nova prova, num indefinido devir protelando-se o processo e defraudando-se as regras de arrolamento.
Não se afigurou minimamente relevante ao tribunal a quo proceder à inquirição de qualquer outra testemunha.
Não entendeu o acervo de documentos pretendido, importante para a descoberta da verdade e indeferiu o requerido.
Vejamos:
De acordo com o disposto no art° 316.° - O rol de testemunhas ode ser adicionado ou alterado a requerimento do Ministério Público, do assistente, do a guido ou das partes civis, conforme os casos, contanto que o adicionamento ou a alteração requeridos por um possam ser comunicados aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência.
2 - Depois de apresentado o rol não podem oferecer-se novas testemunhas de fora da comarca, salvo se quem as oferecer se prontificar a apresentá-las na audiência.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável à indicação de peritos e consultores técnicos.
Estabelece o n. ° 1 do art.340.° do C.P.P. que O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. E acrescenta o n.° 2, Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
Sendo assim parece recair sobre o juiz o encargo de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento. Os meios de prova não estão limitados aos
fornecidos pela acusação ou pela defesa. Este principio não se opõe à estrutura basicamente acusatória do processo penal, pois que não impede ou limita a apresentação de prova pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido.
Só significa que - ao contrário do que sucede com o princípio de discussão - a actividade investigatória do tribunal não é limitada pelo material de facto aduzido pelos outros sujeitos processuais, antes se estende autonomamente a todas as circunstâncias que devam reputar-se relevantes- Cfr. Prof Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1° Vol., edição da C.E., 1974, pág. 192.
Como resulta expressamente do n. °1 do art340.° do C.P.P., a investigação judicial visa a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, isto é, a chamada verdade material.
Independentemente de alguém ter ou não indicado uma prova anteriormente à audiência de julgamento, se no decurso desta o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, considerar que uma prova antes não indicada é necessária para a descoberta da verdade e à boa decisão da causa, deve obrigatoriamente ordenar a sua produção.
Os princípios da investigação e da verdade material, enunciados nos n. °s 1 e 2 do 340.° do C.P.P., que dominam o processo penal, tem os seus próprios limites enunciados nos seus números 3 e 4.
Resulta deste n.°3 que o requerimento que vise a produção da prova deve ser indeferido quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis. Assim, se as provas cuja produção se requer forem proibidas por lei (art.125.°) ou obtidas por métodos proibidos (art.126.9 o requerimento deve ser indeferido por despacho.
O n. °4 do art. 340.° do C.P.P. estatui que devem ainda ser indeferidos os requerimentos de prova se for notório que:
a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.
No presente caso, o Tribunal recorrido indeferiu o requerimento, apresentado pelo
Ministério Público ao abrigo do art.340.° do C.P.P., explicando que não via neste requerimento qualquer necessidade de produção de prova que não iria contribuir para a verdade material e tanto assim é, que argumenta que, ouvidas que foram em sede de inquérito não contribuíram em nada pelo que não foram indicadas pelo MP.
Na verdade se o MP as ouviu em inquérito não as arrolou para julgamento foi porque entendeu que não valia a pena. Assim como relativamente aos documentos que não juntou em inquérito e pretende juntar agora.
O art.316.° do C.P.P. conjugado com o art. 340.° CPP, dizem-nos que independentemente de alguém ter ou não indicado uma prova anteriormente à audiência de julgamento, se no decurso desta o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, considerar que uma prova antes não indicada é necessária para a descoberta da verdade e à boa decisão da causa, deve obrigatoriamente ordenar a sua produção.
Entendeu o tribunal que não era necessária.
O MP requer por se mostra-se indispensável à prova dos factos imputados aos arguidos, mormente no concernente aos factos 5., 6., 8., 11., 13. e 15., proceder à audição das testemunhas ANT... e JOM..., já que estas poderão esclarecer a que titulo procederam ao levantamento dos cheques em apreço (fls. 113 e 116) e a quem entregaram o dinheiro daí resultante.
Por conseguinte, e ao abrigo do disposto no art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público requer que seja designada data para continuação do presente julgamento com vista à audição das testemunhas: ANT... e JOM....
De acordo com a acusação a sociedade arguida integrou indevidamente na sua contabilidade facturas falsas com base nas quais visou obter vantagens patrimoniais ilícitas através da dedução indevida de custos. As facturas em foco são mencionadas na acusação e foram contabilizadas com tal finalidade na declaração fiscal de I.R.C. da sociedade arguida respeitante ao exercício de 2006, bem como nas declarações fiscais periódicas de I.V.A. respeitantes aos períodos 2006/03T, 2006/06T e 2006/09T.
No entanto, e devidamente compulsados os autos, observamos que deles não constam tais declarações fiscais de I.R.C. e de I.V.A., nem na sua versão originária nem na sua versão subsequentemente corrigida, sendo certo que, em face do seu teor e do quadro delineado factual pela acusação, tais documentos se mostram indispensáveis à prova da mesma, nomeadamente dos factos 5., 6., 11., 12., 13., 14. e 15..
Por conseguinte, e ao abrigo do disposto no art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público requer que seja solicitada à D... a remessa a estes autos de certidão de cada uma das declarações fiscais acima referidas, QUER NA SUA VERSÃO ORIGINÁRIA, QUER NA SUBSEQUENTEMENTE CORRIGIDA, com certificação da data em que cada uma delas foi entregue/enviada pelo sujeito passivo à administração fiscal.
Pela mesma testemunha acima indicada — inspectora tributária CRM..., — foi igualmente referido na anterior sessão de julgamento que a sociedade BRA..., que de acordo com a tese da acusação foi a emissora das facturas falsas dolosamente registadas em momento ulterior na contabilidade da sociedade arguida, apresentou uma declaração de I.V.A. no período 200/06T (ou seja segundo trimestre de 2006, sendo certo que foi a única declaração fiscal apresentada pela mencionada sociedade segundo o depoimento sob análise) cujo conteúdo era desconforme com os resultados do cruzamento de dados de outros sujeitos passivos (alegados clientes da BRA..., onde se inclui a sociedade ora arguida) efectuados pela administração fiscal, designadamente no concernente às transacções constantes nessa declaração.
Paralelamente, constatamos que um dos períodos de I.V.A. onde se integram as facturas falsas indicadas na acusação e indevidamente contabilizadas pela sociedade arguida é precisamente o período 2006/06T, pelo que, a nosso ver, a comparação entre a declaração fiscal da BRA... respeitante a esse período com a declaração fiscal de I.V.A. da sociedade arguida também respeitante a esse período se mostra fundamental para a descoberta da verdade porquanto logrará demonstrar a inexistência de quaisquer serviços prestados pela BRA... à sociedade arguida nesse período (ou pelo menos auxiliar essa demonstração).
Destarte, temos que a referida declaração fiscal da BRA... respeitante ao período 06T/2006 também se revela outrossim indispensável à descoberta da verdade, razão pela qual requeremos que, ao abrigo do disposto no art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal, seja solicitada à D... a sua remessa a estes autos com certificação da data em que a mesma foi entregue/enviada pelo sujeito passivo à administração fiscal.
Argumentou ainda que as facturas às quais a acusação se reporta e eventual documentação com as mesmas relacionadas (eventuais contratos e recibos associados) não foram juntas aos autos por estarem em instalações da empresa situadas em zona de risco cujo acesso está impedido e a aguardar a estabilização de talude, na sequência de uma decorada, por recomendação do L.R.E.C..
No entanto, este estado de coisas (ou seja a impossibilidade de aceder a tais documentos) reporta-se a Julho/Setembro de 2015, altura em que a D... concluiu a sua investigação e a acusação foi deduzida (cfr. fls. 403 e seguintes e 453 e seguintes). Não sabemos por isso se, actualmente, o acesso às referidas instalações já é ou não possível, bem como o inerente acesso à sobredita documentação.
A documentação em apreço revela-se de grande utilidade para a descoberta da verdade e cabal apuramento dos factos. Não só através da observação do teor das facturas, tendo em vista a identificação de quem as subscreveu, bem como a aferição sobre se o seu conteúdo cumpre as regras legais estabelecidas para o efeito, mas também para verificar se existem efectivamente contratos escritos de suporte das mesmas e, ademais, recibos comprovativos do seu pagamento.
Como decorre da exposição antecedente, não foi possível até ao final da investigação aceder ao local onde tal documentação se encontra para que a mesma pudesse ser apreendida e junta aos autos, pelo que a sua obtenção actual e subsequente junção aos autos é inteiramente tempestiva à luz do disposto no art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal, em conjugação com o disposto no n° 4, alínea a), 1 parte, a contrario sensu, do mesmo preceito e com o art. 165', n° 1, segunda parte, também do Código de Processo Penal.
Requereu ainda o MP que fosse solicitado à sociedade arguida que forneça ao presente processo, a título devolutivo, cada uma das três facturas a que se reporta a acusação, juntamente com a documentação de suporte que possua e esteja às mesmas associada, nomeadamente contratos escritos e recibos;
-que, com envio de cópia de fls. 104 e 105 destes autos para melhor esclarecimento, seja solicitado ao L.R.E.C. e à Câmara Municipal do Funchal, que informem se a situação descrita em tal documento se mantém, ou seja se o acesso à zona aí referida onde se encontravam as instalações da sociedade arguida permanece impedido/proibido no presente em virtude desse local ainda constituir uma zona de risco eminente ou, pelo menos, caso não seja possível
Não virá mal ao Mundo em que ao Tribunal escute e analise os meios de prova referidos. Podendo ter mais elementos decidirá com mais segurança È certo que o MP já poderia ter juntado alguns dos elementos de prova e, se ouvidas já em inquérito, devia ter oferecido desde logo as testemunhas a audiência.
De qualquer forma em nome da descoberta da verdade material e da justiça do caso concreto, entende-se ser de dar lugar à produção das provas requeridas.
Assim sendo, declara-se nula a decisão proferida nos autos e ordena-se a requisição, a produção e a análise da prova referida em repetição de audiência anulando-se todo o restante processado e decisão final por se mostrar imprescindível á descoberta da verdade dos factos com as necessárias consequências
DN Sem custas
Ac elaborado e revisto pela relatora
Lisboa, 3 de Outubro de 2018
Adelina Barradas de Oliveira
Jorge Raposo