Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 18-12-2018   Inquérito (actos jurisdicionais). Quebra de sigilo.
1. Apesar de o segredo profissional do advogado não ser absoluto, o seu levantamento só deve ser possível em casos excepcionais, por isso, quando seja arrolado como testemunha um advogado e se pretende que deponha sobre factos sujeitos ao segredo, há que observar algumas cautelas em razão da qualidade da testemunha.
2. Num caso como o ora em apreço, pretende-se, afinal, ultrapassar o constrangimento resultante do direito ao silêncio do arguido através da inquirição como testemunha de quem, na qualidade de advogada, exerceu a sua defesa.
3. O princípio que rege a decisão a proferir, de determinação da prestação de depoimento com quebra do segredo profissional ou do indeferimento do pedido, é o da prevalência do interesse preponderante, que se aferirá, nomeadamente, por reporte à imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, à gravidade do crime e à necessidade de protecção de bens jurídicos.
4. Se a imprescindibilidade do depoimento de testemunha sujeita a segredo profissional é elemento essencial à densificação do princípio da prevalência do interesse preponderante a actuar pelo tribunal com vista à decisão sobre a quebra do segredo, afigura-se-nos que essa imprescindibilidade não se verifica.
Proc. 1928/18.7T9SNT-A.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Jorge Gonçalves - Maria José Machado - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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N° 1928/18.7T9SNT-A.L1 — Quebra de Sigilo
Inquérito (Actos Jurisdicionais) n.°1928 /18.7T9SN'T
Tribunal Judieral da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Instrução Criminal de Sintra
Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de
Lisboa:
I — Relatório
1. Nos autos de inquérito (actos jurisdicionais) com o n.° 1928/18.7T9SNT, veio o competente Mm.° Juiz, ao abrigo do disposto no artigo 135.°, n.° 1 a 3, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), suscitar a intervenção do Tribunal da Relação de Lisboa, em ordem ao levantamento do segredo profissional da Ex.ma Sr.ª Dr.ª FF..., defensora oficiosa do arguido CM....
Na sequência do que foi ordenada, para esse fim, a subida dos autos a este Tribunal.
2. Solicitou-se parecer à Ordem dos Advogados — Conselho Regional de Lisboa -, que não se pronunciou.
3. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos, dando parecer no sentido de que não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 135.°, n.°3, do C.P.P., pelo que, no seu entender, deve ser indeferida a pretensão do levantamento do sigilo profissional em apreço.
4. Foram colhidos os vistos legais, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
Elementos relevantes:
1. Em 28 de Setembro de 2018, o Ministério Público pronunciou-se nos autos
de inquérito supra referidos, nos seguintes termos (transcrição):
«Iniciou-se o presente inquérito com a certidão de fls. 3-137 extraída no âmbito do processo n.° … e no qual o arguido CM... foi acusado pela prática de factos susceptíveis de integrar a prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.°, n.° 2, por referência ao n.° 1 do mesmo artigo, do Decreto-lei n.° 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de condução de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
m arguido apresentou, no referido processo, requerimento para abertura de instrução alegando em síntese que era portador de carta de condução emitida pela República de Cabo Verde e juntou cópia da carta por si indicada e certidão supostamente emitida pelo Director Geral dos Serviços dos Transportes Rodoviários da República de Cabo Verde (cfr. fls. 93-97).
Tal requerimento para abertura de instrução foi subscrito por FF..., na qualidade de defensora oficiosa do arguido CM....
Realizadas diligencias ainda no âmbito do referido processo, concluiu-se que CM... não era titular de carta de condução emitida em Cabo Verde (cfr. fls. 132).
Os factos investigados no presente inquérito são passíveis de integrar a prática de crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, alínea a), b) e/ou e), do Código Penal.
Resulta, porém, que FF..., inquirida a fls. 161, referiu não desejar prestar declarações relativamente aos actos investigados uma vez que estão abrangidos pelo segredo profissional.
Ora, em face dos factos em investigação, toma-se imprescindível, ao prosseguimento da investigação e à prova dos mesmos, inquirir o visado, no sentido de apurar quem lhe entregou os documentos com que instruiu requerimento para abertura de instrução.
Tal informação é indispensável e relevante para a prossecução da investigação e para a descoberta da verdade, não podendo ser obtida por outra via.
m segredo profissional do advogado, consagrado no artigo 92.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, é um princípio deontológico fundamental da advocacia e a base da relação entre mandatário e constituinte.
m fundamento ético-jurídico do dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o seu cliente, mas também na dignidade da advocacia e na sua função de manifesto interesse público que não prescinde da fidedignidade, da reserva e do sigilo. O segredo profissional tem, portanto, carácter social ou de ordem pública, e não natureza contratual.
m dever de sigilo não é, contudo, absoluto. De facto, casos há, excepcionais, em que a justiça ficaria abalada se a dispensa de sigilo não procedesse - atente-se, para tanto, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 04/03/2015 [Relator Vasques Osório]: [u]ma primeira situação em que o advogado deixa de estar sujeito ao segredo profissional decorre da sua desvinculação pelo próprio cliente, quando este autoriza a revelação do segredo. Uma segunda situação corresponde à dispensa do segredo profissional requerida pelo advogado ao Presidente do Conselho Distrital respectivo e por este autorizado [trata-se do procedimento previsto no art, 87°, n? 4 do E0A1 E uma terceira situação corresponde ao incidente processual de quebra do segredo profissional, regulado no art. 135.° do C. Processo Penal [aplicável ao processo civil, por
força do disposto no art, 417.°, n.° 4 do C. Processo Civil], a qual tem específico relevo para a questão a decidir. III - O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, in casu, prevalecer..
De facto, estando os advogados obrigados a guardar segredo profissional em relação a todos os factos de que tomem conhecimento em resultado do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, é legítimo que se recusem a prestar depoimento sobre esses factos.
Sendo essa recusa legítima, e não tendo o tribunal dúvidas sobre essa mesma legitimidade, pode o tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado ordenar a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente, tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade e a importância dos interesses discutidos na acção.
Assim, perante a colisão de interesses, direitos e deveres em presença, deverão ceder os que o sigilo abrange, mas sempre e apenas na medida estritamente necessária à preservação de valores prevalecentes.
Ora, balanceados e ponderados, em função do caso concreto, os interesses ligados à protecção do segredo e, por outro lado, o interesse público na administração da justiça, na descoberta da verdade material e na prevenção e repressão criminais, entendemos prevalecerem estes últimos, por serem mais preponderantes.
Neste ponto, destacam-se sobretudo a imprescindibilidade da inquirição do advogado para a descoberta da verdade, dada a sua intervenção no processo, bem como a importância dos interesses discutidos na acção e a reduzida afectação dos interesses relativos ao segredo, de confidencialidade, confiança e dignidade.
De facto, o visado desempenhou um papel principal e decisivo nos factos em discussão, cujo esclarecimento é absolutamente crucial para o destino da causa, e ninguém melhor que ele poderá relatar, na medida em que deles foi actor e interlocutor.
Por outro lado, de tal inquirição não é de esperar que resulte qualquer lesão para os interesses do cliente, que já foi constituído arguido no presente inquérito.
Acresce que, não sendo permitida tal inquirição em nome do sigilo profissional, o agente do crime que se investiga estaria a ser protegido directamente por este segredo.
Entendemos estarem, assim, preenchidos os requisitos referidos no artigo 135.° do Código de Processo Penal.
Nessa medida, entre o interesse público da realização da justiça e o interesse também social ou comunitário de protecção do segredo, manifestado na confiança e na dignidade que no exercício da advocacia devem repousar, deve prevalecer o primeiro, sendo de conceder a dispensa ou quebra de sigilo e de determinar a prestação do depoimento pelo advogado.
Nos termos expostos, por entender que a recusa de FF... é legítima, importando realizar a ponderação dos interesses em causa, requer-se ao Mmo. Juiz de Instrução que suscite, nos termos do artigo 135.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, incidente de escusa de sigilo profissional, no Tribunal da Relação de Lisboa, com vista ao levantamento do sigilo fiscal quanto aos elementos solicitados.»
2. Em 2 de Outubro de 2018, o Mm.° Juiz proferiu o seguinte despacho em que, reconhecendo como legítima a recusa da Ex.ma advogada, suscitou o incidente de quebra do sigilo profissional.

Apreciando
O segredo profissional abrange tudo quanto tenha chegado ao conhecimento de alguém através do exercício da sua actividade profissional e na base de uma relação de confiança (Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Vol. I, 3° Edição, 2008, pág. 961). Consubstancia-se, em termos genéricos, na reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções, ou como consequência do seu exercício (Acórdão da R. de Coimbra de 21 de Setembro de 2011, processo n° 968/09.1TACBR.C1 , in www.dgsi.pt).
O segredo profissional na Advocacia encontra-se regulado no artigo 92.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.° 145/2015, de 9 de Setembro [doravante EOA].
Dispõe este artigo, no seu n.° 1, que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, seguindo-se depois a enunciação, não taxativa, nas sua alíneas a) a f), de específicas situações sujeitas ao referido segredo, que traduzem explicitações da norma que constitui a matriz.
O n.° 4 do artigo 92.° estabelece que o advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.
O n.° 6 estabelece que o advogado, ainda que dispensado nos termos do disposto no n° 4, pode manter o segredo profissional.
Lê-se no acórdão da Relação de Coimbra, de 04/03/2015, processo 60/10.6TAMGR-A.C1 (in www.dgsi.pt, com menções ao anterior EOA):
«Como se vê, não estamos perante um segredo absoluto e por isso, inafastável, mas a
razão de ser da sua existência impõe que só em casos excepcionais o advogado o possa quebrar.
Brevitatis causa, diremos que uma primeira situação em que o advogado deixa de estar sujeito ao segredo profissional decorre da sua desvinculação pelo próprio cliente, quando este
autoriza a revelação do segredo. Uma segunda situação corresponde à dispensa do segredo
profissional requerida pelo advogado ao Presidente do Conselho Distrital respectivo e por este autorizado [trata-se do procedimento previsto no art. 87., n. 4 do EOA]. E uma terceira situação corresponde ao incidente processual de quebra do segredo profissional, regulado no art. 135.° do C. Processo Penal [aplicável ao processo civil, por força do disposto no art. 417.°, n.° 4 do C. Processo Civil], a qual tem específico relevo para a questão a decidir. Vejamos então.
2. O C. Processo Penal regula o incidente de quebra do segredo profissional nos seus arts. 135.° e 182.°.
Estabelece o n.° 1 do art. 135.° que, os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
Depois de algumas divergências a que o Acórdão Uniformizador n.° 2/2008, de 13/02/2008 [DR 1, de 31 de Março de 2008] pôs termo, o incidente é assim processado:
- Invocada a escusa por quem a lei permite ou impõe que guarde segredo e existindo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da invocação, o tribunal onde ela foi deduzida procede às averiguações necessárias e caso conclua pela ilegitimidade da escusa, ordena a prestação do depoimento ou da forma de cooperação pretendida (art. 135.°, n.° 2 do C. Processo Penal);
- Sendo legítima a escusa, compete ao tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente foi suscitado decidir sobre a quebra do segredo (art. 135./prct. n.° 3 do C. Processo Penal), depois de ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável (n.° 4 do mesmo artigo).
Suscitado o incidente e chegado este ao tribunal superior, a decisão ponderará a quebra do segredo profissional sempre que ela se mostre justificada, à luz do princípio da prevalência do interesse preponderante, expressamente previsto no n.° 3 do art. 135.° do C. Processo Penal, devendo ter-se em conta, para este efeito, nomeadamente, a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos.
O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, in casu, prevalecer.
Tais interesses são, por um lado, o interesse do Estado na realização da justiça, especificamente, na realização da justiça penal, e por outro, o interesse tutelado com o estabelecimento do segredo profissional na Advocacia ou seja, a tutela da relação de confiança entre o advogado e o cliente e da dignidade do exercício da profissão que a Lei Fundamental considera elemento essencial à administração da justiça (art. 208.° da Constituição da República Portuguesa). No confronto entre dever de cooperação com a justiça e dever de segredo foi intenção da lei, como nota Costa Andrade, sujeitar o tribunal a padrões objectivos e controláveis, admitindo a justificação da violação do segredo desde que esteja em causa a dimensão repressiva da justiça penal relativamente aos crimes mais graves, aos que provocam maior alarme social, mas apenas quando o sujeito ao segredo é chamado ao processo penal na qualidade de testemunha (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, pág. 1157).»
No caso em apreço, uma vez deduzida acusação contra o arguido CM... pela imputada prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, n.°s1 e 2, do DL 2/98 de 03.01, e de crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.°, n.°1. al. b), do
Código Penal, foi nomeada defensora ao arguido a Sr.a Advogada FF... (cfr. fls. 52 da presente certidão).
O arguido requereu a abertura de instrução, apresentando com o requerimento a documentação junta a fls. 56/ 57 desta certidão- carta de condução n.° … e certidão do Ministério da Administração Interna de Cabo Verde, sendo o requerimento de abertura de instrução subscrito pela defensora nomeada ao arguido.
Na sequência de diligências realizadas veio a apurar-se que o arguido não é titular de carta de condução emitida pelo Estado de Cabo Verde (fls, 81).
Extraída certidão do processado por indícios de prática de crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.° do Código Penal, resulta do auto de interrogatório do arguido CM..., no âmbito do novo inquérito, sobre os factos atinentes à falsificação da aludida carta de condução, que o mesmo declarou não desejar prestar declarações, o que constitui um seu direito, nos termos do artigo 61.°, n.°1, alínea d), do C.P.P. (cfr. auto de fls. 91).
A nosso ver, tem inteira razão a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta ao dizer que, perante a posição processual assumida pelo arguido de não prestar declarações sobre os factos indiciadores da prática do crime de falsificação de documentos, afigura-se excessivo por desproporcional, na presente fase processual, o incidente de quebra de segredo profissional da Sr.a Advogada nomeada como defensora oficiosa do mesmo.
Conforme sublinha a Ex.ma magistrada, a quebra do segredo profissional de advogado apenas se justificaria, a nosso ver, na eventualidade de o arguido CM... ter afirmado, por hipótese, no interrogatório a que foi sujeito, que a aludida carta de condução e documento do MAI de Cabo Verde teriam sido apresentados na sequência de aconselhamento por parte da defensora nomeada para o arguido fornecer/apresentar/forjar tais documentos.
Como se afirmou no acórdão da Relação de Coimbra supra citado, apesar de o segredo profissional do advogado não ser absoluto, o seu levantamento só deve ser possível em casos excepcionais. Por isso, quando seja arrolado como testemunha um advogado e se pretende que deponha sobre factos sujeitos ao segredo, há que observar algumas cautelas em razão da qualidade da testemunha.
Num caso como o ora em apreço, pretende-se, afinal, ultrapassar o constrangimento resultante do direito ao silêncio do arguido através da inquirição como testemunha de quem, na qualidade de advogada, exerceu a sua defesa.
O princípio que rege a decisão a proferir, de determinação da prestação de depoimento com quebra do segredo profissional ou do indeferimento do pedido, é o da prevalência do interesse preponderante, que se aferirá, nomeadamente, por reporte à imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, à gravidade do crime e à necessidade de protecção de bens jurídicos (cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 22/11/2017, processo 172/15.0GTLRA-A.C1, em www.dgsi.pt).
Se a imprescindibilidade do depoimento de testemunha sujeita a segredo profissional é elemento essencial à densificação do princípio da prevalência do interesse preponderante a actuar pelo tribunal com vista à decisão sobre a quebra do segredo, afigura-se-nos que essa imprescindibilidade não se verifica.
Para a descoberta da verdade na presente fase processual de inquérito, existe já o documento/informação do MAI de Cabo Verde, junto a fls. 81, a atestar que arguido não é titular de carta de condução emitida pelo Estado de Cabo Verde.
E existe nos autos uma carta de condução, com o n.º…, dela fazendo parte integrante, sem margem para dúvidas, uma fotografia que será, julgamos, do arguido CM..., fotografia essa que, como assinala a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, não se cogita como possa existir na aludida carta sem, no mínimo, a participação do arguido a fornecer a mesma, pelo que, salvo o devido respeito, a imprescindibilidade do depoimento, neste momento processual, não é o da defensora oficiosa do arguido e perante a evidência de aposição de fotografia do arguido na referida carta de condução, só este poderia esclarecer tal facto, razão por que face a tal evidência e à postura processual assumida pelo arguido de não prestar declarações caberá, a nosso ver, ao detentor da acção penal valorar o conjunto dos elementos de prova já reunidos no inquérito.
Entendemos, por conseguinte, não estarem reunidos os requisitos para que seja levantado o dever de sigilo.

III — DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em indeferir o incidente de quebra do segredo profissional de advogado que foi suscitado nos presentes autos.
Incidente sem tributação.
Lisboa, 18 de Dezembro de 2018
(o presente acórdão, integrado por oito páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário — artigo 94.°, n.°2, do C.P.P.).
Jorge Gonçalves
Maria José Machado