Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 27-11-2018   Terrorismo. Erro de julgamento na apreciação e fixação da matéria de facto relevante. Erro notório na apreciação da prova.
1 - O crime de financiamento ao terrorismo, pode ser cometido por qualquer meio, lícito ou ilícito, directo ou indirecto, tratando-se de um crime autónomo, quer do crime instrumental de falsificação de documentos, de passagem de moeda falsa ou de qualquer forma e apoio financeiro prestado a terroristas ou organizações terroristas
2 - No processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos: - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão ocorre com a produção de prova em audiência; - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material;_- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade, pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana.
3 - A convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e, ainda, elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
4 - Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente - aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação - e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo, principio só aplicável na sua plenitude em sede de julgamento.
Proc. 78/15.2JBLSB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Simões de Carvalho - Margarida Bacelar - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Processo 78/15.2JBLSB.L1


Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
No processo n.° 78/15.2JBLSB da Secção Única do Tribunal Central de Instrução Criminal, o M° P°, por não se conformar com a decisão instrutória de 22-06-2018 (cfr. fls. 688 a 745) na parte em que não pronunciou o arguido A..., id. nos autos, pela prática de um crime de falsificação com vista ao terrorismo (uso de passaporte falso) p. e p. pelas disposições conjugadas do Art.° 256°, n.°s 1, alínea c) e 3, do C. Penal e dos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 e 2 e 5°, n.° 1, todos da Lei n.° Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto, quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo (utilização de cartões de crédito falsificados) p. e p. pelas disposições conjugadas do Art.° 262°, n.° 2 e 267°, n.° 1, alínea c), ambos do C. Penal e dos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 e 2, 5°, n.° 1 e 5°-A, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto, um crime de recrutamento para terrorismo p. e p. pelos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 3°, 4°, n.°s 1 e 6, 5° e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003 de 22 de Agosto e de um crime de financiamento de terrorismo p. e p. pelos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 5°, 5°-A, n.° 1 e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003 de 22 de Agosto, dela interpôs recurso.
A respectiva motivação é rematada com as seguintes, e únicas, conclusões (cfr. fls. 2 a 132) que se transcrevem:
«1- Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória proferida nos autos, na parte em que não pronunciou o arguido A... pelos crimes pelos quais foi deduzida acusação
2- O recurso incide sobe os seguintes vícios patentes na decisão instrutória:
• Violação das regras aplicáveis quanto à validade dos meios de prova admissíveis, por exclusão pelo Mm° JIC de depoimentos de testemunhas indicadas pelo Ministério Público
• Impugnação da interpretação jurídica efectuada pelo Mm° JIC quanto aos elementos típicos dos crimes que considerou não estarem indiciados, por erro de interpretação.
• A impugnação da apreciação da matéria de facto dada como não indiciada referida na decisão instrutória, ora sob recurso, por se entender terem existido erros notórios na selecção e na apreciação das provas relevantes para a decisão
• Omissão de pronúncia quanto a factos e provas relevantes, em violação do principio da livre apreciação da prova, por as provas existentes imporem decisão diversa da recorrida.
• Impugnação dos consequentes decisões parcelares de não pronúncia do arguido, cometidas por erros de julgamento das provas e da matéria de facto, com violação das regras inerentes ao princípio da livre apreciação da prova, por insuficiência de apreciação de elementos relevantes para a decisão da matéria de facto considerada indiciada e não indiciada;
3- Entende-se em resumo, que a decisão instrutória sob recurso revela não só erros de interpretação das normas que estabelecem os crimes imputados na acusação (erros de matéria de direito) como também os vícios previstos no art° 410° n° 1 e n° 2 al. c) e n° 3 do C.P.P erros da matéria de facto):
4- Ao contrário do entendimento do Mm° JIC, os factos imputados na acusação não são conclusivos ou inócuos, contendo, independentemente do estilo de redacção, a indicação de factos concretos imputados ao arguido, de acordo com os critérios estabelecidos no art° 283° n° 3 do CPP. devendo os mesmos serem apreciados em sede de julgamento,
5- A acusação contêm a descrição de factos e dos vários modus operandi utilizados pelo arguido que são seguidos pelos artigos que descrevem factos concretos imputados ao mesmo, de acordo o referido modus operandi. Mostram-se também descritas as circunstâncias de tempo, modo e lugar e indivíduos em relação aos quais a sua actuação se desenvolveu.
6- Os factos são muito graves e não podem ser liminarmente afastados de tal possibilidade, pelo Mm° JIC e apenas por o mesmo ter uma percepção diferente do anterior Mm° JIC titular dos autos em fase de inquérito.
7- Na verdade, entendimento diametralmente oposto ao do MM° JIC recorrido foi expresso na decisão proferida após o interrogatório judicial do arguido, onde foram apreciados os factos considerados indiciados e que justificaram a aplicação da medida de prisão preventiva, constante de fls. 4351 a 4406. Este último despacho mostra-se extremamente bem fundamentado no que respeita aos indícios suficientes dos factos imputados ao arguido no primeiro interrogatório, os quais são até menos densificados do que os factos e provas que acabaram por indicados posteriormente na acusação deduzida.
8- A simples existência de diferentes entendimentos por parte de dois Juízes de Instrução, sobre os mesmos factos e fundamentalmente os mesmos meios de prova, só por si justifica que o caso seja submetido à apreciação de um Tribunal Colectivo, tanto mais que o Mm° JIC ora recorrido, cometeu diversos erros de interpretação e aplicação do direito e de apreciação da prova, elencados ao longo do presente recurso .
9- A este propósito, a regra processual que define o conteúdo obrigatório de uma acusação é a que vem estabelecida nas diversas alíneas do art° 283° n° 3 do C.P.P e tal preceito mostra-se respeitado na acusação.
10- Tal regra é igualmente aplicável à decisão instrutória, conforme dispõe o art° 308° n° 2 do C.P.P. tendo o MM° JIC efectuado errada interpretação do disposto no art° 283° n° 3 e 308° n° 2 do C.P,P.
11- A análise efectuada aos tipos de legais de crimes constante de fls. 7821 a 7882, mostra-se centrada apenas na análise do art° 1 da Lei 52/2003 e só em relação a cada situação ali prevista, sem atender ao facto de estar em primeiro lugar imputado ao arguido um crime de adesão a organização terrorista internacional - no caso a organização terrorista internacional conhecida pela designação DAESH ou o auto proclamado Estado Islâmico.
12- Quem adere ou presta apoio ao DAESII está a colaborar nas actividades e desígnios desta organização Terrorista, a qual, consabidamente se dedica à pratica de crimes contra a vida, integridade física e liberdade das pessoas e a todas as restantes actividades ilícitas descritas nas diversas alíneas do art° 10 da Lei 52/2003. de 22 de Agosto.
13- Apoiar e colaborar com o DAESH, seja através do fornecimento de informações ou meios materiais, seja recrutando elementos para integrar as fileiras de combatentes, seja prestando-lhes apoio financeiro, seja através de outra forma de colaboração com os referidos desígnios, integra a factualidade típica do crime previsto no art° 2° da Lei Lei 52/2003, de 22 de Agosto. conforme imputado na acusação.
14- Assim, no caso dos autos o crime p. e p. pelo art° 2°, n° 2, da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto, consuma-se com a realização por parte do arguido A... de actos de apoio ao DAESH È esta realidade que escapou à análise do Mm° JIC.
15- Os actos materiais de apoio do arguido ao DAESH praticados pelo arguido foram descritos na acusação em dois níveis: os actos referentes à radicalização e recrutamento de jovens marroquinos para integrarem as fileiras de combatentes estrangeiros do Daesh na Síria; e os actos de apoio financeiro prestado pelo arguido aos jovens.
16- Ora, na sua apreciação sobre os elementos do crime de adesão a organização terrorista, feita a fls. 7822 da decisão instrutória o Mm° JIC cita apenas o art° 2° n° 1 sem efectuar qualquer análise ou referência à norma que estabelece prevê e pune este crime autónomo, que é o art° 2° n° 2 , todos da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto
17- Quanto à explanação efectuada na decisão instrutória de fls. 7829 a 7837 referente ao uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo imputado na acusação, o Mm° JIC repete o mesmo erro de apreciação. Entende que só se verifica terrorismo se forem cometidos factos que caibam na previsão ou do art° 1° ou do art° 4° da Lei 52/2003, de 22 de Agosto.
18- Em primeiro lugar, o Mm° JIC viola na sua análise, por erro de interpretação, o disposto no artº I° al. i) do C.P.P.. onde se estabelece o actual conceito legal de terrorismo, que a seguir se transcreve: Al. i) «Terrorismo» as condutas que integram os crimes de organizações terroristas, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo; (sublinhado nosso)
19- Por outro lado, as condutas punidas como crime de financiamento ao terrorismo são todas as condutas que forem abrangidas pela previsão do art° 5°-A da Lei 52/2003. de 22 de Agosto.
20- Assim, ao contrário do defendido pelo Mm° JIC, crime de financiamento ao terrorismo, pode ser cometido por qualquer meio, lícito ou ilícito, directo ou indirecto, tratando-se de um crime autónomo, quer do crime instrumental de falsificação de documentos, passagem de moeda falsa ou qualquer forma de apoio financeiro prestado a terroristas ou organizações terroristas.
21- O autofinanciamento para actividades terroristas é igualmente abrangido pela referida norma.
22- O Mm° JIC considerou que os depoimentos enviados pelas autoridades Francesas referentes a testemunhas inquiridas no âmbito do processo 2016/1002, du Parquet de Paris, não podem ser valorados como prova testemunhal.
23- Estão em causa as declarações prestadas pelas seguintes testemunhas, como tal
indicadas na acusação:
M..., pai do suspeito H... , traduzidas a fls. 6728 a 6734;
Y..., (declarações traduzidas a fls. 6735 a 6750 e 6751 a 6756);
ME... (declarações traduzidas a fls. 6757 a 6769 e 6770 a 6775).
24- Ora o entendimento do MM° JIC está errado, baseia-se no pressuposto errado de que as referidas declarações não resultaram de pedidos de cooperação judiciária requeridas ás autoridades Francesas no âmbito de Carta Rogatória expedida no âmbito dos presentes autos.
25- Também aqui o Mm° JIC cometeu um erro de apreciação dos elementos constantes dos autos, porquanto o decidido não corresponde à verdade processual, devidamente documentada no processo a fls. 5958 a 5960.
26- Pelas razões explanadas no ponto 3 do presente recurso, verifica-se que se recorreu à emissão de carta Rogatória expedida ás autoridades judiciárias de França e foi utilizado um mecanismo de cooperação judiciária internacional em matéria penal para obtenção de prova perfeitamente válido no direito interno Português, nos termos previstos no art° 125° do C.P.P.; 145° n° 1 da Lei 144/99, de 31 de Agosto; art° 7° da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, assinada em Bruxelas em 29 de Maio de 2000.
27- Assim, pelas razões indicadas mal andou o Mm° JIC ao desconsiderar a importância e validade como meio de prova das declarações prestadas pelas referidas testemunhas quanto aos factos imputados na acusação.
28- Basta a simples leitura de tais declarações, em conjugação com o teor dos depoimentos das demais testemunhas inquiridas nos autos, para qualquer pessoa se aperceber, da relevância das mesmas, que as testemunhas merecem credibilidade e têm conhecimento directo dos factos que referiram, em especial quanto à existência de fortes indícios de muitos dos factos descritos na acusação, conforme infra discriminado e muitos destes factos referidos pelas testemunhas foram considerados inócuos ou não indiciados pelo Mm° JIC. na decisão sob recurso.
29- Na apreciação da prova, o Mm° JIC interpretou e aplicou erradamente os conceitos de prova directa e indirecta, pelas razões sintetizadas no ponto 4 do presente recurso.
30- Na verdade foram infra indicados vários depoimentos prestados por testemunhas que referem factos de que tiveram conhecimento directo, e que o Mm° JIC considera erradamente serem prova indirecta, não tendo tais meios de prova sido considerados pertinentes para a decisão, o que determinou grave prejuízo para a descoberta da verdade material, ao arrepio do entendimento defendido maioritariamente na nossa jurisprudência, igualmente infra citada.
31- Do teor dos depoimentos das testemunhas discriminados no Ponto 1 do presente recurso, resulta a existência de prova muito forte dos factos descritos nos artigos da acusação quanto aos pontos discriminados individualmente em relação a cada depoimento. Factos que o Mm° Juiz acabou por julgar insuficientemente indiciados, sem valorar devidamente e muitas vezes sem sequer referir, o teor de depoimentos que vão no sentido contrario ao decidido.
32- Mostram-se também indicadas no presente recurso as concretas passagens dos depoimentos gravados em formato áudio, contendo o teor dos depoimentos prestados por testemunhas em sede de Instrução, que não foram devidamente valoradas pelo Mm° JIC, as quais impunham que fosse proferida decisão diversa da recorrida.
33- Pelos fundamentos desenvolvidos no ponto II do presente recurso, verifica-se que decisão instrutória, ora sob recurso o Mm° JIC imputa ao arguido A... a autoria da falsificação dos referidos cartões de crédito, conforme descrito no art° 42 do despacho de pronúncia onde se imputa, de forma genérica, a seguinte factualidade 0 arguido A... fabricou e estava na posse dos seguintes cartões de crédito...
34- Verifica-se ainda que na decisão instrutória houve omissão de pronúncia relativamente a um conjunto alargado de factos descritos na acusação que não constam na fundamentação da decisão de não pronuncia, a saber: O Mm° JIC não apreciou os factos descritos nos art° 16°. 17, 18, 19, 20, 21. 22. 23. 24. 27. 28. 37. 38. 39. 40. 41, 42. 43. 44. 45. 49. 50.51. 52. 53. 54. 55. 57. 58. 59. 60, 69. 71, 80. 83, 84. 85. 92, 112, 115, 118, 119, 146 e parte dos factos do art° 149.
35- Em suma, deve ser reconhecido que existem meios de prova que foram excluídos do processo probatório, mas erradamente, pois deviam ter sido valorados, o tribunal terá de proceder a uma nova apreciação da prova na sua globalidade.
36- A decisão instrutória introduziu uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, onde face ao prévio arquivamento das falsificações dos documentos, apenas foi imputado ao arguido a utilização fraudulenta dos cartões crédito, como meio utilizado para o financiamento de actividades terroristas.
37- Verifica-se assim, que a decisão instrutória será nula na parte em que pronuncia o arguido por factos que constituem uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, havendo excesso de pronúncia na parte em que é imputado ao arguido a autoria da falsificação dos referidos cartões de crédito e não apenas a sua utilização fraudulenta.
38- Apenas se concorda com a decisão instrutória, na parte em que é considerado não existirem meios de prova suficientes quanto à intervenção e apoio do arguido, na vinda para Portugal das testemunhas O... e MO....
39- Admite-se que com a prova produzida em sede de Instrução, os indícios de que o arguido T... apoiou a venda das referidas testemunhas para Portugal, não sejam fortes.
40- Em síntese, por tudo o que acima foi referido e se mostra infra melhor explanado, entende-se que os referidos erros de direito e erros de julgamento na apreciação e fixação da matéria de facto relevante, a par com os erros notórios na apreciação da prova, impunham que fosse proferida decisão instrutória diversa da recorrida, a qual teria que ser substituída por outra onde fosse efectuada uma nova apreciação da prova na sua globalidade.
41- Tal decisão deveria considerar como fortemente indiciados, pelo menos, os factos descritos na acusação, com as alterações de pormenor, discriminadas no ponto 7 quanto à Indicação dos factos que s.m.o. entendemos devem ser considerados fortemente indiciados na nova decisão necessária e diversa da recorrida.
Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências suprirão, entende-se que o presente recurso deverá ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogada e substituída por outra onde sejam corrigidos os apontados vícios
Vossas Excelências porém com mais elevado critério farão, como sempre JUSTIÇA»
Admitido o recurso (cfr. fls. 747) e efectuadas as necessárias notificações, apresentou resposta o arguido (cfr. fls 809 a 837), concluindo:
«1. O recurso interposto pelo Digníssimo Representante do Ministério Público não merece provimento.
2. Todos os vícios apontados pelo Recorrente, no Recurso interposto, a Decisão Instrutória são desprovidos de qualquer sentido ou fundamento fáctico ou jurídico.
3. Resulta, clarividente, do teor da Decisão colocada em crise que não houve qualquer violação da aferição dos meios de Prova.
4. Tanto que encontra-se devidamente explicitado no teor da Decisão Instrutória as razões pelas quais uns elementos de Prova foram considerados e outros (por força da Lei) não foram levados em linha de conta, é isso que decorre da fundamentação da Douta Decisão Instrutória.
5. Acresce que, ainda que não fossem aceites alguns Depoimentos de Testemunhas, o Senhor Juiz de Instrução Criminal procedeu, mesmo assim, com elevado e destacado saber, ao escrutínio dos seus teores em contraponto com outros elementos de Prova, a esse respeito, existentes nos Autos.
6. Mais se diga que, resulta a bem de ver da Decisão Instrutória que o Senhor Juiz de Instrução Criminal em momento algum da avaliação das factualidades que lhe foram dadas a apreciar, seja na dimensão objectiva seja na subjectiva, sopesou no seu raciocínio, com descuidado e/ou ao arrepio da Lei, a Prova constante dos Autos, fosse na perspectiva de individualmente considerada, fosse por contraponto daquela com a produzida em sede e Instrução.
7. Ademais, inexiste qualquer erro de interpretação jurídico das factualidades submetidas a Instrução, porquanto, escrutinada a Prova existente nos Autos constatou-se que os Crimes anexos com Terrorismo, que advinham do Despacho de Acusação, padeciam, todos eles, de falta dos elementos objectivos e subjectivos.
8. Sendo certo que do teor da Decisão Instrutória decorre que cada uma das factualidades foi devidamente analisada e subsumida nas exigências legais de todos os normativos que o Recorrente invocava no Despacho de Acusação, efectivamente, foi um escrutínio exaustivo aquele que o Senhor Juiz de Instrução Criminal efectuou a esse respeito, nada foi deixado de parte na ponderação da suficiência dos indícios, para se o constatar, basta uma leitura atenta do teor da Decisão Instrutória.
9. O Senhor Juiz de Instrução Criminal avaliou com o máximo rigor toda a Prova constante dos Autos, e dessa análise decorre, a bem de ver, que não foram cometidos, pela sua parte, quaisquer erros na selecção e na apreciação dos elementos probatórios apresentados como suporte das factualidades imputadas às condutas do Arguido no Despacho de Acusação.
10. Certo é que os vícios apontados pelo Recorrente neste particular, para lá de infundados, não têm suporte legal que os estribe, porque o vício do erro notório na apreciação da Prova bem como os demais descritos no n.° 2 do Art.° 410.° do Código de Processo Penal são vícios relativos à Sentença que não têm aplicação quanto à Decisão Instrutória.
11. Mas se ainda assim não fosse, a verdade é que só existe Erro Notório na Apreciação da Prova quando do texto da decisão recorrida (in casu da Decisão Instrutória), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o Tribunal (in casu o Senhor Juiz de Instrução Criminal), isto é, quando se dão como provados (in casu indiciados) factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, ou seja, quando se dá com provado (in casu indiciado) um facto com base em juízos ilógicos, contrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
12. Todavia, analisando o texto da Decisão Instrutória, o mesmo apresenta-se perfeitamente lógico, conforme às regras da experiência comum, não evidenciando qualquer contradição ou erro — muito menos notório — susceptível de integrar qualquer dos vícios previstos no n.° 2 do Artigo 410.° do Código de Processo Penal que o Recorrente invoca.
13. Ademais inexiste qualquer omissão de pronúncia da parte do Senhor Juiz de Instrução Criminal quanto aos factos submetidos a Instrução ou constantes dos Autos, visto que todas as factualidades pelas quais o Arguido A... se encontrava acusado foram, no decurso da Fase de Instrução, apreciadas por confronto com a Prova indicada pelo Recorrente no Despacho de Acusação e de toda a demais existente no Processo.
14. Ressalta a bem de ver do teor da Decisão Instrutória que esta está devidamente fundamentada e toas as Provas (dignas dessa denominação) foram aferidas de forma correcta, legal e compreensível pelo Senhor Juiz de Instrução Crimina, não tendo este violado qualquer Dever, Princípio ou Norma a que se encontrasse submetido nessa tarefa.
15. Além disso não foi cometido qualquer erro de julgamento das provas e da matéria de facto pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal em tudo o que lhe foi dado a apreciar na Fase de Instrução, nem, por ele, foi violado nenhum Preceito, Princípio ou Dever, subjacente à Livre Apreciação da Prova a que estava submetido.
16. Mais se mencione que, na Douta Decisão Instrutória, inexiste qualquer Alteração Substancial dos Factos, o que existe — a bem de ver e é decorrência do Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pela Defesa do Arguido T... e dos factos a esse propósito alegados no decurso da Fase de Instrução — são, pontais, Alterações Não Substanciais e de Qualificação Jurídica da Factualidade advinda do Libelo Acusatório. Nada mais além disso.
17. Bastará uma leitura do teor da Decisão Instrutória — atenta e despreocupada de outras pretensões que não a descoberta da Verdade Material — para se alcançar, sem grandes dificuldades e rodeios, que toda a Prova constante dos Autos e produzida em sede de Instrução foi devidamente valorada pelo Distinto Senhor Juiz de Instrução Criminal, e que, nessa avaliação e análise, não foram descurados nenhuns procedimentos que a Lei lhe impunha.
18. Como tal, e como bem decorre da Douta Decisão Instrutória, a aferição da suficiência ou insuficiência dos indícios das factualidades em discussão em sede de Instrução e todos aqueles que advinham do Inquérito resultaram uns como inexistentes e outros como manifestamente insuficientes para submissão do Arguido A... a Julgamento pela prática dos Crimes conexos com Terrorismo de que estava acusado.
19. A Decisão Instrutória prolatada pelo Distinto Senhor Juiz de Instrução Criminal é irrepreensível e susceptível de qualquer juízo de censura no Ordenamento Jurídico Português por não haver, em parte alguma do seu Douto teor, descurado ou violado nenhuma Norma, Princípio ou Dever a que se encontrasse submetido enquanto Juiz de Instrução Criminal.
20. O que impõe que nenhuma censura mereça a Douta Decisão Recorrida, a qual deverá ser confirmada na íntegra pelos Venerandos Desembargadores da Relação de Lisboa julgando-se o Recurso do Digníssimo Representante do Ministério Público totalmente improcedente.
Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Venerandos Desembargadores da Relação de Lisboa suprirão, deve o Recurso interposto pelo Digníssimo Representante do Ministério Público ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, confirmar-se na íntegra a Decisão Recorrida, não se pronunciando pelos Crimes conexos com Terrorismo para Julgamento o Arguido A....
Deste modo, farão V/Ex.as a Costumada e Inolvidável Justiça que Vos rotula!»
Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (cfr. fls. 870), no sentido da procedência do recurso.
Tendo sido dado cumprimento ao disposto no n.° 2 do Art-° 417° do C.P.Penal, veio o sobredito arguido responder (cfr. fls. 872), pugnando no mesmo sentido da respectiva resposta.
Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
Compulsados os autos, há a destacar o seguinte:
- Findo o inquérito, o M° P°, a 22-03-2018, veio deduzir acusação contra o arguido A... como autor imediato e em concurso real dos crimes de adesão a organização terrorista internacional p. e p. pelos Art.°s 2°, n.°s 1, alínea a) e 2, 3°, 4°, n.°s 1 e 10 e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio), com referência ainda à Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, a Posição Comum 2001/930/PESC sobre o combate ao terrorismo e a Posição Comum 2001/931/PESC relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, Regulamento (CE) n.° 2580/2001, o Art.° 1°, n.°s 2 e 3, que define, respectivamente, o que se entende por «pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas» e por «acto terrorista» e prevê nos Art.°s 2° e 3° - e a inscrição de uma organização na lista das pessoas, grupos e entidades envolvidos em actos terroristas, sendo actualmente o DAESH ou Estado Islâmico, considerado na EU como uma organização terrorista internacional, de falsificação com vista ao terrorismo (uso de passaporte falso) p. e p. pelas disposições conjugadas do Art.° 256°, n.°s 1, alínea c) e 3, do C. Penal e dos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 e 2 e 5°, n.° 1, todos da Lei n.° Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio) - utilização de passaporte falso, quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo (utilização de cartões de crédito falsificados p. e p. pelas disposições conjugadas do Art.° 262°, n.° 2 e 267°, n.° 1, alínea c), ambos do C.Penal e dos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 e 2, 5°, n.° 1 e 5°-A, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio) - utilização de 4 cartões de crédito da American Express falsos, um crime de recrutamento para terrorismo p. e p. pelos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 3°, 4°, n.°s 1 e 6, 5° e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003 de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio) e de um crime de financiamento do terrorismo p. e p. pelos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 5°, 5°-A, n.° 1 e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003 de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio e Lei n.° 60/2015, de 24 de Junho) (cfr. fls. 612 a 637v. 0);
- Requerida a abertura de instrução pelo arguido (cfr. fls. 638 a 646 v.°) e realizada a mesma com a junção de documento (cfr. fls. 661 a 672), o respectivo interrogatório (cfr. fls. 673 a 675) e a inquirição de testemunhas (cfr. fls. 676 a 679, 680 a 682, 683 a 684 e 687), teve lugar o debate instrutório (cfr. fls. 685 a 686);
- De seguida, foi proferido o despacho recorrido (cfr. fls. (cfr. fls. 688 a 745), que, no que interessa agora, assim reza:
«Declaro encerrada a Instrução.
O Tribunal é competente
O arguido A..., requereu a abertura da instrução alegando, em resumo, o seguinte:
O Despacho de Acusação deduzido nos presentes Autos é Nulo, na medida em que não contém a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao Requerente de uma Pena relativamente à totalidade dos Ilícitos conexos com Terrorismo por que vem acusado.
Com efeito, seja da narração fáctica da Acusação deduzida, seja da Prova Indiciária existente nos Autos, não se retira o mais leve sinal de que o Requerente tenha de alguma forma aderido a uma organização terrorista internacional, haja com a finalidade de financiar o terrorismo falsificado ouusado documentos não genuínos, tenha recrutado quem quer que fosse para o terrorismo ou, sequer, que tivesse financiado o terrorismo.
Visto que a totalidade dos factos, ainda que com alguma ressonância criminal, que lhe são imputados são-no de forma manifestamente genérica e abstracta, o que, a bem de ver e para além do mais, impossibilita que o Requerente possa exercer o Contraditório.
Que a acusação não contém um facto concreto e objectivo que seja -por si só ou em conjunto com outros - configurativo do preenchimento do recorte normativo de qualquer um dos normativos invocados, afinal, no Libelo Acusatório acerca do Terrorismo.
Mais referiu que os autos não contêm elementos de prova para que se possa concluir pela verificação de indícios suficientes quanto aos crimes de terrorismo que lhe foram imputados.
Concretizou da seguinte forma:
Refere-se no ponto 5.° da Acusação que O suspeito H..., foi convencido pelo arguido A... a emigrar para a Europa e na altura viajavam juntos no referido voo TP202 proveniente de Bissau, tendo sido o arguido A... quem tratou de arranjar toda a documentação necessária e quem financiou as passagens de avião de ambos.
O que, no rigor dos factos, excepção feita à descrição do voo, é brutalmente falso.
Para se alcançar a verdade bastaria atentar nas Declarações prestadas pelo Requerente e pelo referido H....
Com efeito, encontra-se junto aos Autos a folhas 5960 - ainda que se estranhe até esta data a ausência de transcrição, tradução e respectiva junção ao Processo em suporte de papel ¬as Declarações prestadas pelo suspeito H..., em suporte digital, junto do Tribunal da Grande Instância de Paris, no âmbito do Processo N.° 2113/16/13, em 11 de Outubro de 2017 (Conforme Cópia das Declarações de H... ora junta como Doe. N.° 1 e cujo teor, para os legais efeitos, aqui se dá por integralmente reproduzido).
Donde se extrai que não foi ele: quem convenceu quem quer que fosse (além de si próprio) a viajar naquela circunstância de tempo, lugar e modo a emigrar para a Europa, nomeadamente o dito H...; Quem tratou de arranjar (-além da que ele próprio utilizou) qualquer documentação de que o H... necessitou para essa deslocação; e, Quem custeou ou financiou (além das suas) as despesas referentes às passagens de avião do H....
Efectivamente, da Prova existente nos Autos resulta que o Requerente conheceu/viu/contactou com o H... pela primeira vez em sua vida em Portugal e já no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa.
Antes desse momento desconhecia por completo a existência de tal individuo.
Menciona-se no ponto 9.° da Acusação que Segundo orientações dadas pelo arguido A..., o suspeito H... também pediu asilo em Portugal, tendo-lhe sido atribuído pelas autoridades Portuguesas o Estatuto de Refugiado e a autorização de residência n° 1..., valida até 20-10-2019. Impõe-se afirmar que é totalmente falso, não passando de uma inferência sem qualquer nexo probatório constante dos Autos, que o Requerente haja dado quaisquer orientações ao referido H... acerca do modo como deveria solicitar o pedido de asilo às Autoridades Portuguesas.
A este propósito apenas existem nos Autos as Declarações, acima identificadas e para onde se remete a leitura atenta de V/Ex.a, prestadas pelo H... e aquelas que o próprio Requerente deu ao Acusador em sede de Inquérito. Nada mais além disso.
E daí resulta, exuberantemente, que naquela circunstância de tempo e lugar o Requerente em nada orientou o referido H..., nem sequer no sentido de como pedir o asilo às Autoridades Portuguesas.
Pelo que, se tal individuo requereu esse Estatuto, fê-lo por sua própria iniciativa e meios e sem qualquer contributo moral ou material do Requerente.
Refere-se no ponto 15.° da Acusação que O arguido A... apresentava-se em público com uma postura ortodoxa/fundamentalista, dedicada ao Islão, com fortes sinais de radicalismo islâmico e de defesa do salafismo Jihadista violento.
E totalmente falso o que se verteu neste item da Acusação.
Dos elementos de Prova recolhidos durante o Inquérito resulta que o Requerente foi durante largos meses alvo de apertada vigilância, donde resultaram a recolha de variadas reportagens fotográficas cujos eventos se encontram retractados ao longo dos Autos.
Inexistem, por conseguinte, nos Autos quaisquer Provas ou indícios delas que permitam que se conclua que o Requerente se apresentava em público com uma postura ortodoxa/fundamentalista dedicada ao Islão, com fortes sinais de radicalismo islâmico e de defesa do salafismo Jihadista violento, sendo certo que o Acusador, no Despacho de Acusação ou em qualquer outro local dos Autos, não concretiza ou descreve o que em seu entender é susceptível de ser caracterizado como cssa postura.
Mais refere que são falsas referências constantes nos pontos 16.° a 20.° da Acusação. É falso que o Requerente:
Haja aderido a qualquer organização de cunho terrorista aquém ou além-fronteiras, nomeadamente ao Estado Islâmico ;
Tenha agido, em que circunstância de tempo fosse, no interesse do referido Estado Islâmico ;
Tenha recrutado, em que país fosse, jovens ou adultos para aderirem e integrarem a luta Jihadista levada a cabo pelo Estado Islâmico na Síria ou na Europa;
Tenha transmitido aos jovens ou adultos que não recrutou quaisquer ordens, indicações ou directrizes dos líderes, que desconhece quem sejam, do Estado Islâmico a que não pertence;
Tenha financiado com que bens fosse as viagens e despesas dos indivíduos que não recrutou; e,
Tenha radicalizado e recrutado quem quer que fosse, nomeadamente o referido H..., para aderir à luta do DAESH na região Sírio-Iraquiana ou em qualquer outro local.
A Prova recolhida durante o Inquérito impõe que se afirme que estas conclusões avançadas pelo Acusador não têm qualquer suporte probatório, não passando, por conseguinte, de especulação sem qualquer base factual.
Referem-se nos pontos 21.° a 23.° da Acusação que o Requerente terá pesquisado alguns termos e referências conexas com o radicalismo islâmico e incitamento à violência terrorista na internet e consultado alguns livros e outros escritos acerca desta temática.
No entanto, impõe-se frisar que tais factos (aqui sim factos) são totalmente inócuos (sejam isolada ou conjuntamente considerados) para efeitos de responsabilização penal das condutas do Requerente.
Mais se diga que essas condutas (de pesquisa e estudo de que matérias seja) em termos Penais são axiologicamente neutras em face do que se encontra estabelecido Ordenamento Jurídico Nacional.
Menciona-se no ponto 24.° da Acusação que Entre os documentos manuscritos pelo arguido, foram ainda encontrados excertos seleccionados do Corão com referencias a luta e violência, defendida pela orientação salafistas Jihadista, nomeadamente:
Ainda que tais escritos sejam probatoriamente irrelevantes para a aferência da responsabilidade criminal do Requerente (ou de quem quer que seja), impõe-se esclarecer que estes documentos foram apreendidos no quarto que era partilhado com o referido H... e que, ademais, em sede de Inquérito o Requerente foi confrontado com a existência dos mesmos pelo Investigador, e nessa sede, esclareceu os que eram seus e aqueles que o não eram.
Dessa diligência, último Interrogatório Complementar de Arguido, extrai-se que o Requerente repudiou a pés e mãos juntas que esses documentos escritos em árabe fossem seus. Mais, avançou que nunca os tinha visto e que não reconhecia tal caligrafia como sendo sua.
Refere-se no ponto 25.° da Acusação que Apurou-se ainda que no seu processo de radicalização, em Novembro de 2011 o arguido A... esteve de passagem na Turquia, conforme fotografias contidas na camará fotográfica que lhe foi apreendida, nomeadamente as identificadas como: IMGP0141.JPG de 22-11-2011, 1MGP0136.JPG de 21-11-2011 e IMGP0131.JPG, de 21-11-2011, sendo que a Turquia é uma rota de destino utilizado pelo jihadistas para entrarem na Síria.
As conclusões vertidas neste ponto da acusação, em linha com as demais, são manifestamente falsas.
E são-no porque o Acusador desvirtua por completo a realidade subjacente aos factos com que é confrontado.
O Acusador desconhece por completo se existiu algum processo de radicalização do Requerente. Desconhece porque não tem prova alguma que este o tenha sofrido, porém, sempre que lhe surge algum facto que lhe permite especular acerca dessa possibilidade avança concluindo que essa factualidade é real e aconteceu nos termos que imagina.
No entanto uma vez mais as conclusões extrapolaram - em muito - a realidade do acontecer, porquanto decorre das Declarações que o Requerente prestou ao longo do Processo e da demais Prova junta aos Autos que, além de não ter existido qualquer processo de adicalização, este, esteve na Turquia em Novembro de 2011 (em rigor em Istambul) porque estava de passagem para a Noruega, pais onde assentou arraiais durante muito tempo como Refugiado e nunca esteve na Síria nesse período de tempo ou em qualquer outro. A menção do facto de a Turquia ser uma rota de destino utilizada pelos Jihadistas para entrarem na Síria, não implica que todos os que aí se dirijam augurem lá chegar, com efeito a Turquia não faz exclusivamente fronteira com esse país.
Menciona-se no ponto 26.° da Acusação que O arguido A... não estava referenciado na lista de terroristas designados pela ONU e passou a cometer em Portugal actos directos de colaboração, apoio, recrutamento de novos membros e financiamento da organização terrorista ISIS/ISIL, actualmente conhecida como o auto proclamado Estado Islâmico, ou DAESH, que em Junho de 2014 proclamou a instauração do Califado numa vasta área sob o seu domínio militar que compreende partes dos territórios do Iraque e da Republica Árabe da Síria.
E falso que o Requerente, fosse em solo nacional fosse em território estrangeiro, tenha cometido quaisquer actos directos de colaboração, apoio, recrutamento e financiamento da organização terrorista ISIS ou de qualquer outra.
Refere-se no ponto 29.° da Acusação que Porém, em meados de 2013, a partir do momento em que conheceu e passou a conviver com o arguido A... o suspeito H... começou a receber daquele doutrinação radical sobre o Islamismo e sobre a Lei Islâmica, tendo deixado de trabalhar e aceite viajar com o arguido A... para a Europa. falso que o Requerente tenha doutrinado quem quer que fosse sobre radicalismo islâmico.
Menciona-se no ponto 30.° da Acusação que Por influência do arguido A..., H... mudou o seu comportamento anterior, converteu-se a corrente radical do Islamismo designada como salafismo Jihadista e passou a agir como um fervoroso devoto da Religião Islâmica.
E falso, inexistindo Prova nos Autos que suporte o contrário, que o Requerente haja influenciado o H... a converter-se ao Salafismo Jihadista.
Mais se diga que a Prova existente nos Autos, nomeadamente a resultante das Declarações prestadas pelo Requerente e pelo suspeito H..., atestam precisamente o contrário, isto é, que a ter existido alguma radicalização do referido individuo nada poderá ser imputado ao Requerente.
Refere-se no ponto 32.° da Acusação que 0 arguido A... conseguiu convencer H... a juntar-se ao DAESH, tendo o mesmo, em meados de 2014 sob orientação e com o apoio do arguido, se deslocado a Síria juntamente com um amigo de nome AB..., onde permaneceu durante cerca de dois meses e recebeu treino militar dado por grupos terroristas.
Como já se expôs é totalmente falso que o Requerente tenha convencido o H... a juntar-se ao DAESH ou a qualquer outra organização terrorista. Como falso é que o H... se tenha deslocado à Síria a orientação e sob apoio do Requerente.
Mais sc diga que os conclusivos (são o caso dos pontos 35, 37, 38, 51 a 79, 125, 134 a 140 e 145 a 150 da Acusação) além de não terem correspondência com a Verdade são desprovidos de qualquer suporte probatório que os sustente nos Autos e, a maioria deles, inclusive refractários da Prova constante do Processo, como o seja das Declarações prestadas pelo Requerente e pelo suspeito H... e outra Prova aí entranhada.
Já os descritivos, (são o caso dos pontos 39 a 50, 80 a 124, 126 a 133 e 141 a 144 da Acusação) como a sua própria essência impõe, narram, apenas e tão só, actos processuais ocorridos em sede de Inquérito e são maioritariamente inócuos e irrelevantes para efeitos de imputação criminal por Ilícitos conexos com o terrorismo ao Requerente ou a quem quer que seja.
Conclui dizendo que sua a conduta, no que respeita a Crimes relacionados com Terrorismo, para lá de lícita, é conforme ao Direito e insusceptível de qualquer juízo de censura Penal no Ordenamento Jurídico Português, por este não ter violado quaisquer normas penais e a sua conduta, no âmbito dos factos que lhe são imputados, ser, senão positiva, axiologicamente neutra, razão pela qual se impõe uma decisão de não submissão a julgamento pelos alegados crimes de terrorismo.
Em sede de instrução, procedeu-se à inquirição das testemunhas e interrogatório do arguido.
Não se vislumbrando qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, efectuou-se o debate instrutório, o qual decorreu na presença do arguido, com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respectiva acta, tudo, em conformidade com o disposto nos arts. 298°, 301° e 302°, todos do Código de Processo Penal.
O debate instrutório teve lugar conforme resulta da acta.
Em sede de conclusões, o arguido requereu a não pronúncia pelos crimes imputados na acusação e sua pronúncia quanto ao uso de passaporte falso e falsificação dos cartões de crédito.
Cumpre agora, nos termos do art. 308° do CPP, proferir decisão instrutória.
A instrução visa, segundo o que nos diz o art. 286/1 do Código de Processo Penal, a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Configura-se, assim, como fase processual sempre facultativa -cfr. n° 2 do mesmo dispositivo - destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.
Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no Código de Processo Penal como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que, tendencialmente, se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal.
Tal como resulta desse preceito legal, a instrução não consubstancia um novo inquérito, mas apenas um momento processual de comprovação que termina com um despacho judicial pronunciando, ou não, o arguido pelos factos que lhe são imputados.
Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispõe do art. 308°, n° 1, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.
Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação. Depois, no n° 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o n° 2 do art. 283°, nos termos do qual consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
Assim, para que surja uma decisão de pronúncia, a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final; trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.
Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um acto em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado.
Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infracção, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma, a que, da sua lógica conjugação e relacionação, se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.
Os indícios são, pois, suficientes, quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. Neste sentido, veja-se Castanheira Neves, in Sumários de Processo Criminal, págs. 38 e 39, onde aquele professor perfilha a tese segundo a qual na suficiência de indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final apenas com a limitação inerente à fase instrutória, no âmbito da qual não são naturalmente mobilizados os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação.
No mesmo sentido veja-se Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2.a ed., pp. 179, diz que para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa (...) Também Figueiredo Dias, a este propósito, diz que existem indícios suficientes quando a futura condenação do arguido, uma vez submetido a julgamento, seja mais provável do que a sua absolvição - in Direito Processual Penal, 1974, pp. 133.
A este propósito, a jurisprudência também tem formulado alguns entendimentos que exprimem o estatuído na lei: indiciação suficiente é a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção pelos quais os agentes virão a responder.
Veja-se AC. Do STJ de 21-05-03 in www.dgsi.pt ... na suficiência dos indícios está contida a 'mesma exigência de verdade' requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo 'prova bastante' para a acusação (ou para a pronúncia).
Numa decisão mais recente (Acórdão da RL de 9-4-2013) reafirma-se: «Assim, o juízo sobre a suficiência dos indícios, no contexto probatório em que se afirma, deverá passar pela bitola da probabilidade elevada ou particularmente qualificada, correspondente à formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de condenação...»
Não se exigindo a certeza - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável ¬que tem de preceder um juízo condenatório, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação...enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado...»
Embora para a pronúncia não seja necessária a certeza da existência da infracção, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes, de modo que, uma vez logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade no que respeita aos factos que lhe são imputados.
A prova, mesmo a indiciária, como é o caso daquela que é recolhida nas fases de inquérito e de instrução, é apreciada de harmonia com as regras de experiência e a livre convicção do tribunal, tendo como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência e a livre convicção da entidade competente (Art.° 127.° do CPPenal).
Assim, os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento; tal ocorre quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios, for razoável.
Cumpre dizer, também, que no que concerne à dedução de acusação ou de pronúncia, constitui uma garantia fundamental de defesa, manifestação do princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado, que ninguém seja submetido a julgamento penal senão havendo indícios suficientes de que praticou um crime. E o conteúdo normativo a conferir a esse conceito de indícios suficientes não pode ser alhear-se do mencionado princípio da presunção de inocência.
No desenvolvimento deste entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n° 439/2002, de 23 de Outubro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, considerou que (...) a interpretação normativa dos artigos citados [286° n° 1, 298° e 308° n° 1, do CPP] que exclui o princípio in dúbio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no art. 32° n° 2, da Constituição
Fixadas as directrizes, que de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa agora, apurar, por um lado, se em face da prova recolhida até ao momento se indicia suficientemente a prática pelos arguidos dos factos que lhes são imputados na acusação, e, por outro lado, concluindo-se afirmativamente, se tais factos sustentam a imputação jurídico-criminal efectuada naquele articulado acusatório.
Neste âmbito, importa referir que não serão as considerações produzidas em sede de debate instrutório pelos ilustres defensores dos arguidos que permitirão, por si só, a infirmação de toda a prova anteriormente recolhida contra os mesmos na fase de inquérito. Para pugnar por uma não pronúncia não basta dizer que não há indícios e nem fazer uma leitura isolada de alguns artigos da acusação e retirada do contexto. A acusação, sobretudo num caso como este, terá que ser analisada no seu todo só assim se compreendendo a ligação e actuação dos diversos intervenientes. Só fazendo esta análise global é que poderemos compreender e concluir pela verificação ou não de indícios que justifiquem a submissão dos arguidos ou alguns deles à fase seguinte.
Questões prévias
Antes de nos pronunciarmos sobre o plano fáctico, sobre o que indiciariamente estará ou não em condições de ser dado por assente, a esse nível, num mero grau de probabilidade, cumpre apreciar e decidir a nulidade invocada pelo requerente, nulidades conforme o disposto no artigo 308.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.
A este propósito refere o Prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2009, págs. 175/177: antes de formular o juízo de indiciação, o juiz deve conhecer de todas as questões prévias e incidentais de que possa conhecer, dispõe o art. 308. ° n.o 3.
A decisão sobre as questões prévias corresponde sobretudo à ideia de saneamento do processo. Essas questões respeitam à instância, são independentes da questão de mérito com a qual estão conexas só por via da relação formal que entre ambas se estabelece.
Importa averiguar da regularidade da instância para que o processo viciado não prossiga; há que saneá-lo, sendo possível, para que se possa vir a proferir a decisão de mérito para que tende todo o processo ou para evitar que prossiga inutilmente. O juiz deve procurar remover os obstáculos que se opõem à decisão de mérito ou evitar que o processo prossiga inutilmente se a decisão de mérito não for possível.
As questões prévias são, pois, questões de natureza processual; são os pressupostos da existência ou requisitos de validade ou regularidade do procedimento e dos actos processuais.
A decisão sobre as questões prévias e incidentais faz, em regra, parte integrante da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia... A decisão de não pronúncia pode ter por fundamento precisamente um vício processual, pode ser resultado da apreciação de uma questão prévia ou incidental.Também quando a decisão das questões prévias conduza à anulação total ou parcial do processo, com consequente anulação da acusação, poder-se-ia entender que o juiz não chegaria a proferir despacho de não pronúncia, uma vez que não chegaria sequer a apreciar a acusação, mas não é assim. O tribunal recusa a acusação com o fundamento da sua inadmissibilidade em razão daqueles vícios».
A questão prévia suscitada pelo arguido prende-se nulidade da acusação por violação do disposto no art° 283° n° 3 al. b) do CPP.
Cumpre conhecer:
Como é sabido, a imputação genérica de uma conduta sem a descrição fáctica da actuação de cada um dos arguidos, eventualmente integradora de um ilícito penal, com ausência de nexo de causalidade entre a sua acção concreta e a prática supostamente ilegal, é insusceptível de conduzir à imputação aos arguidos de uma conduta ilícita e por consequência a aplicação, aos mesmos, de uma pena ou de uma medida de segurança, mostrando-se pois violado o princípio constitucional do acusatório.
O exercício da acção penal compete ao M.° P.° (art. 48° do CPP), que, findo o inquérito determinará o arquivamento se tiverem sido recolhidas provas de não se ter verificado o crime, de o arguido o não ter praticado ou for legalmente inadmissível o procedimento e, ainda, se não houver indícios bastantes da sua verificação ou de quem foram os agentes (art. 277°, n.° s 1 e 2 do CPP); se, pelo contrário, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, deduzirá acusação contra este (art. 283°, n.° 1, do CPP).
Nos termos do art. 283° n° 3, do CPP, a acusação deverá ser uma narração ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada.
A acusação deve conter esses elementos, sob pena de nulidade relativa (sanável com o regime previsto nos arts. 120° e 121° do C.P.P.), tal como estatui o art. 283°, n° 3 do C.P.P.
Este regime é a expressão dos princípios que conformam o nosso Processo Penal, nomeadamente do princípio acusatório consagrado no art. 32°, n° 5 da CRP, e do imperativo de assegurar as garantias de defesa expresso no n° 1 deste art. 32° da CRP.
Concretizando, a exigência de indicação tão completa quanto possível (ainda que sintética) na acusação dos factos imputados ao arguido, destina-se a assegurar a fixação, perante o Tribunal, do objecto da causa, delimitando a sua actividade cognitória e decisória e possibilitar, por outro lado, o conhecimento pelo arguido da actividade criminosa que lhe é atribuída, para que dessa imputação se possa defender da forma que julgue conveniente.
No que se reporta à elaboração da acusação interessa também chamar a atenção para a necessidade de se conferir o máximo cuidado à sua feitura, não apenas no aspecto de explanação geral, como sobretudo na vertente da descrição fáctica, que deve ser suficientemente pormenorizada e precisa, até porque, como se sabe, está legalmente vedada uma alteração substancial dos factos transportados para a acusação, limitativa dos poderes do J.I.C. (quanto à amplitude da instrução e da decisão instrutória - art. 303° e 309°) e os poderes do juiz de julgamento (art. 358° e 359°) Leal Henriques e Simas Santos Código de Processo Penal Anotado, 2a edição, págs. 139 e 140.
O que o preceito exige é a narração sintética a partir da qual seja definido o objecto do processo por forma, a que os arguidos saibam de que devem defender-se, publicitando-se os limites materiais da acusação.
A este propósito vejam-se os seguintes acórdãos:
í-A acusação (e a pronúncia) deve conter, ainda que de forma sintética, a descrição dos factos de que o arguido é acusado, efectuada discriminada e precisamente com relação a cada um dos actos constitutivos do crime, pelo que se hão-de mencionar todos os elementos da infracção e quais os factos que o arguido realizou, sem imprecisões ou referências vagas
AC. TRE de 07.04.2015 (Proc. 159/12.4IDSTB.E1), in www.dgsi.pt
Neste sentido, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-01-2007, Proc. 10221/2006 - 5, 7. E nula a acusação pública -conduzindo à sua rejeição por ser de reputar manifestamente infundada -quando a mesma é omissa quanto aos factos que integram
o elemento subjectivo do crime imputado ao arguido. II Concluindo o juiz de instrução que a acusação não contém todos os pressupostos - nomeadamente, de facto - de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, só lhe resta a alternativa de proferir despacho de não pronúncia, nos termos do art.° 308°, n.° 1, in fine, do CPP. III ¬Não pode, naquele caso, o Juiz de instrução devolver o processo ao MP, para reformular a acusação declarada nula.
A acusação deduzida nestes autos, quanto à imputação objectiva, apesar de, em muitos pontos ser meramente conclusiva, vaga, genérica e sem concretização dos actos praticados pelo arguido, como é o caso das referências constantes nos artigos 15, 17, 18, 19, 20, 35, 37, 52, 53, 55, 77, 78, 79, 127, mostra-se minimamente articulada, na medida em que faz uma apresentação do desenvolvimento factual lógico e cronológico das situações susceptíveis de integrar os crimes que lhe são imputados, revelando-se, por isso, compreensível e assegurando todas as garantias de defesa do mesmo, na medida em que lhe é facultado a dimensão real do objecto do processo. Na verdade, conseguimos identificar os factos lhes são imputados, a forma, o tempo, o lugar e os motivos da sua prática.
Como já referimos, a acusação é uma peça processual que deve ser auto-suficiente, possibilitando uma apreensão completa do seu conteúdo, através da respectiva leitura.
Ora a acusação redigida na forma descrita, apesar de conter referências genéricas e conclusivas, bem como a descrição de meios de prova, percepções das testemunhas e de diligências processuais, como é o caso do referido nos artigos 26, 36, 46, 47, 48, 59, 61, 65, 66, 72, 73, 74, 76, 116, 117, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 127, 128, 129, 131, 132, 142, 143, ainda assim possibilita a delimitação do objecto do processo, bem como a compreensão, por parte do arguido, da actividade criminosa que lhe é imputada. Com efeito, é descrita a função
e o papel do arguido, os contactos que manteve com outras pessoas com vista à alegada adesão ao estado islâmico, os locais onde exerceu esses contactos, os documentos de identificação que utilizou, as viagens que realizou, os cartões de crédito que utilizou.
Questão diferente, é saber se os autos contêm os elementos de prova suficientes para sustentar a submissão daquele a julgamento pelos crimes imputados na acusação.
Assim sendo, não estamos, pois, perante uma absoluta omissão desses elementos, consubstanciadora da prática da nulidade prevista no art. 283°, n° 2 al. b) do C.P.P.
Deste modo, improcede, nesta parte, a invocada nulidade.
Antes de entrarmos na análise dos elementos probatórios, vejamos os crimes imputados ao arguido.
O Arguido está acusado da prática, em Autoria Material e Concurso Real, de:
Um (01) Crime de Adesão a Organização Terrorista Internacional, previsto e punido pelo disposto nos Artigos 2.°, N.° 1, alínea a) e N.° 2, Artigo 3.° e 4.°, N°s 1 e 10 e Artigo 8.°, N.° 1, todos da Lei N.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei N.° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei N.° 25/2008 de 5 de Junho
e da Lei 17/2011 de 3 de Maio), com referência ainda a Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, a Posição Comum 2001/930/PESC sobre o combate ao terrorismo e a Posição Comum 2001/931/PESC relativa a aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo. Regulamento (CE) N.° 2580/2001 o Artigo 1.°, N.°s 2 e 3, que define, respectivamente, o que se entende por «pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas» e por «acto terrorista» e prevê nos Artigos 2.° e 3.° alínea e) a Inscrição de uma organização na lista das pessoas, grupos e entidades envolvidos em actos terroristas, sendo actualmente o DAESH ou Estado Islâmico considerado na UE como uma organização terrorista internacional;
Um (01) Crime de Falsificação com Vista ao Terrorismo, previsto e punido pelas disposições conjugadas do Artigo 256.° N.°s 1 alínea e) e N.° 3 do Código Penal e dos Artigos 2.° N.° 1 alínea a) e 4.° N.°s 1 e 2 e 5.° N.° 1 da Lei N.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei N.° 25/2008 de 5 de Junho e da Lei N.° 17/2011 de 3 de Maio);
Quatro (04) Crimes de Uso de Documento Falso com Vista ao Financiamento do Terrorismo, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos Artigos 262.° N.° 2 e 267.° N.° 1 alínea c) do Código Penal e dos Artigos 2.° N.° 1 alínea a), 4.°, N.°s 1 e 2, 5.° N.° 1 e 5°- A N.° 1 da Lei N.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei N.° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei N.° 25/2008 de 5 de Junho e da Lei N.° 17/2011 de 3 de Maio);
Um (01) Crime de Recrutamento para Terrorismo, previsto e punido pelos Artigos 2.° N.° 1 alínea a), 3.°, 4.° N.°s 1 e 6, 5.° e 8.° N.° 1 da Lei N.° 52/2003 de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei N.° 59/2007 de 4 de Setembro, da Lei N.° 25/2008 de 5 de Junho e da Lei 17/2011 de 3 de Maio); e,
Um (01) Crime de Financiamento do Terrorismo, previsto e punido pelos Artigos 2.° N.° 1 alínea a), 5.°, 5.°-A N.° 1 e 8.° N.° 1 da Lei N.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei N.° 59/2007 de 4 de Setembro, da Lei N.° 25/2008 de 5 de Junho e da Lei N.° 17/2011 de 3 de Maio e Lei N.° 60/2015, de 24 de Junho).
Vejamos agora as normas legais relativas aos tipos legais de crime em causa.
Crime de adesão a organização terrorista internacional
Artigo 2° n° 1 al. a) da Lei 52/2003 de 22 de Agosto 1 - Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante:
a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
Artigo 3° - outras organizações terroristas
1 - Aos grupos, organizações e associações previstas no n.° 1 do artigo anterior são equiparados os agrupamentos de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem, mediante a prática dos factos aí descritos, prejudicar a integridade ou a independência de um Estado, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições desse Estado ou de uma organização pública internacional, forçar as respectivas autoridades a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certos grupos de pessoas ou populações.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 a 5 do artigo anterior.
Artigo 4° n° 1 e 10 - Terrorismo.
1 - Quem praticar os factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela, não podendo a pena aplicada exceder o limite referido no n.° 2 do artigo 41.° do Código Penal.
10- Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista ao treino, apoio logístico ou instrução de outrem para a prática de factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
Crime de falsificação com vista ao terrorismo
Artigo 4°
1 - Quem praticar os factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela, não podendo a pena aplicada exceder o limite referido no n.° 2 do artigo 41.° do Código Penal.
2 - Quem praticar crime de furto qualificado, roubo, extorsão, burla informática e nas comunicações, falsidade informática, ou falsificação de documento com vista ao cometimento dos factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, é punido com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
Artigo 5° - terrorismo internacional
1 - Quem praticar os factos previstos no n.° 1 do artigo 2.° com a intenção referida no n.° 1 do artigo 3.° é punido com a pena de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela.
Crime de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo
Artigo 5° A
1 - Quem, por quaisquer meios, directa ou indirectamente, fornecer, recolher ou detiver fundos ou bens de qualquer tipo, bem como produtos ou direitos susceptíveis de ser transformados em fundos, com a intenção de serem utilizados ou sabendo que podem ser utilizados, total ou parcialmente, no planeamento, na preparação ou para a prática dos factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, quer com a intenção nele referida quer com a intenção referida no n.° 1 do artigo 3.°, é punido com pena de prisão de 8 a 15 anos.
Crime de recrutamento para terrorismo Artigo 4° n° 6
Quem, por qualquer meio, recrutar outrem para a prática dos factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
Crime de financiamento do terrorismo
Artigo 5° A n° 1
1 - Quem, por quaisquer meios, directa ou indirectamente, fornecer, recolher ou detiver fundos ou bens de qualquer tipo, bem como produtos ou direitos susceptíveis de ser transformados em fundos, com a intenção de serem utilizados ou sabendo que podem ser utilizados, total ou parcialmente, no planeamento, na preparação ou para a prática dos factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, quer com a intenção nele referida quer com a intenção referida no n.° 1 do artigo 3.°, é punido com pena de prisão de 8 a 15 anos.
1-Comecemos pelo crime de falsificação de documento
Assim, quanto ao crime de falsificação de documento com vista ao terrorismo é necessário que estejam preenchidos os seguintes elementos constitutivos do tipo:
Segundo o referido artigo 256° n°s 1, quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso, ou fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, ou usar documento falso é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, sendo que se tais factos respeitarem a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale de correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267°, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
O bem jurídico acautelado com semelhante incriminação é, pois, a segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório, ou seja, a verdade intrínseca do documento enquanto tal, não se protegendo o património nem sequer a confiança na verdade do conteúdo do documento (cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in O Legislador de 1982 optou pela Descriminalização do Crime Patrimonial de Simulação, Parecer publicado na C.J., VIII, tomo 3 - 20 e ss.).
E, quanto ao que aqui releva, a conduta do arguido será objectivamente típica se os mesmos fabricarem documento falso, falsificarem ou alterarem documento ou ainda se fizerem constar de documento falsamente facto juridicamente relevante.
Estamos, assim, perante situações de contrafacção total de documentos (em que a declaração documentada, idónea a provar um facto juridicamente relevante, é distinta da declaração realizada), de falsificação material (em que o documento original é posteriormente alterado) e de narração de facto falso juridicamente relevante.
Por sua vez, exige-se que esse documento falso seja usado com vista ao cometimento de um crime contra a vida, a integridade física ou liberdade das pessoas e que se seja cometido por um agrupamento de duas ou mais pessoas, que actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência de um Estado, impedir, alterar o funcionamento das instituições desse Estado ou de uma organização pública internacional, forçar as respectivas autoridades a praticar um acto, abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certos grupos de pessoas, grupos ou populações.
Assim sendo, exige-se, ao abrigo do disposto no 4° n° 2 da Lei de Combate ao Terrorismo, um dolo específico traduzido na intenção de usar documento falso com vista ao cometimento dos factos identificados no n° 1 do artigo 2° da citada lei.
No caso concreto, o arguido está acusado do uso de passaporte falso com vista ao terrorismo.
Os factos relativos a este crime estão descritos nos artigos 1 a 14 da acusação, sendo que nos artigos 10° a 14° estão relatados os factos relativos ao elemento subjectivo do crime.
Quanto a estes factos, tendo em conta os elementos probatórios constantes dos autos, mais precisamente as declarações confessórias do arguido, prestadas em sede de interrogatório judicial no decurso da instrução, dúvidas não existem quanto à verificação de fortes indícios da prática dos factos em causa por parte do mesmo. Na verdade, o arguido admitiu estar na posse do passaporte francês, com o n° 0..., e que exibiu esse passaporte aquando da sua entrada em Portugal, apesar de saber que o mesmo era falso.
Vejamos o que diz a acusação nos artigos 10° a 14° a propósito do elemento subjectivo.
Das circunstâncias que rodearam a fiscalização do arguido A... no aeroporto de Lisboa resulta que o mesmo usou um passaporte Francês falsificado para se identificar perante os inspectores funcionários do SEF, bem sabendo que se tratavam de agentes de autoridade do Estado Português e que ao agir da forma descrita colocava em crise a confiança das pessoas em geral, quanto à genuinidade e exactidão e a fé pública associadas à informação fornecida neste tipo de documento.
O arguido tinha pleno conhecimento que um passaporte é um documento emitido por entidade pública com a finalidade de identificar o respectivo titular, com especial valor probatório, cuja emissão está reservada, em exclusivo, às autoridades públicas competentes do respectivo Estado emissor.
Sabia ainda o arguido que em circunstância alguma poderia falsificar, manipular, ou utilizar o referido passaporte com a sua fotografia aposta, para se identificar com tal documento.
O arguido tinha ainda pleno conhecimento de que estava obrigado a fornecer às autoridades do SEF a sua identificação verdadeira e que em circunstância alguma podia usurpar a identidade de terceiros, nomeadamente a do cidadão Francês P... referida no passaporte com o qual o arguido se identificou.
O arguido A... sabia perfeitamente que a sua conduta violava as regras estabelecidas para a entrada de cidadãos estrangeiros no Espaço Schengen, tendo agido com o expresso propósito de violar as regras de emigração estabelecidas pelo Estado Português.
Tendo em conta os factos descritos na acusação relativos ao uso do passaporte falso por parte do arguido T..., aquando da sua entrada em Portugal, no dia 23 de Setembro de 2013, verifica-se que esses factos, a provarem-se, são susceptíveis de configurar tão só um crime de falsificação de documento pep pelo artigo 256° n° 1 al. e) e n° 3 do Código Penal e não um crime previsto no artigo 4° n° 2 da Lei de Combate ao Terrorismo, na medida em que a acusação não descreve o elemento subjectivo do crime em acusa.
Para além disso, quanto aos elementos objectivos, a acusação não refere nenhum facto concreto susceptível de preencher os pressupostos enunciados no artigo 3° n° 1 e 5° n° 1 da Lei de Combate ao Terrorismo. Na verdade, não consta nos factos descritos na acusação que o arguido, ao usar o passaporte falso, prejudicou a integridade a independência de um Estado ou que impediu, alterou ou subverteu o funcionamento das instituições desse Estado ou de uma organização pública internacional.
A acusação limitou-se a descrever os elementos constitutivos do tipo legal previsto no artigo 256° do CP. Para além disso, cumpre referir que os dos meios de prova, relativos ao uso do passaporte, são insuficientes para que se possa concluir pela verificação de indícios quanto ao crime de falsificação com vista ao terrorismo.
Assim sendo, impõe-se a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação quanto ao uso do passaporte falso, sendo o arguido pronunciado pela prática de um crime de falsificação de documento p e p pelo artigo 256° n° 1 al. e) e n° 3 do CP.
2-Vejamos agora o crime de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo.
Ao arguido foi imputada, também, a prática de quatro crimes de falsificação com vista ao financiamento ao terrorismo, tendo subjacente os quatro crimes de passagem de moeda falsa p e p pelo art. 262° n° 2 e 267° n° 1 al. c) do CP. (relativo à utilização dos quatro cartões de crédito -American Express).
Tendo em conta a factualidade descrita acusação, verifica-se que os factos poderão, em abstracto, configurar, também, um crime de burla informática p e p pelo artigo 221° do CP. Deste modo, cumpre averiguar, antes de entrarmos na análise dos elementos constitutivos do crime em causa, se a conduta imputado ao arguido estará numa relação de concurso aparente ou numa relação de concurso efectivo, entre o crime de burla informática e o crime de contrafacção de moeda.
Preceitua o artigo 221.°, n.° 1 do Código Penal que Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizado no processamento, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa».
O concurso de crimes encontra-se regulamentado no n.° 1 do art. 30.° do Cód. Penal, sendo habitual distinguir-se o concurso legal, aparente ou impuro - aquele em que a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime, mas, por via de interpretação, conclui-se que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido ou absorvido por um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos devem recuar, não sendo aplicados - do concurso efectivo, verdadeiro ou puro - em que entre os tipos legais preenchidos pela conduta do agente não se dá uma exclusão por via das regras da especialidade, consumpção e subsidiariedade, mas antes as diversas normas aplicáveis aparecem como concorrentes na aplicação concreta. Neste último incluir-se-iam e distinguir-se-iam o concurso ideal e o concurso real (Leal-Henriques -Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.° Vol., Rei dos Livros, pág.s 383 a 385).
O art. 267.°, n.° 1, al. c) do Cód. Penal equiparou a moeda os cartões de garantia ou de crédito. Aqueles primeiros constituem um meio de adquirir bens e serviços, traduzindo-se a particularidade do seu funcionamento na circunstância de a liquidação da dívida ser directamente assegurada pelo emissor, que depois obtém do titular o correspondente reembolso, nas modalidades a pronto ou por prestações (Comentário Almeida e Costa, Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, pág.a 811).
De acordo com este Autor, a execução do crime de colocação em circulação (utilização) de cartão de crédito falsificado pode assumir duas modalidades fundamentais. A primeira consiste na apresentação, pelo agente, de um cartão falso ao sujeito passivo (v.g., ao empregado de um estabelecimento comercial) que, na convicção errónea da sua legitimidade, o passa no terminal P.O.S.. Numa segunda, por força do conluio com a pessoa autorizada a operar com o terminal P.O.S. (...) não se verifica entre a conduta do agente e o desencadear do processo automático de pagamento (...) a intervenção de qualquer sujeito passivo em estado de erro acerca da veracidade do cartão de crédito. Assim consoante o sujeito passivo se encontre (ou não) em estado de erro acerca da legitimidade do cartão apresentado a pagamento, assim a conduta do agente preenche, além da al. c) do n.° 1 do art. 267°, o tipo clássico da burla (arts. 217° e 218°) ou, pelo contrário, da burla informática (art. 21 I°). Em qualquer das hipóteses, depara-se com uma situação de consunção pura, em que, por razões análogas às indicadas, supra art. 262° § 49, o tipo legal da colocação em circulação de cartão de crédito esgota o âmbito da tutela conferido à situação, afastando consoante os casos, a incriminação a título de burla ou de burla informática (obra citada pág.a 815).
As razões análogas expendidas pelo Prof. Almeida Costa são as mencionadas na mesma obra a fls. 786 e segt.s de que assinalaremos os pontos fundamentais:
«Conforme se referiu, o crime de colocação em circulação traduz-se na prática de actos de que resulta, como consequência adequada, a entrada da moeda falsa na esfera de disposição de facto de outra pessoa, que a recebe na convicção errónea de que é verdadeira. Dizer isto equivale, porém, a aceitar que a execução do crime passa pela indução em erro do destinatário através de meios que, por definição, subjazem ao crime de burla (...). Numa primeira abordagem, tal circunstância aponta, desde logo, para a conclusão de que, sempre que um caso concreto se mostre, em simultâneo, reconduzível aos tipos legais da burla e da colocação em circulação de moeda falsa, se está perante um concurso aparente ou de normas ¬mais precisamente, perante uma hipótese em que a primeira incriminação é consumida (consunção pura) pela segunda. A isso parece aconselhar a própria relação entre os bens jurídicos em causa: ao instituir a integridade ou intangibilidade do sistema monetário legal ou oficial como bem jurídico dos crimes de moeda falsa, o legislador estabeleceu uma espécie de guarda avançada ou protecção de largo espectro em relação a um conjunto indiscriminado de outros bens jurídico-penais - entre os quais se conta o património -, cuja lesão (ou perigo de lesão) se apresenta intimamente associada aos aludidos delitos de moeda falsa (...). Até pela gravidade da pena constante do art. 262°-1 - muito mais severa do que a consagrada para a burla (arts. 217° e 218°) -, a teleologia da lei aponta, de modo inequívoco, no sentido de que a incriminação da colocação em circulação de moeda contrafeita esgota o conteúdo da tutela penal conferida àqueles outros bens jurídicos e, portanto, ao património, sempre que a sua ofensa decorra e, nessa medida, se confunda com a entrada da moeda falsa no tráfego monetário corrente, verificando-se uma situação típica de consunção pura.»
Neste sentido veja-se Acórdão da RP de 4-12-2002.
Assim, convocando a autoridade do ensinamento defendido na anotação supra concluímos que a conduta imputada ao arguido encontra-se numa relação de concurso aparente.
São equiparados a moeda os cartões de garantia ou de crédito -artigo 267.°, n.° 1, alínea c), do Código Penal. Com a incriminação dos crimes de moeda falsa pretende o legislador acautelar a integridade ou intangibilidade do sistema monetário ou oficial, cuja lesão apenas ocorre com a colocação em circulação da moeda ilegítima, e quanto aos títulos de crédito a integridade ou intangibilidade dos cartões de crédito - vide, uma vez mais, A.M. Almeida Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 749 e 808. Esta protecção dada ao sistema monetário determina uma protecção mediata a outros bens jurídicos como o património, a transparência da actividade económica e até mesmo a segurança do Estado.
Para o preenchimento do tipo basta que a actividade do agente se mostre idónea para produzir a entrada em circulação, como verdadeira, da moeda falsa e, assim, cumpra os requisitos gerais da imputação objectiva - vide A.M. Almeida Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 781.
A colocação em circulação de um cartão de crédito falso consiste no correspondente emprego numa transacção de bens ou serviços, independentemente de tal valor ser, ou não, pago pela instituição bancária.
Trata-se de um crime abstracto quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos ofendidos e de resultado quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção, melhor dizendo, de resultado cortado porque não é necessária a entrada em circulação da moeda, punindo-se logo o acto preparatório.
Uma vez chegados a esta conclusão, ou seja, que a conduta imputada ao arguido, relativa aos quatro cartões American Express, é susceptível de preencher quatro crimes de contrafacção de moeda p e p pelo artigo 262° n° 2 e 267° n° 1 al. c) do CP, cumpre agora saber se essa mesma conduta é passível de ser qualificada, tal como feito na acusação, como um crime de falsificação com vista ao terrorismo p e p pelo artigo 4° n° 2 da Lei de Combate ao Terrorismo.
Vejamos o que diz o artigo em causa.
Artigo 4° n° 2 - Quem praticar crime de furto qualificado, roubo, extorsão, burla informática e nas comunicações, falsidade informática, ou falsificação de documento com vista ao cometimento dos factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, é punido com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
Tendo em conta o elemento literal da norma facilmente se consta que o legislador não contemplou o crime de contrafacção de moeda entre o catálogo de crimes que, aquando acompanhado dos restantes elementos do tipo previsto no n° 1 do artigo 2°, é susceptível de preencher o tipo legal de crime de terrorismo.
Assim sendo, não falando a lei em contrafacção de moeda, mas falando em crime de falsificação de documento, a questão que agora se coloca é a de saber se é possível uma interpretação extensiva do conceito dado que, quanto a uma interpretação analógica, ela está liminarmente vedada por força do princípio da legalidade consagrado no artigo 29° da Constituição da República Portuguesa.
Como sabemos, na interpretação de uma norma incriminadora é exigido grande cuidado, na medida em que não é admissível a criação de um novo ilícito por via judicial, sendo este o critério distintivo entre analogia e interpretação extensiva.
Neste sentido veja-se o Prof. Inocêncio Gaivão Teles. ... a analogia é a aplicação de um preceito jurídico estabelecido para certo facto a outro facto juridicamente relevante mas sem directa ou implícita regulação (caso omisso) e semelhante ao primeiro. Não podendo confundir-se interpretação extensiva e analogia que se distinguem conceitualmente e praticamente. Enquanto interpretação extensiva é o alargamento da letra da lei, a analogia é o alargamento do seu espírito. - in Introdução ao Estudo do Direito, volume, 11 a edição, pag. 261/262.
Veja-se, também, Simas Santos e Leal Henriques, in Código Penal Anotado, 2ª edição, pag. 93 ao dizerem que O limite máximo da interpretação da lei penal é o sentido literal possível dos termos linguísticos utilizados na redacção do texto legal ... Toda a interpretação que exceda este sentido literal possível ... deixa de ser interpretação para se converter em criação do direito por via judicial ou doutrinal ... Mesmo nos casos de claro conteúdo literal toda a norma jurídica necessita de ser interpretada, uma vez que o sentido jurídico de um preceito legal pode ser diferente do que o entendimento vulgar deduz de um texto aparentemente claro, devendo entender-se por interpretação a actividade destinada a compreender e tornar compreensível o sentido jurídico de um texto.
E também os Ac. STJ no processo 07P809 de 4/10/2007, onde é dito que: «Em sede de interpretação jurídico-penal está excluído o recurso à analogia. Por um lado, o direito penal não contém lacunas, devido às características de subsidiariedade e de fragmentariedade, que levam a que só sejam puníveis os factos que foram eleitos, segundo uma prévia valoração axiológica-social, como capazes de representarem um especial tipo de ilicitude.
De outro ângulo, o princípio da legalidade, exigindo a determinação, com o máximo de objectividade, de todas as componentes do facto que é objecto da incriminação, impõe que o tipo legal não possa conter zonas lacunosas ou vazias, que possam a vir ser integradas pelo recurso à solução conferida a casos análogos.
Não está, porém, excluída a interpretação extensiva, pois sendo o texto legal constituído por palavras e sendo estas, quase sempre, polissémicas, tal texto torna-se carente dc interpretação, oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma plu...dade) de significados dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora desse quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida - Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 175 e seg».
Cabe, ainda, chamar à colação o art° 9 do Código Civil, segundo o qual Pires de Lima e Antunes Varela dizem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Ainda, como relembram Simas Santos e Leal Henriques (in Contra-Ordenações -Anotações ao Regime Geral, pág. 94) os métodos de interpretação podem ser, gramatical (quando se dedica à averiguação do sentido linguístico da lei), sistemático (quando se dedica a apurar o sentido da lei a partir da situação que o preceito a interpretar ocupa no contexto sistemático) e teleológico (quando os tenta apurar os bens jurídicos que o legislador pretende proteger e, também, os valores ético-sociais que foram decisivos na criação do preceito legal).
Assim sendo, tendo em conta os ensinamentos supra referidos é admissível, em direito penal, a interpretação extensiva. Porém, como diz Teresa Beleza, in BELEZA, Tereza Pizarro, Direito Penal, vol. I, AAFDL, 2.a Ed., 1985, p. 489, sintetiza esta questão da seguinte forma: só são constitucionalmente admissíveis as penas e as medidas de segurança (com a definição dos pressupostos que lhe são conexos) que estejam traduzidas explicitamente em palavras de uma lei anterior; a interpretação - incluindo a extensiva - destas palavras tem como limite extremo o sentido possível delas; isto significa que a Constituição admite a interpretação extensiva em direito penal até ao limite do sentido literal possível.
Fazendo a aplicação destas regras ao caso concreto, facilmente se conclui que o legislador quando referiu no texto do artigo 4° n° 2 da Lei de Combate ao Terrorismo «quem praticar crime de furto qualificado, roubo extorsão, burla informática e nas comunicações, falsidade informática, ou falsificação de documento...» estava a referir-se aos tipos legais de crime em causa e fê-lo de forma taxativa. Assim, quando o legislador fala em crime de falsificação de documento, apesar de não ter mencionado o artigo 256° do CP, está necessariamente a referir-se ao tipo legal de crime previsto no artigo 256° do CP e não a todo e qualquer crime que envolva a palavra falsificação.
Incluir o crime de contrafacção de moeda p e p pelo artigo 262° do CP entre o catálogo dos crimes enunciados no artigo 4° n° 2 da citada Lei, apenas por estar em causa o conceito de falsificação de moeda, seria, apesar de ainda conter no artigo em causa um mínimo de correspondência verbal, exceder o sentido possível das palavras da lei e com isso estaríamos a violar o artigo 29° da Constituição.
Como vimos, o elemento literal diz-nos com cristalina clareza quais os tipos legais de crime, entre eles, o crime de falsificação de documento e não o de contrafacção de moeda.
Para além disso, se tivermos presente a Decisão-Quadro do Conselho de 13 Junho de 2002, a qual obrigou à criação da presente lei, verifica-se que o seu 3° impõe aos Estados da União a tomada de medidas para que os comportamentos relativos à produção de falsos documentos administrativos, com vista à prática de actos terroristas sejam considerados como infracções relativas às actividades terroristas.
Assim sendo, por não estar tipificado o tipo legal de crime de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo, a conduta do arguido, quanto à utilização dos quatro cartões de crédito, terá ser qualificada como constituindo a prática, em autoria material e em concurso real, de quatro crimes de contrafacção de moeda p e p pelo artigo 262° n° 1 e 267° n° 1 al. c), ambos do CP.
Quanto aos elementos de prova constantes dos autos, nomeadamente, as declarações confessórias do arguido, conjugadas com os demais elementos de prova, mostra-se fortemente indiciada a prática dos crimes em causa.
De depoimento da testemunha G... (fls. 826), funcionário do Hotel Im..., em Aveiro, indicia-se que o arguido T..., juntamente com o H..., ficou hospedado no hotel em causa, por 6 noites, a partir do dia 13 de Dezembro de 2015 e que o pagamento foi feito com o cartão de crédito n° 3... em nome de MI.... Por sua vez, o MI..., inquirido a fls. 4233, referiu que nunca teve um cartão crédito, que conheceu o arguido T... e o H..., em Novembro de 2013, na …, em Aveiro e que quando saiu, em Maio de 2014, constatou que o seu passaporte tinha desaparecido.
Do depoimento da testemunha C... (fls. 416) funcionário do Hotel Im... em Aveiro, conjugado com o documento de fls. 1420 (documento relativo ao cartão de crédito utilizado na reserva do Hotel), indicia-se que o arguido, juntamente com o H..., esteve hospedado no hotel em causa e que a reserva do hotel, no valor de 166,60€, foi paga com o cartão de crédito n° 3... em nome de F....
Do depoimento da testemunha AR... (fls 1428) funcionário do Hotel ... em Viana do Castelo e do extracto de fls. 1430 a 1432, indicia-se que o cartão de crédito n° 3…, em nome de AB..., foi utilizado nos dias 3, 4, 5 de Março de 2016 para pagamento de despesas no Hotel em causa.
Do depoimento da testemunha S... (fls. 1433) e extractos de fls. 1443, indicia-se que o cartão acima referido foi utilizado para pagamento de despesas no Hotel …, no Porto, relativas à estadia do arguido e do H..., sendo que a reserva do hotel foi feita em nome do arguido T... (fls. 1439).
Dos extractos de fls. 1564, 1565, 1571 a 1577, 1582, 1583, 1587, 1589, 1591, 1592, 1594, 1596, 1599 a 1603, 1605 a 1614, indicia-se que o cartão em causa foi utlizado para o pagamento de compras nas lojas da Sport Zone, Media Markt, Phone House, Pluricosmética, Worten, Suits Inc, Box, Hush Puppies e clínica Dentave. Por sua vez, dos relatórios de Diligência Externa, juntos a fls. 1560 a 1604, indicia-se que o cartão em causa foi utilizado pelo arguido T....
Esta conclusão mostra-se reforçada pela visualização das imagens constantes de fls. 1693 a 1765, relativas aos dias 1-3-2016 a 5-3-2016, captadas nos espaços acima referidos, das quais indicia-se que é o arguido T... quem está na posse do cartão de crédito e quem apresenta o referido cartão para pagamento.
Do depoimento da testemunha AM... (fls. 2556), conjugado com o extracto de fls. 2563, indicia-se que o cartão de crédito American Express n° 3…, em nome de OR..., foi utilizado para pagamento de reserva no Hotel … em Aveiro, no dia 17 de Maio de 2016, relativa à estadia do arguido T....
Cumpre referir que na posse do arguido estava o cartão, constante de fls. 20 do Apenso 1E, na qual estava aposta a sua fotografia e o nome de OR…
O arguido admitiu ter fabricado estes cartões crédito e ter procedido à utilização dos mesmos.
Deste modo, o arguido será pronunciado como autor material e em concurso real, de quatro crimes de contrafacção de moeda p e p pelo artigo 262° n° 2 e 267° n° 1 al. c), ambos do CP.
3-Cumpre agora conhecer o crime de adesão a organização terrorista internacional, bem como o recrutamento.
Ao arguido vem imputada a prática do referido crime por referência ao artigo 2° ° 1 al. a) e n° 2, artigo 3° e 4° n° 1 e 10 da Lei de Combate ao Terrorismo.
O artigo 2° n° 1 define o que são organizações terroristas, como sendo um agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral mediante a prática de um dos crimes previstos nas alíneas do n° 1, sendo que, no caso concreto, está em causa o crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas (crime-meio).
Por sua vez, o n° 2 do mesmo preceito diz que quem promover ou fundar grupo, organização ou associação terrorista, a eles aderir ou os apoiar, nomeadamente através do fornecimento de informações ou meios materiais é punido com prisão de 8 a 15 anos.
Da leitura deste preceito, bem como das restantes normas contidas na referida lei, verifica-se que o bem jurídico protegido é a democracia, o livre exercício dos direitos humanos e o desenvolvimento económico e social do país.
São os seguintes elementos constitutivos do crime previsto no artigo 2° n° 1 al a) e 4: a existência de um grupo de duas ou mais pessoas que actuem de forma concertada; o cometimento, por parte desse grupo, de um crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas, isto é, requer-se a violência física directamente exercida contra as pessoas; e que actuem com um dolo específico, ou seja, com o objectivo de prejudicar a independência nacional, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral.
Da leitura desta norma, assim como das restantes, verifica-se que, tal como na Decisão-Quando do Conselho, não se exige a presença de qualquer motivação política, religiosa ou ideológica para o preenchimento do tipo legal de crime em causa, sendo que a intenção de criar terror e medo entre as populações é um elemento incontroverso quanto à definição de terrorismo.
Contrariamente, na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (2003) exige-se a presença de motivação política, religiosa ou ideológica: O uso ilegal ou ameaça de uso da força ou violência contra pessoas ou propriedade em uma tentativa de coagir ou intimidar governos ou sociedades para atingir objectivos políticos, religiosos ou ideológicos. (NATO, AAP-6, 2004 apud SCHMID, 2011, p. 142).
Para além disso, cumpre referir que a intenção dos agentes do crime deverá ser interpretada num sentido muito restrito, por forma, a que quando a lei fala em forçar a autoridade pública, seja interpretado no sentido de coagir e não apenas influenciar. Caso contrário, qualquer demonstração ou protesto organizada contra determinada opção política poderia ser facilmente ser classificada como terrorismo.
Por sua vez, o artigo 3° equipara aos grupos, organizações e associações acima referidas, os agrupamentos de duas ou mais pessoas que, actuando de forma concertada, visem, mediante a prática de um dos crimes previstos no artigo I° n° 1 (crime-meio), prejudicar a integridade ou a independência de um Estado, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições desse Estado ou de uma organização pública internacional, forçar as respectivas autoridades a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certos grupos de pessoas ou populações.
Também aqui é exigido, para além do escopo associativo, a prática de um dos crimes-meio, assim o elemento subjectivo específico traduzido na intenção, por parte da organização, em conseguir um dos objectivos definidos no tipo. No caso concreto, vem imputado ao arguido, quanto à modalidade de acção, a adesão a organização terrorista, mais precisamente ao denominado estado islâmico.
Dispõe o n° 2 do artigo segundo da Lei 52/2003 de 22 de Agosto que, quem promover ou fundar grupo, organização ou associação terrorista; a eles aderir ou os apoiar, nomeadamente através do fornecimento de informações ou meios materiais, é punido com pena de prisão de 8 a 15 anos de prisão.
Assim sendo, exige-se, para o preenchimento do tipo, que o arguido adira a uma organização sabendo que a mesma tem como objectivo uma das finalidades enunciadas no n° 1 do artigo 2° e do artigo 3° da citada Lei.
De acordo com a acusação, o arguido terá aderido ao designado estado islâmico, também conhecido por Daesh. Este grupo encontra-se classificado pela EU, de acordo com a Posição Comum 2001/931/PESC, assim como pelo Departamento de Estado dos EUA, como sendo uma organização terrorista.
Por seu turno, o artigo 4° n° 6 diz que comete o crime em causa, quem, por qualquer meio, recrutar outrem para a prática dos factos previstos no n° 1 do artigo 2°, com a intenção nele referida, isto é, com intenção de prejudicar a integridade ou independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral.
Vejamos agora se os elementos de prova constantes dos autos nos permitem concluir pela verificação de indícios suficientes quanto a este crime imputado ao arguido.
Fotografias de fls. 230 a 232, relativas ao dia 23-09-2015, fotografias de 1526, 1530, 1534, 1538, 1539 relativas ao arguido T... e ao suspeito H... aquando da passagem dos mesmos pelo Porto, Aveiro e Viana do Castelo entre 3-3-2016 a 6-3-2016, assim como da visualização das imagens de fls. 1693 a 1765, fotografias de fls.2474 a 2480 relativas ao dia 25 a 27 de Junho de 2016 em Viana do Castelo, fotografia de fls. 3681 e 3682 relativa ao arguido.
Da análise feita às fotografias supra referidas constata-se que, quer o arguido, quer o suspeito H..., em todas elas apresentam-se com uma postura em nada condizente com a conclusão constante no artigo 15° da acusação. Na verdade, em nenhuma delas é visível qualquer sinal ou indício de uma postura ortodoxa/fundamentalista. Pelo contrário, ambos sempre se apresentaram, quer na maneira de vestir, quer na aparência física, com uma postura que poderemos classificar como «ocidental». Cumpre realçar que todas as imagens foram captadas em sítios públicos, em diferentes zonas do país e em diferentes momentos, o que indicia que a postura reflectida nas fotografias traduz a regra do arguido se apresentar em público.
A reforçar esta conclusão, temos o depoimento das testemunhas que conheceram e contactaram de perto com o arguido, como é caso da testemunha MO... o qual, em sede de instrução, referiu conhecer o arguido T... há cerca de 9 anos, que o conhece desde Marrocos e que não notou qualquer diferença na postura do mesmo entre a forma como se apresentava em Marrocos e aquela com que se apresentava em Portugal. Por sua vez, a testemunha B..., pelas funções que exerce no Cento de Acolhimento para Refugiados e por ter contactado directamente com o arguido, em vários momentos, referiu que este sempre se apresentou, quer na forma de vestir, quer na atitude, com uma postura ocidental e sem qualquer sinal de radicalismo. A testemunha C..., assistente social do CAR, referiu ter contactado uma vez com o arguido T... num atendimento e que este não apresentava qualquer indício de ser uma pessoa ortodoxa ou radical, pelo contrário, referiu que o mesmo tinha um nível cultural elevado e uma atitude muito aberta, mesmo em relação ao papel da mulher na sociedade.
Ainda a propósito destes factos, as testemunhas MF... (fls. 9) e MI... (fls. 4233), por terem conhecido pessoalmente o arguido, referiram apenas que o mesmo era religioso e que cumpria as orações diárias dos muçulmanos.
O arguido negou qualquer ligação ao sector ortodoxo/fundamentalista do islão, assim como qualquer forma de radicalismo, tanto mais que foi casado, duas vezes, com mulheres não muçulmanas o que para um muçulmano ortodoxo é inaceitável.
Cumpre dizer, também, que nos autos não existe nenhum elemento de prova directa que indicie, de forma segura, que o arguido alguma vez esteve na Síria, como não existe, também, qualquer prova indiciária que nos permite inferir essa conclusão. Com efeito, o simples facto do arguido ter viajado, em Novembro de 2011, até à Turquia, como o próprio admitiu e como resulta das fotografias contidas na sua Câmara fotográfica, não nos habilita a inferir que esteve na Síria. Não existe nenhuma regra da experiência, da ciência ou da lógica que nos permita concluir que quem viaja até à Turquia vai, necessariamente, à Síria. E certo que a Turquia é uma das rotas de entrada na Síria, mas isso não quer dizer, sem mais, que quem viaja para a Turquia pretende ir para Síria e nem, muito menos, que pretende juntar-se ou aderir à organização terrorista denominada estado islâmico.
A propósito da viagem à Turquia, em 2011, o arguido referiu ter-se deslocado a este país, proveniente de Marrocos, e que fez essa viagem em virtude dos cidadãos de Marrocos não necessitarem de visto de entrada na Turquia e que o seu objectivo era entrar na Europa, via Istambul, com recuso a documentos falsos que iria procurar obter na Turquia.
Cumpre dizer, ainda, que o facto de o arguido ser muçulmano e cumprir os rituais da sua religião, não nos permite concluir que é radical/ortodoxo, fundamentalista, que segue o Jihadismo Violento e que aderiu à organização terrorista estado islâmico.
Tendo em conta estes elementos de prova, mostra-se não indiciada a conclusão inserta no artigo 15° da acusação, assim como o referido no artigo 25.
A fls. 120 do Apenso 1D consta um manuscrito, em língua árabe, apreendido no interior de uma mala azul que se encontrava no interior da residência sita na Travessa … n° …, local onde o arguido e o H... residiram.
Do depoimento da testemunha SE... (fls. 3549), indicia-se que o quarto sito na Travessa …, em Aveiro, foi arrendado pelo H... (fls. 3554), sendo que o arguido também utilizou esse quarto.
Na acusação, a autoria do referido documento é atribuído ao arguido T... em virtude de ter sido apreendido no local onde o mesmo residiu. Como vimos, nesse local e no mesmo quarto residiu o H..., sendo que, conforme resulta das fotografias de fls. 1538 e 1539, o H... viajou, no dia 6-3-2016, com uma mala azul. Da fotografia de fls. 3425, embora não seja muito clara, atenta a posição da mala, indicia-se que a mala encontrada na residência objecto de busca é idêntica à mala que o H... utilizou para viajar no dia 6-3-2016, o que indicia que a mala azul encontrada no local da busca seja do H... e não do arguido T....
Assim sendo, dado que o arguido negou a autoria do documento em causa, não existe qualquer exame à letra a ligar o arguido ao documento e dado que no local onde o mesmo foi apreendido residia, também, o H... existe a possibilidade do documento ser deste, tanto mais que o mesmo foi apreendido no interior de uma mala que se indicia pertencer-lhe.
Documento de fls. 12 e 159, Apenso 1-C, tradução a fls.6782, foto de fls. 3426 e 3465 e auto de apreensão de fls. 3428 - trata-se de um manuscrito em língua árabe apreendido no interior de um saco amarelo, com a inscrição DM, que se encontrava no interior da segunda gaveta da porta direita do roupeiro, aquando das buscas, ao quarto sito Travessa … - Aveiro, local onde o arguido e o H... residiram.
Da análise feita ao auto de apreensão, em particular ao conteúdo dos documentos que se encontravam no interior do referido saco amarelo, constata-se que os documentos em causa encontravam-se juntamente com outros documentos que contêm o nome do arguido T..., o que indicia que os referidos documentos seriam do mesmo. Porém, dado que o arguido negou a autoria desses documentos e dado que nos autos não existe qualquer exame à letra, não é possível concluir, de forma suficiente, que os documentos foram manuscritos pelo arguido.
Documento de fls. 3486 - apreendido na segunda gaveta da mesa-de -cabeceira do quarto onde residia o arguido com o H.... Este documento, tal como os demais já referidos, foi apreendido juntamente com outros documentos pertencentes ao arguido o que indicia que este teria conhecimento do seu conteúdo. No artigo 22 da acusação é referido que esse documento foi manuscrito pelo arguido e que diz respeito a pesquisas efectuadas por este sobre líderes espirituais salafistas, extremistas islâmicos e terroristas conectados com a jihad islâmica. Por sua vez, no artigo 23 da acusação é referido quem são as pessoas em causa com base numa pesquisa feita em fontes da internet.
Da análise feita ao documento, verifica-se que se trata de um documento manuscrito do qual não se consegue inferir que a letra seja da autoria do arguido e, muito menos, que o arguido tenha realizado pesquisas a respeito das pessoas em causa. Em todo o caso, sempre se dirá que tratando-se de nomes acessíveis em fontes abertas na internet, não é possível indiciar que quem faz uma pesquisa relativa as esses nomes seja alguém com ligações a organizações terroristas ou que tenha aderido a uma organização terrorista.
Documento de fls. 67 Apenso 1D, apreendido no interior de uma mala de marca Eminent, de cor azul (acondicionada por baixo da cama), auto de apreensão de fls. 3428ss, fotografia 17 de fls. 3425. Este documento foi apreendido no interior de uma mala azul, no quarto onde o arguido residia juntamente com o H... sendo que, como já vimos acima, indicia-se que a referida mala era utilizada pelo H.... É certo que no interior da referida mala encontravam-se documentos em nome do arguido T..., o que também poderá indiciar que a mala era também utilizada por este. Porém, atento o facto de o arguido ter negado a autoria do referido documento e dado que não existe qualquer outro elemento de prova que indicie a sua autoria, nomeadamente um exame à letra, não é possível concluir, ainda que de forma indiciária, que o manuscrito em causa é da autoria do arguido.
Cumpre referir, por último, que se compararmos os dois escritos, apesar de estarem escritos em língua árabe, parece, uma vez que a caligrafia é distinta, que a autoria de ambos os documentos não será da mesma pessoa.
Assim sendo, ao contrário do que consta do artigo 24 da acusação, não existem indícios suficientes que nos permitam concluir que os documentos acima referidos foram manuscritos pelo arguido.
Mas, mesmo existindo indícios de que o arguido tinha conhecimento do conteúdo dos mesmos, dado que foram apreendidos no local onde residia, isso não nos permite inferir que o arguido aderiu a uma organização terrorista, nomeadamente ao DAESH. Com efeito, segundo consta da acusação, os escritos referem-se a passagens do Corão que, retiradas do contexto, poderão ser interpretadas como um incitamento a actos de violência, mas nunca dessas passagens é possível inferir, sem mais, que quem está na sua posse ou que deles tem conhecimento aderiu à organização terrorista Daesh.
Do Apenso 1F, documentos apreendidos ao arguido T..., aquando do mandado de detenção europeu, nada consta que indicie a sua ligação á organização terrorista denominada estado islâmico.
Da análise feita ao Apenso 6 - transcrições das intercepções telefónicas realizadas nestes autos - verifica-se que apenas as constantes de fls. 10 a 21 dizem respeito a conversações mantidas com o arguido, sendo que a restantes, nomeadamente de fls. 21 a 40, dizem respeito a conversações mantidas entre as testemunhas I..., MO...e M.... Quanto às sessões relativas ao arguido, constata-se que não revelam qualquer valor probatório, na medida em que são conversas completamente inócuas e estranhas aos factos descritos na acusação.
A testemunha M... referiu, a fls. 3674, que, aquando da visita que fez à casa do T... e do H..., verificou a existência de livros relacionados com a religião islâmica e que o seu irmão e o T... cumpriam rigorosamente todas as orações. Em sede de instrução não conseguiu concretizar o conteúdo dos livros, por não os ter aberto. Aquando das buscas ao local em causa não foram apreendidos livros relacionados com o Islão.
Por sua vez, a testemunha O..., em sede de instrução, disse que quando visitou a casa do T... e do H... não constatou nada de estranha e não deu pela presença de livros religiosos.
Assim sendo, dado que não é conhecido o conteúdo dos livros em causa, nenhum valor probatório, nesse parte, poderá ser extraído do depoimento do M... e nem do mesmo é possível concluir qualquer ligação do arguido à organização terrorista estado islâmico.
O Ministério Público indicou na acusação, como prova testemunhal, o depoimento de ME... e de Y..., ouvidos no âmbito do processo 2016/1002, du Parquet de Paris. Verifica-se, também, que as pessoas em causa são residentes em Marrocos, sem que o M° P° tenha requerido a sua audição em sede de julgamento mediante o recurso a carta rogatória ou videoconferência.
Cumpre referir que os depoimentos constantes de fls. 6735 e 6758 (tradução), dizem respeito a uma certidão dos depoimentos prestados pelas pessoas em causa, no âmbito do processo que corre termos em Paris e não, como referido na acusação, depoimentos prestados por carta rogatória a solicitação destes autos. Basta ter atenção que esses depoimentos foram prestados perante as autoridades de Marrocos a pedido e no âmbito do processo que corre termos em Paris, (conforme resulta do Apenso A, nomeadamente do CD junto a fls.30 relativo às peças processuais remetidas pelas autoridades francesas).
Assim sendo, os depoimentos em causa, dado que não foram prestados no âmbito dos presentes autos, mesmo com recurso a carta rogatória, não podem ser valorados como prova testemunhal.
Deste modo, a questão que agora se coloca é a de saber se é possível valorar como «documental», a prova traduzida em depoimentos [provas documentais declarativas] proferidos no decurso de um outro processo, neste caso num processo de outro país, em que, como vimos, o arguido não coincide, cuja certidão integra os presentes autos, para efeitos de prova dos factos narrados na acusação.
Independentemente de ser muito abrangente o conceito de documento vertido no artigo 164.° do CPP, segundo o qual assume essa natureza «a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer meio técnico, nos termos da lei penal», afigura-se-nos que um tal entendimento conduziria a uma fraude aos princípios que regem a matéria em causa.
Na verdade, a admitir-se essa possibilidade estaria aberta a porta para ultrapassar as regras contidas nos artigos 355.°, 356° e 357°, do CPP, o que não sendo defensável no caso de declarações e depoimentos prestados no âmbito dos autos, também não o será quando os mesmos são provenientes de outro processo, muito menos de um processo estrangeiro, no qual nem sequer o arguido é o mesmo.
A este propósito, escreve Paulo Pinto de Albuquerque: «O artigo 356. ° não distingue entre as declarações prestadas no processo em que são lidas e as declarações prestadas em outro processo. Portanto, nada obsta à junção aos autos de certidão de prova testemunhal prestada noutro processo, à imagem do que prevê o artigo 238.° do CPP italiano. Assim, é permitida a leitura de depoimento prestado noutro processo se:
a. as declarações da testemunha ou do declarante tiverem sido prestadas para memória futura ou na audiência de julgamento e o arguido (do processo onde as declarações sejam lidas) tiver tido oportunidade de intervir na produção da prova no outro processo na qualidade de arguido;
b. se a prova produzida no outro processo for irrepetível (por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira de depor da testemunha ou declarante) e tiver sido produzida perante o MP ou o juiz no outro processo;
c. se o MP, o arguido e o assistente estiverem de acordo na leitura do depoimento da testemunha ou declarante prestado no outro processo, diante do juiz, do MP ou do órgão de polícia criminal;
d. em nenhuma outra circunstância é admissível a leitura de depoimento de testemunha ou declarante prestado noutro processo» [cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.a edição, Universidade Católica Editora, págs. 920/921].
Assim sendo, dúvidas não existem que os depoimentos das pessoas em causa, por não se enquadrarem em nenhuma das situações acima referidas, nunca poderiam ser valorados como meio de prova pelo tribunal de julgamento, por constituir uma violação dos princípios da imediação e do contraditório. Na verdade, o arguido estaria impossibilitado de fazer a confrontação das fontes de prova e efectiva inquirição cruzada.
Nesta conformidade, na impossibilidade de valorar a prova resultante da certidão remetida pelas autoridades francesas, na parte relativa aos testemunhos produzidos no âmbito do referido processo francês, a consequência será a impossibilidade de utilizar, nesta fase processual, esses depoimentos para formar qualquer juízo de indiciação quanto à culpabilidade do arguido.
Em todo o caso, sempre se dirá que o ME... (fls. 6757ss) referiu perante a polícia de Marrocos ser amigo do suspeito H... e que, pelo menos desde o ramadão de 2013: «apercebo-me de sinais de radicalização religiosa nos comportamentos do H... e que segue de perto os acontecimentos jihadistas na Síria». Mais referiu que, segundo conversas mantidas com o H..., este conheceu em Portugal o salafista jihadista AB..., natural de Fez, que lhe incutiu de forma radical as convicções jihadistas, de tal forma que o H... tornou-se um fiel na organização do estado islâmico na região sírio-iraquiana. Referiu, ainda, que em conversa mantida com o A..., em Agosto de 2014, este terá dito que tentou, de forma fracassada, convencer o H... a reconsiderar a ideia de ir para a Síria.
Daqui indicia-se, ao contrário do referido na acusação, que o alegado processo de radicalização do H... não teve lugar por influência do arguido T... ou que tenha sido este a exercer o processo de doutrinação. Indicia-se, também, contrariamente ao referido na acusação, que quem terá convencido o H... a juntar-se ao estado islâmico terá sido o AB... e não o arguido T....
Por sua vez, Y... (fls. 6735ss) referiu, no mesmo processo que corre termos em Paris, ter conhecido o suspeito H... em Julho de 2016, que este era um salafista jihadista e que ambos partilhavam as mesmas convicções adoptadas pelo estado islâmico. Mais referiu que o H... ter-lhe-á dito que tinha dois amigos marroquinos que tinham emigrado para se dirigirem à região sírio-iraquiana partindo de Portugal; um chamava-se AA... e o segundo AB....
Daqui, indicia-se, mais uma vez, que a alegada ida do H... para a Síria e a sua adesão ao estado islâmico não ficou a dever-se a intervenção do arguido T....
Do depoimento das testemunhas M... (fls.3672), MO... e I... (fls. 4083), pessoas que conhecem o H... desde Marrocos, indicia-se que as alterações ao nível do comportamento deste e o facto de ter-se tornado mais religioso, terá ocorrido depois ter saído de Marrocos, o que contradiz o constante no artigo 27 e 28 da acusação. Com efeito, as testemunhas em causa referiram que só se aperceberam dessas alterações quando falaram com o H... em Portugal.
Vejamos agora a prova testemunhal relacionada com os factos em causa.
A testemunha O... (fls. 375 lss) referiu ter conhecido o arguido e o H... em Lisboa, quando se encontrava no Centro Português para os Refugiados, numa altura em que aqueles se deslocaram ao centro para visitar o M..., o MO... e a I.... Referiu ter ido a Aveiro, juntamente com o M... e o MO…, para visitar o arguido T... e o H... a convite destes e com a viagem paga por estes. Que as conversas com o H... se processaram sempre à volta da religião islâmica e que este chegou mesmo a mencionar o território controlado pelo estado islâmico. Concretizou que nas conversas sobre a religião estavam presentes o H..., o T..., assim como o M… e o MO… e que os temas incidiam sempre sobre o contexto da jihad e que os muçulmanos de todo o mundo deveriam integrar as fileiras dos combatentes de Alá e que o estado islâmico era um exemplo de liderança. Referiu que o T... também participou nessas conversas, complementando o discurso do H.... Mais referiu que, em sua opinião, o responsável pela transformação do H... foi o arguido T..., por este ser mais velho e mais experiente. Referiu, ainda, que o H... nunca lhe disse que tinha estado na Síria ou em campos de treino.
Em sede de instrução concretizou que o T... nunca lhe falou sobre a Síria ou o estado islâmico, nem nunca lhe fez qualquer convite nesse sentido. Apenas lhe disse que havia sítios onde se ganhava mais, mas nunca lhe disse onde. Precisou, ainda, que o achou que o T... concordava com as ideias do H... pela sua postura e expressão facial.
Perguntado, em fase de inquérito, se tinha conhecimento de mais indivíduos que tenham sido recrutados e/ou abordados pelo T... e pelo H... para integrarem o estado islâmico, referiu saber da existência de dois indivíduos; o AB..., pessoa que nunca viu e o AB…, pessoa que viu uma vez.
Da informação constante de fls. 732, prestada pelo SEF, o cidadão AB... entrou em Portugal no dia 18-7-2013, onde pediu asilo político o qual lhe foi indeferido e em 19-9-2013 entrou no aeroporto de Lisboa e em 24-1-2015 saiu com destino aos EUA.
Por sua vez, a fls. 2387 consta uma informação policial, contraditória com a informação do SEF, na medida em que aí se afirma que em 20 de Janeiro de 2015 foi emitido um bilhete electrónico para o dia 24-1-2015 com destino a Istambul, sendo que o mesmo não realizou essa viagem. Nessa mesma informação consta que o cidadão em causa terá permanecido no Centro Português dos Refugiados entre 18-9-2013 até finais de 2014.
O cidadão AN..., a fls. 3768, quanto à sua ficha policial a qual indicia que o mesmo esteve em Portugal, pelo menos desde 1-2-2007, e segundo informação policial de fls. 3953 terá viajado para a Turquia no dia 2-6-2015.
Estas pessoas nunca foram ouvidas nos autos, sendo que o arguido negou ter recrutado quem quer que seja, incluindo as pessoas em causa, para as fileiras do estado islâmico. Deste modo, não existe qualquer prova que aponte que os dois cidadãos aderiram ao estado islâmico, que tenham viajado para a Síria/Iraque, como não existe qualquer prova directa, ou indiciária, que aponte que o arguido os tenha recrutado (ou tentado recrutar) para a organização terrorista estado islâmico.
Quanto ao depoimento da testemunha O..., na parte relativa aos cidadãos em causa, verifica-se que a sua razão de ciência resulta do que ouviu dizer ao AI... e de ter visto, uma vez, o T..., o H... e o AN... no Rossio em Lisboa. Ora, uma vez que a testemunha se limitou a dizer que os viu juntos uma vez e que não ouviu qualquer conversas entre eles é manifesto que o seu depoimento, nesta parte, não pode ser tido em conta. Para além disso, a testemunha M..., fls. fls. 3677, não confirmou a versão do O..., uma vez que se limitou a relatar aquilo que o seu pai lhe relatou, ou seja, que a sua família quando chegou à Turquia foi recebida por dois indivíduos, entre eles o AB..., amigo do seu irmão, e que está convencido que este também foi recrutado para ir para a Síria, presumindo que ele casou com a sua irmã mais velha. Esta testemunha limitou-se a expressar a sua opinião e dizer aquilo que ouviu dizer, nada mais sabendo sobre as circunstâncias em que o referido AB... terá sido recrutado e por quem.
Cumpre lembrar que, segundo informação do SEF de fls. 732, o AB... saiu de Lisboa no dia 24-1-2015 com destino ao EUA e não consta dos autos qualquer informação que tenha regressado a Portugal ou ao Espaço Schengen, sendo que o mesmo não viajou, conforme resulta de fls. 2387, no dia 25-1-2015 para a Turquia.
Assim sendo, daqui resulta não indiciada presença do AB... na Turquia no ano de 2015 e, muito menos na Síria.
Ainda quanto ao AN..., o O... referiu saber que o mesmo foi para a Síria com base na informação que lhe foi dada pela Polícia Judiciária quando foi ouvido no inquérito.
Quanto cidadão ABB..., segundo informação do SEF de fls. 733, o mesmo entrou em Portugal no dia 8-4-2014 tendo solicitado asilo político.
Dos autos não consta qualquer elemento de prova que indicie que o arguido conhecia a pessoa em causa ou que tenha procedido à radicalização do mesmo.
A testemunha O..., em sede de instrução, referiu, ainda, que saiu de Marrocos com a ajuda de uma pessoa que lhe arranjou os documentos, tendo precisado que não foi o arguido T..., uma vez que, apesar de já ter ouvido falar nele em Marrocos através da comunicação social, só o conheceu em Lisboa. Mais referiu que antes de sair de Marrocos nunca ninguém o aliciou para juntar-se ao estado islâmico.
Assim sendo, este depoimento contradiz, de forma clara, o que que consta no artigo 54 da acusação, quando se diz que o O... veio para Portugal sob a orientação do arguido e que foi este que lhe obteve a documentação necessária para entrar em Portugal.
Deste depoimento indicia-se, ainda, que o método utlizado por cidadãos marroquinos para entrar em Portugal, com o recurso a um visto Russo e posterior solicitação de asilo, é frequente e não é exclusivo do arguido T....
O MO..., segundo informação do SEF, fls. 734, entrou em Portugal em 7-12-2014, solicitou asilo político e foi-lhe concedida autorização de residência no dia 17-12-2015.
Este, em sede de instrução, referiu que entrou em Portugal com recurso a um visto para a Rússia, sendo que o seu propósito era ficar em Portugal. Referiu que obteve os documentos em Marrocos, pagou para obter o visto, mas que não foi o T... quem lhe tratou da obtenção dos documentos para viajar. Mais referiu ter contactado com o T... e o H... em Portugal, que os visitou em Aveiro, mas que estes nunca lhe falaram sobre a Síria ou lhe sugeriram que viajasse para a Síria.
Este depoimento, quer em sede de instrução, quer no inquérito, contradiz, de forma clara, aquilo que foi dito pela testemunha M... (fls. 3679), na parte em que este refere ter sido informado pelo MO... que o T... e o seu irmão também o tentaram recrutar para ir combater para o daesh na Síria.
Assim sendo, do depoimento da testemunha MO... conclui-se que não existe qualquer indício que tenha sido alvo de radicalização ou de recrutamento para o estado islâmico por parte do arguido.
Por sua vez, a informação policial de fls. 313, constitui uma informação meramente conclusiva, na medida que a mesma não se mostra fundada em qualquer elemento de prova concreto. Com efeito, essa informação não identifica a fonte e nem a razão de ciência dessa informação, o que faz com que a mesma não possa ter qualquer valor probatório.
Em face do exposto, conclui-se que o alegado no artigo 56, 61 e 62 da acusação não se mostra indiciado.
A testemunha I..., fls. 4083, referiu as circunstâncias em que entrou em Portugal, tendo viajado juntamente com o seu primo AI..., que já conhecia o arguido T... de Marrocos e que foi este que a ajudou a vir para Portugal, embora sem concretizar em que consistiu essa ajuda. Referiu que quando estava no Centro Português para os Refugiados foi visitada, por duas vezes, pelo H... e pelo arguido e que nesse contacto apercebeu-se que o H... estava com uma atitude diferente e que, em sua opinião, o responsável por tal transformação era o arguido T....
Referiu, ainda, ter tido conhecimento que o seu primo H..., após estar a viver em Portugal, tentou recrutar alguns dos seus primos para que estes viajassem para o território controlado pelo estado islâmico.
Do depoimento desta testemunha, atenta o facto de apenas ter contactado, por duas vezes, com o arguido, pelo facto da sua razão de ciência se basear no que ouviu dizer, sem ter identificado de quem, e pelo facto de se ter limitado a expressar uma opinião pessoal sem um mínimo de concretização factual, nenhum valor probatório poderá ser-lhe atribuído no sentido de indiciar que o arguido T... procedeu à radicalização do H... ou que tenha procurado recrutar outros jovens para aderirem ao estado islâmico.
Assim sendo, o relatado nos artigos 63, 64, 65 e 66 da acusação, quer por se tratar de referências meramente conclusivas e inócuas, quer por se mostrar não indiciado, terá de ser expurgado.
Cumpre agora analisar, de forma crítica, o depoimento da testemunha M... (fls. 3671 e em sede de instrução).
Antes de mais, cumpre referir que este depoimento apresenta-se com algumas fragilidades, em virtude das contradições reveladas pela testemunha, bem como por ter sido contrariado por outros depoimentos, o que afecta, em muito, o seu valor probatório.
Em primeiro lugar, em sede de inquérito, a testemunha começou por dizer que saiu de Marrocos e pediu estatuto de asilo político em Portugal por ter sido perseguido em Marrocos, em virtude de ter participado nos acontecimentos relacionados com o movimento de 20 de Fevereiro de 2001. Por sua vez, em sede de instrução, quando confrontado com as razões da sua saída de Marrocos, referiu que apenas pretendia vir para a Europa e que a razão invocada para o pedido de asilo não é verdadeira dado que nunca foi perseguido em Marrocos, o mesmo se verificando em relação ao seu irmão H....
Em sede de inquérito referiu que o seu irmão H... saiu de Marrocos com documentos falsos obtidos pelo arguido T.... Por sua vez, em sede de instrução referiu não saber quem tratou dos documentos falsos para o seu irmão.
Em inquérito referiu que o arguido T... também forneceu documentos para o O... e para o OS.... Pelo contrário, a testemunha O..., em sede de inquérito (fls.3752), referiu que apenas conheceu o T... em Portugal quando este se deslocou ao CPR para visitar amigos e que não foi o T... que lhe conseguiu os documentos.
Em sede de inquérito (fls. 3675), referiu que, nas conversas mantidas com o H... sobre a religião o T... também estava presente assim como o O.... Em sede de instrução, referiu que falou a sós com o seu irmão e que este lhe disse que tinha ido à Síria e quando falou com ele sobre este assunto os outros não estavam presentes. Por sua vez, a testemunha MO..., em sede de instrução, referiu que na visita que realizou a Aveiro, juntamente com o O..., M..., o H... e o T... nunca falaram sobre a Síria ou sobre o estado islâmico.
Em sede de inquérito referiu ter sido informado pelo MO..., que o T... e o seu irmão, também o tentaram recrutar para combater no Daesh na Síria. Por sua vez, a testemunha MO..., quer em sede de inquérito (fls. 3761) quer em sede de instrução, referiu que nunca o H... ou o T... se referiram ao estado islâmico ou a sua ida para integrar as fileiras do estado islâmico.
Quanto à alegada radicalização do H..., a testemunha em causa referiu que, em sua opinião (fls. 3677 e em sede de instrução), o responsável pela radicalização daquele, assim como da viagem à Síria e a viagem dos seus país para a Turquia, teria sido responsabilidade do T..., em virtude deste ser mais velho e mais experiente que o seu irmão. A testemunha MO... (fls. 3761) também referiu que, em sua opinião, o responsável pela transformação e sinais de radicalismo do H... foi o T.... Por fim, a testemunha I... (fls. 4083) referiu, igualmente, apesar de apenas ter visto o T... duas numa visita ao CPR, que, em sua opinião, foi este o responsável pela transformação do seu primo H....
O arguido negou os factos em causa, sendo que dos autos não constam outros elementos de prova, para além dos depoimentos das testemunhas referidas, a indiciar o alegado nos artigos 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35.
Tendo em conta o teor dos depoimentos e dado que os mesmos limitaram-se, nesta parte, a manifestar uma opinião pessoal, sem qualquer concretização factual, não é possível extrair dos mesmos um valor probatório capaz de sustentar um juízo de indiciação suficiente quanto aos factos em causa. Cumpre referir que, em sede de instrução, a testemunha MO... referiu que na relação entre o T... e o H... este era mais dominante e mais poderoso.
Assim sendo, os factos constantes dos artigos 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35 da acusação, consideram-se como não indiciados.
O M... referiu, também, que desde que o seu irmão saiu de Marrocos, em 2013, só voltou a ter contacto com o mesmo em Portugal, em Abri de 2015, numa visita que o H... realizou ao CPR. Que o visitou uma vez em Aveiro e que desde finais de 2015 deixou de manter contacto com ele. Referiu que na visita que realizou a Aveiro, juntamente com o MO... e o O..., o H... lhe disse que tinha estado na Síria durante dois meses, onde recebeu treino militar do estado islâmico e que após isso regressou a Portugal para recrutar outros indivíduos para a Jihad. Referiu que terá sido o T... a organizar a viagem para a Síria por este ter um ascendente sobre o seu irmão.
Sobre a ida à Síria, por parte do H..., as testemunhas O..., em sede de inquérito, e MO..., pessoas que participaram na mesma visita e nas mesmas conversas que o M... a Aveiro, referiram que o H... nunca lhes disse ter estado na Síria ou em campos de treino.
Em sede de instrução, a testemunha O... referiu que, quando se encontravam os cinco no aeroporto do Porto para o regresso a Lisboa, após a visita à Aveiro, o H... disse que já tinha estado na Síria e que tinha voltado a Portugal para recrutar mais jovens. Quanto a este depoimento, cumpre referir que, nesta parte, o tribunal não lhe pode atribuir valor probatório por o mesmo estar em manifesta contradição com o depoimento que prestou a fls. 3774 e por não ter sido corroborado pelas testemunhas MO... e M... que também estavam no mesmo local.
Ainda sobre a ida à Síria, por parte do H..., não existe qualquer elemento de prova nos autos, nomeadamente reserva de passagem aérea para algum país com fronteira com a Síria ou informação de saída do espaço Schengen, durante o ano de 2014, sendo que a única informação é que a consta de fls. 158, na qual se dá conta que o H..., no dia 29-8-2015, viajou de Atenas para Istambul, local onde foi impedido de entrar, tendo regressado a Atenas e posteriormente a Lisboa no dia 31-8-2015.
Daqui resulta que não existe qualquer prova directa que indicie a presença do H... na Síria, sendo que o único elemento de prova é o depoimento da testemunha M… baseado no que ouviu dizer ao próprio H.... Este depoimento não foi corroborado por nenhuma outra testemunha, em particular pelo MO... e O... que também visitaram o H... e o T... em Aveiro.
Como vimos, o H... viajou para Istambul, no dia 29-8-2015, proveniente de Atenas tendo-lhe sido recusada a entrada na Turquia, conforme resulta de fls 24 e 25 do Apenso 1B, tendo posteriormente regressado a Portugal.
No artigo 32 da acusação é referido que o arguido conseguiu convencer o H... a juntar-se ao DAESH, tendo este, sob orientação e apoio do arguido, se deslocado à Síria, em meados de 2014, juntamente com o AB..., onde permaneceu durante 2 meses e recebeu treino militar.
O meio de prova em que acusação formou a sua convicção para o facto em causa, fundou-se nas declarações prestadas por ME..., no âmbito do processo que corre termos em França, cuja tradução se encontra a fls. 6757. Como já vimos acima, as declarações em causa, por não terem sido produzidas nestes autos, não podem valer como prova testemunhal, como não podem valer como prova documental. Em todo o caso, cumpre referir que essas declarações, por se fundarem em ouvir dizer, ou seja, depoimento indirecto, também nunca poderiam ter valor probatório dado que a fonte dessa informação, o H..., não foi ouvido no âmbito dos presentes autos e das declarações que prestou no processo que contra ele corre em Paris (tradução junta a fls. 4806ss) negou alguma vez ter-se deslocado à Síria e que só saiu de Portugal em 2015.
Quanto a este facto, segundo a acusação, o H... teria viajado para a Síria, embora não exista qualquer prova directa nesse sentido, em meados de 2014, isto é, em Junho de 2014, e que terá permanecido na Síria cerca de 2 meses, isto é, terá regressado em finais de Julho/Agosto de 2014.
Dos elementos de prova constantes dos autos e do que é referido na própria acusação, verifica-se que o facto em causa não só não se mostra indiciado, como é incoerente com o alegado no artigo 36 da acusação. Com efeito, no artigo 36 da acusação é referido que o T... e o H... estiveram juntos em Paris, em Junho e Julho de 2014, aliás como se mostra indiciado nos fotogramas retirados do suporte digital apreendido ao arguido T... (Apenso 5 fls.3 O).
Do depoimento da testemunha MF... (fls. 9), pessoa que arrendou um quarto, na Praceta … Aveiro, ao arguido T..., resulta que, quer o arguido T..., quer o H... residiram na morada em causa, aliás como se mostra confirmado pelo próprio arguido, nas declarações que prestou nos autos, bem como pela análise feita aos documentos juntos a fls. 14 e 15 (pedido de cartão Unibanco em nome dos dois com a morada acima referida), bem como à cópia do título de residência (fls. 287 e 288 do Apenso A Vol. II) emitido em 21-10-2014 a favor do H..., no qual consta a morada em causa. Mais resulta que os mesmos passaram a residir na dita morada a partir de Junho de 2014 onde ficaram até Junho de 2015. Esta testemunha referiu que os mesmos ausentavam-se de casa, por dois ou três, e que em Julho de 2014, ambos ficaram ausentes de casa.
Este depoimento vem reforçar a conclusão a que acima chegamos, ou seja, que não era possível o H..., em meados de 2014, ter permanecido 2 meses na Síria, uma vez que o mesmo, pelo menos em Junho e Agosto de 2014, estava na residência da testemunha MF....
Por sua vez, a testemunha MI... (fls. 4233) referiu ter conhecido o arguido e
o H..., em Novembro de 2013, na Fundação CESDA, em Aveiro e que quando saiu, em Maio de 2014, aqueles ainda lá ficaram. Daqui resulta que, pelo menos até finais de Maio e inícios de Junho de 2014, o arguido e o H... permaneceram no CESDA de Aveiro e que só se mudaram para a residência da testemunha MF... no início de Junho de 2014.
Da leitura do artigo 34 da acusação verifica-se, uma vez mais, uma contradição com o referido no artigo 32. Com efeito, no artigo 34 é dito que o H... terá regressado à Europa em finais de 2014 e a Portugal em inícios de 2015, quando no artigo 32 é dito que a ausência para a Síria ocorreu em meados de 2014.
O referido no artigo 34, sobretudo quando é dito que o H... regressou a Portugal em inícios de 2015, mostra-se contrariado, como já vimos, pelo depoimento da testemunha MF..., bem como pela análise feita aos extractos bancários juntos fls. 136 a 151 do Apenso A, Volume I. Com efeito, dos extractos bancários em causa, indicia-se que o H... era titular de uma conta bancária junto do BCP e que entre 1-10-2014 a Abril de 2015 essa conta registou movimentos a débito, levantamentos em ATM, feitos em Aveiro e no Barreiro, o que indicia que o H..., no período referido no artigo 34 da acusação, encontrava-se em Portugal.
Nesta conformidade, também por estes motivos, não se mostra indiciado o referido nos artigos 32, 33, 34 e 35 da acusação.
No artigo 37 da acusação consta, em termos genéricos e conclusivos, que o T... foi o responsável pelo doutrinamento e radicalização do H..., tendo-o convencido a aderir aos desígnios do Daesh, acabando o H... por ser detido em 1-7-2016 em França no âmbito do processo …, em Paris, por envolvimento na preparação de um atentado terrorista em território francês em execução de instruções e desígnios do DAESH.
Como meio de prova para o alegado foi indicado o que consta de fls. 3734, 3739 a 3746. Da análise feita ao teor do que consta nas páginas referidas, verifica-se que se trata de um despacho do M° P° e de outro despacho judicial a solicitar o cumprimento de uma carta rogatória.
Da análise feita ao Apenso 4 - carta rogatória na qual constam os elementos remetidos pelas autoridades francesas - nomeadamente dos documentos de fls. 32 a 126 (documentos que se mostram traduzidos), verifica-se que os mesmos dizem respeito a informações elaboradas pela polícia francesa e a despachos proferidos pelo M°P° junto do Tribunal de primeira instância de Paris. Verifica-se que os factos relatados nesses despachos dizem respeito à possibilidade de ataques terroristas em França patrocinados por AA…, pelo seu emir e pela organização da qual fazem parte. Dos elementos constantes da carta rogatória,
o arguido T... não é apontado como suspeito e das peças processuais que se mostram traduzidas não constam factos relativos ao H....
Assim sendo, dos elementos constantes da carta rogatória e que se mostram traduzidos para a língua portuguesa (dado que apenas esses podem ser valorados como meio de prova artigos 166° n° 1 e 92° n° 1 do CPP), nenhum valor probatório pode ser extraído, em termos de indiciação, por duas razões: em primeiro lugar, dizem respeito a informações da polícia francesa e a despachos do M° P° francês e, em segundo lugar, não contêm qualquer referência ao arguido e ao H....
Quanto ao depoimento da testemunha M..., na parte relativa à ida do H... à Síria, bem como na parte relativa à viagem dos seus pais e irmã para a Turquia com o objectivo de se deslocarem para a Síria e de ter sido o arguido T... o responsável por isso, o mesmo baseou-se no que ouviu dizer ao H... e à conversa telefónica que manteve com o seu pai e a sua mãe. Trata-se, assim, de um depoimento indirecto ou de ouvir dizer.
Por sua vez, o que a testemunha O... referiu, em sede de instrução, a propósito da viagem dos pais do H... para a Turquia e posteriormente para Síria, fundou-se apenas no que ouviu dizer ao M... não tendo, por isso, qualquer conhecimento directo quanto a esses factos.
Conforme resulta do artigo 128° n° 1 do CPP, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova.
A regra é, pois, que o limite do depoimento da testemunha é aquilo que ela viu e/ou ouviu.
Como sabemos, o que a lei pretende com a proibição do depoimento indirecto é que não se aceitem como prova depoimentos que se limitam a reproduzir o que se ouvir dizer.
Para que um tal depoimento seja valorado é essencial que seja confirmado pela pessoa que disse, confirmação que tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, já que o mérito de uma testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha.
E o que resulta do n° 1 do artigo 129° do CPP quando diz que: Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
A precariedade do testemunho por ouvir dizer é manifesta, particularmente pelas distorções que a narração sucessiva do facto vai sofrendo. A moderna teoria da comunicação comprou aquilo a que sempre foi aceite pela sabedoria popular (quem conta um conto acrescenta um ponto). Para a além disso, neste tipo de prova de ouvir dizer, estão excluídas todas as garantias legais de veracidade do depoimento, como seja a ausência de juramento e impossibilidade de contraditório.
O testemunho de ouvir dizer não é admitido, a não ser nos casos previstos na lei artigo 129° do CPP), não pela sua irrelevância, mas pela sua insegurança. (Hearsay is forbidden for unreliability, not for irrelevancy, como refere Keny's - outlines of criminal Law, 17° Vol.).
Assim, apesar das finalidades do processo penal, como sejam a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a tutela de direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento da paz jurídica e a reafirmação da norma jurídica violada, isso não quer dizer que essas finalidades sejam conseguidas a qualquer preço. A busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico.
Deste modo, dado que o depoimento da testemunha M..., na parte em questão, se fundou naquilo que ouviu dizer ao H... e à conversa telefónica que manteve com o seu pai e com a sua mãe, e dado que essas pessoas não foram chamadas a depor e nem se mostra invocada e nem justificada essa impossibilidade, faz com que o referido depoimento não possa ser valorado, por não estarem verificados os requisitos previstos no artigo 129° do CPP.
Quanto ao H... cumpre referir que o seu paradeiro é conhecido nos autos, na medida em que o mesmo está detido em França, pelo que teria sido possível, na fase de inquérito, a inquirição do mesmo ao abrigo das normas relativas à cooperação judiciária. Na verdade, este depoimento, para além de ser possível, era também essencial para a descoberta da verdade material.
Em todo o caso, apesar de não possuir valor probatório nestes autos pelas razões já referidas acima, sempre se dirá que este, conforme consta de fls. 4806ss (declarações prestadas pelo H... no processo que corre termos em Paris), negou aquilo que foi dito pelo seu irmão M... nestes autos.
Cumpre referir, também, que o arguido T... negou aquilo que foi relatado pelo M....
Deste modo, dada a ausência de elementos de prova, conclui-se pela não verificação de indícios suficientes quanto à factualidade vertida nos artigos 67, 68, 70, 72, 73, 74, 75, 76 da acusação.
Quanto ao artigo 67 da acusação, o arguido alegou que o referido no artigo 67 da acusação não é correcto, uma vez que nessa data encontrava-se na Alemanha. Da leitura da acusação, em particular do artigo 80, verifica-se que existe uma contradição entre as duas datas. Com efeito, no artigo 67 é referido que, em Agosto de 2015, o arguido visitou o CPR e no artigo 80 é dito que o arguido e o H... ausentaram-se do território nacional sendo desconhecido os seus paradeiros até 31 de Agosto de 2015, pelas 22.30.
De todo o exposto, verifica-se que não existe qualquer prova directa a ligar o arguido T... à organização terrorista estado islâmico. Com efeito, o arguido negou os factos, nenhuma das testemunhas revelou qualquer conhecimento directo da ligação do arguido ao estado islâmico, não existe qualquer viagem para o território do denominado estado islâmico, não existe qualquer intercepção telefónica entre o arguido e alguém ligado ao estado islâmico, não existe qualquer fotografia ou pesquisa informática que demonstre a ligação do arguido ao estado islâmico.
Assim, verifica-se que a acusação fundou a sua convicção, quanto ao juízo de indiciação, em elementos de prova indirecta ou indiciária, como seja, o facto de o arguido ter viajado para a Turquia em 2011, ter entrado em Portugal com recurso a um passaporte falso, o facto de o arguido ter realizado diversas viagens dentro da Europa, ter utilizado vários passaportes falsos, ter realizado uma viagem ao Brasil e a outra à América Central, o facto de ter utilizado diversos cartões visa falsificados, o facto de ser muçulmano ortodoxo, o facto de ter mentido quanto ao momento em que conheceu o H..., o facto de o H... estar preso em França por alegado envolvimento na preparação de um atentado terrorista, e o facto de no quarto onde viveu terem sido encontrados alguns manuscritos relativos a passagens do Corão que incitam à violência.
Se atentarmos no disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal concluiremos, sem qualquer dúvida, que admite a chamada prova indirecta ou por presunção quando preceitua que a prova é apreciada segundo a livre convicção do julgador e as regras da experiência.
Como se diz no Ac. Relação de Coimbra de 1996, de 6 de Março, in C.J. Tomo II, pág. 44, A prova pode ser directa ou indiciária, esclarecendo que A prova indiciária assenta em dois elementos: a) o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele estará relacionado, b) a existência de presunção que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto.
Apesar do CPP admitir a prova indiciária, verifica-se que o legislador não estabeleceu requisitos especiais sobre a apreciação deste tipo de prova, o que faz com que o fundamento da sua credibilidade esteja dependente da convicção do julgador que, como sabemos, é pessoal, mas sempre sujeita a deveres de motivação e objectivação. Deste modo, desde que devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e de acordo com as regras da lógica e da experiência, é possível fundamentar uma decisão de submissão a julgamento, assim como de condenação, com recurso a prova indirecta ou indiciária.
Numa situação como esta, em que a base do juízo de facto apenas poderá ser alcançada por via indirecta, impõe-se, mesmo em sede de apreciação de indícios suficientes, um particular rigor na análise dos indícios, que possam sustentar um juízo de submissão a alguém a julgamento, por forma a evitar-se erros.
Assim, para conseguirmos fundamentar uma decisão de indiciação com base em prova indirecta é necessário que estejam reunidos determinados requisitos. Em primeiro lugar, é necessário a presença de uma pluralidade de elementos; em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes; em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.
Como se lê no Acórdão do STJ de 12.9.2007 Vejamos que o indício apresenta-se de grande importância no processo penal, já que nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-jurídico intelectual necessário antes que se gere a impunidade. E sobre a prova indiciária (...) entende-se, ainda, que aquela é suficiente para determinar a participação no facto punível se (requisito de ordem formal) da sentença constarem os factos-base e se mostrarem provados, os quais vão servir de base à dedução ou inferência, se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que é acusado, essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso. Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida; dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.
Assim sendo, são as regras da experiência que permitem extrair ilações dos factos directamente percepcionados e conhecidos, chegando por essa via ao conhecimento de outros factos com o necessário grau de probabilidade. Deste modo, condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define.
No caso concreto, os indícios que se mostram indiciados de forma directa, quer por prova documental, quer por declarações do arguido e depoimento de testemunhas, são os seguintes:
O arguido ter viajado à Turquia em 2011; ter utilizado vários passaportes falsos nas viagens que efectuou na Europa; ter utilizado vários cartões de crédito (quatro) contrafeitos; ter vivido na mesmo quatro que o H...; ter sido encontrado no quarto onde residia alguns manuscritos com passagens do Corão; ser muçulmano e seguidor dos rituais religiosos; ter visitado outros marroquinos no Centro Português de Refugiados; ter convidado, juntamente com o H..., os MO..., O O... e o Mo..., a deslocarem-se a Aveiro.
Deste modo, cabe perguntar se, fazendo a conjugação de todos estes elementos, plurais e alguns até concordantes, com as regras da lógica e da experiência comum, é possível concluir, de acordo com um raciocínio lógico-dedutivo que o arguido T... aderiu à organização terrorista estado islâmico e que recrutou o H... ou tentou recrutar outros jovens para o estado islâmico. Como é evidente, a resposta terá de ser negativa. Na verdade não existe nenhuma regra da experiência ou da lógica que nos permita inferir dos alegados factos base que o arguido aderiu ao estado islâmico ou que recrutou alguém para a organização terrorista em causa.
Aqueles indícios só demonstram que o arguido esteve na Turquia em 2011, que é muçulmano, cumpre os rituais da sua religião, que usou documentos falsos para se identificar, fabricou e utilizou cartões de crédito, realizou várias viagens. Mas já não indiciam que aderiu a uma organização terrorista ou que recrutou alguém para essa organização. A deslocação à Turquia em 2011 é compatível com mais do que uma causa ou razão: o arguido podia ter ido simplesmente viajar até Istambul, visitar pessoas, passear etc. O uso de passaportes falsos é compatível com um variado número de situações, nomeadamente, com a utilização e fabrico de cartões de crédito em nome de outras pessoas. Ser muçulmano, ainda que de um sector ortodoxo da religião, é compatível com outras realidades que não apenas o terrorismo ou o cometimento de crimes. Fabricar e utilizar de cartões de crédito falsificados é compatível com outras situações, como é o caso da mera obtenção de vantagens patrimoniais.
Não podemos deixar de ter em atenção que um indício revela, com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. Na verdade, um facto indiciário só poderá ter valor probatório quando ao mesmo não se possa atribuir senão a uma causa. Quando esse facto pode ser atribuído a várias causas, como é o caso dos autos, a prova de um facto que constitui uma destas causas prováveis é também somente um indício provável ou possível. Deste modo, os factos acima referidos só poderiam ter um valor probatório se pudéssemos excluir todas as demais possibilidades e concluir que apenas poderiam ter uma única causa - a adesão ao estado islâmico.
Assim, forçoso é concluir que não existem indícios bastantes e seguros nos autos que permitam submeter o arguido a julgamento pelo crime de adesão a organização terrorista internacional e de um crime de recrutamento para o terrorismo.
Mas, mesmo para quem não entenda que os elementos de prova recolhidos no inquérito e na instrução bastam para concluir pela inexistência de indícios suficientes, a aplicação do princípio do in dúbio pro reo, previsto no artigo 32° n° 2 da CRP, 1 I° DUDH, 14° n° 2 PIDCP, 5° n° 2 CEDH, sempre conduziria à mesma conclusão. Na ausência do juízo de segurança, vale o princípio de presunção de inocência do arguido.
Com efeito, a jurisprudência vem agora, pacificamente, admitindo a aplicação do princípio in dúbio pro reo em todas as fases do processo.
Em caso de dúvida razoável e insanável sobre factos descritos na acusação ou no RAI, o tribunal deve decidir a favor do arguido.
Assim sucedeu, entre outros, nos acórdãos da Relação de Lisboa de 28.02.1996 e de 02.05.2006 (www.dgsi.pt/jtrl) em que, claramente, se assume que, na dúvida, a decisão terá necessariamente de ser favorável ao arguido, em homenagem ao princípio in dubio pro reo”.
Vai no mesmo sentido a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, no acórdão n.° 439/02, considerou que a interpretação normativa dos artigos citados - 286.°, n.° 1, 298.° e 308.°, n.° 1, do Código de processo Penal - que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição.
A favor da aplicação do princípio em qualquer fase do processo, nomeadamente no inquérito e na instrução, está, também, Maia Costa (Revista do Ministério Público, n.° 92, 71), pois entende que o enunciado normativo contido no art.° 283.°, n.°s 1 e 2, do Cód. Proc. Penal demonstra uma inquestionável similitude entre a posição do magistrado do Ministério Público que aprecia a prova do inquérito e a do juiz que analisa a prova da audiência de julgamento: em qualquer dos momentos, cada um daqueles magistrados, caso se confronte com uma dúvida inultrapassável sobre as provas produzidas, deve fazer funcionar a (mesma) regra (in dúbio pro reo), arquivando o inquérito o Ministério Público, proferindo sentença absolutória o juiz.
Considerações idênticas são válidas evidentemente para o juiz de instrução, após o debate instrutório, devendo portanto lavrar despacho de não pronúncia, imposto pela regra in dubio pro reo, no caso de se encontrar perante idêntica situação de dúvida quanto às provas.
Assim, neste momento a questão que se coloca é a seguinte: tendo em conta os elementos de prova acima referidos, se o arguido em causa for submetido a julgamento pelos crimes imputados na acusação que prognóstico é possível fazer? Será de considerar altamente provável a sua futura condenação, ou, pelo menos, será mais provável a condenação do que a absolvição?
Como vimos, os elementos de prova existentes não permitem ter como certo a condenação do arguido pelos alegados crimes. Mas ainda que assim não fosse, estaríamos sempre colocados perante a dúvida se efectivamente a versão do arguido é verdadeira, dúvida, essa, inultrapassável que teria de ser decidida, como é evidente, em favor do mesmo, em obediência ao princípio do in dubio pro reo.
Ora, e como se alude no Ac. do S.T.J. de 2005 de Maio em www.dgsi.pt, vem sendo entendido que aquela possibilidade razoável de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa, em que o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou então que os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição - neste sentido e entre outros, Figueiredo Dias, no seu Direito Processual Penal, I (1974), p. 133; Ac. da R.P. de 1990, 10 de Janeiro, 1993 20 de Outubro, R.L. 1999,20 de Fevereiro, respectivamente in C.J., Tomo 1/247, Tomo IV/261, Tomo 1/145.
Assim sendo, em face dos elementos de prova constantes dos autos e acima referidos verifica-se que a probabilidade do arguido vir a ser absolvido quanto aos crimes em causa é muito superior à possibilidade de uma condenação, pelo que se impõe a sua não pronúncia quanto a esses crimes.
4) Financiamento ao terrorismo.
Ao arguido está imputado, também, o crime previsto no artigo 5° A da Lei 52/2003 de 22 de Agosto.
Verifica-se este crime quando alguém, por quaisquer meios, directa ou indirectamente, fornecer, recolher ou detiver fundos ou bens de qualquer tipo, bem como produtos ou direitos susceptíveis de ser transformados em fundos, com a intenção de serem utilizados ou sabendo que podem ser utilizados, total ou parcialmente, no planeamento, na preparação ou para a prática dos factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, quer com a intenção nele referida quer com a intenção referida no n.° 1 do artigo 3.°.
São elementos do crime em causa, o fornecimento, recolha ou detenção de fundos ou outros bens ou direitos que possam ser convertidos em fundos e a intenção, por parte do agente, que sejam utilizados ou que possam ser utilizados, no planeamento, na preparação ou na prática de um crime-meio previsto no n° 1 do artigo 2° (no caso concreto está imputada a prática de um crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas, sem que a acusação tenha descrito qualquer facto relativo ao crime-meio), com a intenção de prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir ou altear, ou subverter o funcionamento das instituições do Estado, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral.
Vejamos os elementos de prova constantes dos autos.
Do auto de busca e apreensão de fls. 3428, relativo à residência onde habitaram T... e H..., consta um cartão de crédito Mastercard, em nome de H..., assim como um cartão visa eléctron do BCP em nome do H.... Daqui resulta que o H... também possuía cartões bancários e que, conforme resulta indiciado do depoimento da testemunha M..., em sede de instrução, (irmão do H...), o H... estava na posse de vários cartões de crédito e tinha sempre muito dinheiro na carteira. Por sua vez MO..., amigo do H..., referiu que quer o T... quer o H... tinham vários cartões de crédito e viu o suspeito H... na posse de vários cartões de crédito. Mais referiu que cada um pagava a sua parte.
Quanto à viagem que estas testemunhas fizerem a Aveiro para visitar o arguido T... e
o H..., ambos referiram que a viagem foi-lhes oferecida, mas que não sabem se foi o T... ou o H... a realizar o pagamento. Mais referiram que o bilhete de avião foi remetido pelo H... através de correio electrónico.
A fls. 12 do Apenso IA, consta o passaporte em nome J... na qual está aposta a fotografia de H.... Por sua vez, a fls. 20 do mesmo Apenso consta um recebido, relativo a uma aquisição, em 14-6-2016, de um telemóvel, pago com um cartão de crédito em nome de J.... Da conjugação destes dois documentos, indicia-se que a aquisição,pagamento e utilização do cartão de crédito em causa foi feita pelo H....
Daqui indicia-se que o H..., tal como referido pelo arguido T... em sede de instrução, também utilizava cartões de crédito fraudulentos e que, com recurso esses cartões pagava as suas despesas.
A testemunha O..., em sede de instrução, referiu ter visto, uma vez, a carteira do H... e que estava cheia de dinheiro. Referiu não saber quem pagou as viagens a Aveiro, mas que as mesmas apenas custaram 10,00€ cada. Referiu, ainda, que em Aveiro, quer o H..., quer o T... procederam ao pagamento das despesas.
Assim sendo, não existe qualquer elemento de prova a indiciar que a alegada deslocação do H... à Síria, assim como as viagens à França e à Alemanha, como as demais despesas do H..., foram pagas pelo arguido T..., na medida em que aquele também recorria ao mesmo método para obter dinheiro e realizar pagamentos.
Daqui indicia-se que o arguido T... não financiou as viagens do H....
Para além disso, não existe qualquer elemento probatório que, de forma directa ou indirecta, indicie o pagamento ou financiamento da deslocação do H... ou, como se diz no artigo 19 da acusação, de forma abstracta, de outros jovens recrutados em Marrocos para aderirem aos combatentes do Daesh.
O arguido T... negou esses factos. O H... nunca foi ouvido à ordem dos presentes autos, apesar de isso ter sido possível, no âmbito da cooperação judiciária, dado que
o mesmo tem paradeiro conhecido em virtude de estar preso em França, razão pela qual não foi possível ouvir a sua versão sob a sua saída de Marrocos e as circunstâncias em que saiu.
Por sua vez, a testemunha M..., irmão do H... referiu, em sede de instrução, que veio para Portugal por intermédio do arguido T..., na medida em que foi este quem lhe arranjou o visto para a Rússia. Mais referiu que pagou ao T... 500,00€ para este lhe arranjar o visto e que pagou a sua viagem de avião, o mesmo acontecendo com a sua prima.
E certo que, contrariamente ao referido pelo arguido T..., este saiu de Marrocos juntamente com o H... e ambos já se conheciam desde Marrocos e não apenas em Portugal, como fez crer nos autos. Na verdade, não faz sentido que tivessem viajado desde Marrocos, via Mauritânia, Senegal, Guiné-Bissau e chegado a Lisboa no mesmo voo e que só em Lisboa é que vieram a conhecer-se. Para além disso, as testemunhas M... e MO..., em sede instrução, referiram que o T... e o H... já se conheciam desde Marrocos, tendo o primeiro referido ter acompanhado o H... à estação de autocarros de Fez no dia em que este viajou e que no mesmo autocarro, rumo à Mauritânia, seguia o arguido T....
A fls. 4806 ss, consta a tradução das declarações que o H... prestou, enquanto arguido, no âmbito do processo que corre termos no Tribunal de Grande Instância de Paris. Estas declarações foram juntas pelo arguido T..., no decurso da instrução, e dado que trata de uma mera cópia de declarações prestadas por um arguido em outro processo, o seu valor probatório nestes autos, pelas razões já acima referidas, não poderá ser tido em consideração.
O facto do arguido T... ter viajado desde Marrocos, juntamente com o H..., assim como o facto de ter mentido quanto a este segmento de factos, não nos permite indiciar, dada a ausência de outros elementos de prova, que tenha sido o T... a financiar a viagem desde Marrocos até Lisboa. Como não nos permite indiciar que o propósito da saída de Marrocos, em Setembro de 2013, foi o de recrutar o H... para que este aderisse ao DAESH.
Para além disso, dos autos não constam elementos de prova que o H... tenha levado a cabo actividades terroristas e nem a acusação descreve qualquer factualidade nesse sentido. Com efeito, apenas no artigo 125 da acusação é referido que, o no decurso da troca de informação mantida com as autoridades francesas e da Alemanha, foi confirmado que, desde o dia 20 de Novembro de 2016, H... se encontra detido preventivamente por envolvimento na preparação de um atentado terrorista em território francês.
Como é evidente, a mera referência que o H... está em prisão preventiva em França, por alegado envolvimento da preparação de um atentado terrorista em França é manifestamente insuficiente, atento o seu carácter vago, para que se possa dar como indiciado, aquilo que é dito no artigo 140 da acusação, ou seja, que o arguido T... financiou as actividades terroristas que o H... empreendeu em França. Sendo que a acusação não descreve os factos relativos aos alegados actos praticados pelo H... em França.
Como é evidente, para o preenchimento do tipo legal em causa é necessário, antes de mais, que estejam descritos na acusação os factos constitutivos do tipo legal em causa. No caso concreto, seria necessário que na acusação tivessem descritos os actos que o H... planeou, preparou ou praticou em Paris, que esses actos se reconduzissem a uma das condutas previstas no artigo 2° n° 1 al. a) e 3° da Lei 52/2003, de 22 de Agosto, ou seja, que o H..., mediante a prática de um crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas, sob a orientação ou ordens de elementos do estado islâmico e que o objectivo fosse prejudicar a integridade ou independência do Estado francês, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições francesas ou de outra organização internacional localizada em França, ou apenas intimidar certo grupo de pessoas ou populações.
Cumpre referir que a eventual qualificação jurídica feita pelo Ministério Público francês quanto aos actos do H... não vinculam os tribunais portugueses no que concerne aos factos ocorridos em Portugal ou sob jurisdição do Estado português.
Dos autos não existe qualquer elemento de prova a indiciar a transferência de dinheiro do arguido para contas bancárias do H..., nenhuma das testemunhas presenciou qualquer entrega de dinheiro do arguido ao H..., não existe qualquer prova a indiciar alguma compra ou reserva de viagem em nome do H... por parte do arguido, dos autos não existe qualquer prova a indiciar o pagamento de despesas, nomeadamente hotéis, ao H... quando este esteve em França.
Assim sendo, dos elementos de prova constantes dos autos não é possível concluir pela verificação de indícios suficientes quanto ao crime em causa pelo que se impõe, também, a não pronúncia do arguido nesta parte.
Vejamos em concreto o que diz a acusação a este propósito: Artigo 137 - O arguido A... utilizou os cartões de crédito como meio de financiar despesas associadas à aquisição de bens e serviços relacionadas com as actividades de recrutamento de jovens para aderirem ao DAESH desenvolvidas pelo arguido, por um lado, e por outro, também como meio de apoio financeiro aos jovens que recrutou, nomeadamente como meio de financiamento e apoio financeiro das actividades terroristas levadas a cabo por H....
Artigo 138 - Com efeito, o arguido A... financiou directamente as actividades terroristas levadas a cabo por H..., pagando todas as suas despesas pessoais e as despesas realizadas pelo mesmo com viagens efectuadas para receber treino militar na Síria, e com as viagens e despesas realizadas por H... em Paris, onde o mesmo se deslocou para contactar com jihadistas e para planear e executar um ataque terrorista em França e onde acabou por ser detido.
Artigo 139 - O apoio e financiamento efectuado pelo arguido A... a H..., quer através do pagamento directo das suas despesas, quer através da entrega de bens adquiridos com os cartões de crédito, foi utilizado por H... para desenvolver as actividades terroristas para as quais foi recrutado pelo arguido.
Artigo 140 - Os bens adquiridos e pagos com os referidos cartões de crédito eram depois entregues a H..., para que este procedesse à sua venda, financiando com o produto das vendas, o seu sustento e as viagens e despesas relacionadas com as actividades terroristas que o mesmo empreendeu em França, facto que era do conhecimento do arguido.
147 - Ao aderir, apoiar, recrutar e financiar as despesas dos jovens que recrutou para aderirem ao DAESH e convencê-los a obedecerem às ordens e a integrarem as fileiras de combatentes desta organização terrorista, quer na Síria quer na Europa, o arguido A... agiu sempre livre voluntária e conscientemente com pleno conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e severamente punidas por Lei Penal.
Da leitura dos artigos supra citados, verifica-se que estamos perante estas imputações vagas e meramente conclusivas, as quais o arguido não poderá refutar por não ser possível defender-se de factos que não conhece, e o tribunal não pode, em consequência, formar, nesta parte, uma convicção concreta sobre o objecto do processo.
Poder-se-ia, em tese, argumentar que essa concretização poderia ser feita pelo tribunal de julgamento ou, até mesmo, neste momento, em sede de instrução. Não nos parece que essa seja a solução. Na verdade, o princípio do acusatório consagrado no artigo 32° n° 5 da CRP não permite ao juiz de instrução e nem ao juiz de julgamento substituir-se ao M° P°. A investigação, conforme resulta do artigo 262° n° 1 do CPP, é feita pelo M° P° na fase do inquérito, não podendo, por isso, o M° P° acusar por algo indeterminado transferindo para as fases seguintes do processo a responsabilidade quanto à concretização desses aspectos vagos e imprecisos. E nem se argumente, também, com os mecanismos previstos nos artigos 303°, 358° e 359°, todos do CPP, uma vez que os mesmos estão apenas previstos para permitir a introdução no objecto do processo factos que surgiram no decurso da instrução ou julgamento. Não foi propósito do legislador, ao criar estas normas, o de colmatar as insuficiências da acusação ou a impossibilidade de apuramento de factos em sede de inquérito.
Assim sendo, os factos genéricos e conclusivos não podem sustentar uma acusação. Aceitar e submeter a julgamento o arguido com uma acusação com estas imprecisões relativas a esta parte, seria comprometer a vinculação temática de que fala Figueiredo Dias, em «Direito Processual Penal», Coimbra Editora, pág. 145, e que consiste em os factos descritos na acusação normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória, definem e fixam o objecto do processo, que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal».
Em suma, os factos descritos na acusação, quanto ao arguido em causa relativos ao alegado financiamento ao terrorismos, a provarem-se em sede de audiência de julgamento, nunca poderiam conduzir ao preenchimento dos elementos objectivos do crime em causa.
Assim sendo, e na linha da jurisprudência do STJ, as imputações vagas e genéricas, por não conterem o grau de participação e a motivação do arguido, são insusceptíveis de sustentar uma condenação penal e deverão, por isso, ter-se por não escritas, cf. Acs. De 06¬05-2004, Proc. N.° 908/04 - 5.a, de 04-05-2005, Proc. N.° 889/05, de 07-12-2005, Proc. N.° 2945/05, de 06-07-2006, Proc. N.° 1924/06 - 5.a, de 14-09-2006, Proc. N.° 2421/06 - 5.a, de 24-01-2007, Proc. N.° 3647/06 - 3.a, de 21-02-2007, Procs. N.°s 4341/06 - 3.a e 3932/06 - de 16-05-2007, Proc. N.° 1239/07 - 3.a, de 15-11-2007, Proc. N.° 3236/07 - 5.a, e de 02-04¬2008, Proc. N.° 4197/07 - 3.a. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-07-2008 -Proc. 07P3861, Rel. Cons. Raul Borges)».
A imputação da factualidade reflectida na acusação, quanto a este tipo legal de crime, inviabiliza a aceitação dessas afirmações para efeitos penais, o que nos leva a concluir, também por este motivo, pela não pronúncia do arguido quanto ao imputado crime de financiamento ao terrorismo.
Mostram-se não indiciados os factos constantes dos artigos 137, 138, 139, 140, 147, 148 da acusação.
Conclusão
Cumpre referir que a fundamentação de uma sentença, na parte da enumeração dos factos provados e não provados, apenas deve conter factos; não juízos de valor ou conceitos ou conclusões, que são matéria de direito.
Que factos devem ser enumerados na sentença!
Naturalmente, os factos sujeitos a julgamento, cujo âmbito é definido pela acusação, pronúncia, pedido cível (quando o houver), contestação e os que resultarem da prova produzida em audiência, com relevância para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do agente e a determinação da pena ou da medida de segurança ou da responsabilidade civil - artigo 283° n° 3 do CPP.
De acordo com o artigo 124° do CPP constituem objecto da prova os factos juridicamente relevantes para existência ou inexistência do crime, punibilidade ou não do arguido e a determinação da pena, medida de segurança ou responsabilidade civil que ao caso couber.
Deste modo, os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação ou na contestação estão excluídos da actividade probatória do julgador.
Na verdade, de harmonia com o art. 368° n° 2 do CPP o tribunal deve pronunciar-se sobre os factos alegados pela acusação e pela defesa, e bem assim sobre os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) Se o arguido actuou com culpa;
d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a
punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança;
f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.
No caso em apreço, a peça acusatória contém, na sua grande maioria, factos inócuos (como é o caso dos artigos 15, 124, 126, 127, 129, 141, 150) juízos de valor, conceitos jurídicos, conclusões (artigos 17, 18, 20, 35, 38, 51, 53, 77, 78, 79), bem como descrição de alguns meios de prova, como é caso das apreensões (artigos 123, 131), percepções e partes de depoimento de algumas testemunhas (artigos 45, 46, 47, 48,59, 61, 65, 66, 71, 72, 73, 74, 81, 82, 142, 143, 144), descrição de diligências processuais (116, 117, 120, 122).
Em face do que referimos supra, para além da matéria em causa não se mostrar indiciada, o tribunal sempre teria que expurgar essa matéria da actividade probatória, razão pela qual, apesar de descrita na acusação nunca poderia constar da decisão instrutória.
Sobre esta questão o STJ, no acórdão proferido no proc. N° 05P1441, diz-se o seguinte: «Antes, porém, importa afirmar com a frontalidade exigida na jurisdictio de um Supremo Tribunal, que o elenco da matéria de facto, tal como foi levado avante pelas instâncias, mormente pelo tribunal recorrido, não deixa de ser tecnicamente censurável, ao misturar factos com simples meios de prova, confundindo uns com outros. Com efeito, não se vê onde buscar assento legal para, em vez de se cingir à enunciação de factos que a lei exige -art.° 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal - se haver adoptado uma postura algo próxima do floreado relato jornalístico, com a transcrição inútil do resultado de algumas escolhidas conversas objecto de escuta telefónica, em vez, como seria mister, desses elementos de prova se extraírem os factos e apenas os factos com relevo para a decisão da causa.
São esses - e só esses - que a lei manda enunciar, procedendo-se, se necessário, e na extensão tida por necessária, ao aparo ou corte do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha da acusação ou mesmo da pronúncia, de que a sentença não é nem pode ser fiel serventuária. De resto, sempre ao juiz se impõe, sob pena de ilegalidade que se abstenha da prática de actos inúteis, como esse a que se acaba de fazer menção - art.° 137.° do diploma adjectivo subsidiário».
No mesmo sentido, veja-se o Ac RG, proferido no processo N° 248/07.GAFLG.G1 «Quanto aos factos provados e não provados, devem indicar-se todos os que constam da acusação e da contestação, quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art.359°, n°2. O que importa é que os factos sejam relevantes para a decisão da causa. E relevantes serão todos os factos essenciais à caracterização do crime ou integradores de causas de exclusão. Como é óbvio, os factos inócuos não têm que fazer parte dessa indicação e os conceitos de direito e as conclusões de facto, quer constem da acusação quer da contestação, não podem dela fazer parte. Não é, obviamente, exigível que os factos provados e não provados sejam ipsis verbis os da acusação ou da contestação».
Em face do exposto, os factos acima referidos terão de ser expurgados da acusação e não poderão, como é evidente, fazer parte da decisão de pronúncia.
Nesta conformidade, conclui-se pela verificação de fortes indícios, nos autos para submeter o arguido a julgamento, quanto aos factos descritos na acusação relativos ao uso do passaporte falso e à falsificação dos cartões de crédito.
Quanto ao mais, fazendo uso da prerrogativa concedida no art. 307°/1 do CPP, consideram-se não indiciados os factos descritos na acusação sob os artigos 5, 6, 7, 8, 9, 15, 25, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 56, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 70, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 81, 82, 116, 117, 120, 122, 124, 126, 127, 129, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 147, 148 e 150.
Não se pronúncia o arguido pela prática dos seguintes crimes:
Um Crime de Adesão a Organização Terrorista Internacional, previsto e punido pelo disposto nos Artigos 2.°, N.° 1, alínea a) e N.° 2, Artigo 3.° e 4.°, Ws 1 e 10 e Artigo 8.°, N.° 1, todos da Lei N.° 52/2003, de 22 de Agosto;
Um Crime de Falsificação com Vista ao Terrorismo, previsto e punido pelas disposições conjugadas do Artigo 256.° N.°s 1 alínea e) e N.° 3 do Código Penal e dos Artigos 2.° N.° 1 alínea a) e 4.° N.°s 1 e 2 e 5.° N.° 1 da Lei N.° 52/2003, de 22 de Agosto;
Quatro Crimes de Uso de Documento Falso com Vista ao Financiamento do Terrorismo, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos Artigos 262.° N.° 2 e 267.° N.° 1 alínea c) do Código Penal e dos Artigos 2.° N.° 1 alínea a), 4.°, N.°s 1 e 2, 5.° N.° 1 e 5°- A N.° 1 da Lei N.° 52/2003, de 22 de Agosto;
Um Crime de Recrutamento para Terrorismo, previsto e punido pelos Artigos 2.° N.° 1 alínea a), 3.°, 4.° N.°s 1 e 6, 5.° e 8.° N.° 1 da Lei N.° 52/2003 de 22 de Agosto;
Um Crime de Financiamento do Terrorismo, previsto e punido pelos Artigos 2.° N.° 1 alínea a), 5.0, 5.°-A N.° 1 e 8.° N.° 1 da Lei N.° 52/2003, de 22 de Agosto.
Para julgamento em processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo pronuncio:
A..., também conhecido pela alcunha S... divorciado, filho de T... e de HA..., nascido a 01/01/1954 em FEZ, Marrocos, de nacionalidade Marroquina, com ultima residência conhecida em Portugal, antes de detido, na Travessa …, Aveiro, portador do título de residência emitido pelas autoridades Portuguesas n° 2…, valido até 20-10-2019, actualmente em prisão preventiva à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Monsanto.
Pelos seguintes factos:
1 - O arguido A... deu entrada em Portugal no dia 23 de Setembro de 2013, altura em que foi interceptado no Aeroporto Internacional de Lisboa, no voo TP202 proveniente de Bissau, na posse dc um passaporte francês com o n° 0…, emitido em 04-10-2005 e valido até 02-01-2015, em nome de P..., cidadão Francês, nascido a 13-01-1961 em …
2 - Ao ser solicitada a sua identificação, o arguido A... identificou-se perante as autoridades Portuguesas -SEF- exibindo o referido passaporte, identificando-se como sendo o cidadão P... com os elementos de identificação indicados no referido passaporte.
3 - Tal passaporte, emitido pelas Autoridades Francesas, havia sido alterado, através da colocação da fotografia do arguido A..., facto que foi verificado pelo SEF
4 - Por ausência de visto válido, foi recusada a entrada em Território Nacional, pelo que A... solicitou na altura o Estatuto de Refugiado e, ao abrigo do Art° 3° da Lei 27/08 de 30/08 pedido que foi deferido em 16-09-2014 e foi-lhe concedida a autorização de residência n° 2…, válida até 20/10/2019.
5 - O arguido A..., no aeroporto de Lisboa, usou um passaporte Francês falsificado para se identificar perante os inspectores funcionários do SEF, bem sabendo que se tratavam de agentes de autoridade do Estado Português e que ao agir da forma descrita colocava em crise a confiança das pessoas em geral, quanto à genuinidade e exactidão e a fé pública associadas à informação fornecida neste tipo de documento.
6 - O arguido tinha pleno conhecimento que um passaporte é um documento emitido por entidade pública com a finalidade de identificar o respectivo titular, com especial valor probatório, cuja emissão está reservada, em exclusivo, às autoridades públicas competentes do respectivo Estado emissor
7 - Sabia ainda o arguido que em circunstância alguma poderia falsificar, manipular, ou utilizar o referido passaporte com a sua fotografia aposta, para se identificar com tal documento.
8 - O arguido tinha ainda pleno conhecimento de que estava obrigado a fornecer às autoridades do SEF a sua identificação verdadeira e que em circunstância alguma podia usurpar a identidade de terceiros, nomeadamente a do cidadão Francês P... referida no passaporte com o qual o arguido se identificou.
9 - O arguido A... sabia perfeitamente que a sua conduta violava as regras estabelecidas para a entrada de cidadãos estrangeiros no Espaço Schengen, tendo agido com o expresso propósito de violar as regras de emigração estabelecidas pelo Estado Português.
10 - No dia 12 de Dezembro de 2015, pelas 22:30 horas, A... e H..., chegaram a território nacional - aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto provenientes de Dusseldorf na Alemanha, (vd folhas 779) , permanecendo em Portugal até às 17:20 horas do dia 21 de Dezembro de 2015.
11 - Durante este hiato de tempo, A... e de H..., dirigiram-se para a Aveiro, onde, no período de tempo compreendido entre os dias 13 e 17 de Dezembro de 2015, ficaram alojados no hotel denominado IM..., sito na Rua ...
12 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de A... com o contacto (4…). Como forma de pagamento referida estadia, no valor total de €303,00 (trezentos e três euros, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n° 3..., em nome de MI... e indicou como residência a seguinte morada: …, (cfr folhas 779, 826 a 836).
13 - O arguido A... e H... dirigiram-se aos seguintes estabelecimentos comerciais:
• IMP..., sita na Avenida … Aveiro, onde solicitaram a emissão de 100 (cem) cartões pessoais com a inscrição ICH - International Company of Handcraft e orçamento para a estampagem, em t-shirt, da inscrição ISLAM IS BEAUTY FOREVER e, FOREVER BLUE, sita na Avenida … em Aveiro, onde ambos solicitaram fotografias tipo passe.
(cfr folhas 792, 798, 850 e 854).
14 - Posteriormente dirigiram-se para a Viana do Castelo, onde permaneceram no período compreendido entre os dias 17 e 20 de Dezembro de 2015, ficando alojados no hotel .., sito na Avenida ...
15 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de A.... (cfrfls.779,792 e 837).
16 - O A... e H... dirigiram-se aos seguintes estabelecimentos comerciais:
CO..., sita na Rua …, onde solicitaram orçamento para 02 (dois) Carimbos em madeira, para serem usados em esponja, com as inscrições, em língua francesa - ARRIVE e DEPART - e a estampagem de 03 (três), t-shirt, de cor preta, com a inscrição ISLAM IS BEAUTY FOREVER, (vdfolhas 858).
17 - Seguidamente dirigiram-se para o Porto, pernoitando no hostel …, sito na Rua …, onde permaneceram até ao dia 21 de Dezembro, altura em que se dirigiram para o aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto e, onde pelas 17:20 horas, apanharam o voo a Frankfurt na Alemanha.
(cfr folhas 779, 780, 810 e 815).
18 - No dia 28 de Fevereiro de 2016, pelas 22:40 horas, A... e HI......, chegaram a território nacional - aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto proveniente de Dortmund na Alemanha, tendo permanecido em Portugal até às 16:40 do dia 06 de Março de 2016. (cfr folhas 1507).
19 - Neste hiato de tempo o arguido A... e de H..., dirigiram-se para Aveiro, onde, no período de tempo compreendido entre os dias 29 de Fevereiro e 03 de Março de 2016, ficaram alojados no hotel IM... sito na Rua ...
20 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de H... com o contacto (4…).
21 - Como forma de pagamento referida estadia, no valor de 166,606, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n° 3…, emitido em nome de F....
(cfr. folhas 1416 a 1422 e 1507).
22 - Neste período de tempo, dirigiram-se à … Clinica Dentária de …, sita na Avenida …, na localidade de Aveiro, onde H... recebeu tratamento dentário, cujo pagamento, no valor de €60,00 (sessenta euros) foi efectuado pelo A....
23 - O arguido A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3… em nome de AB..., efectuou compras nos seguintes estabelecimentos comerciais:
SPORT ZONE, sita no Aveiro Shopping Center, na Estrada da Taboeira, Esgueira em Aveiro, onde procederam à aquisição de diversas mochilas e calçado de natação, cujo pagamento, no valor total de €29,94 (vinte e nove euros e noventa e quatro cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3…, em nome de AB...,
MEDIA MARKT sita Aveiro Shopping Center, na Estrada da Taboeira, Esgueira cm Aveiro, onde procederam à aquisição de 02 (dois) telemóveis, 01 (um) da marca SAMSUNG GALAXI, modelo S7 EDGE dc 32 GB com o IMEI n° …, 01 (um) da marca APLLE, modelo IPHONE 6S PLUS de 64GB com o IMEI … e 01 (uma) protecção para o IPHONE 5/5S, cujo pagamento, no valor total de €1.817,90 (mil, oitocentos e dezassete euros e noventa cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3… em nome de AB... e, PHONE HOUSE sita no Fórum Aveiro, na Rua Batalhão de Caçadores 10, em Aveiro, onde procederam à aquisição de 01 (um) telemóvel da marca SAMSUNG GALAXY, modelo J5 com o IMEI n° … e cartão SIM n° 9…, cujo pagamento, no valor total de €214,99 (duzentos e catorze euros e noventa e nove cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3… em nome de AB..., (cfrfolhas 1522, 1560, 1566, 1578, 1584, 1693 e 1705).
24 - Posteriormente, A... e H... dirigiram-se a Viana do Castelo, onde permaneceram, no período de tempo compreendido entre os dias 03 e 05 de Março de 2016, ficando alojados no hotel ... sito na Avenida …. A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de H... com o contacto (…).
25 - O pagamento da estadia, no valor de 110,00€ e das despesas com refeições efectuadas no hotel, foi paga foi pelo arguido A....
26 - Durante a sua estadia, A... e H..., almoçaram e jantaram no restaurante do referido hotel, sempre acompanhados por MO.... Como forma de pagamento das referidas refeições, no valor de 55,95€, 52,95€ e 80,00€ o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n° 3… em nome de AB.... (cfrfolhas 1423 a 1427, 1428 a 1432 e 1507).
27 - Neste período o A... e H... e MO..., dirigiram-se a estabelecimentos comerciais existentes na Estação Viana Shopping, sita na Avenida General Humberto Delgado, n° 101, na localidade de Viana do Castelo:
PLURICOSMETICA, onde procederam à aquisição de uma máquina eléctrica de cortar cabelo, cujo pagamento, no valor total de €31,80 (trinta e um euros e oitenta cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3… em nome de AB...,
PHONE HOUSE, onde procederam à aquisição de 01 (um) telemóvel da marca SAMSUNG GALAXY, modelo A5 com o IMEI n° …, cujo pagamento, no valor total de €299,99 (duzentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° … em nome de AB..., WORTEN, onde procederam à aquisição de 01 (um) telemóvel da marca SAMSUNG GALAXI, modelo A5 com o IMEI n° …, de 02 (dois) tablets da marca SAMSUNG, modelos SM-T555 e SM-T561 e respectivas capas de protecção, cujo pagamento, no valor total de €979,95 (novecentos e setenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° … em nome de AB...;
SPORT ZONE, onde procederam à aquisição de diversos artigos desportivos, cujo pagamento, no
valor total de €692,28 (seiscentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3… em nome de AB..., (vd folhas 1522 a 1527, 1593 a 1595, 1597a 1614 e 1719).
28 - Seguidamente, pelas 04:00 horas de 05 de Março de 2016, dirigiram-se ao Porto, pernoitando no hotel … sito na Rua …, onde permaneceram até ao dia 06 de Março, no quarto 3….
29 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de A... com o contacto (…).
30 - No dia 05 de Março de 2016, A... solicitou a reserva de mais um quarto - de 05 a 06 de Março - para MO..., e como forma de pagamento, dos dois alojamentos, no valor de 40.00€ e 42,00€ e do valor de 10,00€ referentes a pequenos-almoços, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n° …, em nome de AB..., (crfr. folhas 1433 a 1443, 1507, 1508, 1531).
31 - Neste período, dirigiram-se aos seguintes estabelecimentos comerciais:
SUITS INC Mundo dos Fatos, sita no Centro Comercial Glicínias Plaza, na Rua Dom Manuel Barbuda e Vasconcelos, em Aveiro, onde procederam à aquisição de diversas peças de vestuário, cujo pagamento, no valor total de €299,97 (duzentos e noventa e nove euros e noventa e sete cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3…, em nome de AB...,
BOX Jumbo, sita no Centro Comercial Glicínias Plaza, na Rua Dom Manuel Barbuda e Vasconcelos, em Aveiro, onde procederam à aquisição de 01 (um) telemóvel da marca APLLE, modelo IPHONE 6S PLUS de 64GB com o IMEI …, cujo pagamento, no valor total de €869,00 (oitocentos e sessenta e nove euros), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3…, em nome de AB...,
PHONE HOUSE sita no Fórum Aveiro, na Rua Batalhão de Caçadores 10, em Aveiro, onde procederam à aquisição de 01 (um) telemóvel da marca SAMSUNG GALAXY, modelo A5 com o IMEI n° … e cartão SIM n° 9… com Pack de 250MB, cujo pagamento, no valor total de €304,99 (trezentos e quatro euros e noventa e nove cêntimos), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° 3…, em nome de AB... e,
HUSH PUPPIES, sita no Via Catarina Shopping, Rua Santa Catarina, no Porto, onde procederam à aquisição de 05 (cinco) pares de sapatos, cujo pagamento, no valor total de €671,00 (seiscentos e setenta e um euros), foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n° … em nome de AB....
(cfr folhas 1531, 1535. todos os talões comprovativos de pagamentos, estão apreendidos a folhas 1560 a 1618.
32 - Pelas 14:01 horas do dia 06 de Março de 2016, o arguido A... e H..., acompanhados de MO..., abandonaram o referido hotel e dirigiram-se os três para o aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto, onde pelas 16:40 horas, A... e H..., apanharam o voo com destino ao aeroporto de Dortmund na Alemanha, (cfr folhas 1509, 1535 e 1681).
33 - No dia 17 de Maio de 2016, A... e H..., chegaram a território nacional.
34 - A... e Flicham M..., dirigiram-se para Aveiro, onde, no período de tempo compreendido entre os dias 17 e 19 de Maio de 2016, ficaram alojados no hotel …, sito na Rua….
35 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de H... com o contacto (…). Contudo foi enviado um cmail a avisar que em vez de … viriam o arguido e H....
36 - Como forma de pagamento referida estadia, no valor de 352,00€ o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n° … em nome de OR.... (cfr folhas 2556 a 2570).
37 - Posteriormente, A... e H... dirigiram-se a Viana do Castelo, onde permaneceram, no período de tempo compreendido entre os dias 19 e 21 de Maio de 2016,ficando alojados no hotel ... sito na Avenida…, juntamente com MO....
38 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de A... com o contacto (…) (cfr folhas 2228 a 2233).
39 - No dia 21 de Junho de 2016, A... e H..., chegaram a território nacional, provenientes da Alemanha. (cfr folhas 2455).
40 - A... e de H..., dirigiram-se a Viana do Castelo, onde, no período de tempo compreendido entre os dias 25 e 27 de Junho de 2016, ficaram alojados na guest house, denominada …, sita na Rua …. (cfr folhas 2455, 2456 e 2471).
41 - Desde 01 de Julho de 2016, o arguido A..., fora detido preventivamente pela prática dos crimes de FRAUDE INFORMÁTICA na utilização de cartões de crédito, (vd folhas 3299, 3359 e 3609).
42 - O arguido A... fabricou e estava na posse dos seguintes cartões de crédito:
da American Express n° 3..., emitido em nome de MI...;
da American Express n° 3750-0218-1581-003, emitido em nome de F.... da American Express n° 3… em nome de AB...; da American Express n° 3.. em nome de OR....
43 - Bem sabendo que os mesmos foram obtidos fraudulentamente e através de falsificações, sabendo ainda que era não era titular de qualquer das contas bancárias associadas aos cartões de crédito, e que não estava autorizado a utilizar tais cartões para efectuar qualquer tipo de pagamento.
44 - O arguido sabia que através do fabrico e utilização dos cartões de crédito iria fazer diminuir, necessariamente, o património de terceiros, nomeadamente o dos titulares das contas bancárias sacadas ou o dos próprios bancos, bem como colocar em causa a credibilidade do sistema monetário, que quis.
45 - O arguido causou efectivo prejuízo aos responsáveis pela emissão e circulação dos referidos cartões de crédito, correspondentes ao valor das despesas que o arguido realizou e pagou com tais cartões, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
46 - O arguido A... utilizou os cartões de crédito como meio de financiar despesas associadas à aquisição de bens e serviços.
47 - O MI... nunca teve em seu nome, nem nunca solicitou a emissão de um cartão de crédito da Mastercard.
48 - O arguido agiu de forma livre voluntária e consciente sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
49 - O arguido não apresenta qualquer ligação ao território nacional.
Qualificação jurídica
Em autoria material, na forma consumada e em concurso real:
1 - Um crime de falsificação de documento pep pelo artigo 256° n° 1 al. e) e n° 3 do CP;
2 - Quatro crimes de contrafacção de moeda pep pelo artigo 262° n° 2 e 267° n° 1
al. c) do CP
Prova.
Uma vez que o arguido apenas vai pronunciado pelos factos acima referidos apenas
serão indicadas as testemunhas que têm conhecimento directo dos factos em causa.
1 - Inspectora CR..., do SEF, identificada a fls. 22 do Apenso B;
2 - JO..., Inspector da PJ-UNCT;
3 - LU..., gerente da loja CTT, sita na Praça …, (vd. Fls. 4015);
4 - M..., natural do Reino de Marrocos (vd. Fls. 732, 2971, 3671 e 6728 a 6734);
5 - MO..., natural do Reino de Marrocos, (vd. Fls. 734, 1010, 1147, 2974, 3759 e);
6 - G..., Funcionário do Hotel Im... sito na rua Dr. …, (vd. Fls. 826);
7 - C..., Recepcionista do Hotel Im... - Aveiro, (vd. Fls.1416);
8 - AR..., (FUNCIONÁRIO DO HOTEL ... - Viana do Castelo - id. a fls. 1428);
9 - IV..., funcionária do Hotel ... - Avenida …, (vd. Fls. 837 e 2228):
10 - S..., (GERENTE DO HOTEL … - PORTO - id. a fls. 1433);
11 - AM..., funcionária do Hotel … ¬Rua …, (vd. Fls. 2556);
12 - MI..., utente da Instituição o Farol, sita na Rua …, (vd. Fls. 4233);
13 - FI..., Inspector da PJ-UNCT;
14 - JV..., Inspector-Chefe da PJ-UNCT.
16 - SA...Inspectora da PJ-UNCT - RDE's de fls. 120/125/130
17 - TI..., Inspector da PJ-UNCT - RDE de fls. 227/233/254, Informação de Serviço de fls. 2693.
Demais prova indicada na acusação.
Na causação não foi requerida aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional conforme previsto no artigo 151° da Lei n° 23/2007 de 04-07-2007e nem foram narrados motivos de facto susceptíveis de fundamentar uma eventual decisão nesse sentido.
Assim sendo, nesta fase processual, sob pena de violação do princípio do acusatório e do contraditório, não é possível adicionar factos nesse sentido.
MEDIDAS DE COACÇÃO:
Reexame dos pressupostos nos termos do artigo 213° n° 1 al. b) do CPP.
Por despacho de fls. 4358ss, proferido no dia 23-3-2017, foi aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva pela verificação dos perigos enunciados nas alíneas a) b) e c) do artigo 204° do CPP.
Pela verificação de fortes indícios da prática dos crimes que vieram a ser imputados ao arguido na acusação.
A medida de prisão preventiva foi revista e mantida ao longo dos autos, sendo a última a que consta de fls. 7270.
Na decisão instrutória acabada de proferir, o arguido foi não pronunciado quanto aos crimes que lhe estavam imputados na acusação e foi pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p e p pelo artigo 256° n° 1 al. d) e n° 3 do CP cm concurso real com a prática de quatro crimes de contrafacção de moeda p e p pelo artigo 262° n° 2 e 267° n° 1 al. c) do CP.
Tendo em conta os elementos de prova acima referidos, nomeadamente, as declarações confessórias do arguido, mostra-se fortemente indiciada a prática dos crimes pelos quais vai o mesmo vai pronunciado. Estes crimes, por força do disposto no artigo 204° n° 1 al. a) e d) do CPP, admitem a aplicação de prisão preventiva.
As medidas de coacção e de garantia patrimonial são meios processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros eventuais responsáveis por prestações patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias (Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal III).
A aplicação e manutenção das medidas de coacção, obedece a certos princípios tais como os da necessidade, proporcionalidade e adequação. Ou seja as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (art 193 n° 1 do C.P.P).
Uma vez aplicada a medida de coacção de prisão preventiva ou OPHVE, obriga a lei ao reexame da verificação dos pressupostos que fundamentaram a sua aplicação, de forma oficiosa e no prazo de 3 meses e nos momentos referidos na alínea b) do artigo 213-1 do C.P.P., sem prejuízo ainda de o arguido e o M°.P°. o requererem, e o Juiz o declarar, quando se verificar atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação, conforme regula o disposto no artigo 212 n's. 3 e 4 do C.P.P.
Conforme ensina Germano Marques da Silva- Curso de Processo Penal, II, pág. 345: As medidas de coacção só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que legitimam a sua aplicação ao arguido e, por isso, podem ser revogadas ou substituídas por outras mais ou menos graves sempre que se verifique alteração das circunstâncias que determinaram a sua aplicação.
Conforme vem sendo sustentado pela jurisprudência vidé Ac. TC de 30/07/2003, proferido no P.° 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vidé Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P. ° 5558/04-3) e, bem assim, do STJ em Acórdão datado de 07/01/1998 in BMJ 473, pág. 564, a saber: A decisão que impõe a prisão preventiva apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, isto é enquanto não houver alteração das circunstâncias que fundamentaram a prisão preventiva.
Como é sabido, o artigo 27.°, da CRP, consagra o princípio geral do direito à liberdade e segurança, contemplando as apertadas excepções que existem em relação ao mesmo.
Por seu turno, o artigo 28,°, n.° 2, da CRP, dispõe o seguinte:
A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei
Este preceito consagra, entre outros, o princípio da precariedade, nos termos do qual as medidas de coacção, em particular as restritivas da liberdade, são imediatamente revogadas sempre que se verificar terem deixado de subsistir as circunstâncias que conduziram à sua aplicação e substituídas por outras menos gravosas ou por formas menos gravosas da sua execução - artigo 212° n° 1 al. b) do CPP.
Além disso, o artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem indica que, Qualquer pessoa acusada de uma infracção se presume inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada. O artigo 14° n° 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe, Qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida e o artigo 11° da Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece, Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas E, o artigo 32° n° 2 da CRP dispõe que Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Como afirma Frederico Isasca, in A prisão preventiva e restantes medidas de coacção, Jornadas de Processo Penal e Direitos Fundamentais, Coordenação da Prof. Fernanda Palma, Almedina, a pag.103, se é certo que a reposição do direito se não pode fazer à custa da negação ou da limitação dos direitos de defesa, não é menos verdade que do outro lado existe uma vítima que é o suporte individual de um bem jurídico fundamental que foi violado e que espera uma resposta célere e em conformidade com as expectativas - tanto substantivas, quanto adjectivas -criadas pela Ordem Jurídica. Não podemos pois correr o risco de imolar a realização da justiça na ara dos direitos do arguido, sob pena de total descredibilização do Sistema. Uma tal atitude criaria na vítima e na colectividade um sentimento de absoluta frustração e compreensível revolta, podendo em última instância conduzir a motivações para uma auto-tutela dos interesses ou para formas marginais de justiça, pondo em causa o próprio Estado de Direito. Neste contexto, as medidas de coacção - expressão máxima da restrição de direitos, liberdades e garantias, em Processo Penal - emergem como condição indispensável, embora num quadro de excepcionalidade, a realização da justiça. E traduzem, nessa exacta medida, uma das vertentes do conteúdo útil do princípio do equilíbrio.
Uma vez aqui chegados, há que verificar se se justifica, tal como requerido pelo M° P°, a manutenção da prisão preventiva, face ao disposto no artigo 204.°, do CPP.
Vejamos se, em concreto, se neste momento estão verificados os perigos a que alude o artigo 204° do CPP.
Comecemos pelo primeiro requisito; o perigo de fuga.
Como sabemos, a moldura penal bem como o facto de o arguido passar a ser conhecedor da matéria criminal que sobre ele recai e de parte substancial da respectiva prova por si só não poderá consubstanciar indício que o arguido se pretenda furtar à acção da justiça.
Conforme se refere no acórdão da Relação do Porto de 16 de Novembro de 2011, (processo 828/10.3JAPRT) não existe qualquer presunção de perigo de fuga e designadamente por alguém ter conhecimento de ser arguido num processo, de poder vir a ser, por via disso, condenado a pena de prisão.
A moldura penal do crime indiciado, só por si, não pode ser um facto a partir do qual se pode presumir esse perigo de fuga, porquanto a lei não estabelece essa presunção. Nesse sentido, se tem pronunciado a gene...dade da jurisprudência, como é o caso do Ac. R. Porto de 2006/Mar./22, citando o Acórdão do TEDH de 1997/Mar./17, respeitante ao caso Mulher/França, segundo o qual o risco de fuga não pode decorrer apenas da gravidade da pena legalmente prevista, (ver, ainda, entre muitos, acórdãos do TRE de 17.09.2009 rel. Carlos Berguete e do TRL de 26.11.2009 rel. Fátima Mata-Mouros, \\ .(I .pt).
Acresce que o perigo de fuga há-de ser conclusão a extrair de factos concretos evidenciados no processo que, sem prejuízo da consideração conjugada com a gravidade dos factos e correspondente moldura penal abstracta e com real situação pessoal, familiar, sócio-económica do arguido indiciem uma preparação para a concretização de tal intento.
Assim, haverá perigo de fuga sempre que, a partir de elementos objectivos, exista uma razoável probabilidade de que o arguido, em liberdade, se ausente para parte incerta com o propósito de se eximir à acção penal.
Neste domínio, ensinava já o Prof. Cavaleiro Ferreira. Quanto ao perigo, ele deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de factores vários, como sejam toda actualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional c civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar. Ou seja, deveremos averiguar, em face do circunstancialismo concreto do caso, se o arguido tem ou não, ao seu dispor, meios ou condições, designadamente a nível económico e social, para se subtrair à acção da justiça e às suas responsabilidades criminais ou se existe um sério perigo que tal venha a suceder.
Assim, deverá tratar-se de um perigo concreto, ou seja, de um perigo não abstractamente presumido e sim concretamente justificado - nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no art. 196° do CPP, pode ser aplicada se em concreto se não verificar... (corpo do art. 204°).
Os conceitos de fuga e de perigo de fuga traduzem desaparecimento, debandada, desconhecimento de paradeiro, e devem estar associados ao incumprimento das obrigações de disponibilidade e comparência impostas pela lei processual penal (acórdão do TRL de 19.09.2007 rel. Carlos Almeida www.dgsi.pt).
Tendo em conta os elementos dos autos, não temos dúvidas em concluir, pela existência real do perigo de fuga. Com efeito, o arguido é um cidadão estrangeiro, entrou em Portugal com recurso a um documento falso, após entrar em Portugal e ter-lhe sido concedido asilo político viajou para diversos países, incluindo país da América do Sul e Central, sempre com recuso a passaportes falsos e com quantias monetárias provenientes da prática de factos ilícitos.
Assim sendo, verifica-se, em concreto, perigo de fuga (alínea a) do artigo 204° do Código de Processo Penal).
Vejamos agora o perigo para a conservação e veracidade da prova, alínea b) do artigo 204° do CPP.
Quanto a este perigo, o mesmo terá de fundar-se em factos que indiciem a actuação do arguido com o propósito de prejudicar a investigação. Como adverte o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2a ed., pág. 245„ importa ter muito cuidado na aplicação de medidas de coacção com fundamento no perigo para o inquérito ou a instrução do processo, pela invocação de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, pois é necessário evitar o risco de que com tal pretexto se confunda e prejudique a legítima actividade defensiva do arguido, traduzida nomeadamente na investigação e recolha de meios de prova para a sua defesa, actividade que o arguido deve poder exercer com a maior liberdade e amplitude [...] Deve ainda considerar-se que, em geral, o perigo de perturbação da instrução do processo é maior nas fases preliminares do processo e nestas sobretudo na fase do inquérito e ainda quando são poucos os meios de prova que indiciem a responsabilidade do arguido. Será, em regra, mais difícil ao arguido perturbar a instrução do processo quando dos autos constem já os meios de prova que indiciem fortemente a sua responsabilidade, o que não significa que, em razão da natureza do crime e dos meios de prova recolhidos, essa perturbação não possa verificar-se em fases posteriores; o perigo tem, pois, de ser apreciado perante as circunstâncias concretas de cada processo.
Ainda a propósito deste perigo, diz o mesmo autor, Curso de Processo Penal, II, 2a ed., pág. 245, sendo possível, na generalidade dos casos, que o arguido desenvolva uma actividade no sentido de prejudicar a investigação, não basta, porém, a mera probabilidade de que tal aconteça. E necessário sempre, como também relativamente aos demais pressupostos das medidas de coacção, que em concreto se demonstre esse perigo pela ocorrência de factos que indiciem a actuação do arguido com esse objectivo e que não seja possível com outros meios obstar a essa perturbação. Os abundantes meios de que dispõem hoje as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal para investigar os crimes e sobretudo a sua utilização diligente e inteligente são em geral bastantes para obstar a que o arguido possa por si perturbar o decurso do processo.
Como vimos, a fase de recolha da prova mostra-se concluída, sendo que toda a prova documental, pericial, apreensões mostra-se recolhida e consolidada nos autos e não há o menor indicio, ao longo dos autos, que o arguido tenha procurado obstruir ou destruir provas. Para além disso, cumpre referir que, quanto à prova testemunhal, igualmente não existe qualquer indício que aponte alguma abordagem ou aproximação, por parte do arguido ou alguém a mando destes, de testemunhas com intuito de que estas alterem as suas versões ou que se abstenham de relatar a verdade.
Por tudo, e na ausência de qualquer facto que indicie em concreto que o arguido pretende destruir, obstruir ou ocultar provas, conclui-se pela inexistência do invocado perigo para a conservação e veracidade da prova.
Passando agora ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, desde já se anuncia que o mesmo também não ocorre.
Como sabemos, as medidas de coacção apenas têm finalidades processuais e não de protecção do próprio arguido ou de defesa da sociedade.
A este propósito refere Maia Costa: A utilização da prisão preventiva como forma de impedir a continuação da actividade criminosa constitui claramente uma medida de defesa social, uma medida de segurança, mais até do que antecipação de pena, o que viola frontalmente diversos princípios constitucionais, entre os quais a presunção de inocência. Por outro lado, a prisão preventiva como meio de salvaguarda da ordem e da tranquilidade públicas serve fins de prevenção geral (a salvaguarda das famosas expectativas comunitárias), mas não é evidentemente uma medida cautelar do processo, violando também o princípio da presunção de inocência (RMP Out/Dez 2002, n° 92, 74 e 75).
Com a reforma do CPP em 2007 (Lei n° 48/2007) passou a exigir-se que a perturbação da ordem e da tranquilidade públicas seja grave e imputável à pessoa do arguido, retirando-se o cunho estritamente objectivo ao requisito geral (exposição de motivos da Proposta de Lei) enfatizando-se a preocupação de compatibilização desta al. c) com a natureza estritamente processual prevista no art. 191° e com o princípio da presunção de inocência.
Assim, não será o mero clamor público ou repercussão que um determinado caso tem na opinião pública, na comunicação social ou nas redes socais que poderá ser utilizado como fundamento para afirmar a existência de perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas. Com efeito, o elemento literal da interpretação da norma em causa confirma o que acabamos de dizer: o que legítima a aplicação da medida de coacção não é uma qualquer perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, mas sim que o arguido perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas. A perturbação tem de ser causada pelo arguido ou a este imputável e esse comportamento de ser um comportamento futuro e provável e não o próprio crime cometido.
Tendo em conta o caso concreto, mais uma vez, se verifica a ausência de qualquer facto ou elemento de prova que indicie que o arguido virá a adoptar comportamentos ou atitudes que irão comprometer de forma grave a ordem e tranquilidade públicas, o que faz com que não se mostre verificado o referido perigo.
Vejamos agora o perigo de continuação da actividade criminosa, previsto na alínea c) do artigo 204° do CPP.
Conforme escreve Irineu Cabral Barreto, in A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 34 edição, Coimbra Editora, 2005, páginas 95, no comentário ao artigo 5°, n° 1, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, citando um acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, esta norma, ao estabelecer que ninguém pode ser privado da sua liberdade salvo quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção, não cobre uma polilica de prevenção geral contra uma pessoa ou categoria de pessoas que se revelem perigosas ela visa evitar a prática de uma infracção concreta e específica.
No mesmo sentido se pronunciou Germano Marques da Silva, ao escrever in Curso de Direito Penal, II, Verbo, páginas 269 que A aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado.
Tendo em conta estes ensinamentos quanto à interpretação da alínea c), do artigo 204°, do CPP cumpre averiguar, se, no caso concreto, regressando os arguidos em liberdade há o perigo concreto de voltarem a praticar factos integradores do mesmo tipo de ilícito, ou seja, de tráfico de estupefacientes e branqueamento de capitais.
Como sabemos, a continuação da actividade criminosa terá de ser aferida em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada - em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, nos termos da alínea c) do art. 204°, do CPP. Como refere o Acórdão da RC, de 02.06.99, sumário disponível em htt://www.trc.pt. - doe. 244/2 - terá de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem e não de mera presunção (abstracta ou genérica) ... o perigo terá de ser apreciado caso a caso, em função da contextualidade de cada caso ou situação, pelo que não cabem aqui juizos de mera possibilidade, no sentido de que só o risco real (efectivo) de continuação da actividade delituosa pode justificar a aplicação das medidas de coacção, maxime a prisão preventiva».
Tendo em conta os factos imputados ao arguido na decisão de pronúncia acabada de proferir, bem como dos demais elementos dos autos, verifica-se que o arguido, de forma reiterada, vem utilizado diferentes documentos de identificação, assim como diferentes cartões de crédito falsificados. Resulta, como o próprio arguido confessou, que ele tem conhecimentos suficientes que lhe permitem fabricar cartões de crédito e formas de obter novos documentos de identificação falsos.
Assim sendo, tudo isto faz com que seja concreto o perigo de continuar com a mesma actividade, encontrando-se preenchido o requisito da alínea c), do art.204°, do CPP.
Assim, perante a verificação do perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa importa agora saber qual a medida de coacção idónea para satisfazer as medidas cautelares que o caso ainda requer.
Cumpre referir que a medida de coacção deve ser escolhida e mantida em função da finalidade a que se destina, ou seja, como resulta do n.° 1 do artigo 193.° do CPP, deve ser adequada às exigências cautelares que o caso requerer, (princípio da adequação). A este propósito, ensina Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 270, uma medida de coacção é adequada se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares'.
Esta norma mais não é do que a afirmação, pelo CPP, do princípio do Estado de direito democrático ou, sendo mais preciso, a consagração adjectiva do princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo, em matéria de direitos fundamentais por forma, a que qualquer decisão judicial sobre medidas restritivas do direito fundamental da liberdade, não incorra numa qualquer discricionariedade irrazoável.
Através do princípio da proporcionalidade ou princípio da justa medida, procura-se avaliar, ponderando todos os dados disponíveis, se o meio utilizado é proporcionado ao fim que se procura alcançar.
Por sua vez, pelo princípio da exigibilidade ou da necessidade (também conhecido pelo princípio da menor ingerência possível), procura-se saber se, para alcançar o fim visado, não é possível recorrer a outro meio menos oneroso para o visado.
Fazendo a aplicação destes princípios ao caso concreto, verifica-se que a medida restritiva da liberdade imposta ao arguido mostra-se adequada ao fim que se pretende alcançar. Com efeito, quanto a ele, o meio adequado a evitar o perigo de que não prossiga com a actividade criminosa é a através de medida restritiva da liberdade.
No que concerne ao princípio da proporcionalidade ou princípio da justa medida, o meio utilizado - privação da liberdade - mostra-se proporcional aos fins visados.
Uma vez aqui chegados, e tendo em conta a aplicação prática do princípio da exigibilidade, necessidade ou da menor ingerência possível, a questão que se coloca é a seguinte: o fim pretendido (evitar a continuação da actividade criminosa) pode ser alcançado por outra medida igualmente eficaz mas menos onerosa para o arguido?
Na resposta a esta questão, importa trazer à colação as exigências impostas pelo legislador ao aplicador do direito.
Em primeiro lugar, o artigo 28° n° 2 da CRP, quando diz que: a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.
Em segundo lugar, o artigo 193° n° 2 e 3 do CP:
2 - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.
3 - Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
Da leitura destas normas verifica-se que ao Juiz é exigido, em termos de matéria factual e de argumentação, que comprove, em concreto, as razões pelo qual não dá preferência à obrigação de permanência na habitação, os motivos pela qual considera que esta medida ainda se mostra insuficiente para alcançar o fim visado.
Deste modo, por imposição legal, o JIC está obrigado a justificar e a explicar aos arguidos, através de factos concretos, o motivo pelo qual considera que a obrigação de permanência na habitação é insuficiente.
Ora, tendo em conta os perigos em causa - fuga e continuação da actividade criminosa -é evidente que o mesmo só ficará afastado se o arguido permanecer em prisão preventiva.
Nesta conformidade, neste momento, a medida de coacção que se revela necessária para acautelar o perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa e proporcional à gravidade do crime indiciado e das sanções que previsivelmente serão aplicadas é a medida de prisão preventiva.
Oportunamente à distribuição pelo Juízo Central Criminal da Comarca de Aveiro, por ser o local onde se consumou o crime de contrafacção de moeda.
Remeta suporte informático desta decisão.
Notifique.»
Vejamos:
São as conclusões formuladas na motivação do recurso que definem e delimitam o respectivo objecto - Art.°s 403° e 412° do C.P.Penal.
Como resulta das transcritas conclusões do mesmo, a questão que se nos colocam, fundamentalmente, é a seguinte:
- Violou a decisão recorrida os Art.°s 308° e 283°, n.° 2 do C.P.Penal, pelo que a mesma terá que ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido A..., imputando-lhe, como autor imediato e em concurso real, pela prática do circunstancialismo ora mencionado, os seguintes crimes: ¬Um crime de adesão a organização terrorista internacional p. e p. pelos Art.°s 2°, n.°s 1, alínea a) e 2, 3°, 4°, n.°s 1 e 10 e 8°, n.° 1, da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio), com referência ainda à Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, a Posição Comum 2001/930/PESC sobre o combate ao terrorismo e a Posição Comum 2001/931/PESC relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, Regulamento (CE) n.° 2580/2001, o Art.° 1°, n.°s 2 e 3, que define, respectivamente, o que se entende por «pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas» e por «acto terrorista» e prevê nos Art.°s 2° e 3° - e a inscrição de uma organização na lista das pessoas, grupos e entidades envolvidos em actos terroristas, sendo actualmente o DAESH ou Estado Islâmico, considerado na EU como uma organização terrorista internacional; - Um crime de falsificação com vista ao terrorismo (uso de passaporte falso) p. e p. pelas disposições conjugadas do Art.° 256°, n.°s 1, alínea c) e 3, do C. Penal e dos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 e 2 e 5°, n.° 1, todos da Lei n.° Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio) - utilização de passaporte falso; - Quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo (utilização de cartões de crédito falsificados) p. e p. pelas disposições conjugadas do Art.° 262°, n.° 2 e 267°, n.° 1, alínea c), ambos do C.Penal e dos
Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 e 2, 5°, n.° 1 e 5°-A, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio) - utilização de 4 cartões de crédito da American Express falsos; - Um crime de recrutamento para terrorismo p. e p. pelos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 3°, 4°, n.°s 1 e 6, 5° e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003 de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio) e - Um crime de financiamento do terrorismo p. e p. pelos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 5°, 5°-A, n.° 1 e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003 de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio e Lei n.° 60/2015, de 24 de Junho).
Apreciemos a apontada questão, importando, desde já, salientar, no entanto, que, na vigência do C.P.Penal de 1929 não havia qualquer norma donde resultasse o conceito de indícios suficientes, tendo, então, a doutrina e a jurisprudência estudado a questão e chegado à conclusão de que haveria tais indícios, quando os elementos de facto trazidos ao processo, livremente apreciados, faziam nascer a convicção de que, a manterem-se em julgamento, teriam sérias probabilidades de conduzirem a uma condenação.
Segundo Luís Osório devem considerar-se, indícios suficientes, aqueles que, fazem nascer, em quem os aprecia, a convicção, de que o réu, poderá vir a ser condenado (Comentário ao Código de Processo Penal Português, Vol. IV., Pág. 441).
Por outro lado, também o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Pág. 133, afirmava que tem, pois, razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida «a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final - só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação».
Daí que se tem de considerar que já a simples dedução de acusação representa um ataque ao bom nome e reputação do acusado, o que leva a defender que os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável que a absolvição.
E após referir que a alta probabilidade, contida nos indícios recolhidos, de futura condenação, tem de aferir-se no plano fáctico e não no plano jurídico, mais adiante (Obra citada, Pág. 213), ao analisar o princípio in dubio pro reo, escreveu que todos os factos relevantes (...) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como «provados». (...) Logo se compreende que a falta delas (provas) não possa, de modo, algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova (...) tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo (...), conhecido em muitos países sob o nome de «presunção de inocência».
É, pois, sob esta forma que surgiu no Art.° 9° da «Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão», sendo sobre ele que se debruçam o Art.° 11°, n.° 1 da «Declaração Universal» da Organização das Nações Unidas e o Art.° 6°, n.° 2 da «Convenção» do Conselho da Europa.
Mais actualmente tem-se entendido que «indiciação suficiente é a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em audiência de julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção por que os agentes virão a responder» (cfr. Acórdão do S.T.J. de 10-12-1992, Proc. 427747, citado in Código de Processo Penal Anotado - 1996, de Simas Santos, Leal-Henriques e Borges de Pinho, 2° Vol., Pág. 131).
Ou, na expressão de Germano Marques da Silva, por indiciação suficiente entende-se a «possibilidade razoável» de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova já existentes, uma pena ou uma medida de segurança (cfr. Curso de Processo Penal, II Vol., Pág. 85).
Não se podendo olvidar, de acordo com o mesmo Professor, que a natureza indiciária da prova significa que não se exige a prova plena, a «prova», mas apenas a probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança criminal (cfr. Obra citada, Pág. 86).
Já na jurisprudência, tanto antes como depois, defendeu-se, de forma uniforme que, indícios suficientes serão suspeitas, vestígios, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele, sendo necessário para a pronúncia que os factos indiciados sejam suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, estabeleçam a convicção da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado (cfr. Acórdãos do S.T.J. de 01-03¬1961, B.M.J. 105°, Pág. 493, da Relação de Coimbra de 26-06-1963, J.R. 3°, Pág. 777, da Relação de Coimbra de 29-03-1966, J.R. 2°, Pág. 419, da Relação de Lisboa de 28-02-1964, J.R. 1°, Pág. 117, da Relação do Porto de 23-04-1976, C.J., 1976, Tomo 1°, Pág. 131, da Relação de Lisboa de 25-06-1988, B.M.J. 378°, Pág. 787, da Relação de Lisboa de 14-03-1990, B.M.J. 395°, Pág. 656 e do S.T.J. de 10-12-1992, no Proc. n.° 427747).
Torna-se forçoso mencionar, ainda, que o Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 59/98 de 25 de Agosto, consagra que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (cfr. Art.° 283°, n.° 2).
Sendo certo que se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia (cfr. Art.° 308°, n.° 1).
Por conseguinte, o despacho de pronúncia visa restringir a ida a julgamento aos acusados em relação aos quais se tenha reunido um conjunto de elementos probatórios que persuadam da sua culpabilidade e que convençam que os mesmos possivelmente virão a ser condenados (cfr., entre muitos outros, Acórdãos da Relação de Évora de 04-02-1997, B.M.J. 464°, Págs. 633 e segs. e do Tribunal Constitucional n.° 935/96, de 10 de Julho, D.R., 2a. Série, n.° 286, de 11 de Dezembro do mesmo ano).
Reportando-nos, agora, ao caso em análise, verifica-se que, dos elementos de prova recolhidos nos autos, resultam indícios suficientes e bastantes de que o arguido A... praticou os factos que integram a tipicidade objectiva de um crime de de adesão a organização terrorista internacional, de um crime de falsificação com vista ao terrorismo (uso de passaporte falso), de quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo (utilização de cartões de crédito falsificados), de um crime de recrutamento para terrorismo e de um crime de financiamento de terrorismo, os quais lhe são imputados na acusação.
E dizemos isto porque, na verdade, o inquérito dos autos teve como objecto de investigação a actividade levada a cabo por indivíduos de nacionalidade marroquina, susceptível de integrar a prática dos crimes de adesão a organização terrorista, recrutamento para o terrorismo, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo, p. e p. na Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto, no caso em concreto directamente relacionados com a organização terrorista internacional, autoproclamada, Estado Islâmico [organização criada no Iraque em 2006, inicialmente sob a liderança de Abu Hamza al Muhajir (designada por ISIS pela ONU e conhecida mundialmente pelo acrónimo DAESH - cfr. Resolução do Conselho de Segurança 2253).
Tais factos foram cometidos em território nacional por um grupo de indivíduos naturais de Marrocos, os quais, após solicitação, obtiveram o estatuto de refugiados junto das entidades competentes e passaram a residir em Portugal, desenvolvendo actividades de recrutamento de novos elementos, bem como actividades de angariação de apoios financeiros utilizados nas acções de recrutamento em benefício dos ideais defendidos por tal organização.
A estratégia desenvolvida e concretizada pelos seus autores foi a de, junto de entidades públicas e privadas, em vários países da Europa, para além de Portugal, obterem financiamento e meios de financiamento, tais como cartões de crédito bancário e documentação com dentificações falsas que lhes permitissem criar vários Alias e dessa forma maximizarem a obtenção de capacidade financeira para desenvolver a actividade de recrutamento de indivíduos para combater na Síria, em suporte dos ideais do Estado Islâmico/ISIS/ DAESH, bem como e também para o financiamento de actos terroristas a levar a cabo em Países Europeus.
A investigação iniciou-se na sequência de informação obtida pela Polícia Judiciária (doravante P.J.) que dava conta da presença, em território nacional, de um indivíduo, natural de Marrocos, de seu nome A..., sobre o qual recaíam suspeitas de manter ligações à causa Jihadista protagonizada pela organização terrorista autoproclamada Estado Islâmico, bem como de eventual envolvimento, junto da comunidade marroquina residente em Portugal, em acções de recrutamento de indivíduos, com vista ao incremento do exército de combatentes estrangeiros conhecidos internacionalmente por Foreign Fighters.
Após diligências realizadas, vieram a ser apurados elementos relevantes, os quais permitiram concluir estar-se na presença de um indivíduo muçulmano muito devoto e opositor da Monarquia Marroquina que terá pertencido ao corpo de polícia de Marrocos e ao Partido da Justiça e Desenvolvimento (PJD), partido islâmico que governou Marrocos entre 2004 e 2008 e em 2011 venceu as eleições legislativas em Marrocos e se mantêm actualmente em funções de poder.
Esta informação, conjugada com o facto de ter entrado em território nacional com documentação falsa e acompanhado por um outro indivíduo identificado como H..., permitiu que se desse início à investigação.
Resulta dos elementos de prova obtidos nos autos que o arguido A... e H..., respeitando as directrizes do auto proclamado Estado Islâmico/ISIS, largamente difundidas através de fóruns da internet - sendo um dos fóruns referidos nos documentos apreendidos o Fórum da Unificação e Jihad - e servindo seus propósitos, organizaram-se na obtenção de meios financeiros através da prática massiva de crimes através da utilização de documentação e cartões de crédito falsos, sempre para obterem elevados proveitos económicos que utilizaram e cederam para outros apoiantes da organização com o intuito de suportarem e manterem o designado Califado proclamado e reivindicado pelo Estado Islâmico/ISIS.
Esta actividade tinha também como objectivo o financiamento de acções terroristas por vários países da Europa, respondendo aos apelos das chefias do Estado Islâmico.
A concretização destas acções por parte de H... culminou com a sua detenção em território francês, quando se preparava para adquirir armas com vista á prática de novo atentado nesse território.
Os factos investigados nos autos revelaram-se susceptíveis de integrar a prática dos crimes de adesão a organização terrorista internacional, de terrorismo, financiamento e recrutamento para o terrorismo, previstos e punidos pela Lei n° 52/2003, de 22 de Agosto, com a versão da Lei n° 60/2015, de 24 de
Junho, pelos quais veio a ser acusado o arguido A....
Nesta perspectiva, verifica-se, pois, que tal arguido deu entrada, em território nacional, no dia 23-09-2013, altura em que foi interceptado no Aeroporto Internacional de Lisboa, num voo proveniente de Bissau, na posse de um passaporte falsificado, aparentemente emitido pelas Autoridades Francesas, com o número …, datado de 04-10-2005 e em nome de P....
No mesmo voo proveniente de Bissau, também deu entrada em território nacional no supra mencionado dia, um outro cidadão natural de Marrocos, de nome H..., altura em que foi igualmente interceptado no Aeroporto Internacional de Lisboa, na posse de um cartão de residência falsificado, aparentemente emitido pelas Autoridades Romenas, com o número …, datado de 15-06-2011 e em nome de H....
Outrossim, no dia 12-12-2015, pelas 22:30 horas, o arguido A... e H... chegaram, de novo, a território nacional — aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto - no voo FR5489 da companhia aérea Ryanair, proveniente de Dusseldorf na Alemanha, vindo a alojarem-se no hotel denominado IM..., em Aveiro.
Como forma de pagamento ao hotel, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express, com o n.° 3..., emitido em nome de MI... (cfr. expediente de fls. 181 v.° e 198 a 203).
Identificada e inquirida a sobredita testemunha (cfr. fls. 493 a 494 v.°), referiu a mesma, além do mais, que nunca teve em seu nome, nem nunca solicitou a emissão de um cartão de crédito da Mastercard. Mais confirmou conhecer o (A...), indivíduo cuja foto identificou, bem como o H..., desde Novembro de 2013, altura em que ambos partilhavam o mesmo quarto na Fundação CESDA em Aveiro.
Esclareceu, ainda, que só quando abandonou a referida instituição, em Maio de 2014, é que se apercebeu que o seu passaporte, o qual se encontrava na gaveta da sua mesa-de-cabeceira, tinha desaparecido.
O arguido A... utilizou o mesmo cartão como forma de pagamento para custear outras despesas que realizou, designadamente em estabelecimentos comerciais.
Destes elementos decorrem a indiciação pela utilização de documentação falsa, levada a cabo pelo predito arguido, bem como o facto da emissão do referido cartão da American Express ter sido feita a partir do passaporte de MI..., mas sem que tenha sido possível descobrir quem, como, quando e onde tal falsificação tenha sido levada a cabo.
No dia 28-02-2016, pelas 22:40 horas, o arguido A... e H..., alojaram-se no mesmo hotel IM... e, como forma de pagamento da estadia, o primeiro utilizou o cartão de crédito da American Express n.° 3…, em nome de F... (cfr. expediente de fls. 230 a 233 v.° e 250).
Nesta altura, o arguido A... para custear outras despesas então realizadas, designadamente na Clinica … … e, noutros estabelecimentos comerciais, utilizou, para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de AB....
No dia 17-05-2016, o arguido A... e H..., chegaram a território nacional, onde permaneceram até 21-05-2016, tendo ficado alojados no hotel denominado …, em Aveiro.
Como forma de pagamento da referida estadia, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de OR....
Tal cartão de crédito foi utilizado, naquela altura, como forma de pagamento de outras despesas realizadas em Portugal.
Destes elementos decorre a indiciação pela utilização de documentação falsa, praticada pelo arguido A..., mas sem que tenha sido possível saber quem, como, quando e onde tal falsificação foi levada a cabo.
Subsequentemente, importa referir que não se evidencia como exacta a afirmação, constante da decisão instrutória impugnada, de que os artigos 15, 124, 126, 127, 129, 141 e 150 da acusação contém factos inócuos.
Antes pelo contrário, se nos afigura que os mesmos assumem relevante valiosidade.
Sendo que, também, somos da opinião que a indicação feita, na sobredita peça processual, de que alguns artigos se limitam a conter juízos e percepções de testemunhas, seguidos por artigos que descrevem factos concretos imputados ao arguido e que relatam as circunstâncias de tempo, modo e lugar e indivíduos em relação aos quais a sua actuação se desenvolveu, carece de manifesta eazão.
Aliás, nesta perspectiva, acresce que se o Mm.° Juiz a quo afirma que alguns dos artigos da acusação que citou contêm factos e meios de prova e percepções e partes de depoimento de algumas testemunhas, tal realidade implicava que deveria ter tido em consideração tais meios de prova na apreciação dos factos indiciados, ao invés de os ter omitido na fundamentação da decisão em crise.
Constata-se, de igual modo, que não se vislumbra, ao contrário do afirmado, terem sido confundidos factos com meios de prova.
E dizemos isto até porque estes foram sempre identificados como tal na acusação.
Também a descrição das circunstâncias em que foram apreendidos, bem como a descrição dos objectos que indiciam os crimes imputados aos agentes, criticada pelo supra mencionado Magistrado Judicial, revela-se necessária.
Até porque, no caso concreto, havia que estabelecer a ligação entre os documentos apreendidos, os locais buscados e a sua utilização exclusiva pelo arguido A... e pelo H....
A este propósito, importa referir que a regra processual que define o conteúdo obrigatório de uma acusação é a que vem estabelecida nas diversas alíneas do Art.° 283°, n.° 3 do C.P.Penal, a qual dispõe que: A acusação conterá, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
h) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no artigo 128., n. ° 2, as quais não podem exceder o número de cinco;
e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em
julgamento, com a respectiva identificação;
1) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer.
g) A data e assinatura.
Tal regra é igualmente aplicável à decisão instrutória, conforme dispõe o
Art.° 308°, n.° 2 do antedito Código.
m que, conforme resulta do expendido, não foi tido em conta pelo Mm.° JIC a quo que, de tais normas, terá efectuado uma errada interpretação.
Finalmente, torna-se forçoso mencionar, outrossim, que nos causa evidente perplexidade a circunstância de, na decisão de não pronúncia, se ter considerado como não estando suficientemente indiciados os factos descritos na acusação sob os artigos 5 a 9, 15, 25, 29 a 35, 56, 61 a 68, 70, 72 a 79, 81, 82, 116, 117, 120, 122, 124, 126, 127, 129, 138 a 144, 147,148 e 150, incluindo assim alguma da factualidade que anteriormente se afirmara ser irrelevante.
Até por que, assim, se fica com uma dupla qualificação desses factos que, por um lado, seriam irrelevantes e, ao mesmo tempo, não estariam suficientemente indiciados.
No seguimento do que acaba de se assinalar, constata-se, em primeiro lugar, ter ocorrido alguma dificuldade de aceitação por parte do Mm.° Juiz a quo do enquadramento jurídico efectuado pelo M° P° quanto aos factos imputados ao arguido A....
Com efeito, a análise efectuada aos tipos de legais de crimes, constante de fls. 698 v° a 729, mostra-se centrada apenas na ponderação do Art.° 1° da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto e só em relação a cada situação ali prevista, sem atender ao facto de estar, fundamentalmente, imputado ao arguido um crime de adesão a organização terrorista internacional (in casu, a organização terrorista internacional conhecida pela designação DAESH ou o auto proclamado Estado Islâmico).
Ora, quem adere ou presta apoio ao DAESH está a colaborar nas actividades e desígnios desta organização terrorista, a qual, consabidamente, se dedica à práica de crimes contra a vida, a integridade física e a liberdade das pessoas e a todas as restantes actividades ilícitas descritas nas diversas alíneas do n.° 1 do sobredito normativo.
Verificando-se ser, de todo em todo, inquestionável que todos os combatentes estrangeiros recrutados para combaterem pelo DAESH, matam e torturam vítimas, de forma indiscriminada, nos vários ataques terroristas armados em que participam.
Por conseguinte, só quem adere aos desígnios do DAESH é que se dedica a radicalizar e recrutar jovens combatentes para as suas fileiras.
Daí que, apoiar e colaborar com o DAESH, seja através do fornecimento de informações ou meios materiais, seja recrutando elementos para integrar as fileiras de combatentes, seja prestando-lhes apoio financeiro, seja através de outra forma de colaboração com os referidos desígnios, não pode deixar de integrar a factualidade típica do crime previsto no Art.° 2° da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto, conforme imputado na acusação.
Sendo que esta realidade terá escapado à análise do aupra enunciado Magistrado Judicial.
No caso do presente processo, a imputação ao arguido A... de um crime de adesão e apoio a organização terrorista Internacional, p. e p. pelos Art.°s 2°, n.°s 1, alínea a) e 2, 3°, 4°, n.°s 1 e 10 e 8°, n° 1, todos da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008 de 5 de Junho e da Lei 17/2011 de 3 de Maio), com referência, ainda, à Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, a Posição Comum 2001/930/PESC sobre o combate ao terrorismo e a Posição Comum 2001/931/PESC relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, Regulamento (CE) n.° 2580/2001 no Art.° 1°, n.° 2 e 3, que define, respectivamente, o que se entende por «pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas» e por «acto terrorista» e prevê nos Art.°s 2° e 3° - e a Inscrição de uma organização na lista das pessoas, grupos e entidades envolvidos em actos terroristas, sendo actualmente o DAESH ou Estado Islâmico considerado na UE como uma organização terrorista internacional) não merece censura.
Tal imputação foi feita com base nos factos constantes da acusação, que o Mm.° JIC considerou inócuos, onde, para além do mais, se encontram descritos os modus operandi adoptados pelo supra mencionado arguido em apoio do DAESH, nomeadamente a sua colaboração nos desígnios do DAESH com vista à radicalização e recrutamento de jovens para integrarem as respectivas fileiras de combatentes e, também, no apoio financeiro ao terrorismo, através das despesas suportadas pelo nesmo em relação a tais jovens, em especial quanto ao suspeito H....
Os factos referentes à concretização dos modos operandi indicados são os que vêm referidos nos artigos seguintes da acusação, onde se descrevem os factos praticados pelo arguido em relação a cada jovem e que o Mm.° Juiz a quo, considerou, de forma que se nos afigura errónea, não estarem suficientemente indiciados.
Os crimes de recrutamento para terrorismo, financiamento do terrorismo e uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo surgem em tal peça processual com a descrição dos factos materiais cometidos pelo arguido A... em apoio aos desígnios terroristas do DAESH, apoio que se integra a previsão do Art.° 2° da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto.
Sendo certo que os indicados crimes que serviram como meio de apoio ao DAESH são punidos autonomamente, nos termos indicados na acusação e em concurso efectivo com o crime previsto no antedito artigo.
Os actos materiais de apoio ao DAESH praticados pelo arguido A... foram descritos na acusação em dois níveis: a) os actos referentes à radicalização e recrutamento de jovens marroquinos para integrarem as fileiras de combatentes estrangeiros do Daesh na Síria e b) os actos de apoio financeiro prestado pelo arguido aos jovens, nomeadamente aquisição de bens e serviços, alojamento em boteis e aquisição de viagens, descritos igualmente na acusação, com especial incidência no apoio financeiro prestado ao suspeito H..., recrutado pelo arguido para aderir ao DAESH, como efectivamente se mostra documentado nos autos através dos meios de prova indicados.
Assim, no caso dos autos, o crime p. e p. pelo Art.° 2°, n.° 2, da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto, consuma-se com a realização, por parte do arguido A..., de actos de apoio ao DAESH.
De todo em todo, a colaboração e apoio do predito arguido ao DAESH traduziu-se, em concreto, na doutrinação e radicalização jihadista de jovens marroquinos, em especial de H..., que foi por aquele recrutado para as respectivas fileiras, tendo-se deslocado para a Síria como combatente estrangeiro (vulgo foreign fighter) onde recebeu treino militar e a missão de voltar para a Europa para recrutar novos combatentes e também participar ou executar actividades terroristas.
Acabou o H... por ser detido em França, por ter participado num plano de ataque naquele País, com recurso a metralhadoras, conforme indicado na acusação, maxime nos artigos 19 a 23, 29 a 35, 37, 38 e 51 a 57.
O mesmo tipo de apoio surge nos autos com o apoio financeiro prestado pelo arguido A... ao H... já depois de o radicalizar e com as tentativas de recrutamento de outros marroquinos acolhidos nos centros de refugiados que aquele, juntamente com este, procuraram radicalizar e recrutar para a causa Jihadista, com promessas de uma vida melhor (casa, ordenado, casamento) se fossem para a Síria combater para o DAESH.
Ora, na sua apreciação sobre os elementos do crime de adesão a organização terrorista, o Mm.° JIC refere apenas o Art.° 2°, n.° 1 da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto sem efectuar qualquer análise ou referência à norma que estabelece, prevê e pune este crime autónomo, que é o Art.° 2°, n° 2 dessa mesma Lei.
Entende, assim, o Mm.° Juiz a quo que só haverá crime de adesão a organização terrorista se o agente cometer algum dos factos descritos no Art.° 2°, n.° 1 da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto, o que, tal como sustenta o Digno recorrente, não é correcto.
Quanto à explanação efectuada na decisão instrutória em causa, referente ao uso de documento falso, com vista ao financiamento do terrorismo, imputado na acusação, o Mm.° JIC incorre no mesmo erro de apreciação.
Entende que só se verifica terrorismo se forem cometidos factos que caibam na previsão ou do Art.° 1° ou do Art.° 4° da Lei n.° /2003, de 22 de Agosto.
Afirma-se em tal peça processual, a fls. 706 v.°, que: Incluir o crime de contrafacção de moeda p e p pelo artigo 262° do CP entre o catálogo dos crimes enunciados no artigo 4° n° 2 da citada Lei, apenas por estar em causa o conceito de falsificação de moeda, seria, apesar de ainda conter no artigo em causa uni mínimo de correspondência verbal, exceder o sentido possível das palavras da lei e com isso estaríamos a violar o artigo 29° da Constituiç.ão.
Concluindo-se, mais adiante, nessa mesma folha, que: Assim sendo, por não estar tipificado o tipo legal de crime de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo, a conduta do arguido, quanto à utilização dos quatro cartões de crédito, terá ser qualificada como constituindo a prática, em autoria material e em concurso real, de quatro crimes de contrafacção de moeda p e p pelo artigo 262° no 1 e 267° no 1 aL c), ambos do CP.
Ora, afigura-se-nos, também, que tal asserção carece de manifesto fundamento.
E dizemos isto porque, desde logo, o Mm.° Juiz a quo viola na sua análise, por erro de interpretação, o disposto no Art.° 1°, alínea i), do C.P.Penal, onde se estabelece o actual conceito legal de terrorismo, nos seguintes termos: «Terrorismo» as condutas que integram os crimes de organizações terroristas, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo».
Constatando-se, por outro lado, que as condutas punidas como crime de financiamento ao terrorismo são todas as condutas que forem abrangidas pela previsão do Art.° 5°-A da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto.
Assim, ao contrário do sustentado, o crime de financiamento ao terrorismo, pode ser cometido por qualquer meio, lícito ou ilícito, directo ou indirecto, tratando-se de um crime autónomo, quer do crime instrumental de falsificação de documentos, de passagem de moeda falsa ou de qualquer forma de apoio financeiro prestado a terroristas ou organizações terroristas.
Não sendo necessário que os fundos provenham de terceiros, nem que tenham sido entregues a quem se destinam, ou tenham sido efectivamente utilizados para cometer os factos previstos no Art° 5°-A, n° 1, conforme disposto no subsequente n.° 2, da supra referida Lei n.° 52/2003.
De todo em todo, não pode sequer deixar de se acrescentar que o auto-financiamento para actividades terroristas é, igualmente, abrangido pela supra referida norma.
A utilização de cartões de crédito falsificados, por parte de um individuo que aderiu e passou a colaborar com o DAESH, como meio de financiar despesas e prestar apoio a pessoas que o agente procurou recrutar (e no caso do H... efectivamente recrutou e apoiou financeiramente) para aderir a tal organização terrorista internacional, constitui um acto instrumental do crime de financiamento ao terrorismo, sendo punido em concurso (crime de financiamento ao terrorismo e crime de uso de documento falsificado).
Por outro lado, uma vez aqui chegados, cumpre referir que não pode deixar de se concordar com a posição sustentada pelo Mm.° Juiz a quo de que os depoimentos constantes de fls. 545 a 555 v.° e 556 a 565 v.° (tradução), bem como, de todo o modo, o de fls. 541 a 544, enviados no âmbito do processo 2016/1002, du Parquet de Paris não podem ser valorados como prova testemunhal.
É que tais depoimentos não foram realizados, mediante recurso a carta rogatória, a solicitação dos autos ora em causa.
Sendo certo até que os mesmos foram prestados perante as autoridades de Marrocos, a pedido e no âmbito do sobredito processo que corre termos em Paris (conforme resulta do Apenso A, nomeadamente do CD junto a fls. 30 relativo às peças processuais remetidas pelas autoridades francesas).
De acordo com o Digno recorrente, documentam os autos que os elementos em causa foram obtidos na sequência de carta rogatória expedida, após a efectivação de reuniões de coordenação mantidas na sede do Eurojust pelas autoridades que dirigiam as várias investigações em curso, tendo ficado acordado a troca espontânea de meios probatórios existentes sobre os suspeitos.
Assim, realizaram-se, nos dias 17-01-2017 e 09-06-2017, reuniões de coordenação nas instalações do Eurojust (case ID 34737) entre: a) as autoridades portuguesas responsáveis pela investigação do processo 78/15.2JBLSB; b) as autoridades francesas responsáveis pela investigação do processo envolvendo a detenção do suspeito H..., por factos cometidos em França; c) as autoridades alemãs responsáveis pela investigação do suspeito A... quanto a factos cometidos na Alemanha e d) as autoridades espanholas responsáveis pela investigação de factos envolvendo actividades terroristas cometidas pelo suspeito H... em Espanha (cfr. Apenso 3).
Em resultado dessas reuniões, foi acordado que na sequência de MDE emitidos no processo 78/15.2JBLSB e, também, no processo que corre termos em França, o suspeito A... deveria ser entregue prioritariamente à investigação portuguesa.
Durante as reuniões de coordenação, as autoridades francesas informaram que forneceriam as declarações prestadas por testemunhas e colhidas em Marrocos no âmbito processo francês e as autoridades portuguesas declararam que pretendiam obter certidão de tais declarações.
As autoridades francesas enviaram, via Eurojust, certidão de tais declarações, através da transmissão espontânea de informações e meios de prova, tendo as declarações remetidas sido traduzidas para a língua portuguesa (cfr fls. 540 a 565 v.°).
Pese embora a troca espontânea de informações, efectivada nas circunstâncias acima indicadas, seja um mecanismo de cooperação judiciária internacional em matéria penal para obtenção de prova perfeitamente válido no direito interno português, certo é que, também em nossa opinião, os sobreditos depoimentos, ainda para mais prestados no Reino de Marrocos, não podem, de todo em todo, revestir a forma de informações relativas a infracções penais susceptíveis de intercâmbio entre Estados membros, nos termos do Art.° 7° da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, assinada em Bruxelas em 29-05-2000, aprovada pela Resolução da A.R. n.° 63/2001, in D.R. 240, de 16-10-2001.
E dizemos isto até por que a comunicação de informações relativas a questões penais a uma autoridade competente de outro Estado parte só pode ser feito se se considerar que estas informações poderão contribuir para que ela proceda ou conclua com êxito investigações e processos penais, ou permitir a este último Estado parte formular um pedido ao abrigo da Convenção em causa (cfr. Art° 18°, n.° 4 da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, aprovada pela Resolução da A.R. n.° 32/2004, in D.R. 79/2004, da Série 1-A, de 02-04-2014).
Sendo certo, além do mais, que, nos termos do Art.° 3° da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal (CETS 030), assinada em Estrasburgo em 20-04-1959, a qual se encontra na base e, portanto, é completada pela supra mencionada Convenção, assinada em Bruxelas em 29-05-2000, o único meio válido de realização de actos de instrução ou de transmissão de elementos de prova, actos ou documentos é a carta rogatória.
Ora, não obstante o Digno recorrente alegar ter sido emitida carta rogatória para as autoridades francesas, não se vislumbra que, da respectiva tramitação, tenha resultado a inquirição de quaisquer testemunhas, nomeadamente de Y... e de MB....
De qualquer modo, tal como sustenta o Mm.° Juiz a quo, não é possível valorar como «documental», maxime informações, a prova traduzida em depoimentos (provas documentais declarativas) proferidos no decurso de um outro processo, neste caso num processo de outro país.
Posto isto, importa ponderar, de seguida, a questão essencial a decidir no presente recurso, a qual se traduz na apreciação da verificação, ou não, de prova indiciária recolhida na investigação que suporte um julgamento do arguido A... pelos factos e crimes que lhe vêm imputados na acusação.
Ora, nesta perspectiva, somos do entendimento que ocorreu uma errónea apreciação, por parte do Mm.° JIC, dos meios de prova existentes nos autos e que foram expressamente indicados como meio de prova a produzir em sede de julgamento.
Na verdade, a prova documental e a prova pericial estão sujeitas a critérios legais de apreciação vinculada (cfr., respectivamente, os Art.°s 169° e 163° do C.P.Penal).
Já os depoimentos prestados oralmente em audiência estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo Art.° 127° do supra mencionado Código.
No processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos: - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão ocorre com a produção de prova em audiência; - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material;_- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade, pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana.
A convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e, ainda, elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente - aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da o...dade e da imediação - e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo, principio só aplicável na sua plenitude em sede de julgamento.
Aliás, como refere, ainda, o Prof. Jorge de Figueiredo Dias a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente como toda a discricionalidade jurídica os seus limites, que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios de objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo...não a pura convicção subjectiva ... se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão ... a convicção do juiz há- de ser ... em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros ... em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cfr. Direito Processual Penal, Págs. 202 a 205).
Desta forma, a convicção do tribunal é formada, antes de mais, com base nos dados objectivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada, devendo o Tribunal conjugar e articular criticamente esses meios de prova com os depoimentos prestados na plenitude da audiência.
Nesta perspectiva, a formação da convicção do Tribunal, quanto aos factos dados como provados e não provados, tem que resultar do exame crítico da conjugação das declarações dos arguidos com os depoimentos das testemunhas, e da análise dos documentos juntos aos autos.
Assim, para fundamentar um despacho de não pronúncia é manifestamente insuficiente afirmar-se que não existem indícios suficientes dos factos imputados na acusação; ou efectuar uma leitura e apreciação isolada de alguns artigos da acusação, retirada do contexto global; ou seleccionar apenas a parte dos depoimentos prestados pelas testemunhas que suportam a tese da não pronúncia, omitindo as referências feitas pelas mesmas testemunhas sobre factos que apontam no sentido contrário, como se nos afigura ter acontecido na decisão sob recurso.
É que a acusação, sobretudo num caso complexo como o do presente processo, terá que ser analisada no seu todo, só assim se compreendendo o modo de actuação e intenção de cada interveniente e a sua ligação aos restantes intervenientes, bem como o papel atribuído a cada um.
Até porque, com efeito, apenas mediante esta análise global de todos os elementos probatórios validamente colhidos ao longo do processo e indicados na acusação é que se poderá compreender e concluir pela verificação ou não do conceito de indícios suficientes constante do Art.° 283° do C.P.Penal que justifiquem a submissão do arguido à fase seguinte de julgamento.
Posto isto, não se colocam em causa as considerações e citações de jurisprudência constantes da fundamentação da decisão instrutória ora em crise, no que respeita à explanação teórica sobre os requisitos gerais exigidos para a prolação de um despacho de pronúncia, o mesmo se passando com as considerações gerais tecidas a propósito da aplicação das regras que presidem ao princípio da livre apreciação da prova.
Sendo, de todo em todo, bom de ver que o próprio Mm.° Juiz a quo refere, no texto da decisão instrutória, socorrendo-se do Acórdão da 3a Secção deste Tribunal, de 11-01-2017, proferido no Proc. n.° 243/15.2JELSB.LI, que,
Neste âmbito, importa referir que não serão as considerações produzidas em sede de debate instrutório pelos ilustres defensores dos arguidos que permitirão, por si só, a infirmação de toda a prova anteriormente recolhida contra os mesmos na fase de inquérito. Para pugnar por uma não pronúncia não basta dizer que não há indícios e nem fazer uma leitura isolada de alguns artigos da acusação e retirada do contexto. A acusação, sobretudo num caso como este, terá que ser analisada no seu todo só assim se compreendendo a ligação e actuação dos diversos intervenientes.Só fazendo esta análise global é que poderemos compreender e concluir pela verificação ou não de indícios que justifiquem a submissão dos arguidos ou alguns deles à fase seguinte.
Todavia, conforme acertadamente defende o Digno recorrente, verifica-se que a sobredita teorização não foi adequadamente aplicada aos factos concretos e aos meios de prova efectivamente apreciados pelo Mm° JIC, tendo-se, ainda, verificado a omissão de apreciação de outros meios de prova relevantes, nomeadamente partes de depoimentos prestados que não foram considerados.
Em face do que acaba de se deixar expendido, torna-se forçoso salientar que, na verdade, in casu, o arguido A... negou os factos que lhe foram imputados e referidos pelas testemunhas.
Porém, a sua versão mostra-se claramente contraditada não só pela coerência e consonâncias entre os vários depoimentos prestados, como ainda por documentos indicados como meio de prova, que são demonstrativos de que o afirmado pelo antedito arguido não se revela susceptível de merecer credibilidade.
Assim, a testemunha M..., cujo depoimento foi, aliás, admitido pelo Mm.° JIC como prova válida, inquirido em diligência presidida pelo Ministério Público, constante de fls. 431 a 435, declarou, com interesse, o seguinte: - Ser irmão do suspeito H... e conhecer muito bem o arguido A...; - Ter conhecido o A... em Marrocos, quando, em 2013, se foi despedir do seu irmão e este estava na sua companhia, recordando-se perfeitamente que o arguido T... lhe disse nessa altura, para não se preocupar com o seu irmão, pois ele ia tratar dele da melhor maneira possível (desmente, pois, o predito arguido quando este afirma que só conheceu o H... quando chegou ao Aeroporto de Lisboa no dia 23-09-2013); - Ter sido o arguido A... que conseguiu arranjar a documentação para que o seu irmão pudesse sair de Marrocos; - Encontrar-se em Portugal, desde o dia 08-02-2015, e que viajou acompanhado de uma prima de nome I...; - Ter sido o A... que tratou, não só da documentação do seu irmão, para vir para Portugal, mas de igual modo da própria testemunha e da sua prima I... que o acompanhou na viagem; - Ter tal situação ocorrido no ano de 2015, altura em que A... foi a Marrocos.
Afirma saber, ainda, que, o arguido A..., também forneceu documentos para outros dois indivíduos marroquinos, que conhece por O... e outro que conhece por OS....
Referiu ter sido instalado, quando chegou, no Centro de Detenção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), no Aeroporto de Lisboa e, posteriormente, encaminhado para o Centro Português para Refugiados (CPR), que, em Portugal, voltou a ver o T..., na sequência de uma visita que este fez ao CPR, com a finalidade de visitar o ora inquirido e um individuo de nome O..., que, de igual modo, veio de Marrocos para Portugal, que o arguido A... convidou a testemunha e o O..., para se deslocarem para a cidade de Aveiro e aí residirem, dizendo que beneficiavam se estivessem juntos, em vez de estarem espalhados por vários sítios, sendo que o seu irmão, H..., já vivia com o T... naquela localidade e que, na data em que lhe foi dirigido o convite para ir para Aveiro, o levaram à Segurança Social, para legalizar a sua situação e que ali disseram que assumiam a responsabilidade da sua transferência para Aveiro.
Mais disse ter recusado ir residir com o T... para a localidade de Aveiro, em virtude de já ter conhecimento que este se encontrava a recrutar indivíduos para irem combater para a Síria ao serviço do Estado Islâmico.
Declarou, ainda que a testemunha, juntamente com o O... e com o MO..., foram convidados para irem visitar o arguido A... e o H..., em Aveiro, sendo que foram aqueles que pagaram os bilhetes de avião de Lisboa para o Porto e que, ali hegados, apanharam o comboio para Aveiro, onde permaneceram 24 horas, regressando posteriormente a Lisboa.
Nesta visita e enquanto se encontrava na casa do A... e do H..., confirmou a sua suspeita de que algo estranho se passava, pois verificou a existência de muitos livros relacionados com a religião islâmica e o seu irmão e o T... cumpriam rigorosamente todas a s orações.
Durante esta visita, ao falar com o seu irmão H..., este demonstrou algumas opiniões um pouco estranhas, tendo percebido que o mesmo estava diferente do irmão que conhecia, porquanto as suas conversas se processavam sempre à volta da religião islâmica e da situação política da Europa, sugerindo que aqui, na Europa, não havia mais futuro e que a própria Europa não tinha futuro, que não havia esperança para a testemunha, mais valia sair de Portugal e ir para um local onde lhe davam casa, casamento, trabalho e dinheiro.
Nesta altura, não lhe foi dito qual seria este destino, no entanto, a testemunha depreendeu claramente que seria para a Síria.
Em tais conversas, sobre religião, mantidas entre o seu irmão e o arguido A..., quer com a testemunha quer com O..., os temas incidiam sempre sobre o Martírio, em que só se tinha uma morte e que essa morte conduzia ao paraíso, no contexto da Jihad.
Mais referiu que o seu irmão H... lhe disse: que as pessoas de todo o mundo, incluindo a Europa, competiam para integrar as fileiras dos combatentes de Alá, no contexto da Jihad, demonstrando assim, pretender incentivar a testemunha a prosseguir estes desígnios.
Perguntado sobre se o arguido A... participou nestas conversas, referiu que este participou igualmente nestas conversas, com o mesmo sentido das afirmações que haviam sido feitas pelo seu irmão.
O seu irmão H... acabou por confessar que, depois de ter vindo para Portugal (Setembro de 2013), tinha estado na Síria durante dois meses, onde recebeu treino militar, nomeadamente no manejo de armas, sob a responsabilidade de grupos afiliados do Estado Islâmico.
Acrescentou, ainda, que, o seu irmão, após tal formação na Síria, recebeu instruções para regressar a solo europeu, mais concretamente para Portugal, em virtude de saber falar varias línguas e que os indivíduos que possuem tais capacidades são enviados para a Europa para recrutarem outros indivíduos para a Jihad e que o seu irmão mais lhe confidenciou que ficara com tal incumbência, por cerca de dois anos e que depois regressaria à Síria para não mais voltar.
Perguntado sobre se tinha conhecimento das circunstâncias em que o seu irmão foi para a Siria, esclareceu que terá sido o arguido A... a organizar tal viagem, pois era a pessoa que possuía algum ascendente sobre o seu irmão.
Sobre o seu irmão, esclareceu que se recorda perfeitamente que, em Marrocos, este tinha namorada, bebia bebidas alcoólicas e não seguia os rituais ortodoxos do islão, e que a sua transformação, apenas ocorreu, após ter conhecido o A....
Foi nesta altura que o seu irmão passou a ter atitudes diferentes, que define como ter entrado em processo de radicalização, demonstrativo do ascendente que o T... tinha sobre ele. O T... é muito mais velho e mais experiente que o seu irmão, tendo levado a que este interiorizasse a referida ideologia até ao estado de manter as conversas anteriormente referidas, que o levou inclusivamente a um local de guerra, a Siria, e a tentar recrutar outras pessoas para ali combaterem.
Tendo a testemunha perguntado ao seu irmão onde é que ele arranjou tanto dinheiro, uma vez que enviava tambem dinheiro para a mãe, o mesmo respondeu-lhe que se a testemunha 'fosse para lá também receberia, sendo que entendeu o para lá como sendo a Síria. Contou-lhe, ainda, que o Daesh pagava cerca de € 1.800,00 a cada elemento sob o seu domínio.
Mais disse que o facto de deixar de ter contacto com o seu irmão se prendeu com o episódio que passou a relatar, ou seja, que, em Abril/Maio de 2015, o seu irmao convenceu o seu pai, a sua mãe e os seus irmãos, MOU..., AK..., MEH..., CEH..., CED... e CHZ..., a deslocarem-se para a Turquia, para assistirem ao seu casamento. No entanto, acredita que a mãe e a sua irmã mais velha, MEH..., saberiam da real intenção do seu irmão, que era levá-los para a Síria, acreditando que o seu pai desconhecia tal intenção, pois este disse-lhe que nunca ia perdoar o que o seu filho, H..., lhe fez. Que, quando a sua familia chegou à Turquia, foram recebidos por dois individuos, sendo um marroquino de nome AB... e o outro, um cidadão turco, que seria o condutor. Que o referido AB..., natural de Meknes - Marrocos, era muito amigo do seu irmão, que tambem esteve em Portugal, era jogador de futebol, e está convencido que também foi recrutado para ir para a Siria, presumindo que ele casou com a sua irmã mais velha.
Estes factos sobre o AB... foi o pai que lhe contou e que aquele recebeu a sua familia dizendo que era amigo do irmão. Porém, refere que o seu pai estava separado da restante família. Quanto aos seus familiares, apenas o seu pai e os seus irmãos, MOU... e AK..., regressaram da Turquia/Siria, estando a residir em Marrocos, continuando a mãe e as suas irmãs a residirem na Siria.
Perguntado sobre qual a intervenção do arguido A... no encadeamento destes factos, disse, que, na sua opinião, ele foi o responsável pela sua família sair de Marrocos para a Síria e que foi, também, o responsável pela ida do AB... e do próprio irmão, para a Síria, bem como tentou, através do seu irmão, recrutá-lo a si e ao O..., para igual destino, com a intenção de se juntarem ao DAESH na Jihad.
Relata, outrossim, que, cerca de uma semana antes de a sua familia ter saido para a Turquia, recebeu uma chamada telefónica de Aveiro, efetuada pelo A..., dizendo para se munir do seu passaporte e ir ter com ele ao aeroporto de Lisboa, pois ia comprar um bilhete de avião para que este seguisse viagem para a Turquia.
Esclareceu que, na sequência de ter descoberto que a sua familia estava na Turquia/Siria, confrontou o A... e o seu irmão H..., com o facto de ir apresentar queixa deles, tendo aqueles respondido que se fosse homem, o fizesse, mas que depois viria a sofrer graves consequências, tendo receio que tais ameaças se possam vir a concretizar e que, ao ter conhecimento da prisão do seu irmão, rapidamente percebeu que tal situação só poderia estar relacionada com a Jihad/Estado Islâmico.
Por sua vez, a mesma testemunha, M..., foi reinquirida em sede de instrução, no dia 11-06-2018 (cfr. auto de fls. 680 a 681 v.°), tendo o seu depoimento ficado registado em formato áudio identificado como ficheiro ….wma, inserido no suporte digital de fls. 682/802.
Sublinha-se que esta testemunha densificou o seu anterior depoimento, com especial incidência para as seguintes afirmações, que não terão sido devidamente levadas em linha de conta pelo Mm.° JIC e que, no conjunto dos depoimentos prestados, implicam decisão diversa da recorrida, no sentido da indiciação dos factos relatados pela testemunha e referidos na acusação.
Assim, dos minutos 32,10 a 33,00 da gravação do referido depoimento, a sobredita testemunha esclareceu que o seu irmão lhe disse que tinha ido, à Síria, 2 meses e que o responsável da organização com o cargo de Chefe dele lá mandou ele fora da Síria, para trazer pessoas, porque ele falava bem a língua portuguesa e podia trazer, sendo que, ao minuto 32,40, disse que ele fez treino militar na Síria e que tinha referido que o DAESH tinha razão e que tinha ido à Síria para participar com o DAESH.
Ao minuto 1h18,50 da gravação do referido depoimento, tal testemunha esclareceu que foi o arguido A... quem tratou da viagem dele para Portugal, juntamente com a prima Imane e que foi ele que arranjou os documentos e os entregou numa agência de viagens em Rabat.
Aos minutos 20,20 a 23,00 e 1h15,00, indicou que foi o A... que tratou de tudo na agência e marcou a data da viagem.
Aos minutos 44,56 e 1h30,00 a 1h32,00, esclareceu que a sua mãe lhe contou que foi o arguido A... que pagou a viagem da família para a Síria e, ao minuto 45,00, que o seu irmão H... não fazia nada sem a permissão daquele arguido.
Aos minutos 3,20 a 4,00 acrescentou que, em 2015, o T... almoçou 2 vezes em casa dele, em Marrocos, quando foi tratar das viagens da testemunha e da prima para Portugal.
E, finalmente, aos minutos 11,22, 1h49,30 a 1h50,30, referiu que foi o arguido T... que instruiu a testemunha e a prima Imane como deveriam fazer para pedir asilo quando chegassem a Portugal.
Outrossim, a testemunha O..., cujo depoimento foi, igualmente, admitido pelo Mm.° JIC como prova válida, inquirido em diligência presidida pelo Ministério Público, constante de fls. 446 a 448 v.°, declarou, com interesse, o seguinte: - Ter entrado em Portugal no dia 12-02-2015, altura em que viajou de Dakar com destino a Moscovo, com escala no aeroporto internacional de Lisboa; - Ter pedido, à chegada ao aeroporto, o estatuto de asilo politico, em virtude de em Marrocos ter sido condenado a uma pena de seis anos de prisão, na sequência dos acontecimentos relacionados com o Movimento 20 de Fevereiro de 2011, onde havia participado em manifestações e onde foi detido e agredido, considerando-se perseguido pelo Reino de Marrocos; - Ter sido instalado no Centro de Detencão do Servico de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), no Aeroporto de Lisboa e, posteriormente, encaminhado para o Centro Português para Refugiados (CPR), em virtude de uma decisão positiva do GAR (Gabinete Apoio a Refugiados) do SEF; - Ter permanecido cerca de seis/sete meses no CPR e, durante esse período de tempo, ter conhecido dois indivíduos de nacionalidade marroquina que ali se costumavam deslocar para visitarem amigos seus, um de nome A... e outro de nome H....
Mais referiu que, quando estes dois se deslocavam ao CPR era para visitarem outros cidadaos marroquinos, designadamente M..., MO... e I..., sendo que, posteriormente teve conhecimento que o H... era irmão do M…
Afirmou, ainda, que, durante as visitas que o A... e o H... faziam ao CPR, as conversas que consigo mantinham versavam sobre o facto de Portugal não ser um bom local para viver e que havia outros sítios onde se recebia muito dinheiro e que tinham muitas boas condições.
Relatou, também, que, numa dessas visitas, o A... e o H... o convidaram, bem como ao M... e ao MO..., para se deslocarem para a cidade Aveiro e ai residirem, dizendo que beneficiavam se estivessem juntos.
Disse que o arguido A... chegou a deslocar-se à Segurança Social, na zona do Areeiro, para legalizar a situação da testemunha e ali preencheu os impressos para a sua transferência para Aveiro.
Esclareceu que, juntamente com o M... e o MO..., foi visitar o A... e o H..., em Aveiro e que foram estes que pagaram os bilhetes de avião de Lisboa para o Porto.
Verificando-se que, posteriormente, apanharam o comboio para Aveiro, onde permaneceram 24 horas, regressando, depois, a Lisboa.
Nessa visita, e enquanto se encontravam na casa do A... e do H..., confirmou que estes cumpriam rigorosamente todas as orações.
Durante esta visita, ao falar com o H..., este demostrou algumas opiniões um pouco estranhas, porquanto as suas conversas se processavam sempre à volta da religião islâmica e da situação política da Europa, sugerindo, novamente, que, em Portugal, não havia mais condições para viver e que a própria Europa não tinha futuro, que mais valia sair de Portugal e ir para um local onde lhe davam casa, casamento, trabalho e dinheiro.
Nesta altura, o H... referiu-se concretamente ao território controlado pelo Estado Islâmico.
Nestas conversas, sobre religião, mantidas entre o H... e o A..., quer com a testemunha, quer com o M... e com o MO..., os temas incidiam sempre no contexto da Jihad e que os muçulmanos de todo o mundo, incluindo os que se encontravam na Europa, deviam ir para integrar as fileiras dos combatentes de Alá, que o Estado Islâmico era um exemplo de liderança para todos os muçulmanos, pois todos tinham liberdade para escolher o que fazer, recebendo um vencimento mensal de 1.800,00 U.S Dollars, demonstrando, assim, pretender incentivá-los a prosseguir estes designios
Perguntado esclareceu que o arguido A... também participou nessas conversas, mais concretamente, complementando o discurso do H....
Mais mencionou que, na sua opinião, o responsavel pela transformação, fortes sinais de radicalismo e agressividade no discurso contra os infiéis, apresentados por H..., foi o arguido A....
Até porque o A... é muito mais velho e mais experiente que o H..., tendo levado a que este interiorizasse a referida ideologia, entrando em processo de radicalizacão, ao ponto de manter as conversas anteriormente referidas e tentar recrutar outras pessoas para irem combater em nome do Estado Islâmico.
Acrescentou, ainda para mais, que sempre pensou que o H... acabaria por ser preso por estar sempre a recrutar individuos para irem combater para a Siria/lraque ao servico do Estado Islamico, mas nunca pensou que se iria transformar num mártir e cometer um atentado terrorista.
Inquirido sobre se tinha conhecimento de mais individuos que tenham sido recrutados e/ou abordados pelo A... e pelo H... para o incremento dos foreign fighters, por forma a integrarem as fileiras da organização terrorista Estado Islâmico, esclareceu saber da existencia de dois individuos de origem Marroquina, que se encontravam a residir em Portugal, cujos nomes são AB… e AN....
Relativamente ao último, esteve pessoalmente junto dele, quando em data que não recorda, mas terá sido no inicio do mês de Maçco de 2015, altura em que juntamente com o AI…, se deslocou ao McDonalds, sito na zona do Rossio em Lisboa, para se irem encontrar com o arguido A... e com o H... e que, uma vez ali chegados, depararam com estes dois, na companhia de um individuo natural de Marrocos, aparentando ter cerca de 35 anos de idade, 1,70m de altura, magro.
Passados cerca de trinta minutos, a testemunha e o AI..., regressaram ao CPR, enquanto o A..., o H... e o AN... foram para a Mesquita de Lisboa.
Identificou, além do mais, o referido AN... como sendo o indivíduo fotogarafo a fls. 449.
Por outro lado, a mesma testemunha O..., foi reinquirida em sede de instrução, no dia 19-06-2018 (cfr. auto de fls. 683 a 684), tendo o seu depoimento ficado registado em formato áudio identificado como ficheiro 2….wma, inserido no suporte digital de fls. 687/802.
Ora, desde logo, não pode deixar de se atentar na circunstância da sobredita testemunha ter demonstrado não estar à vontade para prestar depoimento na presença do arguido A..., o que determinou que este fosse afastado da sala durante o depimneto daquela.
Mais se sublinha, ainda, que tal testemunha densificou o seu anterior depoimento, com especial incidência para as seguintes afirmações, que não terão sido devidamente levadas em linha de conta pelo Mm.° JIC e que, no conjunto dos depoimentos prestados, implicam, do mesmo modo, decisão diversa da recorrida, no sentido da indiciação dos factos relatados pela testemunha e referidos na acusação.
Assim, dos minutos 1,44 a 1,50 da gravação do referido depoimento, a predita testemunha esclareceu que as visitas do arguido A... ao centro de refugiados da Bobadela eram normalmente efectuadas com a periodicidade semanal e às vezes de 10 em 10 dias.
Aos minutos 1,14,00 a 1.17,00, esclareceu que foi o arguido A... que convidou a testemunha, o MO... e o M..., para irem para Aveiro e que foi aquele que enviou os bilhetes de avião para os três ali se deslocarem.
Aos minutos 43,12 a 44,30, afirmou que, quando o H... falava da religião, o arguido A... agia como Mestre.
Aos minutos 47,53 a 52,00, disse que, no regresso da visita, durante a espera de 3 horas no aeroporto, o H... contou-lhe que tinha ido à Síria, relatando episódios/factos que tinha vivenciado e que queria recrutar jovens para a causa Jihadista.
Verificando-se que a testemunha reconfirma estas afirmações aos minutos 1h27,00 a 1h30,00.
Ao minuto 52,14, explicou que, durante uma visita efectuada pelo A... ao centro de refugiados, presenciou a conversa em que M... perguntou onde estava o seu irmão H..., tendo ouvido aquele responder que o irmão tinha ido à Síria, mas que já estava de regresso.
Aos minutos_58,09 a 1h02,00, relatou ter ouvido uma conversa entre o o arguido A... e o H... em que abordaram o tema envolvendo a saída do AB… para a Síria, tendo ambos referido que o mesmo já foi.
Aos minutos_lh00,49 a 1h05,17, disse que, antes da ida a Aveiro, estando presente no Centro de refugiados, ouviu uma conversa telefónica mantida entre o M... e o AB..., em que este informou que estava na Síria e que a família daquele estava lá.
Mais referiu que o M... ficou zangado e, após a chamada, informou a testemunha de que o AB... telefonou da Síria e que lá estava a sua família, sendo que, depois disso, aquele recebeu telefonemas dos irmãos que estavam na Turquia e que o informaram que parte da família já estava na Síria.
Constata-se, ainda, que a ora aludida testemunha reconfirmou estas afirmações aos minutos 1h30,00 a 1h32,00.
Aos minutos 1h19,00 a 1h23,00, afirma ter ouvido o H... referir, no aeroporto, que o Estado Islâmico pagava 1.800 dólares a quem aderisse à organização, conversa que foi confirmada pela expressão facial do arguido A....
Logo a seguir, aos minutos 1h24,00 a 1h28,00, mencionou que este participou na conversa directamente e confirmou o valor dizendo aos presentes que, na Síria, cada elemento que aderisse ao DAESH ganhava seguindo a sua especialidade.
Finalmente, analisado o depoimento da testemunha I... (cfr. fls. 491 a 492 v.°), verifica-se que a mesma declarou, por lhe ter sido perguntado, que deu entrada em Portugal, no dia 08-02-2015, altura em que, acompanhada do seu primo de nome AI..., viajou de Marraquexe com destino a Moscovo, com escala no aeroporto internacional de Lisboa e que, uma vez chegada a este aeroporto, pediu o estatuto de asilo político, em virtude de ter sido detida em Marrocos, na sequência dos acontecimentos relacionados com o Movimento 20 de Fevereiro de 2011, onde havia participado em manifestações, considerando-se perseguida pelo Reino de Marrocos.
Mais referiu ter permanecido cerca de dois/três meses no CPR e que, durante o período de tempo em que esteve no CPR, por duas vezes, ali se deslocaram para a visitarem e aos outros indivíduos de nacionalidade Marroquina, o seu outro primo e irmão do AI..., de nome H... que se fazia acompanhar de um outro individuo, tambem de nacionalidade Marroquina, de nome T..., o qual já conhecia de Marrocos, pois foi ele que a ajudou a vir para Portugal.
Esclareceu, ainda, que, quando contactou com o seu primo H... no CPR, se apercebeu que ele estava diferente, pois teve uma atitude distante, não a cumprimentou efusivamente, manteve alguma distância e demonstrou não ter ficado agradado da forma como estava vestida - roupa totalmente ocidentalizada. Mais acrescentou que toda esta situação lhe pareceu muito estranha, pois, este quando vivia em Marrocos, trabalhava numa pizzaria, bebia bebidas alcoólicas e não seguia os rituais ortodoxos do Islão e agora as suas conversas processavam-se sempre à volta da religião islâmica.
Relatou, além disso, que, durante uma das visitas ao CPR, em conversa mantida com o referido T..., este lhe disse que devia ter mais atenção com a forma como se vestia, usar roupas tradicionais, tapar a cabeça com um lenço, não esquecer as orações e que devia casar, para evitar quaisquer tipos de comentários. Nesta ocasião, o T... chegou a propor-lhe que se casasse com o seu primo H....
Disse, outrossim, que teve conhecimento que o seu primo H..., já após ter chegado a Portugal e estar a viver com o A..., tentou recrutar alguns dos seus primos que residiam em Marrocos, dizendo-lhes que a situação política, quer em Marrocos, quer na Europa não lhes proporcionava boas condições para viver e que não tinham futuro, que mais valia sair e ir para um local onde lhe davam casa, casamento, trabalho e dinheiro, referindo-se concretamente ao territorio controlado pelo Estado Islâmico e que, ainda para mais, tinha conseguido levar toda a sua família, que vivia em Marrocos (pai, mãe e os seus irmãos), para a Síria.
Esclareceu que, na sua opinião, o responsável por tal transformação, com fortes sinais de radicalismo, apresentados por H..., foi o arguido A....
Do mesmo modo, não se pode olvidar sequer o que resulta da inquirição das testemunhas B... (cfr. fls. 159 a 161 v.°), MI... (cfr. fls. 493 a 494), MFR... (cfr. fls. 134 a 136), Q... (cfr. fls. 138 e v.°), SI... (cfr. tis. 401 a 403), G... (cfr. fls. 198 a 199), IV... (cfr. fls. 204 a 205, 234 a 235 e 338 e v.°), C... (cfi-. lis. 230 a 231), AR... (cfr. fls. 238 e v.°), S... (cfr. tis 241 a 241) e AM... (cfr. fls. 367 a 368).
Sendo que tal sempre terá de ser devidamente conjugado com o teor dos Relatórios de iligência Externa, designadamente os de fls. 152 e v.°, 155 a 156, 187 e v.°, 189 a 190, 193 e v.°, 195 v.° a 196, 209, 211, 213, 255 a 256, 260 e v.°, 262 e v.°, 265 e v.°, 269 e v.°, 275 e v.°, 278 e v.°, 283 e v.°, 284 e v.°, 285 e v.°, 289 e 359 e v.°, bem como de documentos, maxinie os de fls. 199 v.° a 203,
232 a 233 236, 237, 239 a 240, 243 a 247, 266, 302 a 307 v.°, 308 a 314, 315
a 316, 339 a 340 v.° e 368 v.° a 374.
Antes de prosseguirmos, mais importa salientar que, por decisão constante do Ponto III-A de fls. 610 a 611, o Ministério Público determinou o arquivamento parcial dos autos, ao abrigo do disposto no Art.° 277°, n.° 2 do C.P.Penal, relativamente à autoria da falsificação dos seguintes cartões de crédito: - o cartão de crédito da American Express, com o n.° 3…, emitido em nome de MI...; - o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de AB...; - o cartão de crédito da American Express n.° 3…, em nome de F... e - o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de OR....
Como tais cartões de crédito vieram a ser utilizados pelo arguido A..., nas circunstâncias indicadas na acusação, ao mesmo foi imputada a prática de quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo,. (utilização de cartões de crédito falsificados) p. e p. pelas disposições conjugadas dos Art.°s 262°, n.° 2 e 267°, n° 1, alínea c), ambos do C. Penal e dos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 c 2, 5°, n.° 1 e 5°-A, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto.
Finda a instrução, foi proferida a decisão instrutória, ora em crise, onde, para além do uso fraudulento dos referidos cartões, o Mm.° Juiz a quo imputa ao arguido A... a autoria da falsificação dos referidos cartões de crédito, conforme descrito no artigo 42 do despacho de pronúncia em que se refere, de forma genérica, a seguinte factualidade O arguido A... fabricou e estava na posse dos seguintes cartões de crédito....
Verifica-se, pois, que a decisão instrutória introduziu uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, onde, face ao prévio arquivamento acima referido, apenas havia sido imputada ao antedito arguido a utilização fraudulenta dos cartões crédito, como meio utilizado para o financiamento de actividades terroristas.
Em consequência e pelas razões indicadas no despacho de pronúncia, o Mm.° JIC decidiu pronunciar tal arguido pela prática de quatro crimes de contrafacção de moeda p. e p. pelos Art.°s 262°, n.° 2 e 267°, n.° 1, alínea c), do C. Penal.
Inexistem, assim,dúvidas de que a decisão instrutória se revela nula, na parte em que pronuncia o arguido por factos que constituem uma alteração substancial dos que se encontram descritos na acusação, havendo excesso de pronúncia no segmento em que se imputa ao mesmo a autoria da falsificação dos supra aludidos cartões de crédito e não apenas a sua utilização fraudulenta.
E dizemos isto até por que, seguindo a tese defendida pelo Mm.° JIC, nesta parcela dos factos, o arguido A... só poderia ser pronunciado pelo crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo Art.° 265° do C. Penal, e não pelo crime de contrafacção de moeda, p. e p. pelo Art.° 262° desse mesmo diploma.
Na perspeciva do que acaba de se expender, ocorreu, pois, uma alteração da qualificação jurídica de factos imputados ao arguido, com pronúncia por crime mais grave, não imputado na acusação, o que, constituindo violação do disposto no Art.° 303°, n.°s 1, 3 e 5 do C.P.Penal, importa, nesta parte, a nulidade prevista no Art.° 309° de tal Código, a qual foi oportunamente suscitada nos autos em requerimento autónomo.
Outrossim, mais se constata ter havido omissão de pronúncia relativamente a um conjunto alargado de factos descritos na acusação que não constam na fundamentação da decisão de não pronúncia.
É que o Mm° JIC não apreciou os factos descritos nos artigos 16 a 24, 27, 28, 37 a 45, 49 a 55, 57 a 60, 69, 71, 80, 83 a 85, 92, 112, 115, 118, 119, 146 e parte dos factos do artigo 149.
Sendo que, para além de tal omissão, o sobredito Magistrado Judicial, inexplicavelmente, eliminou, entre os factos que considerou indiciados, a referência à circunstância de, nas estadias nos hotéis, o arguido T... e o H... terem ficado alojados no mesmo quarto.
Tal indicação constava da acusação, com a concreta indicação do número de quarto em causa, conforme resulta dos artigos 96 (ficando ambos a ocupar o quarto 412), 101 (ficaram hospedados no quarto 102) e 109 (ficaram alojados no quarto 118).
Estes factos são indiciadores do forte relacionamento entre ambos, que deve ser entendido no contexto da ascendência que o arguido T... tinha sobre o H..., conforme descrito na acusação, facto que se nos afigura relevante para a análise global da prova.
Finalmente, afigura-se-nos ser de concordar com a decisão instrutória, na parte em que é considerado não existirem meios de prova suficientes quanto à intervenção e apoio do antedito arguido, na vinda para Portugal das testemunhas O... e MO....
É que, com a prova produzida em sede de instrução, não se revelam fortes os indícios de que tal tenha ocorrido.
Destarte, em face de tudo quanto acaba de se expender, torna-se forçoso salientar que mais nada nos resta concluir senão que, perante os referidos erros de julgamento na apreciação e fixação da matéria de facto relevante, a par com os erros notórios na apreciação da prova, se impunha que tivesse sido proferida decisão instrutória diversa da recorrida, efectuando-se uma nova apreciação da prova na sua globalidade.
E dizemos isto porque a prova existente e supra indicada, aponta no sentido de que a nova decisão deveria considerar como fortemente indiciados, pelo menos, os factos descritos na acusação, com algumas alterações de pormenor, em relação aos quais o arguido A... teria que ser pronunciado e submetido a julgamento.
Até porque, relativamente a todos os ilícitos, deles ocorre a possibilidade de lhe vir a ser aplicada uma pena.
E, nestes termos, pode-se, pois, concluir que existem indícios suficientes de que:
1 - O arguido A... deu entrada em Portugal no dia 23 de Setembro de 2013, altura em que foi interceptado no Aeroporto Internacional de Lisboa, no voo TP202 proveniente de Bissau, na posse de um passaporte francês com o n.° 0…, emitido em 04-10-2005 e válido até 02-01-2015, em nome de P..., cidadão Francês, nascido a 13-01-1961 em Scionzier.
2 - Ao ser solicitada a sua identificação, o arguido A... identificou-se perante as autoridades Portuguesas - SEF - exibindo o referido passaporte, identificando-se como sendo o cidadão P... com os elementos de identificação indicados no referido passaporte.
3 - Tal passaporte, emitido pelas Autoridades Francesas, havia sido alterado, através da colocação da fotografia do arguido A..., tratando-se assim de um documento que foi falsificado, facto que foi verificado pelo SEF.
4 - Ao ser solicitada a sua identificação, H... identificou-se perante as autoridades Portuguesas — SEF - exibindo tais documentos.
5 - O SEF verificou que o passaporte apresentado por H... estava falsificado e que o cartão de residência romeno era contrafeito, factos que foram confirmados pelos serviços do SEF e por ausência de visto válido, foi recusada a sua entrada em Território Nacional.
6 - Segundo orientações dadas pelo arguido A..., o suspeito H... também pediu asilo em Portugal, tendo-lhe sido atribuído pelas autoridades Portuguesas o Estatuto de Refugiado e a autorização de residência n.° 1..., válida até 20-10-2019 (cfr. reprodução de fls. 7130 e informação do SEF de fls. 111 a 114, Parecer do Conselho Português de Refugiados de fls. 117 a 125 e decisão de fls. 130 do Apenso B).
7 - O arguido A... usou um passaporte francês falsificado para se identificar perante os inspectores funcionários do SEF, bem sabendo que se tratavam de agentes de autoridade do Estado Português e que, ao agir da forma descrita, colocava em crise a confiança das pessoas em geral, quanto à genuinidade e exactidão e a fé pública associadas à informação fornecida neste tipo de documento.
8 - O arguido tinha pleno conhecimento que um passaporte é um documento emitido por entidade pública com a finalidade de identificar o respectivo titular, com especial valor probatório, cuja emissão está reservada, em exclusivo, às autoridades públicas competentes do respectivo Estado emissor.
9 - Sabia ainda o arguido que, em circunstância alguma, poderia falsificar, manipular, ou utilizar o referido passaporte com a sua fotografia aposta, para se identificar com tal documento.
10 - O arguido tinha ainda pleno conhecimento de que estava obrigado a fornecer às autoridades do SEF a sua identificação verdadeira e que, em circunstância alguma, podia usurpar a identidade de terceiros, nomeadamente a do cidadão Francês P... referida no passaporte com o qual o arguido se identificou.
11 - O arguido A... sabia perfeitamente que a sua conduta violava as regras estabelecidas para a entrada de cidadãos estrangeiros no Espaço Schengen, tendo agido com o expresso propósito de violar as regras de emigração estabelecidas pelo Estado Português.
Da adesão do arguido à organização Terroristas ISIL - Estado Islâmico - (DAESH) e actividades que desenvolveu relacionadas com a radicalização e recrutamento de jovens para a causa Jihadista
12 - O arguido A... apresentava-se em público com uma postura ortodoxa/fundamentalista, dedicada ao Islão, com fortes sinais de radicalismo islâmico e de defesa do salafismo Jihadista violento.
13 - Tais opções e crenças conduziram a que o arguido A... tivesse aderido à organização terrorista designada por ISIL — também conhecido como o autoproclamado Estado Islâmico/ISIL (EI) ou pelo acrónimo DAESH reconhecida como organização terrorista internacional pelo Conselho de Segurança da ONU (cfr. Resolução do Conselho de Segurança UNSCR 2253).
14 - O arguido A... passou a agir em nome e no interesse do autoproclamado Estado Islâmico/DAESH, recrutando jovens provenientes de Marrocos para integrarem a luta Jihadista na Síria e também nas acções terroristas que o Estado Islâmico/DAESH determinasse no Território da União Europeia.
15 - Fê-lo através do recrutamento de jovens para aderirem e integrarem as formas de luta desenvolvidas em prol do Estado Islâmico, transmitindo ordens dadas pelos respectivos líderes da organização terrorista.
16 - A... financiava também as suas viagens e despesas e as dos indivíduos por si recrutados para a luta Jihadista na Síria, com os bens adquiridos, nomeadamente telemóveis, bens e equipamentos que eram dispensados aos jovens recrutados e também com o provento da venda dos bens que haviam sido adquiridos com o recurso à falsificação de cartões de crédito.
17 - Em Marrocos e também depois de se estabelecer em Portugal, o arguido A... passou a radicalizar e recrutar jovens para aderirem á luta do DAESH, na região Sírio-Iraquiana e para ali virem a integrar as fileiras de combatentes estrangeiros do DAESH, designados mundialmente como Foreign Terrorist Fighters (FTF), como sucedeu em relação ao suspeito H... e outros jovens, nas circunstâncias que adiante serão explicitadas.
18 - No aprofundamento dos ideais jihadistas, o arguido recorria à pesquisa e ao estudo de livros e escritos publicados que incitam ao radicalismo islâmico e ao recurso à violência, através da Jihad Islâmica, tendo pesquisado e tomado notas sobre as seguintes obras que incitam à violência e à apologia das actividades desenvolvidas organizações terroristas islâmicas:
• O Islão e o futuro da Humanidade;
• Em pleno combate;
• A educação Jihadista e a Construção;
• Sinais de Misericórdia na Jihad dos Afegãos;
• Integra a Caravana;
• Declaração da Jihad
• A defesa das Terras dos Muçulmanos e um dos deveres mais importantes;
• Milesfones, Sayyid Quib
• In The Shade of the Coran
• O Futuro e para esta Religião
• The Shell: prisioneiro político na Síria (cfr tradução da documentação manuscrita pelo arguido e apreendida na sua residência de fls. 678 sobre o doc de fls. 120 do Apenso 1D)
19 - Para além de tais elementos, noutros documentos manuscritos pelo
arguido A... que foram igualmente apreendidos, foram ainda
encontradas referências a pesquisas feitas sobre: líderes espirituais salafistas;
extremistas islâmicos e também a nomes de terroristas conectados com a
chamada Jihad Islâmica violenta, como os seguintes nomes constantes do doc.
de fls. 3486 do 11° Volume:
MUP... - investigador
CHL…
Associacao …
MHD…
C…
R…- um milhao de euros
AH… - investigador e activista dos direitos humanos
A…
D…- presidente do partido
AD… - escritor e poeta - investigador no Instituto Real para a
Cultura
AZ…
CR…
CQ…
AY… - Mufti de Jerusalem
CT…
TS…
20 - Alguns desses nomes representam figuras muito importantes para a
defesa do salafismo Jihadista e são personalidades de referência para os terroristas que aderem ao DAESH (EI), nomeadamente:
C...
(...)
H… - (morreu no final de 2001) era um clérigo islâmico. Foi visto como um elemento radical desde pelo menos 1994 quando foi citado por Osama bin Laden em sua Carta Aberta a Bin Baz sobre a Invalidez de sua Fatwa em Paz com os Judeus e várias semanas após a Invasão do Afeganistão. Foi particularmente famoso por comentários em apoio dos ataques do 11 de Setembro e por uma Fatwa louvando os talibãs logo após a destruição das esculturas de Buda em Bamiyan por criar o único pais do mundo em que não há homem - leis feitas.
- CS… (...)
A… é o nome assumido de A…, um clérigo sírio e teatral Jihadista. Ele foi descrito como um dos principais criadores de opinião Salafi que orientam o movimento Jihadista;
- AH…(.), ou mais simplesmente AH… é o nome assumido de EQ…, um escritor islâmico jordano-palestino.
Foi mais conhecido como o mentor espiritual da jihadista jordaniano BU…, líder inicial da Al-Qaeda no Iraque. No entanto, uma divisão ideológica e metódica surgiu entre Maqdisi e Zarqawi em 2004 devido as proclamações do takfaer de Zarqawi para as populações xiitas no Iraque.
Os escritos de Maqdisi ainda tem um amplo seguimento. Um estudo realizado pelo Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar dos Estados Unidos (USMA) concluiu que Maqdisi é o Teorico Jihadista vivo mais influente e é o principal ideólogo contemporâneo do intelectual jihadista.
O site Tawhed jihadista, que ele possui, continua a operar; o relatório da USMA descreve-o como a biblioteca online principal de al-Qaeda.
- CY… (…)
O xeque ALJ…, foi um iman e líder político palestino, um dos fundadores do Hamas, organização política e paramilitar, da qual também era um dos líderes espirituais. Assume características de um movimento Islamita Radical, considerada por alguns países como organização terrorista internacional.
- GHE… (…)
GHK…, 1947 é um líder mujahidin afegão, fundadoOr e comandante do partido político/grupo paramilitar Hezb-e Islami.
HEK… foi um comandante militar rebelde durante a invasão soviética do Afeganistão, na década de 1980, no início da década de 1970 tornou-se um extremista islâmico e juntou-se à Nahzat-e-Jawanane Musalman (Movimento da Juventude Muçulmana), quanto era um estudante de engenharia na Universidade de Cabul, na época ele foi acusado de atirar ácido em mulheres vestidas com roupas ocidentais e pelo assassinato de um estudante de urna facção maoísta do PDPA. Foi preso pela polícia do Rei ZahirShah pela acusação de assassinato. Após a queda da monarquia em 1973, foi libertado e fugiu para o Paquistão.
- ALS... – ALS… (...)
HAN… - (nascido em 1 de marco de 1961 em Qaylubiyah, Egito) é um erudito islamista egípcio que era membro da Jihad Islâmica egípcia e agora mora em Londres como refugiado político. È um defensor da al-Qaeda e é usado como uma referência académica pelo movimento. O líder da al-Qaeda, AYZ…, listou-o como um dos quatro estudiosos que os muçulmanos em todo o mundo devem seguir, juntamente com ALM…, ABQ… e o Dr. TA…. lutou como parte dos mujahideen na guerra soviética no Afeganistao de acordo com sua própria autobiografia. ALS… chegou na Grã-Bretanha em 1994 alegando que havia sido torturado pela polícia egípcia porque ele representava clientes islâmicos.
Foi acusado de ser membro do grupo terrorista Jihad islâmica egípcia. Os procuradores egípcios conseguiram provar em juízo que ele era um dos catorze membros da shura da Jihad Islâmica Egípcia. ALS… apareceu em estacões de televisão árabes, incluindo o Al-Jazeera, onde, no dia seguinte aos atentados de 7 de Julho em Londres, expressou seu apoio aos ataques de 11 de Setembro.
WAG…. - pregador egípcio
(….)
WAG…), normalmente encurtado para WAG… (nascido em 1951) é um pastor e escritor egípcio-Qatary Salafi muçulmano. Foi íman no Instituto Islâmico do Condado de Orange,
Califórnia, nos Estados Unidos, ate 2005.
Em Maio de 2009, ele foi colocado na lista do Ministério do Interior britânico de Indivíduos proibidos de entrar no Reino Unido por ter agredido por ódio e Considerado estar envolvido em comportamentos inaceitáveis, buscando fomentar, justificar ou glorificar a violência terrorista em promoção de crenças particulares e provocar outros a cometer atos terroristas (cfr informações de fls. 6785 a 6788).
21 - Entre os documentos manuscritos pelo arguido, foram ainda encontrados excertos seleccionados do Corão com referências à luta e violência, defendida pela orientação salafista Jihadista, nomeadamente:
Doc. de fls. 12 do Apenso 1C
O profeta, estimula os fiéis ao combate. Se entre vos houvesse vinte perseverantes, venceriam duzentos, e se houvesse cem, venceriam mil dos incrédulos, porque estes são insensatos Espólios. 65.
Quanto aqueles que entesouram o ouro e a prata, e não os empregam na causa de Deus, anuncia-lhe (o Mohammad} um doloroso castigo, O Arrependimento, 34.
Combatei unanimemente os idólatras, tal como eles vos combatem; e sabei que Deus esta com os tementes. O Arrependimento. 36.
Diz: jamais nos ocorrerá o que Deus não nos tiver predestinado! Ele e o nosso Protector. Que os fieis se encomendem a Deus!. O Arrependimento. 51. Doc. de fls. 159 do Apenso 1C
Quanto àquele que lutar pela causa de Deus, o fara em beneficio proprio; porem, sabei que Deus pode prescindir de toda a humanidade A Aranha, 6.
Doc. de fls. 67 do Apenso 1D
Vitorioso, esbofeteia ... [imperceptível] e confirma que o Estado Islâmico é o verdadeiro representante do Islão, Morram de raiva (cfr. auto de traduções de fls. 6781 a 6784)
22 - Em Novembro de 2011, o arguido A... esteve de passagem na Turquia, conforme fotografias contidas na câmara fotográfica que lhe foi apreendida, nomeadamente as identificadas como: IMGP0141.JPG. de 22-11-2011, IMGP0136.JPG de 21-11-2011 e IMGP0131.JPG, de 21-11-2011, sendo que a Turquia é uma rota de destino utilizado pelo jihadistas para entrarem na Síria (cfr suporte digital de perícia 57/2017- Apenso 5 Processo 78/15 suporte de fls. 30).
23 - O arguido A... não estava referenciado na lista de terroristas designados pela ONU e passou a cometer em Portugal actos directos de colaboração, apoio, recrutamento de novos membros e financiamento da organização terrorista ISIS/ISIL, actualmente conhecida como o auto proclamado Estado Islâmico, ou DAESH, que em Junho de 2014 proclamou a instauração do Califado numa vasta área sob o seu domínio militar que compreende partes dos territórios do Iraque e da República Árabe da Síria.
Processo de radicalização e recrutamento usado pelo arguido em relação ao suspeito H...
24 - Antes de vir para Portugal, H... submeteu-se em Fés aos preceitos e obrigações da religião islâmica em 2011, porém em Marrocos desde 2010 até 2013 levava uma vida normal para jovens da sua idade, totalmente desligada da ideologia extremista e das práticas radicais próprias da corrente salafista Jihadista.
25 - Desde 2010 até meados de 2013, H... exercia em Marrocos uma actividade profissional na área da restauração, tendo trabalhado no centro comercial designado Merjane e num restaurante designado Italien, convivia com amigos, tinha namoradas, frequentava locais de diversão nocturna, não se abstendo de ingerir bebidas alcoólicas e não se importava com questões religiosas nem se dedicava a discuti-las.
26 - Porém, em meados de 2013, a partir do momento em que conheceu e passou a conviver com o arguido A... o suspeito H... começou a receber daquele doutrinação radical sobre o Islamismo e sobre a Lei Islâmica, tendo deixado de trabalhar e aceite viajar com o arguido A... para a Europa.
27 - Por influência do arguido A..., H... mudou o seu comportamento anterior, converteu-se à corrente radical do Islamismo designada como salafismo Jihadista e passou a agir como um fervoroso devoto da Religião Islâmica.
28 - O processo de doutrinação nessa corrente da religião Islâmica foi exercido pelo arguido A... sobre H... e inseriu-se como o primeiro passo de um plano de recrutamento deste para a causa Jihadista e para a sua integração na organização terrorista DAESH, à qual aderiu o arguido A....
29 - O arguido A... conseguiu convencer H... a juntar-se ao DAESH, tendo o mesmo, em meados de 2014, sob orientação e com o apoio do arguido, se deslocado à Síria juntamente com um amigo de nome AB..., onde permaneceu durante cerca de dois meses e recebeu treino militar dado por grupos terroristas.
30 - H... foi instruído pela organização terrorista para regressar à Europa para recrutar novos combatentes e para exercer a Jihad, uma vez que falava várias línguas europeias.
31 - Tais factos ocorreram em finais de 2014, praticados no contexto do processo de radicalização e recrutamento a que H... foi submetido por parte do arguido A..., tendo H... regressado para Portugal em inícios de 2015.
32 - A... exercia forte influência sobre H... e todos os sinais de radicalismo islâmico e de adesão à causa Jihadista, protagonizados H..., são da responsabilidade de A..., sendo que ambos coabitavam a mesma casa e viajavam sempre juntos.
33 - Em Junho e Julho de 2014 o arguido A... e o suspeito
H... estiveram juntos em Paris, conforme documentado nos fotogramas retirados de suporte digital apreendido na casa do arguido, mais concretamente as fotografias identificadas como: IMGP00431.JPG- 31-07-2014; IMGP00742.JPG 01-08-2014; IMGP00212.JPG 30-06-2014; IMGP00222.JPG 30-06-2014 e IMGP00471.JPG 31-07-2014, inseridas no suporte digital de perícia n.° 57/2017, constante do Apenso 5 do processo 78/15, fls. 30.
34 - A... foi o responsável pelo doutrinamento e radicalização de H..., tendo-o convencido a aderir aos desígnios do DAESH, acabando H... por ser detido em 01-07-2016 em França no âmbito do Processo Parquet P-16322000517 da Cour D'Apel de Paris, Parquet du Tribunal de Grande Instance de Paris, 4éme Division, Section C 1, por envolvimento na preparação de um atentado terrorista em território Francês, em execução de instruções e dos desígnios do DAESH ( cfr. fls. 3734, 3739 a 3746).
Moradas do arguido em Portugal e processo de radicalização e recrutamento usado pelo mesmo em relação a outros migrantes
35 - Em Portugal, o arguido A... passou a acompanhar habitualmente com H..., sobre quem o primeiro exercia forte ascendente, por ser mais velho e também por prestar-lhe apoio financeiro e orientações e conselhos sobre os todos os procedimentos necessários para o estabelecimento de ambos em Portugal, prometendo-lhe que ia ter melhores condições de vida e viajando juntos.
36 - Após ter pedido protecção ao Estado Português, sob o pretexto de ter sido perseguido politicamente em Marrocos, no período compreendido entre 23/09/2013 a 30/09/2013, até conclusão da entrevista de Determinação do Estatuto de Protecção, o arguido A... ficou instalado no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de LISBOA (CIT) (cfr. folhas 25 a 32 do Apenso B).
37 - Face à admissibilidade do pedido de asilo, no dia 01/10/2013, o arguido A... foi colocado no Centro de Acolhimento para Refugiados (CAR) com instalações na Rua … —…, na localidade da …, onde permaneceu até 29/11/2013.
38 - Em 29/11/2013 A... passou para a tutela da Segurança Social de Aveiro e foi colocado na Fundação CESDA (Centro Social do Distrito de Aveiro) com instalações na Rua … — Aveiro, onde permaneceu até Maio de 2014.
39 - O processo de refugiado e os apoios e locais de colocação do suspeito H... em Portugal foram idênticos aos do arguido A..., tendo ambos ficado sempre juntos (cfr fls. 101 a 149 do Apenso B).
40 - Em meados de 2014, o arguido A..._arrendou um quarto a MFR... sito na …, Aveiro.
41 - Na altura o arguido identificou-se como sendo … e trouxe um segundo indivíduo, também de nacionalidade Marroquina, que identificou como sendo XAN, para partilhar o mesmo quarto, tratando-se do suspeito H....
42 - O arguido referiu que eram ambos estudantes, tendo MFR... observado que os mesmos aparentavam ser pessoas muito religiosas, que estavam sempre a rezar e a falar de Allah.
43 - Desde Junho de 2015 que MFR… deixou de saber qual o paradeiro do arguido A..._e do H... (… e do …), tendo indicado às autoridades que estes deixaram grande parte dos seus pertences no quarto que ocupavam.
44 - Por forma a confirmar a identidade dos dois indivíduos, MFR... entregou duas cartas emitidas pelo Unibanco em nome de A..._e de H..., que foram apreendidas.
45 - O arrendamento do quarto sito no apartamento da …, na localidade de Aveiro, foi efectuado com a colaboração do agente imobiliário Q... o qual intermediou o arrendamento.
46 - O arguido A..._e o suspeito H... viveram no referido quarto até Agosto de 2015.
47 - Seguidamente, em Setembro de 2015, o arguido A...foi residir para um quarto que o suspeito H... arrendou na habitação sita na Travessa …, na localidade de Aveiro, sendo esta a última morada conhecida em Portugal de ambos.
48 - Pelo menos a partir de 23 de Setembro de 2013, a principal actividade desenvolvida pelo arguido A..._em Portugal consistia em auxiliar e financiar a deslocação de cidadãos marroquinos para a Europa e em obter meios de financiamento para a causa Jihadista, pelas formas que adiante se indicam.
49 - O arguido A... passou a disponibilizar-se para dar apoio logístico a jovens provenientes de Marrocos e a ajudá-los a conseguirem Asilo Político em Portugal, organizando deslocações de Marrocos para Portugal e fornecendo os elementos e informações necessárias, com o propósito de vir depois a seduzi-los e convencê-los a integrarem a luta Jihadista desenvolvida por grupos terroristas, nomeadamente pelo autoproclamado Estado Islâmico ou DAESH e o seu subsequente deslocamento para os territórios da Síria e/ou do Iraque.
50 - Para o efeito, o arguido A... procedia da seguinte forma:
- Identificava cidadãos marroquinos residentes em Marrocos que pretendiam migrar para a Europa, com o fito de arranjar trabalho;
- Organizava uma viagem com visto para um pais terceiro, com escala num país do Espaço Schengen, como era o caso de Portugal;
- Instruía os migrantes de que ao chegarem ao país de escala, no espaço Schengen, deveriam requerer o estatuto de Asilo, alegando que eram refugiados e perseguidos em Marrocos por razões de ordem política;
- Durante o período de permanência em território nacional, em que aguardavam pela decisão das autoridades quanto à concessão do estatuto, o arguido A... prestava-lhes assistência e apoio, convidava-os para irem a sua casa, pagava as viagens e alimentação, dando início ao processo de doutrinação e de recrutamento dos migrantes para a sua adesão a organização terrorista ISIS/ISIL/Estado Islâmico.
51 - No desenvolvimento de tais intenções foram alvo de tais processos vários cidadãos marroquinos que vieram param Portugal sob orientação do arguido A..., designadamente:
A... obteve a documentação necessária e orientou a referida deslocação de H... de Marrocos para a Portugal, que ocorreu em 23-09-2013.
A... obteve a documentação necessária e orientou a deslocação de Marrocos para a Portugal em 08-02-2015 de M..., natural do Reino de Marrocos, nascido em Sefrou a 19/11/1988 e residente na Rua … — Loures (irmão de H...) (cfr fls. 732 e 2971);
A... obteve a documentação necessária e orientou a deslocação de Marrocos para a Portugal em 08-02-2015 de I..., natural do Reino de Marrocos, nascida em Taza a 02/12/1989 e residente na …, Lumiar em Lisboa (prima de H...) (cfr. fls. 1236);
52 - O arguido A..., juntamente com H..., visitava as referidas pessoas no Centro Português de Refugiados e procurava convencê-las que teriam uma vida melhor se aderissem ao DAESH e fossem viver para a Síria, conforme adiante será explicitado.
53 - Foram identificados outros indivíduos, de nacionalidade Marroquina, que mantinham ou mantiveram estreitas ligações e foram alvo de radicalização por parte do arguido A... e do suspeito H..., a saber:
• MO..., natural do Reino de Marrocos, nascido em Fez a 30/12/1979 e residente na pensão denominada … sita na Rua … na localidade de Viana do Castelo (cfr. fls. 734, 1010, 1147, 2974 e 3759);
• ABD…, natural do Reino de Marrocos, nascido em Berkane a 12/09/1989 e residente na Rua … em Lisboa (cfr. fls. 733, 2967);
• AB..., natural do Reino de Marrocos, nascido em Meknés a 12/02/1994 (cfr. fls. 732 e 2386);
• AN..., natural do Reino de Marrocos, nascido em Casablanca a 07/03/1976 (cfr. fls. 3768 e 3953 e fls. 313, 332, 338, 672, 677 e 1106)
54 - O arguido A... passou a visitar regularmente o Centro Português para Refugiados (CPR), para dar apoio ás pessoas em relação ás quais organizara a sua vinda para Portugal e outros migrantes jovens que pudessem ser radicalizados e recrutados para aderirem ao DAESH, nomeadamente em Fevereiro de 2015 o arguido A... contactou com O... no Centro Português para Refugiados (CPR) e convidou-o, juntamente com MO... e M... todos residentes no CPR, para se deslocarem à localidade de Aveiro, local onde residiam o referido A... e H... moravam.
55 - As respectivas viagens foram custeadas pelo arguido A....
56 - No decurso da visita à localidade de Aveiro O... presenciou que os temas das conversas do H... e do A... se processavam sempre à volta da religião islâmica.
57 - Foi neste contexto que H... e o arguido A... o tentaram convencer a integrar as fileiras do exército de foreign fighters para combater pela organização terrorista Estado Islâmico, em território Sírio a troco de um vencimento mensal dc 1.800,00 USD dólares, proposta que foi recusada por parte de O....
58 - Na sequência de contactos mantidos com o arguido A..., O... foi informado por estes que outros dois indivíduos de nacionalidade Marroquina que residiam em Portugal, foram recrutados pelo arguido A... e pelo H... e que naquele momento se encontravam nas fileiras do DAESH, a combater na Síria/Iraque, tratando-se dos referidos AB... e AN....
59 - Na mesma visita o arguido A... contactou também com MO... o qual também foi exposto às mesmas propostas de adesão ao DAESH e integrar as fileiras do exército de foreign fighters para combater pela organização terrorista Estado Islâmico, em território Sírio a troco de um vencimento mensal de 1.800,00 USD dólares.
60 - I... também foi visitada no Centro Português para Refugiados (CPR), pelo arguido A... e pelo seu primo, H..., tendo sido exposta a ideias de radicalização, islamita, apresentados por ambos.
61 - O arguido A... chegou a tentar convencer I... a casar com H...
62 - I... teve conhecimento através de familiares residentes em Marrocos que foram contactados pelo seu primo H..., que este já após ter chegado a Portugal e estar a residir com o A..., por influência do arguido, tentou RECRUTAR alguns dos seus primos_que residiam em Marrocos, dizendo-lhes que a situação política, quer em Marrocos, quer na europa não lhes proporcionava boas condições para viver e que não tinham futuro, que mais valia sair e ir para um local onde lhe davam casa casamento, trabalho e dinheiro, referindo-se concretamente ao território controlado pelo ESTADO ISLÂMICO.
63 - Por sua vez, em Agosto de 2015, o arguido visitou voltou a visitar M... (irmão de H...), I... (prima de H...), O... e MO... no Centro Português para Refugiados (CPR).
64 - Nessa visita, o arguido A... procurou recrutar M... para aderir ao DAESH, convidando-o para se deslocar à localidade de Aveiro, local onde residia juntamente com H....
65 - A viajem foi custeada pelo arguido A....
66 - Durante essa visita A... e H... procuraram convencer M...a sair da Europa e a viajar para outro destino consentâneo com os valores do Islão fundamentalista e da causa Jihadista.
67 - No decurso da referida visita, M... apercebeu-se que o seu irmão se encontrava num processo de radicalização e nas conversas mantidas com ele, este tentou convencê-lo a integrar as fileiras do exército de foreign fighters para combater pela organização terrorista Estado Islâmico, em território Sírio a troco de um vencimento mensal de 1.800,00 US Dólares, o arguido A... esteve presente e participou na conversa apoiando a visão defendida pelo … e reforçou a proposta que este efectuara a M..., contudo a proposta foi recusada.
68 - Durante tal visita, M... foi informado que por intermédio do arguido A..., que o seu irmão H... juntamente com um amigo de nome AB..., tinham-se deslocado à Síria onde receberam treino militar dado por grupos terroristas.
69 - H... contou a M... ter estado 2 meses na Síria, onde recebeu treino militar com manuseamento de armas de fogo, na organização terrorista ISIS/ISIL/Estado Islâmico.
70 - E que foi instruído pela organização terrorista para regressar à Europa para recrutar novos combatentes, uma vez que falava várias línguas europeias.
71 - Tal realidade ocorreu em meados de 2014 e ficou a dever-se ao processo de radicalização e recrutamento a que H... foi submetido por parte do arguido A..., tendo H... regressado a Portugal, para junto do arguido, em inícios de 2015.
72 - M... foi ainda informado pelo seu pai que o seu irmão H... tinha engendrado um plano para radicalizar a sua família e que em Abril ou Maio de 2015, com o apoio de A..., levou a que toda a sua família, pai, mãe e os seus seis irmãos, fossem levados, pelo referido AB..., para a Síria e que, até ao momento, só o seu pai (M...) e os seus irmãos M... e AK... é que regressaram da Turquia para Marrocos, por terem recusado viajar para a Síria.
Actividades de obtenção fraudulenta de fundos destinados ao financiamento a actividades terroristas exercidas em Portugal
73 - Para além de recrutar jovens marroquinos para aderirem ao DAESH, actividade exercida muitas vezes junto do Centro Português de Refugiados — CPR, o arguido A... também desenvolvia actividades de apoio e de financiamento à causa Jihadista, nomeadamente custeando viagens e adquirindo bens e serviços para os jovens recrutados, conforme adiante será explicitado.
74 - Para o efeito, o arguido A... recorreu à implementação de esquemas de fraude, burla e falsificação de documentos, nomeadamente documentos de identidade falsos e utilização abusiva de cartões de crédito, como forma de financiar as despesas realizadas com o recrutamento, viagens e equipamento dos jovens que ia radicalizando e convencendo a aderir ao DAESH,
75 - O arguido A... utilizou em Portugal diversos cartões de crédito falsificados e/ou obtidos ilegitimamente no estrangeiro, em nome de terceiros, para pagamento, em Portugal, de despesas relacionadas com as viagens que efectuava com jovens rccrutados ou para pagamento de bens destinados a equipar os jovens que recrutou para aderirem ao auto proclamado Estado Islâmico, nomeadamente os telemóveis, vestuário e outros bens adquiridos pelo arguido adiante indicados.
76 - O arguido A... e H... ausentaram-se do território nacional sendo desconhecido à investigação os seus paradeiros até ao dia 31 de Agosto de 2015, pelas 22:36 horas, altura em que H... chegou a território nacional — aeroporto internacional de Lisboa - no voo VY8462 da companhia aérea Vuelling Airlines, proveniente de Barcelona, tendo sido realizadas diligências que confirmaram a sua presença e a do arguido A... na localidade de Aveiro, onde ambos voltaram a residir, já no bloco de apartamentos sitos na Travessa Doutor Mário Sacramento, n° 3.
77 - A... e H..., além de entrarem em diversos estabelecimentos comerciais, também se dirigiram à Praccta de Damão, ondc estiveram a falar com a MFR....
78 - Através da cooperação policial internacional, foi possível confirmar que o regresso a Portugal de H..., se ficou a dever ao facto de lhe ter sido RECUSADA A ENTRADA NA TURQUIA — aeroporto internacional de Istambul - para onde viajou no dia 29 de Agosto de 2015, no voo TK1844 da companhia aérea Turkish Airlines, proveniente de Atenas na Grécia.
79 - Para chegar à Turquia, H..., no dia 25 de Agosto de 2015, viajou no voo VY8105 da companhia aérea Vuelling Airlines, com partida de Dusseldorf na Alemanha com destino a Atenas na Grécia (cfr folhas 158)
80 - Em virtude de, desde o dia 2 de Outubro de 2015, ser desconhecido o paradeiro do arguido A... e de H..., no âmbito da cooperação policial foram realizadas diligências que confirmaram a sua presença nas localidades de Wuppertal e de Dusseldorf na Alemanha (cfr folhas 254, 505, 637 e do Apenso A, folhas 300 e 398 correspondentes a movimentações bancárias realizadas).
81 - Apesar de A... e H... terem passado, na maioria do tempo, a residir na Alemanha, os mesmos estiveram em Portugal em diversas ocasiões, a saber:
82 - No dia 12 de Dezembro de 2015, pelas 22:30 horas, A... e H... chegaram a território nacional - aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto - no voo FR5489 da companhia aérea Ryanair, proveniente de Dusseldorf na Alemanha (vd fls. 779), permanecendo em Portugal até às 17:20 horas do dia 21 de Dezembro de 2015.
83 - Durante este hiato de tempo, A... e icham M... dirigiram-se para a localidade de Aveiro, onde, no período de tempo compreendido entre os dias 13 e 17 de Dezembro de 2015, ficaram alojados no hotel denominado IM..., sito na Rua …, s/n, sendo que a reserva da referida estadia foi efectuada em nome de A... com o contacto (…) e como forma de pagamento da referida estadia, no valor total de € 303,00, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n.° 3..., em nome de MI..., indicando como residência a seguinte morada: … 42107 (cfr fls. 779).
84 - O arguido A... e H... dirigiram-se a diversos estabelecimentos comerciais, com particular incidência nos seguintes:
• IMP..., sita na Avenida … em Aveiro,
onde solicitaram a emissão de 100 cartões pessoais com a inscrição ICH — International Company of Handcraft e orçamento para a estampagem, em t-shirt, da inscrição ISLAM IS BEAUTY FOREVER e,
• FOREVER BLUE, sita na Avenida … em Aveiro, onde ambos solicitaram fotografias tipo passe (cfr fls. 792).
85 - Posteriormente, dirigiram-se, de comboio, para a localidade de Viana do Castelo, onde permaneceram no período de tempo compreendido entre os dias 7 e 20 de Dezembro de 2015, ficando alojados no hotel denominado BALI, sito na Avenida …..
86 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de A....
87 - A... e H... dirigiram-se a diversos estabelecimentos comerciais, com particular incidência no seguinte:
• CO..., sita na Rua … em Viana do Castelo, onde solicitaram orçamento para 2 carimbos em madeira, para serem usados em esponja, com as inscrições, em língua francesa — ARRIVÉ e DÉPART — e a estampagem de 3 t-shirt, de cor preta, com a inscrição ISLAM IS BEAUTY FOREVER.
88 - Nesse período de tempo, A... e H..., mantiveram, regularmente, encontros com MO... (cfr. fls. 779).
89 - Seguidamente dirigiram-se, novamente de comboio, para a localidade do Porto, pernoitando no hostel denominado …, sito na Rua …, onde permaneceram até ao dia 21 de Dezembro, altura em que se dirigiram para o aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto e, onde pelas 17:20 horas, apanharam o voo FR3972 da companhia aérea Ryanair, com destino ao aeroporto de Frankfurt na Alemanha (cfr. fls. 779 e 780).
90 - No dia 28 de Fevereiro de 2016, pelas 22:40 horas, A... e H... chegaram a território nacional - aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto - no voo FR2066 da companhia aérea Ryanair, proveniente de Dortmund na Alemanha, tendo permanecido em Portugal até às 16:40 do dia 6 de Março de 2016 (cfr. fls. 1507).
91 - Neste hiato de tempo o arguido A... e H..., dirigiram-se para a localidade de Aveiro, onde, no período de tempo compreendido entre os dias 29 de Fevereiro e 3 de Março de 2016, ficaram alojados no hotel denominado IM... sito na Rua Doutor Nascimento Leitão, s/n.
92 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de H... com o contacto (…), ficando ambos a ocupar o quarto 412.
93 - Como forma de pagamento da referida estadia, no valor de € 166,60, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n.° 3…, emitido em nome de F... (cfr. fls. 1507).
94 - Neste período de tempo, dirigiram-se à … Clinica …, sita na …, na localidade de Aveiro, onde H... recebeu tratamento dentário, cujo pagamento, no valor de € 60,00 foi efectuado pelo A....
95 - O arguido A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3…, em nome de AB..., efectuou compras em diversos estabelecimentos comerciais, com particular incidência nos seguintes:
• SPORT ZONE, sita no Aveiro Shopping Center, na Estrada da
Taboeira, Esgueira, em Aveiro, onde procederam à aquisição de diversas mochilas e calçado de natação, cujo pagamento, no valor total de € 29,94, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3…, em nome de AB...,
• MEDIA MARKT, sita Aveiro Shopping Center, na Estrada da Taboeira, Esgueira, em Aveiro, onde procederam à aquisição de 2 telemóveis, 1 da marca SAMSUNG GALAXI, modelo S7 EDGE de 32
GB com o IMEI n.° …, 1 da marca APLLE, modelo IPHONE 6S PLUS de 64GB com o IMEI … e 1 protecção para o IPHONE 5/5S, cujo pagamento, no valor total de € 1.817,90, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° … em nome de AB... e,
n PHONE HOUSE, sita no Forum Aveiro, na Rua Batalhão de Caçadores 10, em Aveiro, onde procederam à aquisição de 1 telemóvel da marca SAMSUNG GALAXY, modelo J5 com o IMEI n.° … e cartão SIM n.° 935050191, cujo pagamento, no valor total de € 214,99, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de AB....
96 - Posteriormente, A... e H... dirigiram-se, de comboio, para a localidade de Viana do Castelo, onde permaneceram, no período de tempo compreendido entre os dias 3 e 5 de Março de 2016, ficando alojados no hotel denominado ..., sito na Avenida …, sendo que a reserva da referida estadia foi efectuada em nome de H... com o contacto (…)
97 - Ficaram hospedados no quarto 102 e o pagamento da estadia, no valor de € 110,00 e das despesas com refeições efectuadas no hotel, foi paga foi pelo arguido A....
98 - Durante a sua estadia, A... e H..., almoçaram e jantaram no restaurante do referido hotel, sempre acompanhados por MO..., sendo que, como forma de pagamento das referidas refeições, no valor de € 55,95, € 52,95 e € 80,00, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de AB... (cfr. fls. 1507).
99 - Neste período de tempo, A..., H... e MO..., dirigiram-se a diversos estabelecimentos comerciais existentes na Estação Viana Shopping, sita na Avenida General Humberto Delgado, n.° 101, na localidade de Viana do Castelo, com particular incidência nos seguintes:
• PLURICOSMETICA, onde procederam à aquisição de uma máquina eléctrica de cortar cabelo, cujo pagamento, no valor total de € 31,80, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de AB...,
n PHONE HOUSE, onde procederam à aquisição de 1 telemóvel da marca SAMSUNG GALAXY, modelo A5 com o IMEI n.° …, cujo pagamento, no valor total de € 299,99, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de AB...,
• WORTEN, onde procederam à aquisição de 1 telemóvel da marca SAMSUNG GALAXI, modelo A5 com o IMEI n.° …, de 2 tablets da marca SAMSUNG, modelos SM-T555 e SM-T561 e respectivas capas de protecção, cujo pagamento, no valor total de € 979,95, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de_AB... e,
• SPORT ZONE, onde procederam à aquisição de diversos artigos desportivos, cujo pagamento, no valor total de € 692,28, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de AB....
100 - Seguidamente, pelas 04:00 horas de 5 de Março de 2016, dirigiram-se, novamente de comboio, para a localidade do Porto, pernoitando no hotel denominado … sito na Rua …, onde permaneceram até ao dia 6 de Março, no quarto 326.
101 - A reserva da referida estadia foi efectuada em nome de A... com o contacto (…), importando realçar que, ainda no dia 5 de Março de 2016, A... solicitou a reserva de mais um quarto — de 5 a 06 de Março - para MO..., que ficou alojado no quarto 320 e como forma de pagamento, dos dois alojamentos, no valor de € 40.00 e € 42,00 e do valor de € 10,00 referentes a pequenos-almoços, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n.° 3…, em nome de AB... (cfr. fls. 1507 e 1508).
102 - Neste período de tempo, dirigiram-se a diversos estabelecimentos comerciais existentes, quer na localidade de Aveiro, quer na localidade do Porto, com particular incidência nos seguintes:
• SUITS INC Mundo dos Fatos, sita no Centro Comercial Glicínias Plaza, na Rua Dom Manuel Barbuda e Vasconcelos, em Aveiro, onde procederam à aquisição de diversas peças de vestuário, cujo pagamento, no valor total de € 299,97, foi efectuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3…, em nome de AB...,
• BOX Jumbo, sita no Centro Comercial Glicínias Plaza, na Rua Dom Manuel Barbuda e Vasconcelos, em Aveiro, onde procederam à aquisição de 1 telemóvel da marca APLLE, modelo IPHONE 6S PLUS de 64GB com o IMEI …, cujo pagamento, no valor total de € 869,00, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3…, em nome de AB...,
• PHONE HOUSE sita no Fórum Aveiro, na Rua Batalhão de Caçadores 10, em Aveiro, onde procederam à aquisição de 1 telemóvel da marca SAMSUNG GALAXY, modelo A5 com o IMEI n.° … e cartão SIM n.° 9… com Pack de 250MB, cujo pagamento, no valor total de € 304,99, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3…, em nome de AB... e,
• HUSH PUPPIES, sita no Via Catarina Shopping, Rua Santa Catarina,
no Porto, onde procederam à aquisição de 5 pares de sapatos, cujo pagamento, no valor total de € 671,00, foi efetuado pelo A..., utilizando para o efeito, o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de AB... (cfr fls. 1535,sendo que todos os talões comprovativos de pagamentos, estão apreendidos a fls. 1560 a 1618).
103 - Pelas 14:01 horas do dia 6 de Março de 2016, o arguido Abdesselam
T... e H..., acompanhados de MO..., abandonaram o referido hotel e dirigiram-se os três para o aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto, onde pelas 16:40 horas, A... e H..., apanharam o voo FR2065 da companhia aérea Ryanair, com destino ao aeroporto de Dortmund na Alemanha (cfr fls. 1509 e 1681).
104 - No dia 17 de Maio de 2016, A... e H... chegaram a território nacional (cfr fls. 2162).
105 - A... e H... dirigiram-se para a localidade de Aveiro, onde, no período de tempo compreendido entre os dias 17 e 19 de Maio de 2016, ficaram alojados no quarto 118 do hotel denominado …, sito na Rua…, sendo que a reserva da referida estadia foi efectuada em nome de H... com o contacto (…), contudo foi enviado um email a avisar que em vez de Boukal viriam o arguido e H....
106 - Como forma de pagamento da referida estadia, no valor de € 352,00, o arguido A... utilizou o cartão de crédito da American Express n.° 3… em nome de OR...
107 - Posteriormente, A... e H... dirigiram-se, de comboio, para a localidade de Viana do Castelo, onde permaneceram, no período de tempo compreendido entre os dias 19 e 21 de Maio de 2016, ficando alojados no hotel denominado ... sito na Avenida …, juntamente com MO... e verificando-se que a reserva da referida estadia foi efectuada em nome de A... com o contacto (…).
108 - Desde que abandonaram o referido hotel e até Junho de 2016 ficou o desconhecido o paradeiro de A... e de H... (vd. fls. 2248).
109 - No dia 21 de Junho de 2016, A... e de H... chegaram a território nacional, provenientes da Alemanha (cfr. fls. 2455).
110 - A... e de H... dirigiram-se, de comboio, para a localidade de Viana do Castelo, onde, no período de tempo compreendido entre os dias 25 e 27 de Junho de 2016, ficaram alojados na guest house, denominada …, sita na Rua …, sendo que, nesse período de tempo, mantiveram, regularmente, encontros com MO... (cfr. fls. 2455 e 2456).
111 - Seguidamente, pelas 09:43 horas de 27 de Junho de 2016, abandonaram a referida guest hoe dirigiram-se apeados para a estação da CP de Viana do Castelo, onde apanharam o comboio com destino ao Porto e, na estação de Campanhã, apanharam o comboio Alfa Pendular até à localidade de Aveiro, sendo que, já na localidade de Aveiro, se deslocaram apedados até ao prédio sito no n.° 3 da Travessa Doutor Mário Sacramento e regressaram à Alemanha em data que se desconhece (vd. fls. 2456 e 2540)
112 - Na sequência da recolha de informação, nomeadamente através da rede europeia de cooperação policial internacional contra terrorismo, foi possível identificar o arguido A... e H... nas seguintes situações:
v No dia 4 de Novembro de 2015, as autoridades da
República Federal da Alemanha, informaram que elementos da polícia de Dusseldorf, tinham identificado A..., quando este estava na posse de um passaporte Finlandês com o n.° … - FALSO - emitido a 09/10/2014, com validade até 09/10/2019 em nome de …, nascido em Marrocos a 01/01/1970 e, ainda, mais informaram que A... se encontrava na companhia de H... e indicou que residia em …, 40476 em DUSSELDORF, tendo H... referido que residia em … em WUPPERTAL
113 - No dia 31 de Março de 2016, as autoridades policiais do Reino Unido, informaram que, ao chegarem ao aeroporto de Manchester no Reino Unido, no voo FR3247 da companhia aérea Ryanair, proveniente de Estugarda na Alemanha, o arguido A... identificou-se com um passaporte Finlandês com o n.° 204743086 - FALSO - emitido a 13/08/2010, com validade até 13/08/2020, em nome de TE…, nascido em Hillerod a 22/12/1965.
114 - H... identificou-se com um passaporte Francês com o n.° … - FALSO - emitido a 29/11/2010, com validade até 28/11/2020 em nome de F..., nascido em Vitry-Sur-Seine a 19/05/1991.
115 - Os referidos passaportes foram APREENDIDOS, tendo T... e H..., sido impedidos de entrar no Reino Unido, e deportados no dia 1 de Abril de 2016, com destino ao aeroporto de Estugarda na Alemanha, no voo FR3246 da companhia aérea Ryanair (cfr fls. 1899 e 2693 a 2696).
116 - No dia 7 de Junho de 2016, as autoridades policiais dos Países Baixos, informaram que Abedesselam T... e H..., no dia 25 de Maio de 2016, viajaram para SÃO PAULO no Brasil — aeroporto de Guarulhos ¬no voo KL0791 da companhia aérea KLM, regressando ao aeroporto de Schiphol em AMESTERDÃO na Holanda, no voo KL0792 da companhia aérea KLM, onde chegaram pelas 12:45 horas do dia 07/06/2016 (vd. fls 2363).
117 - Estes factos foram confirmados pelas autoridades brasileiras, acrescentando que A... se identificou com o passaporte Marroquino com o n.° … e que H... se identificou com o passaporte Marroquino …, com as respectivas fotografias apostas nos documentos.
118 - No dia 19 de Outubro de 2016, as autoridades policiais do Reino de Espanha - Polícia Autónoma Basca - informaram que, na sequência de um controlo policial efectuado na localidade de ORDIZIA, Guipuzcoa, no Pais Basco, identificaram H... e, ainda para mais, que este estava na companhia de um cidadão natural de Marrocos, de nome Y..., nascido em Sidi Othmane a 21/06/1995, filho de AZ.. e de KJ… e residente na Rua … na localidade de ORDIZIA (vd. fls. 3137 a 3146 e 3194).
119 - H... tinha na sua posse diversos papéis manuscritos, cujos elementos foram confirmados pelas autoridades da República Federal da Alemanha, com especial relevância para o baixo indicado (vd. fls. 3843):
- …, 40472 RATINGEN —esta morada corresponde ao Estabelecimento Prisional onde A... se encontra detido preventivamente;
- …, …, 22305 HAMBURG — esta morada pertence a El …, que é um dos contactos de A... e de H..., indivíduo que se encontrava na altura detido, pelo crime de falsificação de documentos, no Estabelecimento Prisional de Fuhlsbuttel em Hamburgo;
- … — este contacto está associado a BK…;
- … — este contacto está associado a H....
120 - Os irmãos BK… e H... foram detidos preventivamente na sequência da busca domiciliária na sua residência, sita na …, em cumprimento de carta rogatória solicitada pelas autoridades francesas.
121 - No decurso da troca de informação mantida com as autoridades da República Francesa e as autoridades e da República Federal da Alemanha, foi confirmado que, desde o dia 20 de Novembro de 2016, H... se encontra detido preventivamente por envolvimento na PREPARAÇÃO DE UM ATENTADO TERRORISTA em território francês.
122 - E que, desde 1 de Julho de 2016, o arguido A... fora detido preventivamente pela prática dos crimes de FRAUDE INFORMÁTICA na utilização de cartões de crédito (vd. fls. 3299, 3359 e 3609).123 - Neste contexto, e recolhida a informação de que o arguido A..., muito provavelmente, iria ser colocado em liberdade após julgamento marcado para o dia 12 de Dezembro de 2016, foram emitidos contra o arguido o Mandado de Detenção Nacionais e Mandado de Detenção Europeu (MDE) (cfr. fls. 3625 a 3648).
124 - A detenção de H... originou, por parte das autoridades da República Francesa, a emissão de uma Carta Rogatória (727/16.5TELSB), a solicitar elementos constantes do presente inquérito, que posteriormente foram remetidos para o processo Parquet P¬16322000517 da Cour D'Apel de Paris, Parquet du Tribunal de Grande Unstance de Paris, 4éme Division, Section Cl (cfr. fls. 3734, 3739 a 3746).
125 - Perante os factos descritos, foi dado cumprimento ao Mandado de Busca e Apreensão para a residência utilizada pelos suspeitos A... e H..., sita no … na localidade de Aveiro (cfr. fls. 3300, 3334, 3347, 3359, 3417 a 3547 e 3955 a 4009).
126 - O arrendamento do referido quarto, por parte de H..., era partilhado juntamente com o arguido A....
127 - Foi apreendida a seguinte documentação no quarto utilizado pelo A... e pelo H..., e que consta de folhas 3428 a 3535 e dos Apensos 1A, 1B, 1C, 1D e 1E, a folhas 3845, tendo-se apurado o seguinte:
Apenso 1A:
ü Um cartão-de-visita da … Mr A... e Mr. H... com as inscrições na frente … e nas costas … / .. / …, 22305 HAMBURG; (vd folhas 10).
Apenso 1B:
ü Um recibo emitido, a 03/10/2015, pela WESTERN - MTCN …, onde consta o nome de H... com a morada: …, WUPPERTAL, 42107, (vd folhas 32);
ü Um cartão-de-visita com o manuscrito: … / OR... / …, 58135 HAGEN-HASPE, (vd folhas 42);
ü Um extrato bancário emitido, a 31/12/2015, pelo CK…, em nome de T..., residente na 40476 DUSSELDORF, (vd folhas 50).
Apenso 1C:
ü Uma folha de papel, onde consta o nome de T..., residente na 40476 DUSSELDORF, (vd folhas 35);
ü Uma carta emitida a 05/11/2015 pela entidade denominada Einwohnermeldeamt em nome de A... residente na 40476 DUSSELDORF, (vd folhas 74)
ü Um pedaço de papel com o manuscrito: 22305 HAMBURG, (vd folhas 92);
ü Um recibo emitido, a 08/09/2015, pela WESTERN -, onde consta o nome de A... com a morada:, 42107, (vd folhas 100);
ü Um documento, constituído por cinco folhas referente a reservas realizadas no site EXPEDIA.FR referente a um voo da KLM para o percurso, Amesterdão/São Paulo e regresso, em nome de H..., H... e A..., válidos para a partida no dia 25 de Maio de 2016 e regresso a 7 de Junho de 2016, (vd folhas 105 a 109).
Apenso 1 D:
ü Um pedaço de papel branco, com o manuscrito: OR... /, 58135 HAGEN-HASPE, (vd folhas 44).
Apenso 1E:
ü Um pedaço de papel quadriculado com o manuscrito: …/ …, 22305 HAMBURG, (vd folhas 12);
ü Um oficio n.° 32/3110 datado de 11/01/2016, emitido pela … em nome de: … / A... / … 58135 HAGEN, (vd folhas 40).
128 - O arguido A... identificava-se com duas moradas na Alemanha: a morada comum que tinha juntamente com H..., sita em … WUPPERTAL, 42107 e a morada sita em … 40476 DUSSELDORF.
129 - O arguido A... estava na posse dos referidos cartões de crédito:
• da American Express n.° 3..., emitido em nome de MI...i
• da American Express n.° …, emitido em nome de F...;
• da American Express n.° … em nome de AB...;
• da American Express n.° … em nome de_OR....
130 - Bem sabendo que os mesmos foram obtidos fraudulentamente e através de falsificações, sabendo ainda que o arguido era não era titular de qualquer das contas bancárias associadas aos cartões de crédito, e que não estava autorizado a utilizar tais cartões para efectuar qualquer tipo de pagamHilo.- O arguido sabia que através da utilização dos cartões de crédito iria fazer diminuir, necessariamente, o património de terceiros, nomeadamente o dos titulares das contas bancárias sacadas ou o dos próprios bancos.
132 - O arguido causou efectivo prejuízo aos responsáveis pela emissão e circulação dos referidos cartões de crédito, correspondentes ao valor das despesas que o arguido realizou e pagou com tais cartões, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
133 - O arguido A... utilizou os cartões de crédito como meio de financiar despesas associadas à aquisição de bens e serviços relacionadas com as actividades de recrutamento de jovens para aderirem ao DAESH desenvolvidas pelo arguido, por um lado, e por outro, também como meio de apoio financeiro aos jovens que recrutou, nomeadamente como meio de financiamento e apoio financeiro das actividades terroristas levadas a cabo por H...,
134 - O arguido A... financiou directamente as actividades terroristas levadas a cabo por H..., pagando todas as suas despesas pessoais e as despesas realizadas pelo mesmo com viagens efectuadas para receber treino militar na Síria, e com as viagens e despesas realizadas por H... em Paris, onde o mesmo se deslocou para contactar com jihadistas e para planear e executar um ataque terrorista em França e onde acabou por ser detido.
135 - O apoio e financiamento efectuado pelo arguido A... a H..., quer através do pagamento directo das suas despesas, quer através da entrega de bens adquiridos com os cartões de crédito, foi utilizado por H... para desenvolver as actividades terroristas para as quais foi recrutado pelo arguido.
136 - Os bens adquiridos e pagos com os referidos cartões de crédito eram depois entregues a H..., para que este procedesse à sua venda, financiando com o produto das vendas, o seu sustento e as viagens e despesas relacionadas com as actividades terroristas que o mesmo empreendeu em França, facto que era do conhecimento do arguido.
137 - MI... nunca teve em seu nome, nem nunca solicitou a emissão de um cartão de crédito da Mastercard.
138 - O mesmo conhecia o arguido A... pelo nome de …, desde Novembro de 2013, altura em que ambos partilhavam o mesmo quarto na Fundação CESDA em Aveiro, tendo-se apercebido que quer o Salim, quer o H..., além de serem muito reservados, eram muito religiosos, cumprindo na íntegra todas as orações/rezas.
139 - Só quando MI... abandonou a referida instituição, em Maio de 2014, é que se apercebeu que o seu passaporte, que se encontrava na gaveta da mesa-de-cabeceira, tinha desaparecido.
140 - E só em Fevereiro de 2015, é que MI... voltou a ter contacto com o … e com o H..., altura em que estes lhe ligaram a solicitar se lhes arranjava uma mulher para casar com eles e assim conseguirem obter atestado de residência em Portugal.
141 - Por todo o exposto mostra-se fortemente indiciado que o arguido A... se converteu ao islamismo, aderiu ao DAESH, a qual é uma organização terrorista conotada internacionalmente com actividades terroristas e procedeu ao recrutamento de jovens para aderirem a tal organização terrorista e ainda apoiou e financiou directamente as actividades terroristas desenvolvidas por H....
142 - Sabia o arguido que a adesão, integração ou apoio aos referidos grupos e organizações terroristas são actividades proibidas e punidas criminalmente como terrorismo internacional.
143 - Ao aderir, apoiar, recrutar e financiar as despesas dos jovens que recrutou para aderirem ao DAESH e convencê-los a obedecerem às ordens e a integrarem as fileiras de combatentes desta organização terrorista, quer na Síria quer na Europa, o arguido A... agiu sempre livre voluntária e conscientemente com pleno conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e severamente punidas por Lei Penal.
144 - Sabia ainda o arguido que as descritas condutas causam sério alarme social, contribuindo para o sentimento geral de insegurança associado a actividades terroristas.
145 - O arguido não apresenta qualquer ligação ao território nacional e as suas convicções e a sua ligação a organizações terroristas de cariz Jihadista deixam antever seriamente a continuação da sua actividade delituosa.
146 - As autoridades alemãs também instauraram inquérito crime contra o arguido A... por financiamento ao terrorismo relativamente aos actos de financiamento ao terrorismo cometidos na Alemanha (cfr. certidão da carta rogatória 176/17.8TELSB, que se mostra apensa aos autos).
Por conseguinte, verifica-se que a decisão recorrida, além do mais que já supra se sixou assinalado, violou os Art.°s 308° e 283°, n.° 2 do C.P.Penal, pelo que tem que ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido A..., imputando-lhe, como autor imediato e em concurso real, pela prática do circunstancialismo ora mencionado, os seguintes crimes:
- Um crime de adesão a organização terrorista internacional p. e p. pelos Art.°s 2°, n.°s 1, alínea a) e 2, 3°, 4°, n.°s 1 e 10 e 8°, n.° 1, da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei rif 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio), com referência ainda à Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, a Posição Comum 2001/930/PESC sobre o combate ao terrorismo e a Posição Comum 2001/931/PESC relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, Regulamento (CE) n.° 2580/2001, o Art.° 1°, n.°s 2 e 3, que define, respectivamente, o que se entende por «pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas» e por «acto terrorista» e prevê nos Art.°s 2° e 3° - e a inscrição de uma organização na lista das pessoas, grupos e entidades envolvidos em actos terroristas, sendo actualmente o DAESH ou Estado Islâmico, considerado na EU como uma organização terrorista internacional;
- Um crime de falsificação com vista ao terrorismo (uso de passaporte falso) p. e p. pelas disposições conjugadas do Art.° 256°, n.°s 1, alínea c) e 3, do C. Penal e dos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 e 2 e 5°, n.° 1, todos da Lei n.° Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 dc Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio) - utilização de passaporte falso;
- Quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo (utilização de cartões de crédito falsificados) p. e p. pelas disposições conjugadas do Art.° 262°, n.° 2 e 267°, n.° 1, alínea c), ambos do C.Penal e dos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 4°, n.°s 1 e 2, 5°, n.° 1 e 5°-A, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio) - utilização de 4 cartões de crédito da American Express falsos;
- Um crime de recrutamento para terrorismo p. e p. pelos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 3°, 4°, n.°s 1 e 6, 5° e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003 de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio);
- Um crime de financiamento do terrorismo p. e p. pelos Art.°s 2°, n.° 1, alínea a), 5°, 5°-A, n.° 1 e 8°, n.° 1, todos da Lei n.° 52/2003 de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n,° 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.° 17/2011, de 3 de Maio e Lei n.° 60/2015, de 24 de Junho).
Pelo exposto, acordam os juízes em conceder provimento ao recurso, com a consequente revogação da decisão instrutória de fls. 688 a 745, ordenando que a mesma seja substituída por outra que pronuncie o arguido A... nos termos do sobredito.
Sem custas.
Processado e revisto pelo relator.
Lisboa, 27 de novembro de 2018.
José Simões de Carvalho
Maria Margarida Bacelar