Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 10-10-2018   Furto. Pena de multa. Prestação de trabalho a favor da comunidade. Suspensão da execução da prisão. Pena de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. Prisão de cumprimento efectivo.
É inequívoco que a arguida cometeu os factos deste processo no decorrer de dois períodos de suspensão de execução da pena. Perante uma personalidade com tão poucas inibições em relação ao cometimento de ilícitos, sempre seria de afastar liminarmente a viabilidade de aplicação de uma pena de multa, prevista em alternativa no preceito incriminador.
Na realidade, tendo a arguida já sido condenada em penas de prisão de execução suspensa, sem que a presença em tribunal, o julgamento, a prolação da sentença e ameaça de cumprimento efectivo de prisão tenham tido um efeito dissuasor útil para o futuro, ter-se-á de concluir que, agora, confinar a reacção penal a uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, ou seja, a uma medida de muito menor sacrifício da liberdade pessoal, constituiria como que uma mensagem de impunidade e mesmo de falência do sistema penal.
No mesmo sentido, uma terceira suspensão da execução da prisão também se revela manifestamente insuficiente, quer para satisfazer as expectativas da comunidade na defesa do património, quer para servir de advertência individual à arguida.
Por fim, também a pena de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância não constitui medida adequada e suficiente às finalidades da punição quando se destine a uma pessoa que já sofreu duas outras condenações, por crime de roubo e por crime de burla qualificada e revelou indiferença perante penas de prisão de execução suspensa por cinco e por três anos.
Sopesando em conjunto as circunstâncias enunciadas e apesar do valor dos bens subtraídos, da recuperação e da confissão dos factos, forçoso é concluir que a pena de dez meses de prisão de cumprimento efectivo constitui a reacção penal, não só justa e equitativa para a culpa exteriorizada pela arguida nos factos destes autos, mas também proporcional e imprescindível para garantir a tutela do ordenamento jurídico e para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias.
Proc. 185/18.0PLSNT.L1 3ª Secção
Desembargadores:  João Lee Ferreira - Nuno Ribeiro Coelho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo 185/18.0PLSNT.L1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa,
1. Após a realização da audiência de julgamento nestes autos de processo especial sumário e por sentença proferida a 27 de Fevereiro de 2018, o tribunal singular condenou a arguida ROS..., pela prática, em co-autoria de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.°, n.1 e 26.° do CP, na pena de dez meses de prisão efectiva e condenou a arguida ANC..., pela prática, em co-autoria de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.°, n.°1 e 26.°, do CP, na pena de seis meses de prisão, suspensa na execução pelo período de três anos e seis meses, e acompanhada de regime de prova.
Inconformada, a arguida ROS... interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
1ª - O único motivo de discordância da recorrente em relação à decisão recorrida, prende-se com o facto de a pena cominada ter sido efectiva.
2ª — A favor da recorrente militam as seguintes atenuantes:
a) Confessou os factos e demonstrou arrependimento, que o Tribunal concluiu ser genuíno e sincero.
b) O valor global dos objectos subtraídos é reduzido;
c) Além de que foram integralmente recuperados;
d) Trabalha;
e) Vive com a família.
3ª - A correcta ponderação de tais atenuantes, conjugada com as exigências de prevenção, deveria ter conduzido á aplicação de PTFC , pois dos mesmos permitiam ao Tribunal a quo concluir que, através deste meio realizam-se de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
4ª- A PTFC está especialmente prevista como forma de substituição de penas detentivas de curta duração, como é caso, e permitiria à arguida continuar inserida na sociedade, inserção essa que urge preservar.
5ª - Ainda que assim se não entenda, mas tendo em vista o mesmo objectivo, ou seja a reinserção social da condenada deverá ser determinada a suspensão da execução de tal pena atendendo a todo o anteriormente mencionado, designadamente a inserção sócio familiar e profissional, á pouca importância do crime em causa e à inexistência de prejuízo para a ofendida, dada a recuperação integral dos artigos furtados;
6ª — A circunstância de a arguida já anteriormente ter beneficiado de penas suspensas na respectiva execução e ter voltado a delinquir, atentas as especificidades do caso concreto, elencados na 2ª conclusão, não impediam que lhe fosse aplicada nova pena suspensa na respectiva execução.
7ª — Motivos pelos quais entendemos e pugnamos, seja determinada a suspensão da respectiva execução, pois constitui um dever primário dos Tribunais contribuir para a respectiva reinserção social dos condenados.
8ª - A correcta interpretação do estipulado pelo legislador, (art. 71.° do CP), deve conduzir à prevalência de considerações de prevenção especial de socialização, sobre outras, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
9a — Sendo que a recorrente reúne os pressupostos básicos da aplicação de pena de substituição e o tribunal ainda assim dispunha de elementos que lhe permitem formular um juízo de prognose positivo logo favorável;
10ª- Tudo ponderado e pese embora as exigências de prevenção entendemos que deve ser decretada a suspensão da execução de tal pena (art° 50 do CP), e, atentos os antecedentes criminais da arguida deverá ser sujeita a regime de prova (n° 1 do art° 53° e n° 2 do art° 50°), pelo período máximo, ou seja 5 anos ( n° 5 do art° 50) . Caso assim se não entenda o que se admite embora sem conceder,
11ª— In extremis, por todos os motivos anteriormente expostos nos termos do disposto na alínea a) do n° 1 do art° 43 do CP, tal pena deveria ser cumprida com sujeição a OPHVE.
12ª - O cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, é pena inovadora disponibilizada no ordenamento jurídico-penal português com a reforma penal de 2007, decorrente da Lei 59/2007 de 29 de Agosto.
13ª - Com a introdução desta pena, quis o legislador, ainda, densificar o princípio fundamental de um sistema penal democrático, assente em princípios humanistas e ressocializadores da pena, nomeadamente da pena de prisão tout court, entendida como ultima ratio.
14°- Ou seja, só se justifica a aplicação da pena de prisão se não houver alternativas à sua aplicação ou execução, cumprida em estabelecimentos prisionais adequados.
15ª — In casu o Tribunal a quo descurou os efeitos altamente nefastos do cumprimento efectivo de uma pena de prisão em regime de estabelecimento prisional, com o necessário afastamento da arguida da família.
16ª - As finalidades da punição (que admitimos a arguida aparente não ter ainda entendido com a necessária sedimentação) podem, pese embora o seu passado, face à situação dos autos, passar ainda pela constrição da liberdade da arguida na sua residência, sob vigilância electrónica, tendo em conta que os factos em causa não poderão ser cometidos a partir da sua residência.
17ª - Assim, tudo ponderado, entende-se que, neste caso, há ainda alternativa à aplicação ou execução de pena de prisão para se cumprirem as finalidades das penas, assim se evitando, por esta vez e face aos crimes cometidos, a prisão efectiva da arguida, a cumprir em estabelecimento prisional, que esta, certamente, irá aproveitar para, efectuar uma mudança de compreensão da sua vida.
18ª - Atendendo a todos esses factores, entende-mos que a execução da pena de prisão em regime de permanência, com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância, realiza de forma adequada as finalidades da punição, pelo que em ultima ratio deveria ter sido aplicada a mesma.
19ª — Esta medida salvaguarda eficazmente as eventuais exigências cautelares e cumpre ainda um outro desiderato de grande importância nos tempos que correm, qual seja a economia dos escassos recursos, (humanos e financeiros) públicos.
20ª - O Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 40° nos 1 e 2, 42° n° 1, 50° ri° 1, 53° 1, no 1 do art.° 58, 45 e 43 n° 1 al. a), todos do CP, e ainda n° 1, 1ª parte do art° 27° da CRP.
O Ministério Público, por intermédio da Exma Procuradora-Adjunta formulou resposta concluindo que deve ser negado provimento ao recurso (fls. 113 a 117) .
No momento processual a que se reporta o artigo 416° n.° 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público representado pelo Exm° Procurador-Geral Adjunto exarou parecer no sentido da improcedência total do recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida (fls.130).
A recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, reiterando a posição expressa na motivação de recurso.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir
2. Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir de forma precisa e clara as razões do pedido - artigos 402°, 403.° e 412.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.
A recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto em algum dos planos genericamente consentidos nos artigos 410° n° 2 e/ou 412° n°s 3 e 4, ambos do Código de Processo Penal nem o enquadramento jurídico dos factos provados, nem a aplicação de uma pena de dez meses de prisão e a questão suscitada no recurso restringe-se a saber se essa pena deve ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, por pena de suspensão da execução da prisão, ou determinado o cumprimento na habitação com vigilância electrónica.
3. A matéria de facto provada é a seguinte (transcrição):
1. No dia 07.02.18, às 19h27m, as arguidas deslocaram-se ao estabelecimento comercial T…, no Centro Comercial …, sito na Rua …, Sintra.
2. Do seu interior retiraram várias peças de roupa e calçado no valor global de €485, e esconderam-nos num saco que consigo levavam.
3. As arguidas saíram do estabelecimento sem proceder ao pagamento dos referidos bens.
4. Foram interceptadas pelo vigilante da Loja, pelo que restituíram os bens de que se haviam apropriado.
5. As arguidas agiram de forma livre, deliberada c consciente, com intenção de fazerem seus os objectos supra descritos, como fizeram, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do seu legítimo proprietário.
6. Agiram em comunhão de esforços de acordo com um plano que haviam previamente delineado e por todas executado.
7. As arguidas bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e tinham capacidade para se determinarem de acordo com esse conhecimento.
Mais se provou:
8. As arguidas sofreram um dia de detenção.
9. Confessaram.
10. A arguida ROS... tem averbadas no seu CRC as seguintes condenações:
a. Condenação no processo n.° 257/…PBVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, 2.° Juízo, por decisão proferida em 28.06.13, transitada em julgado em 13.09.13, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática em 01.07.11, de um crime de roubo a residência.
b. Condenação no processo n.° 442/…PCMTS. dos Juízos Centrais Criminais de Vila do Conde, Juiz 6, por decisão proferida em 28.10.16, transitada em julgado em 26.05.17, na pena de três anos de prisão, suspensa na execução por igual período e sujeita à obrigação de proceder ao pagamento no prazo de 24 meses de 5380€ à lesada.
11. Trabalha como vendedora ambulante, com o seu companheiro, auferindo um rendimento mensal variável, mas não superior a €250.
12. Recebe rendimento social de inserção no valor de €250.
13. Vive em casa camarária, pagando de renda €30. (?????)
14. A arguida ANC… tem registada no seu CRC a seguinte condenação:
a. Condenação no processo n.° 2722/…PYLSB. dos Juízos Centrais Criminais de Lisboa, J16, por decisão proferida em 09.10.17, transitada em julgado em 09.11.17, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sob condição de proceder ao pagamento de €150 mensalmente à assistente, pela prática em 22.08.14 de um crime de burla qualificada em 22.08.14.
15. A arguida trabalha como vendedora ambulante com o companheiro, auferindo mensalmente uma quantia variável entre €500 e €700.
16. Vive em casa arrendada com o companheiro e os três filhos de 11, 9, e 2 anos de idade, pela qual pagam mensalmente €250.
17. Recebe de abono dos menores 250€ por mês bem como um subsídio da SS no valor de 400€.
18. Estudou até à quarta classe.
19. As arguidas deram o consentimento para a prestação de trabalho a favor da comunidade.
20. Mostraram-se arrependidas.
4. Os factos provados integram o cometimento pela arguida ROS... de um crime de furto simples, previsto no artigo 203° n° 1 do Código Penal, a que corresponde uma pena de multa até trezentos e sessenta dias ou de prisão até três anos.
Uma vez que a função da culpa se esgotou no momento da determinação da medida da pena de prisão, o juízo de prognose necessário para eventual aplicação de pena de substituição, designadamente da suspensão de execução, depende em exclusivo de considerações de prevenção especial de socialização e de prevenção geral positiva. Por isso se conclui sempre que, desde que aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias.
Não se poderá aqui deixar de realçar o comportamento anterior aos acontecimentos deste processo:
Mostram os autos que a arguida cometeu um crime de roubo em Julho de 2011. Por esse crime foi julgada e, por acórdão transitado em julgado em 13 de Setembro de 2013, sofreu condenação na pena de cinco anos de prisão, de execução suspensa por igual período de tempo (processo 357/…BPVRL do 2° juízo do Tribunal Judicial de Vila Real).
Apesar da pendencia desta suspensão de execução da prisão por cinco anos, a arguida cometeu em 18 de Maio de 2015 um novo crime, agora de burla qualificada (processo 442/…PCMTS do Tribunal Judicial da Comarca do Porto).
Por este crime, ROS... foi condenada, por acórdão transitado em julgado em 26 de Maio de 2017, na pena de três anos de prisão, de execução suspensa por igual período de tempo, sob o dever de pagar determinada quantia à lesada.
Temos assim como inequívoco que a arguida cometeu os factos deste processo no decorrer de dois períodos de suspensão de execução da pena.
Perante uma personalidade com tão poucas inibições em relação ao cometimento de ilícitos, sempre seria de afastar liminarmente a viabilidade de aplicação de uma pena de multa, prevista em alternativa no preceito incriminador.
Na realidade, tendo a arguida já sido condenada em penas de prisão de execução suspensa, sem que a presença em tribunal, o julgamento, a prolação da sentença e ameaça de cumprimento efectivo de prisão tenham tido um efeito dissuasor útil para o futuro, ter-se-á de concluir que, agora, confinar a reacção penal a uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, ou seja, a uma medida de muito menor sacrifício da liberdade pessoal, constituiria como que uma mensagem de impunidade e mesmo de falência do sistema penal.
No mesmo sentido, uma terceira suspensão da execução da prisão também se revela manifestamente insuficiente, quer para satisfazer as expectativas da comunidade na defesa do património, quer para servir de advertência individual à arguida.
Por fim, também a pena de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância não constitui medida adequada e suficiente às finalidades da punição quando se destine a uma pessoa que já sofreu duas outras condenações, por crime de roubo e por crime de burla qualificada e revelou indiferença perante penas de prisão de execução suspensa por cinco e por três anos.
Sopesando em conjunto as circunstâncias enunciadas e apesar do valor dos bens subtraídos, da recuperação e da confissão dos factos, forçoso é concluir que a pena de dez meses de prisão de cumprimento efectivo constitui a reacção penal, não só justa e equitativa para a culpa exteriorizada pela arguida ROS… nos factos destes autos, mas também proporcional e imprescindível para garantir a tutela do ordenamento jurídico e para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias.
Nestes termos, nenhuma censura merece a sentença recorrida e improcede na íntegra o recurso da arguida.
5.A arguida decaiu integralmente no recurso que interpôs e deve ser responsabilizada pelo pagamento de taxa de justiça (artigos 513° e 514° do Código de Processo Penal). De acordo com o disposto no artigo 8° n° 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC.
Tendo em conta a menor complexidade do processo, julga-se equitativo fixar essa taxa em três UC.
6. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso da arguida ROS... e em manter na íntegra a sentença recorrida.
Pelo decaimento no recurso, condena-se a arguida em três UC de taxa de justiça.
Lisboa, 10 de Outubro de 2018.
Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.
João Lee Ferreira
Nuno Coelho