Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 10-10-2018   Infracção de regras de construção. Ofensas físicas por negligência. Violação do dever de cuidado. Perigo concreto. Omissão de condutas.
Constata-se pela análise dos depoimentos prestados na fase de instrução, que as pessoas que montaram as bancadas, nomeadamente aquela que veio a ruir, não tiveram qualquer tipo de formação nem conhecimentos técnicos especificamente dirigidos para o efeito de poderem adequadamente fiscalizarem a eficiência das peças e componentes daquela estrutura.
Ficou indiciariamente apurado também que após a sua montagem inicial, as inspecções feitas às estruturas das bancadas, que periodicamente foram acontecendo entre cada espectáculo, foram sempre realizadas por pessoas sem conhecimentos técnicos para o efeito.
Era exigível aos arguidos que na data da montagem/construção da estruturas (das várias bancadas) a fiscalizacão fosse efectivamente feita. Era-lhes também exigível que posteriormente à data da montagem/construção daquelas estruturas, fosse feita uma manutenção regular a todas as peças que compunham as referidas estruturas, em especial àquelas de maior desgaste, de modo a prevenir futuros danos que pudessem vir a ocorrer seja pelo desgaste natural com o decurso do tempo, seja por defeito originário (ter sido nomeadamente ab initio incorretamente feita a soldadura) seja por intervenção humana de reparação de uma qualquer dessas peças (reparação essa porventura executada de forma irregular).
Tendo sido utilizada na montagem/construção da bancada que veio a ruir, uma peça que não estava correctamente soldada, como ficou evidenciado pela prova pericial então a conclusão a extrair é que o material utilizado não tinha a robustez e a qualidade adequadas, de modo a não criar perigo para a integridade física de terceiros, pelo que os arguidos não tiveram na instalação, execução ou posterior manutenção/fiscalização da estrutura da bancada, os cuidados necessários ao suporte da mesma e à devida manutenção da soldadura da peça de suporte das suas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas e poder assim evitar a sua ruptura.
Os arguidos violaram um dever de cuidado, que se concretizou na criação de um perigo concreto e nas ofensas físicas por negligência sofridas por vários espectadores, em consequência directa e necessária da omissão de condutas que os arguidos deveriam ter exercido e não exerceram.
Porque as circunstâncias fáticas integrantes da causa da queda da bancada são imputáveis aos arguidos/recorridos a título de negligência (por omissão dos deveres de cuidado a que estavam obrigados e de que eram capazes), estão verificados os indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena e como tal devem os mesmos ser pronunciados.
Proc. 776/10.7TDLSB.L2 3ª Secção
Desembargadores:  Ana Paula Grandvaux - Maria Perquilhas - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 776/10.7TDLSB.L2 — 3ª secção
Relatora: Ana Paula Grandvaux Barbosa

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
I — RELATÓRIO
1 — O M.P no final do inquérito n° 776/10.7TDLSB a correr termos no departamento de Investigação e Acção Penal do Distrito Judicial de Lisboa,
deduziu em 20.02.2015 acusação (fls 1137 e segs) contra os arguidos, FLZ..., MAA... e a sociedade arguida, CIC..., Lda. imputando-lhes os seguintes crimes:
- aos arguidos FLZ..., MAA..., na forma consumada e em concurso efectivo:
15 (quinze) crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art° 148°, n° 1, do C. Penal;
1 (um) crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art° 277°, nos. 1, alínea a), e 2 do C. Penal, com referência aos artos. 42° a 45° do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro.
à sociedade arguida, CIC..., Lda., na forma consumada a prática de 1 (um) crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art° 277°, n°1, alínea a), e 2 do C Penal, por referência ao art° 11 0, n° 2, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal, e aos arts. 42° a 45° do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos
Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro.
Notificados dessa acusação do M.P, vieram os arguidos FLZ... e a sociedade CIC... por requerimento entrado em juízo em 25.3.2015 e junto aos autos a fls 1608 e segs requerer a abertura de instrução nos termos e para os efeitos do art° 286° e segs do C.P.P pedindo a prolação no final da instrução, de uma decisão de não pronúncia, por no seu entender não ter resultado da prova produzida em sede de inquérito, indícios suficientes da prática dos vários crimes que lhes são imputados.
Foi realizada a instrução nos termos legais e no final da mesma, a Sr. JIC da 1ª secção de Instrução Criminal - J1 do Tribunal de Instância Central da Comarca de Lisboa, proferiu em 29.5.2015 a decisão instrutória de não
pronúncia dos arguidos FLZ..., MAA...
Loureiro e Sociedade CIC...- cfr fls 1917 a 1928 dos presentes autos.
2 - Não se conformando com tal decisão o M.P arguido interpôs recurso (cfr fls 1958 e segs dos autos), assim como dela recorreu o assistente CAR... interpôs recurso (cfr fls 2065 e segts dos autos).
3- Por Acórdão desta Relação de Lisboa proferido em 1.2.2017 foi julgada procedente a nulidade da decisão instrutória (invocada pelo recorrente M.P) por falta de indicação/narração sintética dos factos indiciariamente provados e não provados e consequentemente foi ordenado o reenvio dos autos à 1a instância para que aí fosse emitida uma nova decisão que suprisse a deficiência apontada.
4- Em obediência a esse Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, foi na 1ª instância proferida nova decisão instrutória em 1.3.2017 pela Sra JIC onde após descriminação dos factos da acusação considerados indiciariamente demonstrados, concluiu pela não pronúncia dos arguidos, mantendo assim o sentido da decisão anteriormente proferida em 29.5.2015.
5- O M.P não se conformou com tal decisão e veio interpor recurso (a fls 2377 a 2420) extraindo das suas alegações de recurso as seguintes (transcritas) conclusões:
1. É manifesta, no douto despacho de não pronúncia, a incorreta análise da prova coligida, quer no inquérito, quer na instrução.
2. Na decisão de não pronúncia foram esquecidas por completo os indícios coligidos ao longo do inquérito e indicados na acusação, não se atendendo corretamente à prova constante dos autos.
3. Assim, desde logo, a Ma Juiz a quo limitou-se a enunciar, embora de forma resumida e restritiva, as declarações do arguido e depoimento das testemunhas prestados em sede de instrução, em conjugação com alguns factos da acusação, não elencando, atenta a globalidade da prova produzida nos autos, os motivos e as razões que determinaram a sua decisão.
4. A Ma Juiz de Instrução violou, deste modo e nomeadamente, as disposições legais contidas nos artigos 308°, n° 1, 97°, n° 5 e 298°, todos do Código de Processo Penal.
5. A MMa Juiza de Instrução, no seu despacho de não pronúncia, apenas atendeu ao depoimen das testemunhas inquiridas no decurso da instrução, não conhecendo integralmente da demais prova produzida em inquérito, designadamente, o relatório pericial e o exame ao local.
6. Acresce que o tribunal a quo extraiu errada conclusão dos depoimentos das testemunhas inquiridas em instrução, para se decidir pela não existência de crime, uma vez que consta dos elementos probatórios recolhidos no inquérito suficientemente indiciado que a bancada caiu por quebra da soldadura, a qual não teria sido feita corretamente.
7. Para tanto, reforçou a MMa Juiza o depoimento das testemunhas MIB..., diretor do Circo e ANM...
8. Foi, pois, com base nas declarações destas testemunhas que os factos integradores dos ilícitos criminais imputados em sede de acusação aos arguidos foram afastados, os quais, na nossa perspetiva, se encontram suficientemente indiciados.
9. Ora, quanto aos factos da acusação e, designadamente, quanto à montagem, preservação e manutenção da estrutura do circo, na qual se engloba a bancada, em momento algum as testemunhas inquiridas, em sede de instrução, conseguiram com o seu depoimento afastar ou pôr em causa a prova produzida na fase de inquérito.
10.Relativamente aos factos constantes do requerimento de abertura instrução, os mesmos não ficaram demonstrados em sede de instrução.
11 .Ternos que, da prova produzida em instrução, não resultou matéria factual, nem elementos probatórios suscetíveis de enfraquecer os factos constantes da acusação, nem sequer sobre todos eles se debruçaram as testemunhas inquiridas.
12.Com efeito, não foi produzida prova que levasse ao afastamento da responsabilidade dos arguidos. Bem pelo contrário, pois na nossa ótica, as diligências realizadas em sede de instrução firmaram a prova coligida ao longo do inquérito.
13.Com efeito, resultou do depoimento das testemunhas, um amplo desconhecimento das capacidades técnicas exigidas e essenciais à prossecução de alguns daqueles trabalhos de montagem, designadamente porque, desde logo, se confunde a montagem do circo da sua globalidade, com a montagem das estruturas onde assenta a bancada.
14.Assim, a testemunha MIB..., a propósito das soldaduras, pouco soube esclarecer a este respeito e a testemunha, ANM..., mostrou total desconhecimento, sendo que as demais nem abordaram tal assunto.
15.Quanto a esta matéria factual, não atendeu a Mmª Juiza, como se impunha, à totalidade da prova produzida em inquérito, designadamente, ao exame ao local e à bancada efetuado pelos Inspetores da Policia Judiciária e, em concreto, à prova pericial constante do inquérito.
16.A prova pericial representa em processo penal um desvio ao princípio da livre apreciação da prova (art° 127° do CPP), e o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial, a qual se presume subtraído à livre apreciação do julgador, o qual deve fundamentar a sua posição sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos.
17.Uma das provas de apreciação vinculada é a prova pericial, que «tem lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos» - art° 151° do C.P.P.
18.0ra, este juízo técnico da prova pericial está subtraído à livre convicção do julgador, urna vez que, não tendo conhecimentos técnicos iguais à dos peritos, não poderá, sem mais, desconsiderar o resultado obtifdo pela perícia.
19.Encontrando-se junto aos autos exame pericial, o resultado obtido no mesmo apenas pode ser colocado em crise por outro meio de prova idêntico e nunca pela mera análise das declarações das testemunhas inquiridas em sede de instrução, as quais, a este propósito, demostraram não possuir, especiais conhecimentos técnicos.
20. A decisão instrutória deveria expressamente fundamentar a sua divergência se a convicção do Tribunal divergisse do juízo contido na perícia, o que não fez, violando, desse modo, os art°s 127°, 151°, 157°, 158 e 163° do CPP.
21.Tal perícia, conjugada com os restantes indícios coligidos ao longo do inquérito, em nosso entendimento, constituem indícios suficientes para ser proferido despacho de pronúncia contra os arguidos pela prática dos crimes por que foram acusados.
22.Perante a prova já existente nesta fase de instrução impunha-se uma decisão diversa da recorrida.
23.Ainda que se entendesse que tal perícia não era esclarecedora, deveriam ter sido praticados todos os atos tendentes à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, nos termos dos art.° s 290° n.° 1 e 286°, n.°1 do CPP.
24.A fase de instrução não contempla apenas os atos obrigatórios por lei e o tribunal deveria oficiosamente praticar todos os atos instrutórios, nomeadamente, atos de investigação e de recolha de provas necessários para a descoberta da verdade.
25.Pelo que, poderia sempre a Mm.ª Juiza de Instrução pedir outros esclarecimentos aos peritos indicados na acusação, tendo-se limitado tão só à prova testemunhal apresentada pelo arguido, que se nos afigura manifestamente insuficiente para afastar os indícios suficientes recolhidos ao longo do inquérito.
26.Na nossa perspetiva, resulta assim suficientemente indiciado dos autos, que toda a montagem da bancada foi feita pelos trabalhadores do circo, sobre orientação dos arguidos, a quem incumbia a orientação e fiscalização desse trabalho.
27. Esse trabalho engloba necessariamente trabalhos de soldadura, pois da prova produzia, designadamente pela testemunha MIB..., as peças vêm soldadas de origem, o que teria ocorrido há 25 anos, sendo que à medida que vai sendo necessário vão sendo feitas novas soldaduras, havendo total desconhecimento, por parte das restantes testemunhas inquiridas relativamente a quando e por quem, contudo, tal circunstância não inibe a responsabilidade dos arguidos.
28.Refere a decisão a quo que as testemunhas em instrução, (funcionários do circo …), referiram que: entre cada espectáculo existe um período de tempo destinado à limpeza e fiscalização do recinto, fiscalizando-se, entre outras coisas, a estrutura das bancadas.
29.Sucede que, na nossa perspetiva, tal não é suficiente para o afastamento dos indícios recolhidos em inquérito e factos da constantes da acusação, pois que, não conseguiram esclarecer aquelas testemunhas, como, em que termos, quem efectuou essa fiscalização, como e em concreto realizada se em toda a elevada extensão da bancada e se foram observadas as estruturas e soldaduras que apresentassem problemas.
30.Além do mais, foram até constatadas contradições entre os depoimentos dos inquiridos.
31 .Designadamente entre a testemunha HAV... e a testemunha FIM....
32. Das delarações destas testemunhas não se pode extrair que seja feita a vistoria necessária.
33.Não se pode, pois dar como assente que a mesma é feita com total acuidade e segurança exigiveis.
34. Aliás ficou demonstrado que, com a azáfama das saídas e entradas, limpezas, a que acresce o facto dos artistas terem de se equipar, é altamente provável que tal vistoria fique prejudicada na sua realização.
35. Na análise da prova constante dos autos não se considerou o relatório pericial, na sua extensão, designadamente as deficiências nele detectadas e a sua dimensão.
36.Não foi devidamente ponderada a prova testemunhal de instrução, com o resultado do exame pericial, pois deste, resulta a existência de inúmeras deficiências patentes, manifestas, e visíveis, ao invés do que alegam as testemunhas nas declarações acima referidas, bem como o arguido MAA... nas declarações, a fls. 1758 dos autos.
37.Atento o teor das mesmas, com fotografias no relatório Pericial, que constitui anexo 1 e a fls.63 e seguintes dos autos, resulta altamente improvável que tais deficiências a olho nu não pudessem e não tivessem sido detetadas.
38.Resulta manifestamente contraditório o depoimento das testemunhas inquiridas em instrução, face aos vestígios apurados em sede de inquérito, contradição esta manifestamente insuficiente, para de forma perentória e sem fundamentação, promover o afastamento da prova pericial, e desta forma, se concluir que a queda da bancada não se tenha ficado a dever à violação de qualquer dever de cuidado por parte dos arguidos.
39. 0 acidente ficou a dever-se à errada conceção da bancada, ao nível dos trabalhos de soldadura, o que inevitavelmente conduziu à sua derrocada, que resultou da fratura das soldaduras executadas de forma incorreta.
40.Com efeito, os arguidos não tiveram, na instalação, execução e posterior inspeção permanente da estrutura da bancada, os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte suas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas.
41.Também o arguido MAA..., ao qual impunha inspecionar, zelar pelo correto funcionamento, conservação e manutenção nas perfeitas condições técnicas e de segurança, do recinto e estrutura, não executou cabalmente as suas tarefas no desempenho das funções que lhe competiam.
42.Em consequência direta e necessária das condutas dos arguidos, a bancada veio a cair, tendo os ofendidos que nela se encontravam sentados sofrido dores e as lesões físicas melhor descritas na acusação.
43.Considera o despacho ora recorrido que, não parece ser exigível que a cada espetáculo o responsável do circo fosse verificar se, das centenas de apoios das bancadas, em algum deles se tinha quebrado alguma soldadura.
44.Também aqui, tendo em consideração a prova produzida em inquérito, designadamente, o relatório da Policia judiciária de fls. 62 e seguintes, bem como o relatório pericial, anexo 1 aos autos, resulta manifesto que as deficiências encontradas, eram de tal forma extensas que não poderiam deixar de ser observadas aquando da montagem da bancada, sendo que caso tivessem sido observados com os exigíveis deveres de cuidado, as
mesmas deveriam ter sido supridas, o que não ocorreu por não terem sido observados os deveres de cuidado de pugnar por uma reparação ao nível das soldaduras.
45.Uma vez mais se salienta, que não foi considerada como se impunha, prova relevante constante da fase de inquérito.
46. 0 despacho de pronúncia não soube, pois, interpretar as finalidades da instrução, pois que, em nosso entender, dos autos resultam indícios suficientes que permitiam ao tribunal concluir pela pronúncia dos arguidos.
47. 0 douto despacho de não pronúncia enferma, assim, de incorreta análise da prova realizada no inquérito.
Desta forma, entende-se que a douta decisão recorrida, faz uma errada interpretação e aplicação das normas constantes dos arts 97° n° 5, 127°, 151°, 155°, 158°, 163°, 283° n° 2, 286°, n.°1, 288°, n.° 4, 289°, n.° 1, 291°, n.° 1, 292° e 308°, n.° 1, do CPP e, ainda, 277°, n.os 1, alínea a), e 2, e 148° n° 1 do C. Penal.
Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve:
Ser dado provimento ao presente recurso e revogado o douto despacho recorrido e em consequência, ser proferido outro que pronuncie os arguidos FLZ..., MAA... e CIC..., Lda., pela prática de quinze crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148°, no 1, do C. Penal e um crime de infração de regras de construção p, e p, pelo art. 277°, n°s. 1, alínea a), e 2 do C. Penal, com referência aos arts. 42° a 45° do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro, por referência ao art. 11°, n° 2, alíneas a) e b), do C. Penal quanto à CIC..., Lda.
Porém, VOSSAS EXCELÊNCIAS, decidindo, farão a costumada JUSTIÇA!
6 - Não se conformando com a decisão instrutória de não pronúncia, o assistente CAR... interpôs também recurso (cfr fls 2462 a 2501 e segts dos autos).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
1- Salvo melhor opinião, deveria o Tribunal recorrido ter concluído que, pela análise conjunta da prova produzida nas fases de inquérito e de instrução, foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os
pressupostos de que depende a aplicação aos recorridos de uma pena e, como tal, deveria ter proferido despacho de pronúncia.
2- Na fase de inquérito e na fase de instrução, o arguido FLZ... não prestou declarações orais, tendo apresentado a sua versão dos factos no seu requerimento de abertura da instrução de fls. 1608 a 1613.
No seu RAI, o arguido FLZ... admite que ordenou a empregados da sociedade arguida que montassem a bancada em causa, como tal, tais pessoas actuaram de acordo com as suas ordens e instruções, como infra se demonstrará.
Até porque, sendo o arguido FLZ... o gerente da sociedade arguida, à data dos factos - cfr. fls. 288 -, tinha a seu cargo os respectivos poderes de direcção.
Igualmente, o arguido FLZ... declarou, no seu RAI, que não sabe como se monta uma bancada e acrescentou que nem tem a obrigação de saber, motivo pelo qual contratou o arguido MAA... e operários.
Todavia, apesar de o arguido FLZ... não saber com se monta uma bancada, como admitiu, tal arguido, bem como outras pessoas com a mesma (falta de) formação e conhecimentos, procederam à montagem da bancada em causa.
Aliás, a fls. 913, o arguido MAA... declarou que o arguido FLZ... foi uma das pessoas que montou as bancadas do circo C…, em Novembro de 2009, ou seja, montou as bancadas em causa nos presentes autos.
3- Igualmente, procederam à montagem da bancada empregados da sociedade arguida, artistas de circo, nomeadamente, HAV..., ANM..., MIB..., MIC... (filho de MIB...) e FIM..., conforme comprovam os depoimentos adiante referidos. Pessoas essas que, tal como referido no douto despacho de acusação, não tinham quaisquer conhecimentos técnicos exigidos.
Pois, pela análise dos depoimentos prestados na fase de instrução, facilmente se conclui que as pessoas que montaram as bancadas em causa não tiveram qualquer tipo de formação nem conhecimentos técnicos.
Existindo um denominador comum às várias pessoas que procederam à montagem da bancada: são artistas de circo, que aprenderam a montar bancadas com outros artistas de circo. Porém, salvo melhor opinião, os conhecimentos técnicos para proceder à montagem de uma bancada em condições de segurança não são uma qualidade inerente e inata a todo e qualquer artista de circo, independentemente da idade e da formação, contrariamente ao que quiseram fazer crer as testemunhas ouvidas na fase de instrução.
Inclusive, a testemunha HAV... afirmou em Tribunal que, pelo menos, desde os 10 anos de idade que monta bancadas, tal como o fazem outras crianças que trabalham no circo.
4- Para prova da factualidade acima alegada e que deveria ter sido considerada indiciariainente provada pelo Tribunal recorrido, relevam: o depoimento da testemunha ANM... (desde 01 minuto e 12 segundos até 01 minuto e 30 segundos, desde 03 minutos e 02 segundos até aos 05 minutos e 11 segundos e desde os 16 minutos e 48 segundos até aos 18 minutos e 32 segundos), o depoimento da testemunha HAV... (desde os 13 minutos e 59 segundos até aos 14 minutos e 59 segundos), o depoimento da testemunha MIB... (desde os 02 minutos e 36 segundos até aos 05 minutos e 35 segundos) e o depoimento da testemunha FIM... (desde os O minutos e 36 segundos até aos 02 minutos e 53 segundos), depoimentos esses prestados na fase de instrução.
5- Pelo exposto, salvo melhor opinião, deverá constar do despacho de pronúncia o seguinte facto: Com efeito, a montagem das bancadas foi levada a cabo pelo arguido FLZ... e por outros empregados da sociedade arguida e artistas de circo, nomeadamente, HAV..., ANM..., MIB..., MIC... e FIM..., escolhidos por aquele arguido, de acordo com as ordens e instruções do mesmo, que não possuíam os conhecimentos técnicos exigidos.
Isto, em vez do seguinte texto, que consta do despacho de acusação: Com efeito a montagem das bancadas foi levada a efeito por pessoal do circo e pessoas escolhidas pelo arguido FLZ..., que transitoriamente por ali passavam e sem quaisquer conhecimentos técnicos exigidos.
Resultando provada tal matéria, nomeadamente, pelo teor de fls. 913, do artigo 9° do RAI do arguido FLZ... e dos depoimentos prestados, na fase de instrução, pelas testemunhas HAV..., ANM..., MIB... e FIM..., nas passagens anteriormente referidas.
6- Devendo, igualmente, constar do despacho de pronúncia a restante factualidade e respectiva qualificação jurídica constantes do douto despacho de acusação.
Relevando para prova dessa factualidade, para além dos elementos de prova anteriormente referidos, os depoimentos das testemunhas arroladas no despacho de acusação e que foram inquiridas na fase de inquérito, a prova documental (incluindo elementos clínicos) e, principalmente, a prova pericial, referidas no douto despacho de acusação - cfr. fls. 1165 a 1170 dos autos.
Como tal, o Tribunal a quo deveria ter considerado também como indiciariamente demonstrados os factos mencionados nas páginas 11 a 13 da decisão instrutória - cfr. fls. 2351 a 2353 -, que constam do despacho de acusação, com a alteração referida no ponto 5. das conclusões.
7- Nas páginas 15 e 16 do douto despacho de acusação - cfr. fls. 1144 e 1145 -, certamente por lapso, consta repetida a factualidade desde Na zona onde se iniciou (cfr. fls. 1144) até a partir daquele ponto (cfr. fls. 1145). Assim sendo, no douto despacho de pronúncia a proferir, deverá ser eliminada a repetição da referida factualidade.
8- Igualmente, para maior clareza e por relevar a boa decisão da causa, deverá constar do despacho de pronúncia o seguinte facto: À data dos factos, era sócio e gerente da sociedade CIC..., Lda. o arguido FLZ....
Resultando provada tal matéria de facto pela certidão permanente do registo comercial de fls. 287 a 289 dos autos, sendo tal factualidade, inclusive, alegada pelo arguido FLZ..., no artigo 7. do seu RAI.
9- Aqui chegados, não pode deixar de merecer estranheza e crítica que o arguido FLZ... afirme, em sede de RAI, que foi quem deu ordens para ser montada a estrutura da bancada em causa, versão essa corroborada pelas testemunhas inquiridas na fase de instrução ¬testemunhas essas cujo depoimento comprova que esse arguido, inclusive, participou na montagem das bancadas - e que, ainda assim, o Tribunal recorrido tenha considerado tal factualidade irrelevante para o tipo de crime em causa e, mais, que não tenha atendido à posição de liderança do arguido FLZ..., até porque era, à data dos factos, gerente da sociedade arguida, que é/ era responsável pelo circo Chen, como referido no douto despacho de acusação.
10- Porém, a adequada montagem de uma bancada como a que está aqui em causa não consiste apenas no correcto encaixe das peças que constituem a respetiva estrutura, mas também implica a análise do estado das várias peças utilizadas, com a verificação da respetiva soldadura ¬soldadura essa que, no caso sub Júdice, foi incorretamente efetuada -, o que, nitidamente, implicava a exigência de conhecimentos técnicos por parte de quem montou a bancada e de quem deu instruções para essa montagem (o arguido FLZ...), conhecimentos técnicos esses que, claramente, as pessoas acima referidas não tinham.
Não podendo ser tal questão autonomizada e afastada da responsabilidade da sociedade arguida e do arguido FLZ... (bem como do arguido MAA..., por via do termo de responsabilidade de fls. 921), pois, cumpria-lhes assegurar a montagem da bancada cujos componentes estivessem em bom estado, uma vez que a verificação do estado - nomeadamente, a sua soldadura - dos componentes da bancada insere-se, necessariamente, no processo de montagem segura da própria bancada.
Como tal, não está aqui em causa apenas a montagem da bancada, em sentido estrito, enquanto mero encaixe de peças, mas precisamente se as peças da bancada tinham as características que permitiam montar a bancada de modo seguro.
11- Assim sendo, salvo melhor opinião, tão ou mais importante que a questão de saber quem procedeu à montagem da bancada que ruiu e que conhecimentos tinha quem o fez é a questão de saber quem foram as pessoas responsáveis pela montagem da bancada e que deram ordens e instruções para tal, bem como quem eram os responsáveis por ter na instalação, execução e inspeção permanente da estrutura da bancada os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte das referidas vigas e por inspecionar, zelar pelo correto funcionamento, conservação e manutenção nas perfeitas condições técnicas e de segurança, do recinto e estrutura.
Sendo os responsáveis por tais atos/ funções, claramente, os 3 arguidos que foram acusados no douto despacho de acusação.
12- Efetivamente, segundo a prova pericial reunida nos autos, a bancada caiu por quebra da soldadura que não teria sido feita corretamente.
Todavia, salvo melhor entendimento, no presente caso, não releva quem soldou a peça, quem a mandou soldar, se a soldadura foi feita por quem tinha conhecimentos técnicos para o fazer.
Releva, sim, quem utilizou uma peça mal soldada para efetuar a montagem da bancada em causa e quem, antes, durante e/ ou após a montagem da bancada, não fiscalizou convenientemente se a soldadura das peças que serviram para a montagem da bancada estavam ou não corretamente efetuada.
Sendo certo que a omissão desse dever de cuidado ocorreu, pelo menos, antes da utilização da bancada pelos espetadores, pois, a bancada foi montada uma só vez, antes do dia 21 novembro de 2009 - cfr. fls. 921 -, não foi sendo montada cada vez que havia espetáculos, tal como resulta do depoimento das testemunhas ouvidas na fase de instrução e das declarações do arguido MAA..., prestadas na fase de inquérito, a fls. 278.
13- Tendo a fratura da soldadura ocorrido devido à execução incorreta dessa soldadura (como refere o relatório pericial e o douto despacho de acusação), soldadura essa que ocorreu em momento anterior à montagem da bancada, sendo, pois, tal fratura apenas uma consequência, que poderia ocorrer mais cedo ou mais tarde, consoante o peso aplicado sobre a estrutura aquando da sua utilização pelos espetadores do circo ...
Como tal, não tem especial relevo a suposta verificação do estado da bancada que alegadamente terá sido efetuada entre cada espetáculo. Ainda assim, sempre se dirá que não deverá ser considerada como (indiciariamente) provada a realização da verificação do estado das peças da bancada entre cada espetáculo, pelo menos, de modo conveniente e por quem tinha conhecimentos técnicos para tal.
Pois, de acordo com os depoimentos das testemunhas inquiridas na fase de instrução, essa suposta verificação foi efetuada por artistas do circo, num curto lapso de tempo, não se tendo comprovado que alguma dessas pessoas tenha qualquer conhecimento técnico para aferir do bom estado das peças que constituíam a bancada, quanto mais da respetiva soldadura.
Para além disso, a alegada verificação sempre terá sido, no mínimo, superficial e ocasional, pois, tal como declarou a testemunha HAV... (desde os 05 minutos e 42 segundos até aos 06 minutos e 38 segundos) por vezes, entre sessões do espetáculo - não sendo a sessão em causa a primeira desse dia - decorria o lapso de tempo de apenas 10 minutos e, como tal, não é credível e possível que a verificação das bancadas fosse pormenorizada e ainda, durante tal lapso de tempo, fosse efetuada a limpeza do recinto.
14- Quanto à alegada verificação do bom estado das peças com soldadura, supostamente efetuada pelo arguido MAA..., que este declarou ter efetuado a fls. 278, sempre se dirá que tal verificação não foi adequadamente realizada, pois, de outro modo, as incorreções na realização da soldadura teriam sido detetadas, como se constata pelas imagens que constam nas páginas 6 a 9 do relatório perícia.
No presente caso, a análise da qualidade da soldadura dos componentes da bancada não pode ser afastada da responsabilidade ¬assumida por esse arguido a fls. 921 - pela boa conceção da estrutura da bancada, de modo a possuir a resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança.
Mais, a análise da soldadura das peças da bancada não se bastava com a alegada verificação pelo arguido MAA... de modo ligeiro e superficial, como se constata ter ocorrido, através das consequências de tal procedimento.
15- Uma vez que, no presente caso, foram utilizadas na construção da bancada que ruiu peças que não estavam corretamente soldadas, como resulta provado pela prova pericial já produzida - e, como tal, o material utilizado não tinha a robustez e a qualidade adequadas, de modo a não criar perigo para a integridade física de terceiros, está verificado o tipo legal de crime de violação de regras de construção, para além do crime de ofensa à integridade física por negligência.
Assim sendo, como bem se concluiu no douto despacho de acusação, Os arguidos, não zelaram pela boa conceção das estruturas, com as soldaduras adequadas, as quais não apresentaram resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança das bancadas do recinto, dever objetivo de cuidado esse que violaram.
16- Acresce que determina o artigo 15°, n° 1 do Decreto Regulamentar n.° 34/ 95, de 16/ 12, que os recintos destinados a espetáculos e a divertimentos públicos devem ser dotados de elementos estruturais estáveis, com resistência mecânica adequada às ações e às solicitações a que possam ser sujeitos nas condições de utilização mais desfavoráveis. Constatando-se que, igualmente, os recorridos violaram a referida norma jurídica.
Tendo, também, nessa medida, ocorrido a violação do dever de cuidado pelos recorridos, dever esse que é materializado pela referida norma jurídica.
Pelo que, salvo melhor opinião, no despacho de pronúncia dos arguidos deverá constar a menção à norma do artigo 15.°, n.° 1 do Decreto Regulamentar n.° 34/ 95, de 16/ 12, aquando da referência à base legal.
17- Por todo o exposto, a análise crítica da globalidade da prova produzida na fase de inquérito e na fase de instrução, com especial relevo para a prova pericial, permite concluir que se apresenta mais credível e convincente a versão dos factos vertida no despacho de acusação, com as alterações acima requeridas.
Em suma, uma vez que as circunstâncias fáticas integrantes da causa da queda da bancada são imputáveis aos arguidos/ recorridos, estão verificados os indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena.
Mais, os arguidos violaram um dever de cuidado que se concretizou na criação de perigo concreto e nas ofensas à integridade física, resultados esses que ocorreram devido a uma globalidade de circunstâncias que aos arguidos competia controlar e dominar, na sua totalidade.
Existindo, assim, uma probabilidade razoável de, em sede de julgamento, virem os arguidos a ser condenados.
18- Ao não decidir assim, a douta decisão instrutória violou o disposto no artigo 277°, n° 1, alínea a) e 2 do Código Penal e no artigo 308°, n° 1, 1 a parte do CPP.
Como tal, deverá ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que pronuncie os arguidos pela prática dos crimes de que foram acusados.
Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta decisão recorrida, sendo os arguidos/ recorridos pronunciados pela prática dos crimes de que foram acusados, nos termos acima referidos.
7 — O Ministério Público na 1ª instância, respondeu à motivação apresentada pelo assistente CAR..., defendendo a integral procedência deste recurso (fls. 2511 a 2513 dos autos), devendo por isso ser revogada a decisão de não pronúncia ora recorrida, terminando as suas contra-alegações nos seguintes (transcritos) termos:
1 — A decisão instrutória fez uma análise incorrecta da prova produzida, esquecendo as provas carreadas ao longo do inquérito, limitando-se a MMª Juíza a quo e enunciar, de forma muito resumida e restritiva, as declarações do arguido e testemunhas inquiridas em sede de instrução, esquecendo a demais prova constante dos autos, designadamente a produzida em sede de inquérito.
2 — Reiteramos a fundamentação invocada na motivação do recurso oportunamente interposto pelo Ministério Público, de facto e de direito, salientando-se que a decisão ora colocada em crise deverá, pois, ser revogada e substituída por outra que pronuncie os arguidos pela prática dos crimes que lhes foram imputados em sede de Acusação.
Termos em que, deve o recurso a que ora se responde ser julgado procedente, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que pronuncie os arguidos pela prática dos crimes que lhes foram imputados no despacho de Acusação, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA
8- A arguida CIC... Lda veio em 9.6.2017 responder aos recursos interpostos pelo M.P e pelo assistente na 1ª instância (fls 2527 a 2533), pugnando pela sua improcedência e pela confirmação da decisão instrutória proferida, argumentando em síntese nos seguintes (transcritos) termos:
- ser de improceder o vício da falta de fundamentação do despacho de pronúncia invocado pelo M.P porquanto no seu entender o despacho de não pronúncia não tem que ter os mesmos requisitos, nomeadamente a
enumeração dos factos indiciados e não indiciados que devem constar do despacho de pronúncia; isto é defende que a lei apenas exige que o despacho de não pronúncia seja fundamentado nos termos gerais, não exige que tal despacho contenha a narração dos factos indiciados e não indiciados, sendo tal narração apenas obrigatória quando a decisão instrutória é uma decisão de pronúncia (art° 283°/2/3 e 4 e art° 308°/1 do C.P.P); em conclusão afirma que a obrigatoriedade de narrar os factos indiciados e não indiciados apenas se encontra prevista para o despacho de pronúncia, à semelhança do regime estipulado para a acusação.
Mas mesmo entendendo que o despacho de não pronúncia não se encontra fundamentado tal vício apenas consubstancia não uma nulidade mas uma simples irregularidade que teria de ser suscitada no tribunal a quo no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho de não pronúncia, o que não sucedeu pelo que se considera sanada.
E quanto à análise dos indícios de prova recolhidos no inquérito e na instrução, veio defender:
(...) a Mma Juiza tendo com conta toda a prova produzida e que consta do processo, concluiu pela sua insuficiência para se imputar os crimes pelos quais os arguidos vieram a ser acusados. (..) Tendo em conta que o crime pelo qual a arguida vinha a ser acusada lhe era imputado a título negligente, era necessário extrair, quer da fase de inquérito quer da fase de julgamento, elementos que comprovem a violação ou o desrespeito de um dever de cuidado a que o agente estava obrigado e que era capaz. O que não foi manifestamente possível, uma vez que não houve violação de um dever de cuidado por parte da arguida.
Para que o resultado em que se materializa o ilícito típico possa fundamentar a responsabilidade criminal da arguida, não basta a sua eventual existência fáctica, sendo necessário que se possa imputar objetivamente à conduta e subjetivamente à arguida.
Termina pois pedindo que quanto a ela se mantenha na íntegra a decisão de não pronúncia proferida na la instância.
9- O arguido MAA... veio em 14.6.2017 responder aos recursos interpostos pelo M.P e pelo assistente na 1ª instância (fls 2542 a 2545), pugnando pela sua improcedência e pela confirmação da decisão instrutória proferida, argumentando em síntese nos seguintes termos jcom sublinhados nossos):
(...) a sua intervenção se limitou a fazer uma inspecção às estruturas do circo da qual resultou a emissão de um Termo de Responsabilidade; mais alega que aquando dessa inspecção e da feitura do referido Termo, estava tudo em ordem, não havendo soldas deficitárias; assim o que ocorreu entre a data da emissão desse Termo de Responsabilidade e a data do acidente não é já da sua responsabilidade; que a Sr. Juiz do Tribunal a quo analisou todos os meios de prova e a eles fez referência, apenas entendeu que deles não resultava qualquer omissão ou comportamento comprometedor que pudesse determinar a responsabilização penal deste arguido (...);
Na verdade não infringiu qualquer regra legal, pois quando visionou a bancada todas as peças estavam boas e tinham resistência para o fim a que se destinavam, e não detectou qualquer peça soldada, se bem que é consabido que as peças soldadas têm mais resistência que as outras, e nunca quebram pela soldadura;
(...) Dos autos não se retira que fosse quem fez a soldadura, mas retira-se que, mesmo que o fosse, ela só quebrou porque existiu sobrecarga; (...);
Ora, o termo que emitiu refere claramente que a estrutura apresentava resistência e robustez necessária ao normal funcionamento, delimitando assim a própria responsabilidade;
Para si a estrutura que visionou e que o levou a emitir o título de responsabilidade tinha todas as condições legais e regulamentares pra cumprir o fim da segurança (...) era para si impensável que pudesse existir rotura de uma peça no meio de mais de trezentas iguais à que rompeu, tanto mais que nenhuma das que observou estava soldada,.
Não se pode pretender como faz a douta acusação que tenha existido da sua parte omissão do dever de cuidado pois que se examinou a estrutura antes dos espectáculos e nada foi encontrado de anormal e durante os meses de Novembro e Dezembro de 2009 a estrutura não partiu e fizeram-se dezenas de espectáculos sem problema.
Por isso se a peça foi soldada após a emissão do termo não sabe nem pode saber, pois nunca mais entrou no circo após a emissão desse termo.
Não montou nem orientou a montagem da estrutura, e não voltou a ver a mesma antes do colapso, não tinha permissão para aceder a ela nem ao interior do circo, não fez qualquer soldadura na estrutura que caiu e embora essa estrutura tenha sido fiscalizada entre os espectáculos (mas não por ele) o arguido não podia prever que viesse a colapsar pois não omitiu dever ou obrigação alguma.
Conclui assim que tudo não passou de um acidente e reitera não ter planeado nem participado na execução da montagem da estrutura, pois foi o pessoal do circo que o fez por sua conta e responsabilidade, como foi esse mesmo pessoal que entre cada espectáculo fez a fiscalização da mesma e apesar de tal ocorrer, ninguém reportou a existência de qualquer anormalidade.
Por isso, defende que se examinou as estruturas e verificou que estavam robustas e em condições, emitiu certificado disso dando conta, nada fazia prever que pudesse haver um acidente, pelo que não actuou com negligência, não se justificando assim ser acusado ou pronunciado, devendo pois serem julgados improcedentes os recursos e mantida a decisão recorrida.
10 — Estes recursos foram admitidos por despacho proferido a fls. 2503.
11- Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls 2585 a 2594, no sentido da integral procedência dos recursos, subscrevendo na íntegra a argumentação do M.P na 1ª instância.
Mais concretamente partilhou o entendimento de que no caso presente, o Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação da prova realizada no inquérito e na instrução.
Argumenta que no caso presente, a Sr. JIC fundamentou a sua decisão de não pronúncia nomeadamente no facto de não existirem nos autos indícios suficientes sobre quem soldou a peça, quem a mandou soldar e se foi essa soldadura feita por quem tem conhecimentos técnicos para tal e que nessa medida não é possível imputar a nenhum dos arguidos a violação de um dever de cuidado.
Mas no entender do M.P tais questões são inócuas ou irrelevantes pois não interessa saber quem soldou a peça em questão (que fracturou) ou quem construiu a estrutura utilizada na montagem da bancada do circo.
O que interessa é saber se essa peça (mesmo sendo uma entre centenas outras que foram igualmente utilizadas) se encontra em condições de robustez e resistência bastante para poder ser utilizada para aquele fim e naquelas condições.
O que interessa é saber se essa peça mantém (ao longo do tempo) as condições de utilização ou se se deteriorou e apesar disso continuou a ser utilizada para além dos seus limites de resistência.
E se uma soldadura (mesmo sendo apenas uma entre centenas) não oferece condições de segurança não poderá ser utilizada.
Importava assim verificar tais condições e voltar a soldar se necessário, reforçando aquilo que estava deficiente ou irregularmente feito, seja pelo desgaste do uso ou do tempo ou mesmo desde a origem.
Por isso é que no termo de responsabilidade assinado pelo arguido ANT… se refere a resistência e robustez do material utilizado.
Se esse material não possui tais qualidades e continua a ser utilizado, o termo de responsabilidade está a ser violado e com ele o dever de cuidado (de quem o assina) (...)
Além do mais, alega que a decisão instrutória ora recorrida padece do vício da contradição de fundamentação, na medida em que a Sra JIC ao descriminar os factos da acusação que se devem considerar indiciariamente provados e não provados.
Na realidade, relembra que o Tribunal recorrido acabou por entender estarem indiciariamente provados todos os factos da acusação à excepção de alguns que enuncia na parte final do seu despacho de não pronúncia, nomeadamente:
A derrocada da bancada ficou a dever-se a fractura da soldadura executada de forma incorrecta, com extensões da zona de ligação que não estavam soldadas a que acresceu o facto de ter sido sujeita a esforços superiores àqueles para os quais poderia suportar:
E nesta parte entende o M.P que a Sra JIC entra nitidamente em contradição com outras partes da sua fundamentação (em que claramente aceitou o facto de se encontrar fortemente indiciado nos autos que a derrocada da bancada se ficou a dever exactamente a essa fractura da soldadura de uma peça, soldadura essa que havia sido incorrectamente executada) e acaba por não relevar a prova pericial feita nos autos, quanto à causalidade da derrocada.
Sublinha pois o M.P que não estando a sua divergência em relação à prova pericial suficientemente fundamentada, ela é ilegal nos termos do art° 163° do C.P.P.
Nessa medida, argumenta que estando a fundamentação da decisão de não pronúncia assente numa contradição flagrante, dela não se pode extrair a conclusão de que a quebra da estrutura se não ficou a dever à violação de qualquer dever de cuidado por parte dos arguidos.
Conclui assim o M.P nesta Relação pela revogação da decisão recorrida e consequente pronúncia dos arguidos pelos factos e qualificação jurídica referidos na acusação.
12- Foi oportunamente cumprido o art° 417°/2 do C.P.P tendo sido apresentada resposta pelo arguido FLZ... (fls 2609 a 2612) no qual reitera não ter existido uma incorrecta apreciação da prova realizada no inquérito e na instrução por parte da Sra Juíza de Instrução.
Defende que a situação ora em análise não passou de um acidente, uma situação incontrolável e imprevisível que não se ficou a dever à violação de qualquer dever de cuidado por parte dos arguidos, já que os arguidos cumprem e cumpriram com todos os cuidados exigíveis (...) tanto cuidados iniciais como cuidados entre cada um dos espectáculos (do circo).
Assim, na sua óptica, perante a inexistência de suficiência de indícios de forte probabilidade de condenação verificada nestes autos, conclui que a Srª Juíza de Instrução apreciou correctamente as provas e fundamentou devidamente a decisão, tomou a única decisão possível e cumpriu não só os requisitos dos despachos de não pronúncia como também os requisitos dos despachos de pronúncia, pedindo assim que seja confirmada integralmente a decisão recorrida.
13- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II — FUNDAMENTAÇÃO
1- Delimitação do objecto do Recurso ou questões a decidir:
Do art° 412°/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
RECURSO DO M.P e do ASSISTENTE
A questão colocada nos dois recursos (do M.P e do assistente CAR...) que importa aqui apreciar e decidir é a de saber se :
Ponderada e analisada toda a prova produzida em sede de inquérito e de instrução, estão reunidos elementos/indícios suficientes que permitem concluir ter os arguidos FLZ..., e MAA..., na forma consumada e em concurso efectivo praticado 15 (quinze) crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148°, n° I, do C. Penal, e 1 (um) crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art. 277°, n°s. 1, alínea a), e 2 do C. Penal, com referência aos arts. 42 a 45 do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro;
e ainda ter a sociedade arguida, CIC..., Lda., praticado na forma consumada 1 (um) crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo are 277°, n°1, alínea a), e 2 do C. Penal, por referência ao art°11 °, n° 2, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal, e aos arts. 42° a 45° do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro -
e sendo esses indícios fortes, susceptíveis de poderem suportar urna decisão de pronúncia no final da instrução, o Tribunal a quo errou ao não pronunciar os arguidos por aqueles ilícitos?
Isto é, houve uma incorrecta apreciação pelo TIC da prova realizada no inquérito e na instrução devendo em consequência ser revogada a decisão instrutória e os arguidos serem pronunciados?
2- Realizado o inquérito com a finalidade de apurar da eventual existência da responsabilidade criminal dos arguidos acima melhor identificados, o M.P entendeu no final proferir despacho de acusação, por ter concluído pela existência de indícios suficientes que permitiam estabelecer o necessário nexo de causalidade entre a conduta de qualquer dos arguidos e entre o perigo criado e o resultado ocorrido.
Da ACUSAÇÂO do M.P ( transcrição)
O Ministério Público acusa, em processo comum, para julgamento com a intervenção do Tribunal Singular (art. 16°, no 3, do C. de Processo Penal):
FLZ..., Solteiro, artista de Circo, nascido no dia …, natural de Espanha, filho de … e …, residente na Rua …;
MAA..., casado, Engenheiro, nascido no dia 09.10.1962, natural da freguesia de …, concelho de C…, filho de … e de …, residente na Rua …;
CIC..., Lda., Pessoa coletiva n° 5…, representada pelo seu sócio gerente, FLZ..., com sede na Rua …;
O Circo …, é representado pela CIC..., Lda.',' contribuinte fiscal 5….
Em 27 de Novembro de 2009, foi emitida a Licença Camarária n° …, por 30 dias, para a realização de espetáculo a realizar pelo …, na Rua … Lisboa.
Tal Licença terminou em 27 de Dezembro de 2009.
Não obstante, o referido Circo, manteve a realização de espetáculos até 9 de Janeiro de 2010.
O evento estava coberto por um seguro de responsabilidade civil empresarial, da IMP…, Apólice no ….
Eram responsáveis pela montagem da estrutura e bancada do referido circo, o arguido MAA... e FLZ...
Para o efeito, havia sido celebrado pelo Circo …, com o arguido, MAA..., um contrato, através do qual por referencia ao espetáculo a realizar nos meses de Novembro, Dezembro e Janeiro, na Rua … em Lisboa, este arguido, emite um termo de responsabilidade, no qual declara que:
Verifica as condições técnicas e de segurança Exigíveis no Decreto Regulamentar n°34/95 de 16 de Dezembro (Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espetáculos e Divertimentos) e declara que se responsabiliza pela boa concepção das estruturas as quais apresentam resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança.
Tal documento foi apresentado na Camara Municipal de Lisboa, a quando da emissão da respectiva licença.
Tal impunha por parte do arguido ANT..., a necessária vistoria e acompanhamento da montagem da estrutura da referida bancada.
Cabendo ao arguido ANT..., responsável técnico, zelar pelo funcionamento, conservação e manutenção das suas condições técnicas e de segurança, do recinto e estrutura.
A estrutura que foi montada, era composta por bancadas dispostas em forma circular, assente numa estrutura de ferro, esta numa disposição radial em relação à pista, e em declive do tipo anfiteatro, onde se encontravam embutidas cadeiras em material plástico, constituindo 13 filas (sete filas de cadeiras e seis de assentos corrido de madeira), bem como tábuas de madeira, quer para apoio de pés entre filas, quer para a criação de uma zona de acesso/saída das bancadas.
As referidas estruturas metálicas, criavam segmentos do círculo circundante à pista, assentam em suportes metálicos.
Estes, de configuração triangular na zona junto da base (uma peça única na zona mais baixa da bancada), possuíam uma peça de extensão, que lhe é soldada (duas peças para a zona mais alta da bancada) que permite a sobre elevação da referida estrutura.
Existiam seis suportes por cada uma das vigas metálicas que no seu todo constituem as bancadas.
Esses suportes encontravam-se acoplados às vigas através de um perno que se situava do seu topo e era introduzido num dos lados da superfície metálica da viga (tendo esta uma secção rectangular em toda a sua extensão longitudinal).
Para além do encaixe do referido perno, a fixação só decorre do peso da estrutura sobre os suportes.
Os referidos suportes têm funções distintas sob a estrutura, as de travamento e de sustentação', pelo que se encontram com disposições distintas, no que concerne à sua inclinação.
Na montagem da bancada esteve envolvido o arguido FLZ..., responsável pelo Circo, e que orientou a referida montagem, sendo tecnicamente coadjuvado pelo arguido MAA... técnico responsável pela segurança da estrutura, que pela vistoria cabia atestar a resistência e robustez da bancada.
No momento em que a obra estava a ser executada, o arguido MAA..., enquanto técnico responsável pela segurança da estrutura, não se encontrava presente, porém ter-se-á deslocado ao local para atestar a segurança da bancada.
A bancada foi colocada ao serviço do Circo …, tendo começado a ser utilizada no dia 27 de Novembro de 2009, para a assistência aos espetáculos do Circo.
No dia 9 de Janeiro de 2010, pelas 18h, a bancada em causa foi utilizada para a assistência à Sessão do Circo …
Logo no início, antes da sessão se iniciar, a bancada foi sendo ocupada por um número não determinado de espectadores, para assistir ao espetáculo que teria início pelas 18h.
No local não se encontrava afixada qualquer informação sobre o número de lugares que a estrutura suportava e nem a organização e nem a empresa arguida disponibilizaram qualquer pessoa para vigiar a utilização da bancada.
Logo por essa altura, a bancada ruiu, arrastando consigo todas as pessoas que a ocupavam.
Da análise da disposição das estruturas e dos painéis de madeira, que constituíam as bancadas, verificou-se, após o desabamento que a primeira viga danificada se encontrava completamente dobrada (até ao solo), o que denota ter estado sujeita a uma força de cima para baixo (peso do público) sem que tivesse qualquer tipo de sustentação por debaixo, que a anulasse.
A que se lhe situava imediatamente a seguir (do lado direito segundo uma observação para o centro da pista), apresentava também a sua secção dobrada, mas com um ângulo inferior, decorrente de uma menor pressão, ao passo que as seguintes já não apresentavam sinais de dobragem.
Dessa forma, verificou-se que a dobragem das vigas diminuía à medida que se encontravam afastadas de determinado ponto (daquela que tinha maior dano) e que a deslocação das mesmas no sentido concêntrico (da pista) aumentava nas situadas mais longe da que apresentava o maior dano por dobragem.
Estes indicadores resultam de vários princípios físicos, nomeadamente, pelo facto de uma viga ter estado sujeita a uma força vertical de cima para baixo (pelo que dobrou), mas à medida que as vigas se encontravam mais
longe iam recebendo forças laterais, pelo “Desabamento das anteriores, o que levava a que os suportes deixassem de desempenhar as funções de travamento, contribuindo para que se deslocassem para a frente, em direção da pista.
Haverá que salientar que os suportes inferiores das vigas/estrutura, se encontravam todos tombados para o centro (pista), devido ao arrastamento provocado pelas mesmas, para além de que os pernos dos suportes se encontravam maioritariamente dobrados no mesmo sentido, devido ao facto de se encontrarem introduzidos nos orifícios da estrutura durante o movimento de arrastamento e até se soltarem.
Na zona onde se iniciou a queda da bancada (zona mais elevada), encontrou-se imediatamente por debaixo da mesma um dos suportes de sustentação (composto pela peça triangular de tubo metálico com secção quadrangular - cavalete- e por um extensor de tubo circular na parte superior com o referido perno de encaixe no topo unidos por soldadura) que se encontrava quebrado precisamente na zona de união.
De salientar que o perno de fixação desse suporte não se encontrava dobrado, pelo facto de a soldadura, situada a meio do suporte, ao ter fraturado, ter levado a que a parte superior desse tivesse caído na vertical, devido ao seu próprio peso, no momento imediatamente anterior ao do início dos deslocamentos das vigas. Conclusão inequívoca de que já não se encontrava acoplado/introduzido quando o desmoronamento se iniciou.
Também o facto de a bancada não ter desmoronado para trás e só para a frente, deve-se ao facto de a viga que viria a dobrar se encontrar escorada/travada por um suporte (o de maior amplitude) no topo da retaguarda e o que fraturou era o segundo mais alto (imediatamente a seguir) e que só desempenhava funções de sustentação, por colocado verticalmente.
Assim sendo quando se iniciou o movimento da viga por dobragem, esta encontrava-se sujeita a duas forças predominantes, uma vertical de cima para baixo, decorrente do peso das pessoas e da própria estrutura e outra de trás para a frente provocada pelo suporte da retaguarda (porque estava disposto para desempenhar uma ação de travamento às força criadas na estrutura da frente para trás).
Essas duas forças criariam no seu ponto de confluência (o local onde se encontrava fixado o suporte de sustentação que quebrou) uma resultante de forças no sentido descendente e de trás para a frente, que levou à deslocação das estruturas todas no mesmo sentido, a partir daquele ponto.
Na zona onde se iniciou a queda da bancada (zona mais elevada), encontrou-se imediatamente por debaixo da mesma um dos suportes de sustentação (composto pela peça triangular de tubo metálico com secção quadrangular - cavalete- e por um extensor de tubo circular na parte superior-com o referido perno de encaixe no topo unidos por soldadura) que se encontrava quebrado precisamente na zona de união.
De salientar que o perno de fixação desse suporte não se encontrava dobrado, pelo facto de a soldadura, situada a meio do suporte, ao ter fraturado, ter levado a que a parte superior desse tivesse caído na vertical, devido ao seu próprio peso, no momento imediatamente anterior ao do início dos deslocamentos das vigas. Conclusão inequívoca de que já não se encontrava acoplado/introduzido quando o desmoronamento se iniciou.
Também o facto de a bancada não ter desmoronado para trás e só para a frente, deve-se ao facto de a viga que viria a dobrar se encontrar escorada/travada por um suporte (o de maior amplitude) no topo da retaguarda e o que fraturou era o segundo mais alto (imediatamente a seguir) e que só desempenhava funções de sustentação, por colocado verticalmente.
Assim sendo quando se iniciou o movimento da viga por dobragem, esta encontrava-se sujeita a duas forças predominantes, uma vertical de cima para baixo, decorrente do peso das pessoas e da própria estrutura e outra de trás para a frente provocada pelo suporte da retaguarda (porque estava disposto para desempenhar uma acção de travamento às força criadas na estrutura da frente para trás).
Essas duas forças criariam no seu ponto de confluência (o local onde se encontrava fixado o suporte de sustentação que quebrou) uma resultante de forças no sentido descendente e de trás para a frente, que levou à deslocação das estruturas todas no mesmo sentido, a partir daquele ponto.
Para além de que as estruturas, porque dispostas de forma convergente (com a parte mais estreita na frente), tendem a travar-se umas às outras e ao quebrar-se, esse efeito originou um efeito de dominó na queda das bancadas a partir de um ponto (epicentro).
Após exame laboratorial, levado a efeito pelo Instituto da Soldadura e Qualidade, ao suporte metálico que fraturou na zona da soldadura, aquela entidade apurou que:
a soldadura fraturou por sobrecarga, isto é, a soldadura foi sujeita a esforços superiores àqueles para os quais poderia suportar.
Esta afirmação não significa, no entanto, que foi aplicada uma carga muito elevada, mas antes que a carga, provavelmente normal para a utilização pretendida, foi excessiva para uma soldadura que foi executada de forma incorrecta.
As evidências que suportam esta deficiente qualidade da soldadura em causa são, nomeadamente, uma elevada irregularidade dos cordões de soldadura, a extensão da zona de ligação que não estava soldada. Este aspecto é reforçado pela deficiente qualidade dos restantes cordões de soldadura existentes na peça, traduzida na elevada quantidade de defeitos de compacidade.
Daquele relatório resulta ainda que:
A estrutura é constituída por elementos longitudinais que estão apoiados em elementos designados por asas, que têm uma forma triangular que termina numa forquilha que está dotada de um pino central. Nos elementos de apoio que constituem a bancada na sua zona mais alta, os elementos de forma triangular servem de suporte a um tubo de aço que serve de acrescento e que é ele que tem na sua ponta, a forquilha de fixação da estrutura longitudinal.
A generalidade dos elementos da estrutura apresenta alguma oxidação, decorrente da exposição aos elementos atmosféricos.
O sistema de fixação do apoio da bancada tem a forma de uma forquilha e um pino central para assegurar que a trave longitudinal não se desloca, em nenhuma direcção.
A generalidade dos elementos possui um revestimento de protecção anticorrosiva por galvanização.
Na zona da forquilha, existem elementos que evidenciam uma reparação por soldadura.
Na asa reparada, ilustrada na figura 4 é de assinalar que a soldadura deixou defeitos geométricos, do tipo bordo queimado e de concordância (do tipo entalhe) assinaladas na figura. É de realçar que a observação da zona soldada sugere que a camada de galvanização não foi removida para efeitos de realização da soldadura;
As asas reparadas não apresentam um revestimento de protecção anticorrosiva por galvanização.....
Na análise visual da asa entregue pelo Laboratório de Policia Cientifica para análise destacam-se os seguintes aspectos:
A ruptura ocorreu na zona de ligação soldada do acessório de extensão em altura aos perfis quadrados da peça triangular.
Esta zona da soldadura destinava-se a ligar, por soldadura, uma chapa e os dois perfis quadrados do triângulo.
Observam-se outros cordões de soldadura que ligam outros elementos metálicos, nomeadamente a forquilha de ligação ao tubo; e uma chapa que provavelmente se destinava a constituir um enchimento.
Os cordões de soldadura existentes paralelos à zona da ruptura apresentam vários defeitos, nomeadamente porosidades.
Os perfis de secção quadrada apresentam um revestimento de protecção anticorrosiva por galvanização.
Uma grande extensão da zona de ligação não se encontrava soldada, nomeadamente, os topos da zona de ligação não apresentam evidência de ligação por soldadura.
Este aspecto pode ser ilustrado, nomeadamente na forma perfeitamente Mear do material depositado que revela que não existe ligação metálica entre os perfis e a base do acessório de extensão.
A morfologia do cordão é muito irregular, existindo zonas que não têm material fundido.
Procedeu-se à realização de ensaios radiografias na peça que sofreu a fractura, na zona das soldaduras, de forma a avaliar a respectiva qualidade. Apesar de não ser possível observar muitos detalhes da soldadura em que ocorreu a fractura, a observação das restantes soldaduras da peça revela um elevado número de defeitos de compacidade nas restantes
Numa extensão considerável do material fundido, a superfície apresenta uma morfologia que é ilustrativa de estruturas de solidificação, indicando que existiam faltas de compacidade na ligação. Em algumas zonas, com pouca área total, era visível uma superfície de fractura com microcavidades apontando para a ocorrência de uma fractura por sobrecarga.
A derrocada da bancada ficou a dever-se a fractura da soldadura executada de forma incorrecta, com extensões da zona de ligação que não estavam soldadas a que acresceu o facto de ter sido sujeita a esforços superiores aqueles para os quais poderia suportar.
A sociedade arguida CIC... Lda.',' e bem assim o arguido FLZ..., não teve na instalação, execução e inspeção permanente da estrutura da bancada os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte das referidas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas.
Com efeito a montagem das bancadas foi levada a efeito por pessoal do circo e pessoas escolhidas pelo arguido FLZ..., que transitoriamente por ali passavam e sem quaisquer conhecimentos técnicos exigidos.
Por sua vez o arguido MAA..., ao qual impunha inspecionar, zelar pelo correto funcionamento, conservação e manutenção nas perfeitas condições técnicas e de segurança, do recinto e estrutura não executou no desempenho das suas funções.
Os arguidos, não zelaram pela boa conceção das estruturas, com as soldaduras adequadas, as quais não apresentaram resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança das bancadas do recinto.
Em consequência direta e necessária das condutas dos arguidos e da queda da bancada, os ofendidos sofreram dores e as lesões que se descriminam:
O ofendido FER..., sofreu dores e traumatismo da região lombar, sacro e coxis, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria, vindo a estar de baixa médica em consequência da lesão de 9 de janeiro a 24 de Março de 2010.
A lesada SOM..., sofreu dores e fractura do ramo isquipubico Direito, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria, vindo a estar de baixa médica em consequência da lesão de 9 de janeiro a 22 de Junho de 2010.
A ofendida menor, TAC..., sofreu dores, não carecendo tratamento Hospitalar.
O ofendido menor, RUF..., sofreu dores, não carecendo tratamento Hospitalar.
A ofendida, ANC..., na sequência da queda caiu para trás ficando de costas no chão e com ambos os pés presos nos ferros da bancada. Sofreu dores, contractura toráxica direita não exposta e hematoma no pé, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria, e posteriormente no Centro de Saúde, vindo a estar de baixa médica em consequência da lesão durante 7 dias.
O ofendido, DIF..., filho de ANC..., sofreu dores e hematomas, não tendo recebido tratamento Hospitalar.
O ofendido, FEP..., na sequência da queda caiu para trás ficando de costas no chão e com o pé direito preso nos ferros da bancada. Sofreu dores, traumatismo do joelho direito, com edema moderado, dor na região anterior da perna esquerda e escoriação na face externa do joelho direito, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria e posteriormente no Hospital Ordem terceira.
O ofendido CAR..., sofreu dores e escoriações da mão, não tendo recebido tratamento Hospitalar.
A ofendida FEN..., sofreu dores, não carecendo tratamento Hospitalar.
A ofendida menor, MAS..., sofreu dores, não carecendo tratamento Hospitalar.
A ofendida menor, MAD..., sofreu dores, escoriação e hematoma no membro inferior direito e abdómen quadrante inferior direito carecendo tratamento Hospitalar no Hospital D. Estefânia.
A lesada menor, CIM..., filha de …, sofreu dores, traumatismo do joelho direito e carecendo tratamento Hospitalar no Hospital D. Estefânia.
O lesado menor, TOG..., filho de …, sofreu dores, não carecendo tratamento Hospitalar.
O Lesado, VIM..., sofreu dores e ferida na coxa esquerda e 5° dedo da mão esquerda, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de S. José, e posterior tratamento no Centro de Saúde da Baixa da Banheira vindo a estar de baixa médica em consequência da lesão durante 7 dias.
A lesada IND..., menor, filha de …, sofreu dores, traumatismo dos membros inferiores e membro superior direito, carecendo tratamento Hospitalar no Hospital D. Estefânia.
O lesado VHS..., menor, filho de …, sofreu dores, traumatismo pé direito, não carecendo tratamento Hospitalar.
A lesada MPF..., sofreu dores, traumatismo da bacia e membro superior direito, hematoma no 3° dedo da mão direita, carecendo tratamento Hospitalar no Hospital S. José.
O lesado, PAJ..., sofreu dores e Traumatismo da região lombo-sagrada e escoriação ma coxa direita e perna esquerda, com escoriação na face externa da coxa direita e na face externa da perna esquerda, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria.
O lesado, ANG..., filho de PAJ..., sofreu dores e hematomas no corpo, tendo recebido tratamento pelo INEM, não tendo contudo sido sujeito a tratamento hospitalar.
A lesada CMS..., sofreu dores, não carecendo tratamento Hospitalar.
Ofendido, FJG..., menor, filho de CMS…, sofreu dores, traumatismo no 10 dedo pé esquerdo, queda da unha, Luxação Ungeal, carecendo tratamento Hospitalar no Hospital D. Estefânia.
A lesada MSM..., encontrando-se grávida de 5 meses, embateu com a queda com a região abdominal, pelo que sofreu dores e hematomas dos membros inferiores, dor abdominal e traumatismo da escapulo-umeral á direita, tendo recebido tratamento pelo INEM, sujeita a tratamento hospitalar no Hospital Santa Maria.
O lesado, VJR..., com a queda emaranhou-se nos ferros da bancada, pelo que sofreu dores e corte profundo na zona inferior da perna direita tendo recebido tratamento pelo INEM, sujeito a tratamento hospitalar no Hospital S. José
A lesada, JMK..., menor, filha de VJR..., sofreu dores tendo recebido tratamento pelo INEM, não tendo contudo sido sujeito a tratamento hospitalar.
O lesado FJK..., menor, filho de VJR..., sofreu dores tendo recebido tratamento pelo INEM, não tendo contudo sido sujeito a tratamento hospitalar.
A lesada NMK..., com a queda sofreu dores não tendo recebido tratamento hospitalar.
O lesado GJCG..., que se encontrava com seu filho de 2 anos ao colo, caiu com o menor, e com a queda desmaiou, vindo a ser transportado pelo INEM para o hospital S. José, onde lhe foi diagnosticado, dor na grelha costa/ direita, dor com os movimento respiratórios mas sem dispneia, Perna direita com escoriação superficial anterior.
Por sua vez, o filho daquele, sofreu dores, não carecendo tratamento hospitalar.
A ofendida PCPS..., com a queda sofreu dores e corte no joelho direito, sendo suturada com alguns pontos, tendo recebido tratamento no Hospital de Santa Maria onde lhe foi diagnosticado, Ferida incisa na região anterior da coxa.
A ofendida MSC..., menor, filha de PCPS..., com a queda sofreu dores e fractura epifisiolise grau 1 distal do peróneo Direito, tendo recebido tratamento no Hospital de Santa Maria.
A ofendida MRSS..., com a queda sofreu dores e equimose extensa e dolorosa com 5 cm de diâmetro na nádega direita, uma equimose mais ligeira na face externa do joelho esquerdo e na região temporal esquerda, tendo recebido tratamento no Centro de Saúde da Rosinha, Amora A ofendida DLS..., menor, filha de MRSS..., com a queda sofreu dores e hematomas nas pernas, não carecendo tratamento hospitalar.
A ofendida MSBF..., com a queda sofreu dores e hematoma na vista, lado direito, tendo recebido tratamento pelo INEM, não tendo contudo sido sujeito a tratamento hospitalar.
A lesada VSFA..., com a queda, algo lhe bateu na cabeça e desmaiou, vindo a ser conduzida pelo INEM para o hospital S. José, onde lhe foi diagnosticado, dor a nível da coluna lombar e parestesias do membro superior direito. Amnésia lacunar.
Na sequência do acidente, passou a ter muitas dores na coluna e andava acompanhada de muletas, p passou a fazer fisioterapia no Hospital de Alcoitão.
A lesada RFSB..., com a queda sofreu dores e Traumatismo dos membros inferiores e da região sagrada direita, tendo recebido tratamento pelo INEM no Local e posteriormente no Hospital de S. José.
A lesada, CAC..., na sequência da queda sofreu dores e fractura lombar na parte L1, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de S. José onde ficou internada 3 dias, vindo a estar de baixa médica em consequência da lesão durante 7 meses.
A lesada MMG..., com a queda sofreu dores e dores na anca e perna direita e fractura do braço direito, tendo recebido tratamento pelo INEM, e encaminhada para tratamento ao Hospital de S. José.
O lesado, STR..., menor, sofreu dores na região lombar sagrada, tendo carecido tratamento hospitalar no Hospital de Santa Maria,
O lesado, IMCM..., menor, filho de BCFC..., com a queda sofreu dores e traumatismo lombar e da mão direita, escoriação do dedo indicador direito e edema do bordo indicador direito e edema do bordo cubital, tendo recebido tratamento pelo INEM, e encaminhada para tratamento ao Hospital de STa Maria.
O lesado, AMCC..., menor, filho de BCFC..., com a queda sofreu dores e escoriação da coluna dorsal/lombar, tendo recebido tratamento no Hospital de STa Maria.
O lesado PARG..., na sequência da queda sofreu dores, traumatismo do ombro direito, Dor na região proximal do bicípite braquial, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria, e posteriormente no Hospital amadora- Sintra, vindo a estar de baixa médica em consequência da lesão durante 7 dias.
A lesada MAT…, filha de PARG..., com a queda sofreu dores não tendo recebido tratamento hospitalar.
O Lesado ADAP.., com a queda sofreu dores não tendo recebido tratamento hospitalar.
A lesada JMFR.., com a queda sofreu dores não tendo recebido tratamento hospitalar.
O lesado, MPGL..., com a queda sofreu dores não tendo recebido tratamento hospitalar.
O lesado LMSO..., na sequência da queda ficou com ambas as pernas presas nas tábuas da bancada. Sofreu dores, escoriação na zona dos gémeos, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria.
A lesada MPSM..., na sequência da queda sofreu dores, sofreu escoriação ao nível da face externa da tíbia e traumatismo do tornozelo direito e ambos os joelhos, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria.
O lesado SPV..., na sequência da queda sofreu dores torácicas e dores nos membros inferiores e escoriação na zona das costelas e membros inferiores, tendo recebido tratamento pelo INEM e encaminhado para o Hospitalar no Hospital de Santa Maria e posteriormente no Hospital dos Lusíadas, em Lisboa.
A lesada EMSN..., na sequência da queda sofreu dores não carecendo tratamento hospitalar.
Os lesados, LANP..., RDNP..., CMNP... e JMNV..., menores, filhos de SPV..., sofreram dores, porém não careceram tratamento hospitalar.
O lesado, MDRD..., na sequência da queda sofreu dores, escoriações e hematomas no corpo, não carecendo tratamento hospitalar.
A lesada, DCCA..., na sequência da queda sofreu dores, traumatismo da região sacro/lombar, e hematomas na nádega, recebendo tratamento no local prestado pelo INEM.
A lesada, AFSC..., na sequência da queda sofreu dores, traumatismo direto do joelho direito e dor e edema ligeiro, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria.
A lesada, IMSO..., na sequência da queda sofreu dores, traumatismo ao nível do pé direito e face anterior da tíbia à esquerda, tendo recebido tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria.
A lesada, PMSA..., na sequência da queda sofreu dores, traumatismo ao nível do pé direito e face anterior da tíbia à esquerda, tendo recebido tratamento no local pelo INEM, sem carecer tratamento Hospitalar.
A lesada, PARE..., na sequência da queda sofreu dores e hematomas na face e corte na perna esquerda, recebendo tratamento no local, não carecendo tratamento Hospitalar.
A lesada, AFRE..., na sequência da queda sofreu dores e hematomas na face e perna esquerda, não carecendo tratamento Hospitalar.
A lesada, FCSV..., na sequência da queda sofreu dores e traumatismo na zona dorsal, tendo recebido tratamento no local pelo INEM, e remetida para tratamento Hospitalar no Hospital de S. José.
A lesada, MCSA..., na sequência da queda sofreu dores e traumatismo lombar, tendo recebido tratamento no local pelo INEM, e remetida para tratamento Hospitalar no Hospital de S. José.
A lesada, MESE..., na sequência da queda sofreu dores tendo recebido tratamento no local pelo INEM, e remetida para tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria.
A lesada, DARM..., menor, na sequência da queda sofreu dores e traumatismo da perna e do pé, tendo recebido tratamento no local pelo INEM, e remetida para tratamento Hospitalar no Hospital de Santa maria.
A lesada, IDAL..., na sequência da queda sofreu dores e traumatismo do membro inferior esquerdo, tendo recebido tratamento no local pelo INEM, e remetida para tratamento Hospitalar no Hospital de Santa Maria.
O lesado, RMBR..., com a queda sofreu dores e traumatismo do membro inferior direito e da coluna lombo-sagrada, tendo recebido tratamento pelo INEM, e encaminhada para tratamento ao Hospital de S. José.
A lesada, ICMA..., com a queda sofreu dores e traumatismo da coluna dorso lombar e sagrada e membro superior direito, traumatismo do mento, tendo recebido tratamento pelo INEM, foi encaminhada para tratamento ao Hospital de D. de S. José.
O lesado, VMJS..., nascido a 5-05-2001, filho de VMSS..., com a queda sofreu dores a nível da hernifacial direita e do calcâneo esquerdo, foi oi encaminhada para tratamento ao Hospital de Santa Maria, onde lhe foi diagnosticado, equimose ao nível do maléolo interno do Ml esquerdo, com zona de abrasão.
A lesada, SMPR..., com a queda sofreu dores Lombares, foi encaminhada para tratamento ao Hospital de S. José.
A lesada, ABRM..., com a queda sofreu dores e traumatismo da região lombo sagrada e membros inferiores, tendo recebido tratamento hospitalar no Hospital de S. José.
O lesado OFS..., com a queda sofreu dores não tendo recebido tratamento hospitalar.
Aos arguidos incumbia durante a execução da montagem da bancada o cumprimento de todas as regras de segurança com vista à diminuição da probabilidade de ocorrerem acontecimentos anormais e imprevistos susceptíveis de causar a queda da bancada e, em consequência, lesões para terceiros, designadamente para os espectadores que pretendiam assistir aos espetáculos.
Aos arguidos, cada um na sua área de competência específica, atentas as suas qualidades profissionais, deveriam, como podiam, ter concretizado a montagem da estrutura da bancada de forma a suportar os espectadores que nela se iriam colocar, nomeadamente dotando-a das soldaduras executadas de forma correta e reforçadas de forma a suportar a carga a que a bancada ia ser sujeita, e bem assim, à distribuição dessa carga, de forma a não criar esforços excessivos nas soldaduras, com vista a evitar a possibilidade de queda da mesma e, para desse modo, não colocar em risco a vida e integridade fi'sica de todos os espectadores.
Os arguidos ao agirem do modo descrito, previram, como podiam e deviam efetuar e pugnar pela manutenção da soldadura da bancada com a segurança e procedimentos exigíveis,
e bem assim, podiam e deviam fiscalizar, executar e pugnar pela realização dos corretos trabalhos de soldadura o que não fizeram, bem sabendo aqueles que, ao não cumprirem as regras legais, regulamentares e técnicas na
projecção, execução, montagem e manutenção da bancada, poderiam causar, face aos riscos envolvidos, a queda dos espectadores que nela se encontravam e as consequentes lesões, tal como efetivamente veio a suceder, sendo certo, todavia, que não aceitaram nem se conformaram com tal resultado.
Desta forma, os arguidos ao agirem do modo acima descrito, descuraram regras de prudência, que podiam e deviam ter observado.
Não obstante, os arguidos agiram descurando o dever de cuidado que se lhes impunha de forma a permitir os trabalhos de montagem da bancada impusesse segurança aos espectadores que na mesma se iam sentar, evitando desta forma a queda da mesma, e consequente queda dos lesados.
Dever esse de cujo cumprimento eram capazes e não cumpriram e do qual resultou o ofensa e perigo para a saúde dos ofendidos e lesados acima mencionados, e as consequentes dores e lesões que os mesmos padeceram.
As lesões sofridas pelos ofendidos e lesados, que assistiam ao espetáculo ficaram a dever-se ao não cumprimento por parte de cada um dos arguidos das obrigações que lhes estavam atribuídas.
Todos os arguidos tinham conhecimento do carácter proibido das suas condutas e sabiam que as mesmas eram previstas e punidas por lei.
Pelo exposto:
Cometeram os arguidos, FLZ..., e MAA…, na forma consumada e em concurso efetivo na prática de:
- 15 (quinze) crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148°, no I, do C. Penal,
- 1 (um) crime de infração de regras de construção p. e p. pelo art. 2770, nos. 1, alínea a), e 2 do C. Penal, com referência aos arts. 42 a 45 do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espetáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar no 34/95, de 16 de Dezembro.
Cometeu ainda a sociedade arguida, CIC..., Lda.'' na forma consumada na prática de:
- 1 (um) crime de infração de regras de construção p. e p. pelo art. 277°, n°1. 1, alínea a), e 2 do C. Penal, por referência ao art. 11 0, n° 2, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal, e aos arts. 42° a 45° do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espetáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro.
PROVA:
- Testemunhal:
1, JEAF..., agente da PSP id. A fls. 3;
2. RLE..., agente da PSP id. A fls. 3;
3. JSMC..., agente da PSP, a prestar serviço na Policia Municipal de Lisboa, id. a fls. 18;
4. CRIC..., inspetora chefe da PJ, id. A fls. 62;
5. MIGR..., inspector da PJ, id. A fls, 62;
6. FER..., id. a fls, 592
7 SMST..., id. a fls. 590 ANC..., id. a fls. 507
9. FEP..., id. a Fls. 506
10. CAR..., id. a fls. 313
11. FEN..., id. a fls. 315
12. FJAG..., id. a fls. 460
13. CAC..., id. a fls. 465
14. VIM..., id. a fls. 522
15. IND..., id. a tis. 525
16. MPFS..., id. a fls. 526
1Z PAJ..., id. a fls. 528
18. CMS…, id. a fls. 556
19. MSM..., id, a fls. 557
20. VJR..., id. a fls. 567
21. NMK…, id. a fls. 681,
22. GSC…, id. fls. 594
23. A ofendida PCPS..., id. a fls. 617
24. MSC..., to'. a fls. 613
25. MRSS..., id. a fls. 649
26. MSBF..., id. a fls. 651
27 VSFA..., id. a fls. 702
28. RFSB…, id. a fls. 811
29. MMG..., id. a fls. 848
30. BCFC..., id. a fls. 883
31. PARG..., id. a fls. 884
32. O lesado LMSO..., id. a fls. 887 MPSM..., id. a fls. 539
34. SPV..., id a fls. 558
35. EMSN..., id. a fls. 1035,
36. LANP..., fls. 1036
37. MDRD..., id. a Fls. 599
38. DCCA…, id. 1041,
39. AFSC..., id. a fls. 623
40. IMSO..., id. a fls. 625
41. PMSA..., id. a fls. 446
42. PARE..., kl. a fls. 450
43. FCSV..., id. a fls. 453
44. MCSA…, id, a fls.456
45. MESE..., id. a t7s. 473
46. AJSP…, id. A fls. 1117,
47 DARM…, id. a fls. 473
48. IDAL..., id. a fls. 476
49. ADAP.., id. Fls. 797,
50. JMFR.., id. a fls. 1118,
51. MPGL..., id. Fls. 1119,
52. RMBR..., id. a fls. 520
53. ICMA..., id. a fls. 524
54. SMPR..., id. a fls. 1055,
55. ABRM..., id. a fls. 1120,
56. OFS..., id. a fls. 3,
57. HNHS…, id. a fls. 950
- Indica-se um número de testemunhas superior a 20 por tal ser imprescindível para a descoberta da verdade material (artigo 283°, no 7, do CPP).
- Documental;
• -Fls. 18 a 24, 42 a 61,106 a 109, 115 a 117, 127, 144, 165 a 187, 230, 232, 234,249, 266, 286 a 289, 320 a 328, 530, 568 a 578, 636, 707 a 793
• - Relatório de inspeção de fls. 62 a 82,
• - Elementos clínicos:
• Fls. 252, 357 a 358 e 1106 e elementos solicitados a fls.1109 e seguintes que se protestam juntar, (Ofendido FER…)
• Fls. 251, 359 a 360, 1107, e elementos solicitados a fls.1109 e seguintes que se protestam juntar, (Ofendida SOM…),
• Fls. 364, e elementos solicitados a fls.1109 e seguintes que se protestam juntar, (ofendida ANC…),
• fls. 345 a 347, 1059, (ofendido FEP...),
• fls. 329 a 332, 345 e 486 a 488, 821 a 823, (ofendida MAD...)
• Fls. 817 e 818, (ofendida CIM...)
• Fls. 250 e 1089 a 1105 e elementos solicitados a t7s.1109 e seguintes que se protestam juntar, (ofendida, CAC...)
• Fls. 263, 391, 699 a 701 e elementos solicitados a fis.1109 e seguintes que se protestam juntar, (ofendido, VIM...
• Fls. 253, 489 a 490, (ofendida IND...)
• Fls. 260, 401 a 403 (ofendida MPF…)
• Fls. 361 a 363, (ofendido, PAJ...)
• Fls. 237 e 238, 819 a 820, (Ofendido, FJG...),
• Fls. 231, 348 a 351, 1063 e 1064, 1071 a 1072, 1074 e elementos solicitados a fls.1109 e seguintes que se protestam juntar, (ofendida MSM...)
• Fls. 262, 568 a 578 e elementos solicitados a fis.1109 e seguintes
que se protestam juntar, (ofendido VJR...),
Fls. 261, 406, 693, (ofendido GJCG...)
• Fls. 348 620 a 622 e elementos solicitados a fis.1109 e seguintes que se protestam juntar, (ofendida PCPS...),
• Fls. 616, (ofendida MSC...),
• Fls. 1123, elementos solicitados a fis.1109 e seguintes que se protestam juntar, (ofendida MRSS...)
• Fls. 223, 392, 707 a 793, 806 a 809, 1069, (ofendida VSFA...)
• Fls. 256, 393 a 395 e elementos solicitados a fis.1109 e seguintes que se protestam juntar, (ofendida RFSB…),
• Fls. 224 e 256, 393 e 404 a 405, (lesada MMG...)
• Fls. 375 e 376, (lesado, STR...)
• Fls. 241, 242, 243, 385 a 387, (lesado, IMCM...), Fls. 246 a 248, 379 a 380, (lesado, AMCC...),
• Fls. 264, 377 a 378, 1062, 1065 a 1067, cd fls. 1073.1083 a 1086, (lesado PARG...)
• Fls. 223, 388 e 389, (lesado LMSO…),
• Fls. 342 a 344, (lesada MPSM...)
• Fls. 255, 352 e 353, (lesado SPV...),
• Fls. 367 e 368, (lesada, AFSC...),
• Fls. 365, 366 e 689 a 690, (lesada, IMSO...),
• Fls. 244, 245,1078 a 1082 e elementos solicitados a fls.1109 e seguintes que se protestam juntar, (lesada, FCSV...),
• Fls. 233, 400, (lesada MCSA…),
• Fls. 257, 354 a 356, (lesada MESE...),
• Fls. 258, 369 e 370, 1061, cd 1075, (lesada DARM…),
• Fls. 383 e 38, (lesada IDAL...), . Fls. 235, 236, 396 a 398, (lesado RMBR...),
• Fls. 229, 695 a 697, (lesada ICMA...),
• Fls. 371 a 374, (lesado VMJS...),
• Fls. 222, e elementos solicitados a fis.1109 e seguintes que se protestam juntar, (lesada SMPR...
• Fls. 239, 240, e elementos solicitados a fis.1109 e seguintes que se protestam juntar, (lesada ABRM...),
- Pericial:
• relatório pericial de fls. 118 a 120
• Anexo 1.
Requer-se a tomada de declarações, nos termos do art. 350° do C. de
Processo Penal, aos peritos Srs Engenheiros TH… e GP…, com domicílio profissional na Av. … Porto Salvo.
3- O RAI dos arguidos
Os arguidos FLZ... e a CIC…, não se conformando com a acusação deduzida pelo Ministério Público, vieram nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 286° e ss do CPP, requerer a abertura de instrução, pelos motivos expressos a fls. 1608 e sgs. com os
fundamentos que se seguem:
Não basta dizer que o arguido esteve envolvido no crime e que orientou o seu cometimento.
Ora é precisamente o que se diz quanto ao arguido FLZ…: na montagem da bancado esteve envolvido o arguido FLZ..., responsável pelo Circo, e que orientou a referida montagem.
O arguido FLZ… desconhece o que significa a expressão responsável pelo Circo.
Ele era artista que actuava naquele circo.
Era sócio-gerente da empresa proprietária do mesmo, embora tal não figure na acusação.
Como vagamente consta da acusação, a sociedade arguida contratou o arguido MAA... para projectar a bancada e verificar as suas condições após a montagem da mesma.
Em data que não recorda, e provavelmente mediante chamada telefónica a partir de Palmela, onde então residia, o arguido FLZ... ordenou aos empregados da arguida CIC..., Lda que montassem a bancada,
O arguido FLZ... não deu instruções sobre a forma de montar a bancada.
Não sabe como se monta uma bancada nem tem obrigação de saber. Para tal, contratou o arguido MAA... e operários. A missão do arguido FLZ... é contratar artistas para o
circo, na sua qualidade de organizador de espectáculos, assim como treinar e
domar tigres, cuidando deles, enquanto artista de circo.
É ousada e arriscada a afirmação de que 'a montagem das bancadas foi levada a efeito por pessoal do circo e pessoas escolhidas pelo arguido FLZ..., que transitoriamente por ali passavam. Nem sequer respeita a necessidade de narração, ainda que sintética, imposta pela alínea b) do no 3 do artigo 283° do CPP, pois não se menciona quantas pessoas eram, de quem se tratava, quando o fizeram, ou, pelo menos, a impossibilidade de se apurar tais dados.
Não é verdade que as bancadas tenham sido montadas por pessoas que transitoriamente por ali passavam.
Assim como é falso que as bancadas tenham sido montadas por pessoas 'Sem quaisquer conhecimentos técnicos exigidos.
Como em qualquer construção, aos operários que a ela procedem não é exigível que tenham conhecimentos científicos ou académicos, podendo até ser pessoas sem instrução, iletrados e completamente analfabetos.
Os conhecimentos técnicos exigidos só podem ser os de saber como funcionam as ferramentas e a circunstância de se estar inteirado da forma como os materiais são utilizados. Essas noções eram detidas por todos quantos montaram a bancada.
Quanto à arguida CIC..., Lda',' os factos descritos na acusação não integram o tipo previsto no no 2 e na alínea a) do nº 1 do artigo 277° do código penal nem permitem atribuir-lhe a autoria desse crime, de acordo com o artigo 11° do mesmo compêndio normativo.
Dos factos descritos na acusação, nada há que permita concluir que o arguido FLZ... ocupasse uma posição de liderança, agindo em nome da sociedade arguida (no 4 do artigo 11° do código penal). Mas a alusão à alínea a) do artigo 11° do código penal só se pode referir ao arguido FLZ..., no pressuposto, que não figura na acusação, que ele era gerente da sociedade arguida.
Certamente não se pretende afirmar que o arguido FLZ... agia sob a autoridade de uma pessoa com uma posição de liderança.
A menção da alínea b) do artigo 11° do código penal, provavelmente, será devida à intervenção do arguido MAA… e dos operários que montaram a bancada.
Mas não existem factos na acusação dos quais resulte que o arguido MAA… e esses operários estivessem a agir sob a autoridade de alguém, nomeadamente o arguido FLZ..., que representava a pessoa colectiva ou que controlava a sua actividade.
Evidentemente, na acusação, diz-se que o arguido FLZ... escolheu quem seriam as pessoas que montaram as bancadas. Também se declara: na montagem da bancada esteve envolvido o arguido FLZ..., responsável pelo Circo, e que orientou a referida montagem.
Mas a noção de responsável pelo Circo', seja lá o que isso for, não permite a subsunção à categoria de representante da pessoa colectiva nem à de controlador da sua actividade.
Portanto, dos factos descritos na acusação, não resulta que o arguido MAA… e os operários que montaram a bancada estivessem a agir sob a autoridade de alguém que ocupava uma posição de liderança na sociedade arguida, posto que actuaram sob a autoridade do arguido FLZ..., mas este, segundo a acusação era o responsável pelo Circo',' sem se explicar o que ele era concretamente (gerente, mandatário, chefe com poderes delegados pelo gerente, etc.).
Termos em que:
- os arguidos FLZ... e CIC..., Lda não devem ser pronunciados pelos crimes de que vêm acusados.
4 - A Decisão recorrida
No final da instrução, foi proferida a seguinte decisão instrutória:
O M°P°, no final do inquérito, deduziu acusação pública, contra FLZ..., MAA... e CIC..., Lda., imputando-lhes a prática dos seguintes crimes:
Aos arguidos, FLZ..., e MAA..., na forma consumada e em concurso efectivo:
- 15 (quinze) crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148°, n° I, do C. Penal,
- 1 (um) crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art. 277°, nos. 1, alínea a), e 2 do C. Penal, com referência aos arts. 42 a 45 do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro.
À sociedade arguida, CIC..., Lda., na forma consumada:
- 1 (um) crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art. 277°, n°1. I, alínea a), e 2 do C. Penal, por referência ao art. 11 °, n° 2, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal, e aos arts. 42° a 45° do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro.
Os arguidos FLZ... e a sociedade CIC… Lda requereram a abertura de instrução, pelos motivos expressos a fls. 1608 e sgs., que aqui se dão por integralmente reproduzidos. --
a)
Declarada aberta a instrução, foram inquiridas testemunhas e foi realizado o debate instrutório.
O tribunal é competente Inexistem nulidades, quaisquer outras excepções e questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer, salvo a da nulidade da acusação, invocada pelos
requerentes da presente instrução, que infra se conhecerá
b) Da nulidade da acusação.
O arguido FLZ... veio no seu requerimento afirmar que desconhece o que significa a expressão responsável pelo Circo, que era sócio-gerente da empresa proprietária do mesmo, embora tal não figure na acusação, que a sociedade arguida contratou o arguido MAA... para projectar a bancada e verificar as suas condições após a montagem da mesma, que em data que não recorda, e provavelmente mediante chamada telefónica a partir de Palmela, onde então residia, o arguido FLZ... ordenou aos empregados da arguida CIC..., Lda que montassem a bancada, não tendo dado instruções sobre a forma de montar a mesma, pois não sabe como se monta uma bancada nem tem obrigação de saber. Que para tal, contratou o arguido MAA....
Conclui afirmando que dos factos descritos na acusação, nada há que permita concluir que o arguido FLZ... ocupasse uma posição de liderança, agindo em nome da sociedade arguida, inexistem factos na acusação dos quais resulte que o arguido MAA… e os seus operários estivessem a agir sob a autoridade de alguém, nomeadamente o arguido FLZ..., que representava a pessoa colectiva ou que controlava a sua actividade.
A noção de responsável pelo Circo, não permite a subsunção à categoria de representante da pessoa colectiva nem à de controlador da sua actividade, logo dos factos descritos na acusação, não resulta que o arguido MAA… e os operários que montaram a bancada estivessem a agir sob a autoridade de alguém que ocupava uma posição de liderança na sociedade arguida.
O M°P°, chamado a pronunciar-se quanto a esta nulidade, fê-lo nos termos que constam de fls. 1696-1697, entendendo que em concreto não se verifica a nulidade invocada. --

Determina o art° 283 do CPP, naquilo de que ora nos ocupamos que:
Artigo 283.°
Acusação pelo Ministério Público
(...) 3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; (...)
Ora, no caso concreto a acusação descreve abundantemente a factualidade que integra, na sua óptica a prática dos crimes por parte dos arguidos.
Descreve, de forma pormenorizada a actuação do arguido FLZ…, dizendo, designadamente que:
(...) Eram responsáveis pela montagem da estrutura e bancada do referido circo, o arguido MAA... e FLZ... (...)
(...)Na montagem da bancada esteve envolvido o arguido FLZ..., responsável pelo Circo, e que orientou a referida montagem, sendo tecnicamente coadjuvado pelo arguido MAA... técnico responsável pela segurança da estrutura, que pela vistoria cabia atestar a resistência e robustez da bancada. (...)
(...) A sociedade arguida CIC... Lda., e bem assim o arguido FLZ..., não teve na instalação, execução e inspecção permanente da estrutura da bancada os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte das referidas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas.
Com efeito a montagem das bancadas foi levada a efeito por pessoal do circo e pessoas escolhidas pelo arguido FLZ..., que transitoriamente por ali passavam e sem quaisquer conhecimentos técnicos exigidos. (...).
(...) Os arguidos, não zelaram pela boa concepção das estruturas, com as soldaduras adequadas, as quais não apresentaram resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança das bancadas do recinto. (...).
Em face desta descrição, não podemos afirmar que a acusação não contém os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena. Pode questionar-se se esses factos se verificam ou não, e isso será o que se analisará em sede verificação ou não de indícios.
Nestes termos, não julgo verificada a nulidade da acusação invocada. --
IV.
Como é consabido, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação, ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não uma causa a julgamento (art° 286, n°1 do Código de Processo Penal), cabendo ao JIC efectuar um juízo de probabilidade de condenação, em sede de julgamento e em face dos
indícios recolhidos nas fases de inquérito e de instrução.
Nos presentes autos importa indagar se os autos contêm indícios da prática dos crimes imputados aos arguidos. Comecemos pela análise do crime de violação de regras de segurança imputado aos arguidos. --
A previsão deste ilícito é a seguinte:
Artigo 277.°
Infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de
serviços
1 - Quem:
a) No âmbito da sua actividade profissional infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação ou conservação;
b) Destruir, danificar ou tornar não utilizável, total ou parcialmente, aparelhagem ou outros meios existentes em local de trabalho e destinados a prevenir acidentes, ou, infringindo regras legais, regulamentares ou técnicas, omitir a instalação de tais meios ou aparelhagem;
c) Destruir, danificar ou tornar não utilizável, total ou parcialmente, instalação para aproveitamento, produção, armazenamento, condução ou distribuição de água, óleo, gasolina, calor, electricidade, gás ou energia nuclear, ou para protecção contra forças da natureza; ou
d) Impedir ou perturbar a exploração de serviços de comunicações ou de fornecimento ao público de água, luz, energia ou calor, subtraindo ou desviando, destruindo, danificando ou tornando não utilizável, total ou parcialmente, coisa ou energia que serve tais serviços;
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos.
3 - Se a conduta referida no n.° 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Segundo a acusação, e após fazer uma descrição exaustiva da bancada em causa e do modo como a mesma estava sustentada, concluí que:
(...) A derrocada da bancada ficou a dever-se a fractura da soldadura executada de forma incorrecta, com extensões da zona de ligação que não estavam soldadas a que acresceu o facto de ter sido sujeita a esforços superiores aqueles para os quais poderia suportar.
A sociedade arguida CIC... Lda., e bem assim o arguido FLZ..., não teve na instalação, execução e inspecção permanente da estrutura da bancada os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte das referidas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas. (...)
Chegada a esta conclusão, e porquanto o crime em causa foi imputado aos arguidos a título negligente, importa ter presente alguns aspectos gerais sobre a negligência.
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atua sem se conformar com essa realização, ou, não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto (art° 15° do CP). -
Subjacente a uma conduta negligente está assim a violação ou o desrespeito de um dever de cuidado a que o agente estava obrigado e de que era capaz.---
Assim, situações existem em que esta obrigatoriedade e capacidade não se verificam.
Para se aferir se houve ou não violação do dever de cuidado, deverá comparar-se a forma como o agente actuou com a conduta correta para evitar o resultado típico, ou seja, no caso, o perigo para a integridade física de terceiros. ---
Na presente situação, e tendo por base a factualidade descrita na acusação, que nesta fase delimita o poder cognitivo do Tribunal, dir-se-ia, em primeiro lugar que não se tratou de um problema de montagem inadequada da bancada (não foi por a bancada estar incorrectamente montada que ruiu) mas sim, segundo a conclusão plasmada na mesma acusação, devido à fractura da soldadura, que foi executada de forma incorrecta, num dos apoios de tal bancada. Parece assim concluir a acusação, de forma não totalmente explícita, que se os arguidos tivessem feito uma inspecção permanente da estrutura da bancada e bem assim da manutenção da soldadura de suporte das vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas, o acidente em causa não teria ocorrido. --
Vejamos a prova existente nos autos.
Em primeiro lugar, importa ter presente que não está em causa as lesões sofridas pelos diversos ofendidos, as quais se encontram indiciariamente demonstradas pela prova indicada na acusação, nem tão pouco está em causa que tais lesões tiveram origem na queda da bancada em questão, ou seja, está demonstrado o nexo de causalidade entre as ofensas sofridas e o evento — queda da bancada.
Questão diferente é a de saber se está demonstrado o nexo de causalidade entre a violação de um dever de cuidado por parte dos arguidos e a queda da bancada ou se esta, se trata de um acidente sem que tenha concorrido para o mesmo a violação de qualquer dever de cuidado por parte dos arguidos (caindo assim a conduta dos arguidos na mera responsabilidade civil). ---

Encontra-se junto aos autos o termo de responsabilidade emitido pelo arguido MAA... no qual o mesmo atesta que se verificam as condições técnicas e de segurança exigíveis pelo Decreto Regulamentar n° 34/94, de 16/02 e declara que se responsabiliza pela boa concepção das estruturas as quais apresentam resistência e robustez necessária ao normal funcionamento com segurança, sendo este termo de responsabilidade válido para o período compreendido entre Novembro de 2009 e Janeiro de 2010 (cf. fls. 266). --

As testemunhas — espectadores do circo — depuseram no sentido de que os factos ocorreram antes do início da sessão, quando as pessoas da última fila se estavam a sentar (cf. fls. 313, 315, 465, 476, 520, 522, entre outras). --

Do relatório elaborado pelo ISQ, e que se encontra junto como Apenso A, resulta a conclusão de que: (...)a soldadura fracturou por sobrecarga, isto é, a soldadura foi sujeita a esforços superiores àqueles para os quais poderia suportar. Esta afirmação não significa, no entanto, que foi aplicada uma carga muito elevada, mas antes que a carga, provavelmente normal para a utilização pretendida, foi excessiva para uma soldadura que foi executada de forma incorrecta. As evidências que suportam esta deficiente qualidade da soldadura em causa são, nomeadamente, uma elevada irregularidade dos cordões de soldadura, a extensão da zona de ligação que não estava soldada. Este aspecto é reforçado pela deficiente qualidade dos restantes cordões de soldadura existentes na peça, traduzida na elevada quantidade de defeitos de compacidade. (...)
O arguido FLZ... não quis prestar declarações no decurso do inquérito.
O arguido MAA... prestou declarações e, em síntese, afirmou que vistoriou a estrutura em causa e não detectou nada de anormal, sendo que, relativamente à soldadura referiu que a mesma estava perfeita, pelo que era observável a olho nu. Também explicou que antes de cada espectáculo era feita observação da bancada para ver se tudo estava bem, conforme impõe a lei, sendo a mesma realizada pelos responsáveis do circo (cf. fls. 918-920). --
Foi esta a prova recolhida durante o inquérito.
Com base na mesma será possível concluir que a conduta dos arguidos violou algum dever de cuidado? Pensamos que não.
Em primeiro lugar é preciso ter presente que, segundo a prova pericial reunida nos autos, a bancada caiu por quebra da soldadura que não teria sido feita correctamente. Quem soldou tal peça? Quem a mandou soldar? A soldadura foi feita por quem tinha conhecimentos técnicos para o fazer? Não existe nos autos resposta a estas questões essenciais.
Em segundo lugar: As pessoas responsáveis pelo circo, designadamente o arguido FLZ… não fiscalizaram as bancadas antes de cada espectáculo e por isso não se aperceberam da quebra da soldadura? A prova produzida nesta instrução — testemunhas ouvidas — vieram afirmar o contrário, ou seja, que entre cada espectáculo existe um período de tempo destinado à limpeza e fiscalização do recinto, fiscalizando-se, entre outras coisas, a estrutura das bancadas. Não existe nos autos qualquer prova que indique que aquando do sucedido não tenha sido feita, previamente, tal vistoria.
Efectivamente, não parece ser exigível que a cada espectáculo o responsável do circo fosse verificar se, das centenas de apoios das bancadas, em algum deles se tinha quebrado alguma soldadura.
O que se passou neste caso foi um acidente e, os danos causados pelo mesmo devem ser reparados por via da responsabilidade civil, nos termos da lei civil geral.
Aqui chegados conclui-se que, pela prova existente nos autos, não é possível concluir que a queda da bancada se tenha ficado a dever à violação de qualquer dever de cuidado por parte dos arguidos, o que significa que os mesmos não serão pronunciados pela prática dos crimes que lhes eram imputados uma vez que ambos têm como pressuposto a conduta negligente que no caso não está demonstrada.
Efectivamente, e apesar de até aqui os termos ocupado apenas do crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art. 277°, n°s. 1, alínea a), e 2 do C. Penal, o certo é que, também os crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art° 148°, n° 1, do C. Penal, partem do mesmo pressuposto — violação de um dever de cuidado, pelo que, quanto a este ilícito reitero o que acima escrevi a propósito da não verificação da violação de um dever de cuidado.
Com base no supra exposto, nesta fase processual, consideram-se indiciariamente demostrados os factos descritos na acusação de fls 1137-1164, com excepção dos seguintes:
A derrocada da bancada ficou a dever-se a fractura da soldadura executada de forma incorrecta, com extensões da zona de ligação que não estavam soldadas a que acresceu o facto de ter sido sujeita a esforços superiores aqueles para os quais poderia suportar.
A sociedade arguida CIC... Lda., e bem assim o arguido FLZ..., não teve na instalação, execução e inspecção permanente da estrutura da bancada os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte das referidas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas.
Com efeito a montagem das bancadas foi levada a efeito por pessoal do circo e pessoas escolhidas pelo arguido FLZ..., que transitoriamente por ali passavam e sem quaisquer conhecimentos técnicos exigidos.
Por sua vez o arguido MAA..., ao qual impunha inspecionar, zelar pelo correto funcionamento, conservação e manutenção nas perfeitas condições técnicas e de segurança, do recinto e estrutura não executou no desempenho das suas funções.
Os arguidos, não zelaram pela boa concepção das estruturas, com as soldaduras adequadas, as quais não apresentaram resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança das bancadas do recinto. (..)
Que as lesões sofridas pelos ofendidos e descritas na acusação tenham sido consequência directa e necessária das condutas dos arguidos.
(...) Os arguidos ao agirem do modo descrito, previram, como podiam e deviam efetuar e pugnar pela manutenção da soldadura da bancada com a segurança e procedimentos exigíveis, e bem assim, podiam e deviam fiscalizar, executar e pugnar pela realização dos corretos trabalhos de soldadura o que não fizeram, bem sabendo aqueles que, ao não cumprirem as regras legais, regulamentares e técnicas na projecção, execução, montagem e manutenção da bancada, poderiam causar, face aos riscos envolvidos, a queda dos espectadores que nela se encontravam e as consequentes lesões, tal como efectivamente veio a suceder, sendo certo, todavia, que não aceitaram nem se conformaram com tal resultado.
Desta forma, os arguidos ao agirem do modo acima descrito, descuraram regras de prudência, que podiam e deviam ter observado.
Não obstante, os arguidos agiram descurando o dever de cuidado que se lhes impunha de forma a permitir os trabalhos de montagem da bancada impusesse segurança aos espectadores que na mesma se iam sentar, evitando desta forma a queda da mesma, e consequente queda dos lesados.
Dever esse de cujo cumprimento eram capazes e não cumpriram e do qual resultou o ofensa e perigo para a saúde dos ofendidos e lesados acima mencionados, e as consequentes dores e lesões que os mesmos padeceram.
As lesões sofridas pelos ofendidos e lesados, que assistiam ao espectáculo ficaram a dever-se ao não cumprimento por parte de cada um dos arguidos das obrigações que lhes estavam atribuídas.
Todos os arguidos tinham conhecimento do carácter proibido das suas condutas e sabiam que as mesmas eram previstas e punidas por lei.
Pelo que fica exposto, considero que os autos não contêm indícios suficientes para sujeitar os arguidos a julgamento pela prática dos crimes de que se encontram acusados, por considerar que a prova produzida não permite formular um forte juízo
de probabilidade de condenação dos mesmos em sede de julgamento.
Nestes termos, o desfecho da presente instrução passará, necessariamente
pela não pronúncia dos arguidos.
V.
Pelo exposto:
Não pronuncio os arguidos FLZ..., MAA… e CIC... Lda„ pela prática dos crimes de que vinham
acusados. --
Taxa de justiça pelos assistentes em 1 UC (art°s 515, n°1, al. a) do CPP). --
Notifique.
Oportunamente arquive.
III — Do DIREITO
Analisando
DA (ALEGADA) ERRADA APRECIAÇÃO, FEITA NO TRIBUNAL RECORRIDO, QUANTO À PROVA PRODUZIDA NO INQUÉRITO E NA INSTRUÇÃO
Estão em causa vários crimes a título de negligência, imputados pelo M.P aos arguidos FLZ..., MAA...., na forma
consumada e em concurso efectivo:
- 15 (quinze) crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148°, n° I, do C. Penal,
- 1 (um) crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art. 277°, n.º 1, alínea a), e 2 do C. Penal, com referência aos arts. 42 a 45 do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro.
E à sociedade arguida, CIC..., Lda., na forma consumada 1 (um) crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art. 277°, n°1. I, alínea a), e 2 do C. Penal, por referência ao art. 11 °, n° 2, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal, e aos arts. 42° a 45° do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, Decreto Regulamentar n° 34/95, de 16 de Dezembro
Na versão plasmada na acusação:
(...) Eram responsáveis pela montagem da estrutura e bancada do referido circo, o arguido MAA... e FLZ...(...)
(...)Na montagem da bancada esteve envolvido o arguido FLZ..., responsável pelo Circo, e que orientou a referida montagem, sendo tecnicamente coadjuvado pelo arguido MAA... técnico responsável pela segurança da estrutura, que pela vistoria cabia atestar a resistência e robustez da bancada. (...)
(...) A sociedade arguida CIC... Lda., e bem assim o arguido FLZ..., não teve na instalação, execução e inspecção permanente da estrutura da bancada os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte das referidas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas.
Com efeito a montagem das bancadas foi levada a efeito por pessoal do circo e pessoas escolhidas pelo arguido FLZ..., que transitoriamente por ali passavam e sem quaisquer conhecimentos técnicos exigidos. (...).
A acusação foi pois formulada pelo M.P no convencimento de terem sido reunidos no decurso do inquérito suficientes e fortes indícios de que os arguidos, não zelaram pela boa concepção das estruturas, com as soldaduras adequadas, as quais não apresentaram resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança das bancadas do recinto.
Uma vez realizada a instrução requerida pelos arguidos, veio a Srª JIC entender pelo contrário, não terem sido recolhidos indícios de prova suficientes no sentido de estar demonstrado o nexo de causalidade entre a violação de um dever de cuidado por parte dos arguidos e a queda da bancada que se veio a verificar.
Concluiu assim o Tribunal recorrido que tal evento se ficou a dever a um acidente, para o qual não concorreu a violação do dever de cuidado por parte de qualquer dos mencionados arguidos e nessa medida foi proferida decisão instrutória de não pronúncia dos mesmos.
Reagindo contra tal decisão, em sede de recurso interposto pelo M.P e pelo assistente, vieram estes reafirmar e sustentar a tese da acusação, sublinhando nomeadamente não ter especial relevo a suposta verificação do estado da bancada que alegadamente terá sido efetuada entre cada espetáculo. Ainda assim, sempre se dirá que não deverá ser considerada como (indiciariamente) provada a realização da verificação do estado das peças da bancada entre cada espetáculo, pelo menos, de modo conveniente e por quem tinha conhecimentos técnicos para tal.
Pois, de acordo com os depoimentos das testemunhas inquiridas na fase de instrução, essa suposta verificação foi efetuada por artistas do circo, num curto lapso de tempo, não se tendo comprovado que alguma dessas pessoas tenha qualquer conhecimento técnico para aferir do bom estado das peças que constituíam a bancada, quanto mais da respetiva soldadura.
(...) Quanto à alegada verificação do bom estado das peças com soldadura, supostamente efetuada pelo arguido MAA..., que este declarou ter efetuado a fls. 278, sempre se dirá que tal verificação não foi adequadamente realizada, pois, de outro modo, as incorreções na realização da soldadura teriam sido detetadas, como se constata pelas imagens que constam nas páginas 6 a 9 do relatório perícia.
No presente caso, a análise da qualidade da soldadura dos componentes da bancada não pode ser afastada da responsabilidade -assumida por esse arguido a fls. 921 - pela boa conceção da estrutura da bancada, de modo a possuir a resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança.
Argumentam ainda que a análise da soldadura das peças da
bancada não se bastava com a alegada verificação pelo arguido MAA... de modo ligeiro e superficial, como se constata ter ocorrido, através das consequências de tal procedimento.
Defendem pois ser correcta a conclusão formulada na acusação de que
Os arguidos, não zelaram pela boa conceção das estruturas, com as soldaduras adequadas, as quais não apresentaram resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança das bancadas do recinto, dever objetivo de cuidado esse que violaram.
Os arguidos FLZ... e a sociedade CIC.... pelo contrário vieram defender, em resumo, ser de manter na íntegra a decisão recorrida de não pronúncia.
Sustentam que ao invés daquilo que se extraí das alegações de recurso do M.P (no sentido de a Mma. Juíza não ter
atendido, em concreto, à prova existente nos autos, nomeadamente à perícia efetuada à soldadura das peças que compõem a estrutura da bancada que
ruiu, elaborado pelo Instituto de Soldadura e Qualidade), a Mma. Juíza do TIC atendeu de facto a estas provas, tendo, por isso, concluído que (...) a soldadura fracturou por sobrecarga, isto é, a soldadura foi sujeita e esforços superiores àqueles para os quais poderia suportar. Esta afirmação não significa, no entanto, que foi aplicada uma carga muito elevada, mas antes que a carga, provavelmente normal para a utilização pretendida, foi excessiva para uma soldadura que foi executada de forma incorrecta. As evidências que suportam esta deficiente qualidade da soldadura em causa são, nomeadamente, uma elevada irregularidade dos cordões de soldadura, a extensão da zona de ligação que não estava soldada. Este aspecto é reforçado pela deficiente qualidade dos restantes cordões de soldadura existentes na peça, traduzida na elevada quantidade de defeitos de compacidade. (...) (fl. 2349).
Referem portanto não ser compreensível o argumento do M.P, segundo a qual a decisão instrutória tem de (...) mencionar expressamente a sua divergência, sempre que a sua convicção divergir do juízo contido numa perícia uma vez que a Mma. Juíza de Instrução Criminal não pugnou por abalar ou contrariar aquilo que foi trazido ao processo pelo Instituto de Soldadura e Qualidade.
Antes pelo contrário, A Mma. Juíza, tendo em conta toda a prova produzida e que consta do processo, concluiu pela sua insuficiência para se imputar os crimes pelos quais os arguidos vinham acusados
Também o arguido MAA… defende que assinou um termo de responsabilidade muito antes da montagem do circo e nessa data todas a estruturas estavam em bom estado e apresentavam as condições técnicas e de segurança necessárias de resistência e de robustez sendo que a peça soldada que partiu não se encontrava assim quando fez a fiscalização e inspecção necessárias prévias ao termo de responsabilidade que assinou.
Que não é funcionário do circo e por isso não tem qualquer obrigação de fazer uma fiscalização à manutenção das estruturas das bancadas do circo até porque lhe está vedado o acesso ao próprio circo.
Pagaram-lhe apenas para que fizesse uma inspecção sumária e pormenorizada das estruturas e atestasse que as mesmas se encontravam fortes e capazes para uma normal utilização o que este arguido fez, nada mais estando obrigado.
Acrescenta ainda que a estrutura do circo comportava mais 350 peças iguais àquela fracturou e que mais nenhuma apresentou problemas e mesmo havendo uma peça com soldadura deficiente, tal situação não é detetável a olho nu e apenas com a ajuda de máquinas próprias.
Assim sendo e porque as estruturas do circo onde se deu a derrocada não foram por si fornecidas nem fabricadas, conclui que agiu como um qualquer técnico normal responsável e não agiu com negligência, acrescentando ainda que a derrocada aconteceu em espectáculos suplementares não cobertos pelo termo de responsabilidade por si assinado que apenas cobria os espectáculos licenciados.
Quid Juris?
Vejamos.
Nos termos do art° 286° n° 1 CPP, o fim da instrução é a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Por isso, no requerimento de abertura de instrução terá de ser exposto um conjunto de razões que espelhe o desacerto do juízo indiciário que foi consequente na decisão de deduzir acusação e as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito de harmonia com o disposto no art° 287°/2 do C.P.P;
Do mesmo modo, na decisão instrutória, deve conter ainda que de forma sintética os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária para levar ou não um arguido a julgamento e se nenhum facto resultar indiciado o JIC deve dizê-lo expressamente, tudo isto por imposição legal expressa, decorrente do preceituado no n° 2 e 3 do art° 283° do C.P.P aplicável por remissão do art° 308° do C.P.P.
Os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou pelo menos quando se verifica uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
A lei processual penal comina expressamente com o vício da nulidade a decisão instrutória que não contenha descrição desses factos, por ausência de fundamentação de facto da mesma, nulidade essa que, ao contrário do defendido pelo M.P, entendemos ser uma nulidade sanável e não insanável em face da interpretação conjugada do preceituado no art° 119 alíneas a) a f) ¬onde se encontram elencadas as nulidades insanáveis - e do art° 283°/3/b) do C.P.P.
Tal como surge claramente expresso no Acórdão proferido em 3.12.2014 no processo n° 7/13.8PASCF.L1 pela Exma. Sra. Desembargadora Laura Goulart Maurício, na 3ª secção deste Tribunal Para que seja proferida uma decisão de pronúncia a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime, mas basta-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida em inquérito/e/ou instrução não constitui pressuposto do sentido da decisão de mérito final (e daí acrescentamos nós, ser apelidada de prova indiciária').
Trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase de julgamento, a qual só deverá ocorrer quando existam indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado, por forma a que da sua lógica conjugação e relacionação se conclua pela culpabilidade do arguido formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.
A nulidade decorrente da não discriminação/descrição dos concretos factos considerados indiciariamente provados e não provados, vício de que padecia a primeira decisão instrutória de não pronúncia proferida em 29.5.2015 foi oportunamente sanado, com a prolação da decisão instrutória proferida em 1.3.2017, pelo que sobre esta questão nada mais se nos oferece dizer nada havendo a censurar nesta parte à decisão objecto dos recursos.
Quanto ao exame dos indícios de prova no caso presente
No caso presente, é verdade que no decurso da Instrução foram realizadas diligências de prova com vista a comprovar se efectivamente tudo se passou na realidade tal como o M.P diz que aconteceu na acusação, reconhecendo ainda a Srª JIC que no caso concreto a acusação descreve abundantemente a factualidade que integra na sua óptica a prática dos crimes por parte dos arguidos - cfr expressa referência feita no texto da decisão instrutória.
Porém, no final da instrução, a Sra., JIC decidiu-se no sentido da inexistência de indícios fortes dos crimes imputados aos arguidos e em consequência entendeu não deverem os mesmos ser levados a julgamento.
E é neste ponto que se situa a nossa divergência, pois quanto a nós não foi feita pelo Tribunal recorrido uma correcta e conjugada apreciação de toda a prova produzida nos autos.
Desde logo a fundamentação de tal decisão padece da contradição supra mencionada no parecer lavrado pelo M.P nesta Relação, nos termos supra expostos e que aqui damos por reproduzidos.
Quando a Sra JIC escreveu não estar indiciariamente provada uma circunstância de facto concreta, relativa à causalidade da derrocada que consta da acusação e que resultou da prova pericial realizada (a derrocada da bancada ficou a dever-se a fractura da soldadura executada de forma incorrecta, com extensões da zona de ligação que não estavam soldadas a que acresceu o facto de ter sido sujeita a esforços superiores aqueles para os quais poderia suportar), sendo esse mesmo facto porém admitido como certo noutra parte da fundamentação dessa mesma decisão de não pronúncia, incorreu numa contradição que fragiliza e torna inconsistente a sua apreciação e colocou em causa o valor da prova pericial, violando o art° 151°, 157°, 158° e art° 163° do C.P.P.
Com efeito, a decisão instrutória deveria expressamente fundamentar a sua divergência face ao que resultou apurado pelos peritos, quando considerou não indiciado aquilo que foi por estes apurado, pois quando a convicção do Tribunal diverge do juízo pericial a lei a isso obriga - o que o Tribunal recorrido não fez.
Deste modo, quanto aos factos que relevam, objecto deste processo, podemos assentar no seguinte, em súmula:
Não parece haver dúvidas quanto à ocorrência no dia 9.1.2010 de uma derrocada de uma bancada para os espectadores no interior do Circo …, acima melhor identificado, daí resultando vários feridos nos termos descritos na acusação e aqui não impugnados.
Por outro lado, não foi quanto a nós, trazida ao processo quer em fase de inquérito quer em fase de instrução, por qualquer dos arguidos, prova indiciária susceptível de infirmar o resultado da prova pericial que foi produzida nos autos, segundo a qual essa bancada caiu por quebra da soldadura da peça de suporte de uma das vigas da bancada, soldadura essa que não teria sido feita corretamente.
Por fim, também se nos afigura estarem fortemente indiciados nos autos (não tendo sido produzida prova suficiente pelo arguidos, idónea a infirmar tais indícios) os seguintes factos que relevam para a discussão da causa:
1. O arguido FLZ… era o sócio gerente da firma Sociedade CIC... responsável legal pelo circo …, à data dos factos;
2. Esta sociedade ora arguida firmou um contrato com o arguido MAA... para que este assegurasse em termos técnicos as condições de segurança da montagem da estrutura das bancadas do circo —nessa medida este último assinou um Termo de Responsabilidade, com prazo de validade para o período compreendido entre Novembro de 2009 e Janeiro de 2010 onde expressamente se responsabilizou por escrito pela boa concepção das estruturas, as quais garantia apresentarem resistência e robustez necessária ao seu normal funcionamento e poderem ser utilizadas com segurança (cfr fls 266) — sendo certo não resultar dos autos com a certeza que a lei exige nessa fase processual, que este Termo de Responsabilidade apenas cobria os espectáculos licenciados do Circo … e não também os espectáculos suplementares que aquele viesse a realizar como veio alegar arguido MAA....
3. A estrutura do circo acima referida foi montada antes de 21.11.2009 e começou a ser usada em 27 de Novembro de 2009 para a assistência às sessões de espectáculos do circo …, sendo que a mesma comportava cerca de pelo menos mais 300 peças, com funções semelhantes àquela que se fracturou e deu origem à derrocada ocorrida em 9.1.2010.
4. Quando a bancada ruiu, arrastou consigo todas as pessoas que a ocupavam.
Por fim, como bem foi salientado pelos recorrentes, nomeadamente pela arguida CIC..., importa ter presente que não basta , o mero preenchimento do tipo objectivo, para se imputar responsabilidade criminal ao arguidos pelos ilícitos em causa, em especial pelo crime de infração das regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços previsto e punido pelo artigo 277° do C.P.P.
Exige-se também o apuramento de indícios sérios de urna conduta culposa da sua parte, isto é que se possa subjectivamente imputar aos arguidos o resultado danoso, demonstrando-se estar indiciariamente provado nos autos um nexo de imputação culposa do resultado/dano aos arguidos, a título de negligência.
Melhor dizendo, como os crimes foram imputados a título de negligência era necessário que se pudesse extrair da prova produzida em fase de inquérito e de instrução elementos suficientes que comprovassem de forma consistente
e sólida ter havido a violação ou desrespeito de um dever de cuidado por parte dos arguidos, dever esse a que estavam obrigados e de que eram capazes.
Com efeito, tal como ficou dito na decisão recorrida Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atua sem se conformar com essa realização, ou, não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto (art° 15° do CP).
Subjacente a uma conduta negligente está assim a violação ou o desrespeito de um dever de cuidado a que o agente estava obrigado e de que era capaz.
Assim, situações existem em que esta obrigatoriedade e capacidade não se verificam.
Para se aferir se houve ou não violação do dever de cuidado, deverá comparar-se a forma como o agente actuou com a conduta correta para evitar o resultado típico, ou seja, no caso, o perigo para a integridade física de terceiros.
Mas no entender da Srª Juíza do TIC, depois de analisar toda a prova produzida que consta do processo, concluiu pela insuficiência desses indícios que impediam assim no seu critério a imputação aos arguidos dos vários ilícitos pelos quais foram acusados.
Fundamentou a sua posição, argumentando que a derrocada aconteceu não devido a um problema de montagem inadequada da bancada (não foi por a bancada estar incorrectamente montada que ruiu) mas sim devido à fractura da soldadura, que foi executada incorrectamente num dos apoios da bancada.
Porém e salvo o devido respeito, discordamos em absoluto desta sua apreciação e acompanhamos aqui inteiramente a argumentação constante do recurso do assistente bem como a posição do M.P clara e coerentemente explicitadas quer na 1ª instância, quer no parecer lavrado nesta Relação.
Também nós entendemos que foram nestes autos recolhidos suficientes e fortes indícios que nos permitem concluir ter havido uma violação por parte dos arguidos FLZ... (sócio gerente da firma arguida, Circo CIC...) e MAA… do dever de cuidado a que estavam obrigados e de que eram capazes, no que respeita à sua obrigação de assegurarem que as bancadas dos espectadores do Circo … fossem montadas em segurança e oferecessem condições de utilização seguras, na data dos factos.
Mostra-se suficientemente indiciado que os três arguidos acusados e pronunciados nestes autos, eram na data dos factos os responsáveis por
providenciarem a instalação, execução e inspeção permanente da estrutura da bancada os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte das referidas vigas e por inspecionar, zelar pelo correto funcionamento, conservação e manutenção nas perfeitas condições técnicas e de segurança, do recinto e estrutura.
Ora segundo a prova pericial realizada nos autos e
identificada na decisão recorrida, a bancada caiu por quebra da soldadura de uma peça de apoio a uma das vigas que suporta essa estrutura, soldadura essa que não fora feita correctamente.
Assim sendo, tal como bem foi referido na motivação do recurso do assistente a adequada montagem de uma bancada como a que está aqui em causa não consiste apenas no correcto encaixe das peças que constituem a respetiva estrutura, mas também implica a análise do estado das várias peças utilizadas, com a verificação da respetiva soldadura - soldadura essa que, no caso sub Júdice, foi incorretamente efetuada -, o que, nitidamente, implicava a exigência de conhecimentos técnicos por parte de quem montou a bancada e de quem deu instruções para essa montagem (o arguido FLZ...), conhecimentos técnicos esses que, claramente, as pessoas envolvidas na execução dessa montagem não tinham.
Daí a responsabilidade da sociedade arguida e do arguido FLZ... (bem como do arguido MAA..., por via do termo de responsabilidade de fls. 921), pois, cumpria-lhes assegurar a montagem da bancada cujos componentes estivessem em bom estado, uma vez que a verificação do estado - nomeadamente, a sua soldadura - dos componentes da bancada insere-se, necessariamente, no processo de montagem segura da própria bancada.
Como tal, não está aqui em causa apenas a montagem da bancada, em sentido estrito, enquanto mero encaixe de peças, mas precisamente se as peças da bancada tinham as características que permitiam montar a bancada de modo seguro.
Não podíamos estar mais de acordo com esta posição.
Desta forma entendemos estar de forma suficiente e consistente, indiciado nos autos, a existência de uma omissão dos cuidados que os mencionados 3 arguidos estavam obrigados a ter e podiam ter no caso presente, donde resulta demonstrado o nexo causal de imputação subjectiva da derrocada da bancada à conduta negligente dos mesmos.
Os indícios recolhidos de toda a prova produzida quer em sede de inquérito quer em sede de instrução apontam no sentido de ser possível concluir estar indiciariamente demonstrado que se tivesse sido feita por eles uma inspecção adequada da estrutura da bancada aquando da sua montagem e/ou posteriormente, uma adequada manutenção dos suportes das vigas daquela estrutura, de forma a serem detectados possíveis desgastes ou deficiências, o acidente poderia ter sido evitado.
Senão vejamos.
Resulta da simples leitura da decisão instrutória que esta contém considerações gerais e juízos conclusivos sobre a prova indiciária que foi produzida, documental, testemunhal e pericial.
E na sequência dessas apreciações a Srª JIC conclui que a versão dos factos apresentada pelo M.P e plasmada na acusação não permite levar os arguidos a julgamento, porque tudo o que sucedeu com a derrocada da bancada do circo … não passou na realidade de um acidente imprevisível e impossível de imputar a qualquer dos arguidos, nem sequer a título de negligência.
O que a Srª JIC fez foi assim interpretar a prova produzida em inquérito e instrução para no final negar a imputação a título de negligência aos arguidos, dos factos ilícitos que são descritos na acusação, afirmando que os mesmos não ocorreram da forma descrita pelo M.P e apresentando um diferente contexto para alguns deles, conforme se transcreve de seguida (com sublinhados nossos):
porquanto o crime em causa foi imputado aos arguidos a título
negligente, importa ter presente alguns aspectos gerais sobre a negligência. (...) Subjacente a uma conduta negligente está assim a violação ou o desrespeito de um dever de cuidado a que o agente estava obrigado e de que era capaz. Assim, situações existem em que esta obrigatoriedade e capacidade não se verificam. Para se aferir se houve ou não violação do dever de cuidado, deverá comparar-se a forma como o agente actuou com a conduta correta para evitar o resultado típico, ou seja, no caso, o perigo para a integridade física de terceiros (...) Questão diferente é a de saber se está demonstrado o nexo de causalidade entre a violação de um dever de cuidado por parte dos arguidos e a queda da bancada ou se esta, se trata de um acidente sem que tenha concorrido para o mesmo a violação de qualquer dever de cuidado por parte dos arguidos (caindo assim a conduta dos arguidos na mera responsabilidade civil). (...)
As testemunhas — espectadores do circo — depuseram no sentido de que os factos ocorreram antes do início da sessão, quando as pessoas da última fila se estavam a sentar (cf. fls. 313, 315, 465, 476, 520, 522, entre outras). --
Do relatório elaborado pelo ISQ, e que se encontra junto como Apenso A, resulta a conclusão de que: (...)a soldadura fracturou por sobrecarga, isto é, a soldadura foi sujeita a esforços superiores àqueles para os quais poderia suportar. Esta afirmação não significa, no entanto, que foi aplicada uma carga muito elevada, mas antes que a carga, provavelmente normal para a utilização pretendida, foi excessiva para uma soldadura que foi executada de forma incorrecta. As evidências que suportam esta deficiente qualidade da soldadura em causa são, nomeadamente, uma elevada irregularidade dos cordões de soldadura, a extensão da zona de ligação que não estava soldada. Este aspecto é reforçado pela deficiente qualidade dos restantes cordões de soldadura existentes na peça, traduzida na elevada quantidade de defeitos de compacidade
O arguido FLZ... não quis prestar declarações no decurso do inquérito.
O arguido MAA... prestou declarações e, em síntese, afirmou que vistoriou a estrutura em causa e não detectou nada de anormal, sendo que, relativamente à soldadura referiu que a mesma estava perfeita, pelo que era observável a olho nu. Também explicou que antes de cada espectáculo era feita observação da bancada para ver se tudo estava bem, conforme impõe a lei, sendo a mesma realizada pelos responsáveis do circo (cf. fls. 918-920).
Foi esta a prova recolhida durante o inquérito.
Com base na mesma será possível concluir que a conduta dos arguidos violou alqum dever de cuidado? Pensamos que não.
Em primeiro lugar é preciso ter presente que, segundo a prova pericial reunida nos autos, a bancada caiu por quebra da soldadura que não teria sido feita correctamente. Quem soldou tal peça? Quem a mandou soldar? A soldadura foi feita por quem tinha conhecimentos técnicos para o fazer? Não existe nos autos resposta a estas questões essenciais.
Em segundo lugar: As pessoas responsáveis pelo circo, designadamente o arguido FLZ… não fiscalizaram as bancadas antes de cada espectáculo e por isso não se aperceberam da quebra da soldadura? A prova produzida nesta instrução — testemunhas ouvidas — vieram afirmar o contrário, ou seja, que entre cada espectáculo existe um período de tempo destinado à limpeza e fiscalização do recinto, fiscalizando-se, entre outras coisas, a estrutura das bancadas. Não existe nos autos qualquer prova que indique que aquando do sucedido não tenha sido feita, previamente, tal vistoria.
Efectivamente, não parece ser exigível que a cada espectáculo o responsável do circo fosse verificar se, das centenas de apoios das bancadas, em algum deles se tinha quebrado alguma soldadura.
O que se passou neste caso foi um acidente e, os danos causados pelo mesmo devem ser reparados por via da responsabilidade civil, nos termos da lei civil geral.
Aqui chegados conclui-se que, pela prova existente nos autos, não é possível concluir que a queda da bancada se tenha ficado a dever à violação de qualquer dever de cuidado por parte dos arguidos, o que significa que os mesmos não serão pronunciados pela prática dos crimes que lhes eram imputados uma vez que ambos têm como pressuposto a conduta negligente que no caso não está demonstrada.
Efectivamente, e apesar de até aqui os termos ocupado apenas do crime de infracção de regras de construção p. e p. pelo art° 277°, n°s. 1, alínea a), e 2 do C. Penal, o certo é que, também os crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art° 148°, n° 1, do C. Penal, partem do mesmo pressuposto — violação de um dever de cuidado, pelo que, quanto a este ilícito reitero o que acima escrevi a propósito da não verificação da violação de um dever de cuidado.
Pelo que fica exposto, considero que os autos não contêm indícios suficientes para sujeitar os arguidos a julgamento pela prática dos crimes de que se encontram acusados, por considerar que a prova produzida não permite formular um forte juízo de probabilidade de condenação dos mesmos em sede de julgamento.
Nestes termos, o desfecho da presente instrução passará necessariamente pela não pronúncia dos arguidos.
A Sra JIC formulou assim um juízo conclusivo sobre a responsabilidade penal dos arguidos nestes autos, relativamente aos crimes pelos quais foram acusados, decidindo que o M.P fez uma análise errada dos elementos de prova nos quais se apoiou para deduzir a acusação e consequentemente proferiu uma decisão de não pronúncia e descreveu na decisão instrutória ora em análise, quais os factos relevantes que considera indiciariamente provados e aqueles que considera indiciariamente não demonstrados.
Indiciariamente demonstrados considerou todos os factos referidos na acusação, à excepção daqueles a que expressamente faz referência no texto da decisão de não pronúncia e que aqui recordamos:
A derrocada da bancada ficou a dever-se a fractura da soldadura executada de forma incorrecta, com extensões da zona de ligação que não estavam soldadas a que acresceu o facto de ter sido sujeita a esforços superiores aqueles para os quais poderia suportar.
A sociedade arguida CIC... Lda., e bem assim o arguido FLZ..., não teve na instalação, execução e inspecção permanente da estrutura da bancada os cuidados necessários ao suporte da referida estrutura e bem assim à devida manutenção da soldadura de suporte das referidas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas.
Com efeito a montagem das bancadas foi levada a efeito por pessoal do circo e pessoas escolhidas pelo arguido FLZ..., que transitoriamente por ali passavam e sem quaisquer conhecimentos técnicos exigidos.
Por sua vez o arguido MAA..., ao qual impunha inspecionar, zelar pelo correto funcionamento, conservação e manutenção nas perfeitas condições técnicas e de segurança, do recinto e estrutura não executou no desempenho das suas funções.
Os arguidos, não zelaram pela boa concepção das estruturas, com as soldaduras adequadas, as quais não apresentaram resistência e robustez necessária para o normal funcionamento com segurança das bancadas do recinto. (. .)
Que as lesões sofridas pelos ofendidos e descritas na acusação tenham sido consequência directa e necessária das condutas dos arguidos.
(...) Os arguidos ao agirem do modo descrito, previram, como podiam e deviam efetuar e pugnar pela manutenção da soldadura da bancada com a segurança e procedimentos exigíveis, e bem assim, podiam e deviam fiscalizar, executar e pugnar pela realização dos corretos trabalhos de soldadura o que não fizeram, bem sabendo aqueles que, ao não cumprirem as regras legais, regulamentares e técnicas na projecção, execução, montagem e manutenção da bancada, poderiam causar, face aos riscos envolvidos, a queda dos espectadores que nela se encontravam e as consequentes lesões, tal como efectivamente veio a suceder, sendo certo, todavia, que não aceitaram nem se conformaram com tal resultado.
Desta forma, os arguidos ao agirem do modo acima descrito, descuraram regras de prudência, que podiam e deviam ter observado.
Não obstante, os arguidos agiram descurando o dever de cuidado que se lhes impunha de forma a permitir os trabalhos de montagem da bancada impusesse segurança aos espectadores que na mesma se iam sentar, evitando desta forma a queda da mesma,
e consequente queda dos lesados.
Dever esse de cujo cumprimento eram capazes e não cumpriram e do qual resultou o ofensa e perigo para a saúde dos ofendidos e lesados acima mencionados, e as consequentes dores
e lesões que os mesmos padeceram.
As lesões sofridas pelos ofendidos e lesados, que assistiam ao espectáculo ficaram a dever-se ao não cumprimento por parte de cada um dos arguidos das obrigações que lhes estavam atribuídas.
Todos os arguidos tinham conhecimento do carácter proibido das suas condutas e sabiam que as mesmas eram previstas e punidas por lei.
Mas tal apreciação, salvo o devido respeito como já dissemos, não corresponde a uma fiel leitura da realidade demonstrada indiciariamente através da prova produzida.
Uma leitura crítica e conjugada dos vários meios de prova produzidos quer em sede de inquérito quer de instrução, permite pelo contrário em nosso entender, chegar a uma conclusão oposta, como bem foi salientado nas conclusões do recurso do assistente (que aqui reproduzimos e fazemos nossas):
Uma vez que, no presente caso, foram utilizadas na construção da bancada que ruiu peças que não estavam corretamente soldadas, como
resulta provado pela prova pericial já produzida - e, como tal, o material utilizado não tinha a robustez e a qualidade adequadas, de modo a não
criar perigo para a integridade física de terceiros, está verificado o tipo legal de crime de violação de regras de construção, para além do crime de ofensa à integridade física por negligência, sendo os mesmos imputáveis aos arguidos a título de negligência nos termos supra expostos.
Melhor dizendo, a análise crítica da globalidade da prova produzida na fase de inquérito e na fase de instrução, com especial relevo para a prova pericial, permite concluir que se apresenta mais credível e convincente a versão dos factos vertida no despacho de acusação.
Deverá ainda ser acrescentando ao elenco dos factos da acusação, por se mostrar também ele indiciariamente provado de toda a prova produzida até este momento, o seguinte facto: À data dos factos, era sócio e gerente da sociedade CIC... o arguido FLZ... - tal matéria de facto resulta da certidão permanente do registo comercial de fls. 287 a 289 dos autos, sendo tal factualidade, inclusive, alegada pelo arguido FLZ..., no artigo 7. do seu RAI.
Importa considerar ainda, ser verdade que no relatório pericial junto aos autos, referido na decisão recorrida e peça fundamental para se perceber a causalidade da derrocada da bancada do circo em causa nestes autos, não se concretiza expressamente o momento temporal em que a soldadura do suporte de uma das vigas da bancada, foi realizada de forma incorrecta, nem se os danos que a mesma apresentava eram detectáveis a olho nu, por quem não possuísse conhecimentos técnicos para tal.
Com efeito, resulta da prova testemunhal produzida em sede de instrução que procederam à montagem da bancada empregados da sociedade arguida, artistas de circo, nomeadamente, HAV..., ANM..., MIB..., MIC... (filho de MIB...) e FIM... (conforme comprovam os depoimentos prestados nos autos por HAV..., ANM..., MIB... e FIM... referidos também na motivação do assistente), pessoas essas que, tal como referido no douto despacho de acusação, não tinham quaisquer conhecimentos técnicos exigidos para a tarefa de fiscalização quanto ao estado de robustez e solidez das peças e demais componentes da estrutura.
Dessa forma se constata pela análise dos depoimentos prestados na fase de instrução, que as pessoas que montaram as bancadas, nomeadamente aquela que veio a ruir, não tiveram qualquer tipo de formação nem conhecimentos técnicos especificamente dirigidos para o efeito de poderem adequadamente fiscalizarem a eficiência das peças e componentes daquela estrutura.
Tal como foi sublinhado pelo assistente existe um denominador comum às várias pessoas que procederam à
montagem da bancada: são artistas de circo, que aprenderam a montar bancadas com outros artistas de circo.
Desta forma, ficou indiciariamente apurado também que após a sua montagem inicial, as inspecções feitas às estruturas das bancadas, que periodicamente foram acontecendo entre cada espectáculo do circo, foram sempre realizadas por pessoas sem conhecimentos técnicos para o efeito.
Tal facto resulta ser absolutamente estranho para nós, neste contexto de averiguação das responsabilidades pela derrocada da bancada que aconteceu em 9 Janeiro de 2010 e não poderá ser considerado inócuo, impondo-se pelo contrário que do mesmo sejam extraídas as devidas consequências.
Estranheza que é tanto maior quanto resulta ter ficado apurado que o arguido MAA... fora contratado pela firma CIC..., para garantir em termos técnicos, que todo o equipamento utilizado na montagem das estruturas em questão (nomeadamente das bancadas) estava em condições de robustez que permitisse uma utilização segura das mesmas, tendo para esse efeito assinado até um Termo de Responsabilidade, prévio à montagem das referidas bancadas.
Nestes termos, aqui chegados, admitimos que não relevará tanto saber quem fez a soldadura defeituosa da peça que veio a fracturar mas sim acima de tudo, quem aquando da montagem inicial daquela estrutura da bancada que veio a ruir, fez uso de uma peça incorrectamente soldada, ou permitiu que a mesma fosse usada e/ou mantida, sem proceder à sua substituição através de uma conveniente e adequada operação de manutenção.
Isto porque o que é relevante e dúvidas não suscita nesta fase processual é que eram os três arguidos aqui acusados os responsáveis por verificar se as peças que estavam a ser utilizadas na montagem das estruturas das bancadas, estavam todas elas em condições de poderem ser usadas com segurança.
E mesmo que se defenda não ser exigível andar a verificar regularmente todos os dias, uma a uma, todas as muitas peças (pelo menos 300) que serviam de suporte às vigas das referidas estruturas (das várias bancadas), naturalmente que seria exigível aos arguidos que na data da montagem/construção das mesmas (antes do dia 21.11.2009) essa fiscalizacão fosse efectivamente feita.
Era-lhes também era exigível que posteriormente à data da montagem/ construção daquelas estruturas, fosse feita uma manutenção regular a todas as peças que compunham as referidas estruturas, em especial àquelas de maior desgaste, de modo a prevenir futuros danos que pudessem vir a ocorrer seja pelo desgaste natural com o decurso do tempo, seja por defeito originário (ter sido nomeadamente ab initio incorretamente feita a soldadura) seja por intervenção humana de reparação de uma qualquer dessas peças (reparação essa porventura executada de forma irregular).
Parece-nos assim inteiramente coerente e de acordo com as regras da experiência e do normal decurso dos acontecimentos da vida, aquilo que o assistente vem sustentar nas suas conclusões de recurso sob os pontos 11 e 12., constatações que quanto a nós se podem extrair da análise crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos e dos indícios reunidos nestes autos (com sublinhados nossos): no presente caso, não releva quem soldou a peça, quem a mandou soldar, se a soldadura foi feita por quem tinha conhecimentos técnicos para o fazer. Releva, sim, quem utilizou uma peça mal soldada para efetuar a montagem da bancada em causa e quem, antes, durante e/ ou após a montagem da bancada, não fiscalizou convenientemente se a soldadura das peças que serviram para a montagem da bancada estavam ou não corretamente efetuada.
Sendo certo que a omissão desse dever de cuidado ocorreu, pelo menos, antes da utilização da bancada pelos espetadores, pois, a bancada foi montada uma só vez, antes do dia 21 novembro de 2009 - cfr. fls. 921 -, não foi sendo montada cada vez que havia espetáculos, tal como resulta do depoimento das testemunhas ouvidas na fase de instrução e das declarações do arguido MAA..., prestadas na fase de inquérito, a fls. 278.
Tendo a fratura da soldadura ocorrido devido à execução incorreta dessa soldadura (como refere o relatório pericial e o douto despacho de acusação), soldadura essa que ocorreu em momento anterior à montagem da bancada, sendo, pois, tal fratura apenas uma consequência, que poderia ocorrer mais cedo ou mais tarde, consoante o peso aplicado sobre a estrutura aquando da sua utilização pelos espetadores do circo ...
Como tal, não tem especial relevo a suposta verificação do estado da bancada que alegadamente terá sido efetuada entre cada espetáculo.
Ainda assim, sempre se dirá que não deverá ser considerada como (indiciariamente) provada a realização da verificação do estado das peças da bancada entre cada espetáculo, pelo menos, de modo conveniente e por quem tinha conhecimentos técnicos para tal.
Pois, de acordo com os depoimentos das testemunhas inquiridas na fase de instrução, essa suposta verificação foi efetuada por artistas do circo, num curto lapso de tempo, não se tendo comprovado que alguma dessas pessoas tenha qualquer conhecimento técnico para aferir do bom estado das peças que constituíam a bancada, quanto mais da respetiva soldadura (...).
Desta forma, reitera-se aqui, tendo sido utilizada na montagem/construção da bancada que veio a ruir, uma peça que não estava correctamente soldada, como ficou evidenciado pela prova pericial então a conclusão a extrair é que o material utilizado não tinha a robustez e a qualidade adequadas, de modo a não criar perigo para a integridade física de terceiros, pelo que os arguidos não tiveram na instalação, execução ou posterior manutenção/fiscalização da estrutura da bancada, os cuidados necessários ao suporte da mesma e à devida manutenção da soldadura da peça de suporte das suas vigas, de forma a suprir as deficiências apresentadas e poder assim evitar a sua ruptura.
Não se pode esquecer que ao arguido MAA..., impunha-se também por força do contrato por ele assinado e acima mencionado, o dever de inspecionar e zelar pelo correcto funcionamento, conservação e manutenção nas perfeitas condições técnicas e de segurança, do recinto e estrutura do Circo … pelo que resulta fortemente indiciado que o mesmo não executou com a diligência exigível as suas tarefas no desempenho das funções que lhe competiam.
Dúvidas não podem pois restar de que os arguidos violaram um dever de cuidado, que se concretizou na criação de um perigo concreto e nas ofensas físicas por negligência sofridas por vários espectadores, em consequência directa e necessária da omissão de condutas que os arguidos deveriam ter exercido e não exerceram.
Existe pois uma probabilidade razoável de em sede de julgamento virem os arguidos a ser condenados pelos crimes que lhes são imputados pelo M.P
Em conclusão, tudo visto, os factos e o direito, porque as circunstâncias fáticas integrantes da causa da queda da bancada são imputáveis aos arguidos/recorridos a título de negligência (por omissão dos deveres de cuidado a que estavam obrigados e de que eram capazes), estão verificados os indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena e como tal devem os mesmos ser pronunciados.
IV - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar providos os recursos interpostos pelo M.P e pelo assistente CAR... e em consequência revogar a decisão instrutória de não pronúncia, determinando que a mesma seja substituída por outra de pronúncia dos arguidos FLZ..., MAA... e sociedade CIC... Lda, pelos factos e qualificação jurídica constantes da acusação, aos quais deverá ser acrescido ainda o seguinte facto: À data dos factos, era sócio e gerente da sociedade CIC..., Lda, o arguido FLZ... e tendo por suporte todos os meios de prova indicados na acusação e ainda toda a prova que foi produzida em sede de instrução.
b) Sem custas.
Lisboa, 10 de Outubro de 2018
(Ana Paula Grandvaux Barbosa)
(Maria Perquilhas)