Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 11-12-2018   Reclamação hierárquica. Competência do jic para apreciar o requerimento em que é arguida irregularidade ocorrida em inquérito.
1. A competência para dirigir o inquérito pertence ao Ministério Público (cfr. arts. 219° da Constituição da República Portuguesa e 262° do Cód. Proc. Penal) e a intervenção do Juiz, nesta fase, é pontual e excepcional. Assim é por força da estrutura basicamente acusatória do nosso processo penal (consagrada no art. 32°, n° 5, da CRP) que significa, fundamentalmente, que a acusação — que define e fixa o objecto do processo, imputando um crime a determinada pessoa — tem que ser deduzida por um órgão distinto do julgador. De resto, a vinculação temática do tribunal, a garantia de que o juiz do julgamento não interveio na definição do objecto do processo e a garantia de independência do Ministério Público em relação ao juiz, constituem corolários decisivos do princípio do acusatório.
2. Em causa não está nenhuma nulidade, pois que a recorrente invoca apenas uma irregularidade. E esta irregularidade, a existir, não contende com direitos fundamentais da denunciante, nomeadamente os expressamente previstos nos artigos 2°, 20°, nos 1 e 5, 32°, nos 5 e 7 da CRP, e artigo 6° §1, CEDH, ex vi artigo 8°, n° 2 da CRP.
3. O despacho recorrido limita-se a afirmar a sua incompetência para apreciar a recusa do Ministério Público em se pronunciar sobre a reabertura de inquérito com base na intempestividade do requerido e na ilegalidade de segunda reclamação, sendo que a decisão sobre a reabertura ou não do inquérito é da exclusiva competência do Ministério Público, não havendo controlo jurisdicional de tal decisão seja qual for o fundamento.
Proc. 2976/17.0T9LSB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Alda Tomé Casimiro - Anabela Simões - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Recurso Penal n° 2976/17.0T9LSB.L1
Inquérito n° 2976/17.0T9LSB — Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 3
Acordam, em conferência, na 5a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
Relatório
No âmbito do Inquérito com o n° 2976/17.0P9LSB, que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa (Juiz 3), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, vem a denunciante NM... interpor recurso do despacho que decidiu ser o Juiz de Instrução incompetente para apreciar da existência da irregularidade invocada em decisão proferida pelo Magistrado do Ministério Público em Inquérito.
Pede que se revogue o despacho recorrido e que seja o mesmo substituído por outro que conheça da irregularidade arguida, para o que formula as conclusões que se transcrevem:
A. A ora Recorrente é Denunciante no âmbito dos presentes autos e, perante o Despacho de arquivamento proferido pela Ilustre Procuradora-Adjunta titular do inquérito, apresentou um requerimento de intervenção hierárquica à Ilustre Procuradora da República, sua superiora hierárquica, o qual foi rejeitado por extemporâneo. A Denunciante reclamou hierarquicamente para a Ilustre Procuradora-Geral-Adjunta, que considerou não existir fundamento para a sua intervenção. A Denunciante suscitou a irregularidade desta Decisão perante a Mma. Juiz de Instrução Criminal competente que, na Decisão sob recurso, considerou-se incompetente para intervir.
B. Vem, assim, o presente recurso interposto do Despacho de fls. 354 dos presentes autos, proferido pela Mma. Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Lisboa, no passado dia 14.05.2018, que indeferiu a arguição por parte da ora Recorrente de irregularidade presente no Despacho da Ilustre Procuradora-Geral-Adjunta, de fls. 303, que considerou infundada a reclamação hierárquica apresentada ao tempo pela ora Recorrente.
C. Com todo e o devido respeito, o Despacho da Mma. Juiz de Instrução surge de um iter processual, e é ele próprio, atentatório dos mais basilares direitos fundamentais da Denunciante ora Recorrente.
D. Em primeiro lugar, o Despacho de arquivamento foi proferido sem que a atividade investigatória o sustentasse: (i) não houve suficientes elementos probatórios para uma correta motivação da Decisão proferida (o exame direto e o exame de avaliação do dano corporal, ambos a realizar no Instituto de Medicina Legal, não obstante terem sido reiteradamente requeridos pela Ilustre Procuradora-Adjunta e perícia nunca foram juntos aos autos, não obstante terem sido reiteradamente requeridos pela Ilustre Procuradora-Adjunta) e (ii) houve elementos probatórios não conhecidos pela Ilustre Procuradora-Adjunta no seu Despacho de Arquivamento (já que a esmagadora maioria das inquirições feitas pelos Órgãos de Polícia Criminal não foi tida em consideração no momento da prolação do Despacho de Arquivamento, desde logo porque os mesmos foram remetidos ao processo, por parte dos Órgãos de Polícia Criminal, apenas em momento posterior).
E. Em segundo lugar, a Recorrente deparou-se com uma ausência de respostas materiais às pretensões que apresentou, respetivamente, à (i) Ilustre Procuradora da República, à (ii) Ilustre Procuradora-Geral-Adjunta e, mais recentemente, (iii) à Mma. Juiz de Instrução.
F. O Despacho da Ilustre Procuradora da República, a fls. 276, indeferiu o requerimento de intervenção hierárquica apresentado pela ora Recorrente, com base numa suposta extemporaneidade - entendimento que não encontra respaldo na letra da lei nem permite a realização dos objetivos e valores ínsitos no instituto do requerimento de intervenção hierárquica.
G. Ao contrário do sustentado, e como defende a melhor Doutrina e Jurisprudência nacionais, a lei concedia-lhe um prazo de reclamação alargado, ao admitir que o superior hierárquico interviesse, por razão de requerimento da Denunciante ora Recorrente apresentado no prazo de 40 dias (rectius, 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida).
H. Após, quando a ora Recorrente solicitou ao Superior Hierárquico da Ilustre Procuradora da República que invertesse o sentido decisório, por forma a que fosse conhecido o requerimento de intervenção hierárquica apresentado, a Ilustre Procuradora-Geral-Adjunta defendeu não é passível de reapreciação intraprocessual por outro Magistrado ainda que colocado em grau superior daquela hierarquia, concluindo que o requerimento ora apresentado, atendendo à estrutura hierárquica do M° P°, não tem previsão legal, enquanto mecanismo de reparação processual de decisões concretas proferidas no âmbito do atual quadro processual,
I. Entendimento que, por um lado, não é conforme às funções / competências da Procuradoria Geral Distrital de dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público no distrito judicial e emitir as ordens e instruções a que deve obedecer a actuação dos magistrados, no exercício das suas funções e, por outro lado, é baseado em dois equívocos de leitura: a Denunciante nunca solicitou uma segunda apreciação do Despacho de indeferimento e nunca pretendeu que fosse alterada a Decisão de arquivamento proferida ou se promovesse certas e determinadas diligências probatórias.
J. O Despacho da Ilustre Procuradora-Geral-Adjunta viola os artigos 53°, n° 2, alínea b) e 118, n° 2, ambos do CPP e 56°, alínea b) e 58°, n° 1, alíneas a) e e) do Estatuto do Ministério Público.
K. Em 09.04.2018, a ora Recorrente arguiu a irregularidade deste Despacho perante o Mmo. Juiz de Instrução Criminal competente, pois que violador dos mais basilares Direitos, Liberdades e Garantias da Denunciante dispostos nos artigos 2°, 20°, n°s 1 e 5, 32°, n°s 5 e 7 da CRP, e artigo 6° §1, CEDH, ex vi artigo 8°, n° 2 da CRP
L. A Mma. Juiz de Instrução a quo declarou-se, porém, incompetente para conhecer da questão, afirmando que a pretensão da ora requerente não cabe nas competências do Juiz de Instrução e que a apreciação [da] hipotética irregularidade não cabe ao Juiz de Instrução, sendo a decisão do Ministério Público proferida nesta situação concreta insindicável,
M. Mais considerando que a competência deste magistrado reporta-se apenas às matérias expressamente previstas pelo legislador, ou seja, ao direito à liberdade, intimidade da vida privada no que toca a comunicações e domicílio e integridade física na parte relativa à realização de perícias, em consonância com legislação especial.
N. A Recorrente não pode conformar-se que, num sistema de Direito Democrático -assente, entre o mais, na garantia do acesso ao Direito e aos Tribunais - existam decisões - e, em particular, decisões que colocam em crise direitos, liberdades e garantias - que se reputem, sem mais, de insindicàveis!
O. A Mma. Juiz de Instrução afirma que a apreciação das nulidades ou irregularidades praticadas no inquérito que não se reportem à tutela de direitos fundamentais na esfera de competências exclusivas do Juiz de Instrução devem ser suscitadas apenas no requerimento de abertura de instrução, que no caso a requerente optou por não apresentar quando o poderia ter feito após o despacho de arquivamento.
P. Posição que a Recorrente não pode sufragar, já que as violações de direitos, liberdades e garantias invocadas só surgem após decurso do prazo para requerer a abertura de instrução e na sequência do requerimento de intervenção hierárquico apresentado nos autos.
Q. De acordo com a Lei e com as mais avisadas e recentes Doutrina e Jurisprudências nacionais, o Juiz de Instrução Criminal é a autoridade judiciária competente para sindicar a legalidade de todos os atos do Ministério Público praticados no decurso da fase de inquérito, quando os mesmos contendam com direitos, liberdades e garantias (artigo 17° do CPP e 32°, n° 4, e 202°, n° 2 da CRP).
R. É a própria Constituição da República Portuguesa que atribui ao Juiz de Instrução Criminal, nos termos dos artigos 32°, n° 4, e 202° da CRP, competência própria para a apreciação da conformidade legal e constitucional de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias, conferindo-lhe, nessa medida, a função material de instância de controlo e garantia de legalidade dos atos produzidos.
S. Os artigos 268° e 269° do CPP explicitam, pois, competências do Juiz de Instrução Criminal na fase de inquérito. No entanto, essas competências não se ficam apenas pelos atos expressamente aí referidos, nomeadamente, nos respetivos n°s 1, alíneas a) a e).
T. Pelas alíneas f) dos artigos 268° e 269° do CPP, ao Juiz de Instrução Criminal é-lhe garantida, respetivamente, competência para praticar quaisquer outros atos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução, assim como para a prática de quaisquer outros atos que a lei expressamente fizer depender de ordem ou autorização do juiz de instrução, podendo, como fez a jurisprudência mais avisada, serem estas alíneas f) classificadas como normas em branco.
U. Dir-se-á que esta exegese decorre (e bem) diretamente - e por si é axiologicamente conformada e fundamentada - pela aplicabilidade direta das normas constitucionais, que, tutelando os direitos e interesses dos cidadãos, obrigam a uma atividade do Juiz de Instrução conforme às posições jurídicas individuais fundamentais.
V. Interpretação diferente, e a que foi de facto sugerida pela Mma. Juiz de Instrução, encontraria, pois, um obstáculo inultrapassável: as normas constitucionais de aplicação imediata (a saber: artigos 18°, 32° e 202° da CRP) que apontam para a solução diametralmente oposta.
W. Por mor dos artigos 9°, n° 3, do CC, 17° do CPP e 202°, n° 2 da CRP, o Juiz de Instrução Criminal está incumbido de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos até à remessa do processo para julgamento.
X. As funções jurisdicionais que compete ao Juiz de Instrução prosseguir são obviamente as enumeradas, de forma geral, nos artigos 268° e 269° do CPP. Mas também outros são os atos que se encontram dispersos no CPP cuja competência é atribuída ao Juiz de Instrução - como sucede, a título meramente exemplificativo, com a admissão de assistente (artigo 68°, n° 4 do CPP) ou com a suspensão provisória do processo (artigo 281°, n° 1 do CPP) e, por fim, em tudo quanto se assinale na fase de inquérito como uma compressão de direitos fundamentais.
Y. A competência para que um Juiz de Instrução Criminal tenha intervenção em sede de Inquérito existe em muitas outras situações para além das taxativamente enumeradas no Despacho recorrido.
Z. A intenção da ora Recorrente nunca foi a de colocar a Mma. Juiz de Instrução numa posição de autoridade que num plano superior ao do Ministério Público preside à investigação, mas tão só que lhe fosse reconhecida a competência do Magistrado do Ministério Público hierarquicamente superior para conhecer o requerimento perante si apresentado, nessa mesma qualidade.
AA. Tendo por demonstrado que a competência jurisdicional é significativamente mais lata que a ora enunciada pela Mma. Juiz de Instrução, fica pois claro que esta competência tem o seu correlato, no decurso da fase de inquérito, na proteção dos direitos fundamentais. Como acontece in caso dada a ilegítima compressão da posição jurídica da Denunciante, ora Recorrente, através, primeiramente, do Despacho de arquivamento e, posteriormente, pelos Despachos das Ilustres Procuradora da República e Procuradora-Geral-Adjunta.
BB. Garantida fica, assim, a competência do Juiz de Instrução Criminal para decidir da arguição da irregularidade ao tempo a si apresentada, porquanto foram afetados pela atividade do Ministério Público, mas ora em específico pelo Despacho da Ilustre Procuradora-Geral-Adjunta, direitos fundamentais da Denunciante, ora Recorrente, expressamente previstos nos artigos 2°, 20°, n°s 1 e 5, 32°, n°s 5 e 7 da CRP, e artigo 6° §1, CEDH, ex vi artigo 8°, n° 2 da CRP.
CC. O Despacho da Mma. Juiz de Instrução contende, assim, com o direito de acesso ao direito, na medida em que tal direito se consagra com a colocação à disposição dos cidadãos de uma organização judiciária e de um leque de processos garantidores da tutela judicial efetiva, consagrado no artigo 20°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa.
DD. Por outro lado, o Despacho da Mma. Juiz de Instrução violou igualmente o direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20°, n° 5 da CRP, já que não permitiu que a ora Recorrente pudesse impugnar a Decisão que considerava gravemente atentatória da sua posição jurídica, não tendo o Despacho da Mma. Juiz de Instrução oferecido remédio à violação perpetrada.
EE. Violando-se, de igual modo, o direito a um processo equitativo e o direito de defesa, dispostos, entre o mais, no artigo 6°, §1 da CEDH, ex vi art. 8°, n° 2 da CRP.
FF. O Despacho foi criador de um impedimento materialmente injustificado no feixe de posições processuais da Denunciante no seu direito de tutela jurisdicional efetiva, que se consubstanciaria na utilização do poder-dever que detém a Ilustre Procuradora Geral Adjunta de fiscalização e controlo da atividade prosseguida pelos Magistrados colocados em posição hierárquica inferior (maxime, de controlo da decisão da Procuradora da República de indeferimento do requerimento de intervenção hierárquica apresentado pela Denunciante ora Requerente).
GG. Pelo Despacho da Mma. Juiz de Instrução violou-se igualmente o princípio do contraditório e da igualdade de armas, previsto no artigo 32°, n° 5 da CRP, uma vez que não permitiu que se efetivasse o dever de ouvir as razões da Denunciante, quando a isso tinha direito, em relação ao Despacho da Ilustre Procuradora-Geral-Adjunta.
HH. Pelo que o Despacho da Mma. Juiz de Instrução violou os artigos 17°, 268° e 269° do CPP, 119°, n° 1, da Lei n° 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
II. É materialmente inconstitucional a interpretação dos artigos 17°, 268° e 269° do CPP, 119°, n° 1, da Lei n° 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) segundo a qual o Juiz de Instrução Criminal não pode conhecer de violações de direitos, liberdades e garantias que ocorram no decurso do Inquérito, mormente por Decisões proferidas por Procurador-Geral-Adjunto que não conheçam de reclamação hierárquica apresentada por sujeito processual, invocando falta de competência, por violação dos artigos 2°, 20°, n°s 1 e 5, 32°, n°s 4 e 5, 202°, n° 2 da CRP e 6° §1, CEDH, ex vi art. 8°, n° 2 da CRP, que, assim, se deixa expressamente arguida, nos termos e para os efeitos do n° 2 do art. 72° da Lei do Tribunal Constitucional devendo o Tribunal recusar-se a aplicar as normas assim interpretadas, por força do disposto no artigo 204° da CRP.
JJ. Conforme suscitado em 19.03.2018, é materialmente inconstitucional a interpretação do artigo 278° do Código de Processo Penal, no sentido de considerar que a Denunciante feria de apresentar o requerimento de intervenção hierárquica no prazo perentório de 20 dias após notificação do Despacho de arquivamento, por violação dos artigos 2°, 20°, n°s 1 e 5, 32°, n°s 5 e 7 da CRP, e artigo 6°, §1, CEDH ex vi artigo 8° CRP, dos quais decorre a necessidade de assegurar ao arguido uma tutela jurisdicional efetiva, um efetivo acesso ao direito para defesa dos seus direitos e interesses, mediante um processo justo e equitativo, em que são assegurados, entre o mais, os princípios do contraditório e da igualdade de armas,
KK. Conforme suscitado em 9.04.2018, é materialmente inconstitucional a interpretação do artigo 53°, n° 2, alínea b) do Código de Processo Penal e dos artigos 56°, alínea b) e 58°, n° 1, alíneas a) e e) do Estatuto do Ministério Público, no sentido de considerar que o superior hierárquico não poderá conhecer do indeferimento do requerimento intervenção hierárquica decidido por magistrado do Ministério Público, por violação dos artigos 2°, 20°, n°s 1 e 5, 32°, n°s 5 e 7 da CRP, e artigo 6°, §1, CEDH, ex vi do artigo 8° da CRP, dos quais decorre a necessidade de assegurar ao arguido uma tutela jurisdicional efetiva, um efetivo acesso ao direito para defesa dos seus direitos e interesses, mediante um processo justo e equitativo, em que são assegurados, entre o mais, os princípios do contraditório e da igualdade de armas.
LL. Inconstitucionalidades que se deixam expressamente invocadas para todos os efeitos legais, maxime nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 72°, n° 2, da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, devendo, por conseguinte, recusar-se a aplicação das normas assim interpretadas, por força do disposto no artigo 204° da Constituição da República Portuguesa.
MM. Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogado o Despacho de fls. 354 e, por tal, deverá a Mma. Juiz de Instrução conhecer da irregularidade arguida pela Denunciante, ora Recorrente.
A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, pugnando que o recurso fosse julgado improcedente, ainda que sem apresentar conclusões.
Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer em que perfilha a posição da recorrente no que se refere à tempestividade do requerimento apresentado para apreciação hierárquica; mas defende que o Mmo. J1C não tem competência para decidir do requerimento que lhe foi apresentado para apreciação da irregularidade, pois que está fora das competências legalmente atribuídas e a denunciante não se constituiu assistente.
A recorrente respondeu, reiterando argumentos no sentido da bondade do recurso.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
A denunciante NM... veio requerer a irregularidade do despacho da Sra Procuradora Geral Adjunta que considerou infundada a reclamação hierárquica que apresentou, a qual era apresentada tendo por objecto o indeferimento, por extemporaneidade, da reclamação hierárquica que apresentou junto da Sra Procuradora da República, como reacção ao arquivamento do inquérito.
Alega a requerente, em suma, que o despacho objecto do requerimento de fls. 309 e seg. é irregular por violação dos arts. 56° al. b) e 58° n° 1 als. a) e e) do Estatuto do Ministério Público, 53° n° 2 al. b) e 118° n° 2 do CPP, requerendo que o Juiz de Instrução determine que este seja substituído por outro, que conheça a reclamação hierárquica do indeferimento do requerimento de intervenção hierárquica, reconhecendo a inconstitucionalidade de uma interpretação dos arts. 53° n° 2 al. b) do CPP e dos arts. 56° al. b) e 58° n° 1 als. a) e e) do Estatuto do Ministério Público, que considere que o superior hierárquico (do superior hierárquico do titular do inquérito) não pode apreciar o indeferimento das reclamações apresentadas, por violação dos arts. 2°, 20° nos 1 e 5, 32° n°s 5 e 7 CRP e 6° n° 1 da CEDH, ex vi art. 8° da CRP.
O Ministério Público deduziu oposição ao requerido a fls. 345 e seg., concluindo que o despacho em apreço não padece de qualquer irregularidade nos termos dos arts. 118° e 123° do CPP.
Analisando o requerido a fls. 309 e seg., afigura-se manifesto que a requerente tece longas e circulares considerações para fundamentar o que não tem qualquer fundamento, pretendendo que o Juiz de Instrução seja uma instância de recurso dos despachos proferidos pelo Ministério Público no âmbito do inquérito, terminando por concluir que o deferimento da sua pretensão deve ter por consequência uma ordem à Sra. Procuradora com funções de direcção do DIAP de Lisboa, para que substitua o despacho de fls. 303/304, por outro que aprecie a reclamação hierárquica do indeferimento por extemporaneidade da reclamação hierárquica anteriormente apresentada.
Compulsados os autos, sumariamente, dos mesmos decorre o seguinte:
- A fls. 181 a 185 foi proferido despacho de arquivamento, notificado à denunciante e à sua mandatária, fls. 191, em 17.01.2018;
- Após o decurso do prazo para abertura de instrução, em 5.03.2018, a denunciante pretendendo reagir ao arquivamento, suscitou a intervenção hierárquica, fls. 259 e seg.;
- Tal reclamação foi indeferida a fls. 276/277, considerando-se o requerido extemporâneo;
- Inconformada com este indeferimento, a denunciante dirigiu reclamação à Sra. Procuradora com funções de Direcção do DIAP, a qual indeferiu a mesma por falta de fundamento legal, pretendendo agora que este despacho se encontra viciado por irregularidade.
Segundo a tese da denunciante, esta irregularidade deve ser apreciada pelo Juiz de Instrução por se tratar de matéria relativa à tutela de direitos fundamentais, em concreto, o direito de acesso ao Direito, tutela jurisdicional efectiva e direito ao contraditório.
No entanto e apesar de liminarmente se entender manifesto que não foi violada qualquer disposição legal no despacho de fls. 303/304, tanto mais que como ali se referiu, a pretensão em causa não possuía o mínimo fundamento, a pretensão da ora requerente não cabe nas competências do Juiz de Instrução.
Pese embora resulte do art. 269° do CPP que a competência do Juiz de Instrução se reporta a matérias relativas a direitos fundamentais, tal não significa que se reporte a todos os direitos fundamentais, reportando-se apenas às matérias expressamente previstas pelo legislador, ou seja, ao direito à liberdade, intimidade da vida privada no que toca a comunicações e domicílio e integridade física na parte relativa à realização de perícias, em consonância com legislação especial.
Admitir que os direitos fundamentais mencionados pela requerente se inserem na competência do Juiz de Instrução na fase de inquérito equivaleria a legitimar a sua intervenção não enquanto Juiz das Liberdades mas enquanto autoridade que num plano superior ao do Ministério Público preside à investigação, interpretação essa sim inconstitucional por violação do princípio do acusatório descrito no art. 32° n°s 4 e 5 do CPP.
Não é assim legítimo ao requerente suscitar a intervenção do Juiz de Instrução sempre que no decurso do inquérito veja as suas pretensões indeferidas pelo Ministério Público, devendo a apreciação das nulidades ou irregularidades praticadas no inquérito que não se reportem à tutela de direitos fundamentais na esfera de competências exclusivas do Juiz de Instrução serem suscitadas apenas no requerimento de abertura de instrução, que no caso a requerente optou por não apresentar quando o poderia ter feito após o despacho de arquivamento.
Considera-se assim que a apreciação da hipotética irregularidade não cabe ao Juiz de Instrução, sendo a decisão do Ministério Público proferida nesta situação concreta insindicável, interpretação que não padece de qualquer inconstitucionalidade, dado que a apreciação judicial dos actos praticados no decurso do inquérito se encontra suficientemente assegurada, no âmbito de fase processual que a requerente optou por não utilizar.
Apreciando...
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Em questão está, tão só, saber se o Juiz de Instrução tem competência para apreciar eventuais irregularidades cometidas na fase de inquérito pelo Ministério Público.

Compulsados os autos, verificamos que após o M.P. ter proferido despacho de arquivamento do inquérito, a denunciante reagiu ao arquivamento suscitando a intervenção hierárquica que foi indeferida por se entender ser tal reclamação extemporânea. Inconformada com este indeferimento, a denunciante dirigiu reclamação à Sra. Procuradora Geral Adjunta com funções de Direcção do DIAP que indeferiu a mesma por falta de fundamento legal.
Perante estes indeferimentos, a denunciante apresentou requerimento dirigido ao Juiz de Instrução solicitando que seja declarada a irregularidade deste último indeferimento por violação dos arts. 56° aí. b) e 58° n° 1 ais. a) e e) do Estatuto do Ministério Público, 53° n° 2 al. b) e 118° n° 2 do CPP, requerendo que o Juiz de Instrução determine que este seja substituído por outro, que conheça a reclamação hierárquica do indeferimento do requerimento de intervenção hierárquica, reconhecendo a inconstitucionalidade de uma interpretação dos arts. 53° n° 2 al. b) do CPP e dos arts. 56° aL b) e 58° n° 1 ais. a) e e) do Estatuto do Ministério Público, que considere que o superior hierárquico (do superior hierárquico do titular do inquérito) não pode apreciar o indeferimento das reclamações apresentadas, por violação dos arts. 2°, 20° n°s 1 e 5, 32° n°s 5 e 7 CRP e 6° n° 1 da CEDH, ex vi art. 8° da CRP.
A Mma. JIC indeferiu o requerido com o fundamento que a apreciação da hipotética irregularidade não cabe ao Juiz de Instrução.
A questão em análise não se prende com a apreciação da bondade da decisão de extemporaneidade da reclamação hierárquica nem, tão pouco, com a bondade da decisão da Sra. Procuradora Geral Adjunta com funções de Direcção do DIAP que indeferiu a reclamação da reclamação por falta de fundamento legal.
A questão em análise prende-se apenas com a eventual competência do Juiz de Instrução para apreciar o requerimento em que é arguida irregularidade ocorrida em inquérito.
Sempre que haja notícia de um crime inicia-se um inquérito com o objectivo de apurar se foi efectivamente praticado um crime, fase que termina com um despacho, ou de arquivamento, ou de acusação (art. 276°, n° 1, do Cód. Proc. Penal).
A competência para dirigir o inquérito pertence ao Ministério Público (cfr. arts. 219° da Constituição da República Portuguesa e 262° do Cód. Proc. Penal) e a intervenção do Juiz, nesta fase, é pontual e excepcional.
Assim é por força da estrutura basicamente acusatória do nosso processo penal (consagrada no art. 32°, n° 5, da CRP) que significa, fundamentalmente, que a acusação — que define e fixa o objecto do processo, imputando um crime a determinada pessoa — tem que ser deduzida por um órgão distinto do julgador. De resto, a vinculação temática do tribunal, a garantia de que o juiz do julgamento não interveio na definição do objecto do processo e a garantia de independência do Ministério Público em relação ao juiz, constituem corolários decisivos do princípio do acusatório.
Todavia, o princípio do acusatório e o facto da direcção do Inquérito competir ao Ministério Público, não significa que, ultrapassada a fase de inquérito, o Juiz não possa sindicar a legalidade dos actos praticados nessa fase.
E durante a fase de inquérito?
Como dissemos, a competência para dirigir o inquérito pertence ao Ministério Público (cfr. arts. 219° da Constituição da República Portuguesa e 262° do Cód. Proc. Penal) e a intervenção do Juiz, nesta fase, é pontual e excepcional.
Concretamente, nos termos do art. 17° do Cód. Proc. Penal, compete ao Juiz de Instrução Criminal, além de conduzir a instrução e decidir da pronúncia, praticar todos os actos que consubstanciem o exercício de funções jurisdicionais relativas ao inquérito - os arts. 268° e 269° do Cód. Proc. Penal concretizam alguns desses actos, estabelecendo que os actos aí descritos são da competência exclusiva do Juiz de Instrução (ou seja, não podem ser praticados por outrem, nomeadamente pelo Ministério Público).
Todavia, saber se estas normas (arts. 268° e 269° do Cód. Proc. Penal) estabelecem de forma taxativa a competência do Juiz de Instrução é questão controversa.
Nomeadamente, a questão de saber se a competência para apreciar eventuais nulidades cometidas em sede de inquérito é do Ministério Público ou do Juiz de Instrução, em face da referência ao Juiz no que respeita aos efeitos de declaração de nulidade (cfr. o n° 3 do art. 122° do Cód. Proc. Penal), não é consensual.
De acordo com Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, 3a eda., anotação 5 ao art° 118°, pág. 299), a competência para apreciação das nulidades em sede de Inquérito é do Ministério Público, referindo que, (...) Durante o inquérito
o MP e o juiz de instrução têm ambos competência para declarar um acto processual inexistente, nulo ou irregular ou uma prova proibida. Esta solução é imposta pela conjugação de dois princípios estruturantes do processo penal: o princípio da legalidade e o princípio da estrutura acusatória do processo penal (...) Contudo, esta concorrência concorrente tem limites
e eles resultam da estrutura acusatória do processo penal. Esta estrutura implica uma separação orgânica e funcional entre as duas magistraturas que se verifica mesmo na fase de inquérito. Assim, durante o inquérito, o juiz de instrução só pode conhecer da ilegalidade dos actos da sua competência e o magistrado do MP só pode conhecer da ilegalidade de actos da sua competência, nestes se incluindo actos investigatórios.
No mesmo sentido Paulo Dá Mesquita (Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, pág. 309), afirma que, (...) a metodologia funcional da Constituição da República Portuguesa não acolheu tal conceito material de jurisdição. Portanto ao MP compete conhecer
e apreciar as nulidades em fase de Inquérito, (...) contudo esta decisão do MP, sendo definitiva na sequência procedimental do Inquérito, não vincula o órgão judicial que tiver de intervir nas subsequentes fases processuais (...) o MP detém um poder de cognoscibilidade que, contudo, não forma caso decidido, (...) existindo ainda um poder judicial de controlo dessas invalidades, em sede de incidentes judiciais em que se revelem os actos inválidos ou no decurso de fases dirigidas judicialmente. Perfilha a mesma posição Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, lia Edição, 2007, pág. 313)
Ainda no mesmo sentido podem ver-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26.02.2014 (Proc. 9585/11.5TDPRT.P1), de 15.02.2012 (Proc. 36/09.6TAVNH.P1) e de 2.11.2015 (Proc. 0541293); o acórdão da Relação de Guimarães de 20.09.2010 (Proc. 89/09.7GCGMR.G1); e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.05.2011 (Proc. 1566/08.2TACSC. L1.5).
Em sentido oposto, João Conde Correia embora entenda que o Ministério Público pode reparar as invalidades cometidas por si próprio na fase de Inquérito, defende que (...) o Ministério Público não tem competência para declarar a invalidade, atento o carácter materialmente judicial da declaração de invalidade. Desde logo porque as decisões do MP não estão protegidas pela força de caso julgado e delas não é possível recorrer.
No sentido de que a competência para apreciar nulidades é do Juiz de Instrução vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 7.02.1996, CJ, XXI, I, 51; do Tribunal da Relação do Porto de 30.05.2001, CJ, XXVI, III, 241; do Tribunal da Relação de Évora de 02.07.1996, CJ, XXI, IV, 296; e do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.09.2008, (Proc. 1640/06.0TAAVR-C.C1). Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.09.2015 (Proc. 208/13.9TELSB.L1-9) defende que o legislador não estabeleceu um numerus clausus no que respeita às competências do juiz de instrução, nomeadamente no que respeita à sua intervenção no inquérito. Se o legislador tivesse pretendido que a intervenção do juiz de instrução se cingisse apenas aos casos expressamente previstos na lei, não teria lançado mão de normas em branco em matéria de competência mesmo, ainda que de forma ambígua, nas normas em que especificadamente a consagra como são os artigos 268° e 269° do Código de Processo Penal. É tendo na base esta opção legislativa, a qual se compreende dado o melindre das matérias em causa, que o legislador, em matéria de apreciação de nulidades cometidas em sede de inquérito, parece apontar para uma competência do juiz de instrução, em tudo que se prenda com direitos liberdades e garantias, concluindo que estando em causa uma lesão grave dos direitos de defesa do recorrente na sua dimensão constitucional e processual (...) enquanto núcleo essencial do processo criminal, só pode ser apreciada por um órgão jurisdicional independente e imparcial, no caso o juiz de instrução [no mesmo sentido, cfr. ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.12.2016 (Proc. 333/14.9TELSB. L1-3)].
Acontece que em causa não está nenhuma nulidade, pois que a recorrente invoca apenas uma irregularidade. E esta irregularidade, a existir, não contende com direitos fundamentais da denunciante, nomeadamente os expressamente previstos nos artigos 2°, 20°, nos 1 e 5, 32°, nos 5 e 7 da CRP, e artigo 6° §1, CEDH, ex vi artigo 8°, n° 2 da CRP.
Desde logo não contende com o direito de acesso ao direito, nem a uma tutela jurisdicional efectiva, já que apenas se decidiu ser intempestiva uma reclamação hierárquica e não haver outra reclamação hierárquica da decisão de reclamação hierárquica. E menos contende com o princípio do contraditório e da igualdade de armas.
Também não se vê que o despacho recorrido, com a sua decisão, tenha violado os artigos 17°, 268° e 269° do CPP, 119°, n° 1, da Lei n° 62/2013, de 26 de agosto e os princípios constitucionalmente consagrados.
O despacho recorrido limita-se a afirmar a sua incompetência para apreciar a recusa do Ministério Público em se pronunciar sobre a reabertura de inquérito com base na intempestividade do requerido e na ilegalidade de segunda reclamação, sendo que a decisão sobre a reabertura ou não do inquérito é da exclusiva competência do Ministério Público, não havendo controlo jurisdicional de tal decisão seja qual for o fundamento.
recorrida. Decisão
Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso e mantém a decisão
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.
Lisboa, 11.12.2018
(processado e revisto pela relatora)
(Alda Tomé Casimiro)
(Anabela Simões Cardoso)