A competência territorial afere-se exclusivamente pelos termos da acusação ou do despacho de pronúncia. A acusação ou a pronúncia delimitam o objecto do processo e contém os elementos que constituem os pressupostos para a determinação da competência. Quando tal não aconteça, quando não seja claro no texto da pronúncia, qual o local da prática do crime, o sistema legal fornece critério alternativo para determinar a competência territorial.
A jurisprudência vem entendendo, de modo pacífico, que a acção penal se inicia no momento em que o facto criminoso chega ao conhecimento da autoridade judiciária com competência para exercer a acção penal, ou seja, o Ministério Público, por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia. O que quer dizer que o processo se inicia com a notícia do crime, nos termos do art. 241° e ss.
Como está assente também na jurisprudência «notícia do crime é, hoc sensu, apenas e só o conhecimento que o Ministério Público adquire dos factos, pois que o procedimento criminal só se inicia com um acto do Ministério Público (arts. 48° e 53°, n° 2, al. a) do CPP e art. 219°, n° 1 da Constituição)».
A regra geral de competência territorial dita que seja competente o tribunal do local da consumação do crime nos termos do art.° 19°, n.° 1 e 3 CPP.
Não resulta claro, da acusação em que local se consumou o crime de confiança agravado. Desconhece-se qual o local onde foi praticado o último acto susceptível de definir a consumação do crime. Assim, nos termos do disposto no art.° 19°, n.° 1 CPP, a competência será de determinar de modo residual, de acordo com a área onde primeiro tiver havido notícia do crime.
Proc. 1391/17.0T9LRS-A.L1 5ª Secção
Desembargadores: Filomena Gil - - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Conflito de Competência n.° 1391/17.0T9LRS-A.L1
1. No âmbito do supra citado processo foi suscitado conflito de competência entre o
juiz 4 do Juízo Local Criminal de Loures que proferiu o despacho de 6.7.2018 e o juiz 11 do Juízo Local Criminal de Lisboa que proferiu o despacho de 12-10-2018, negando-se ambos competência para julgamento do arguido identificado na acusação de fls.421 e ss.
As decisões em causa estão transitadas em julgado
2.
Foi, assim, suscitado o presente conflito negativo de competência entre os referidos juízes
Instruídos os autos desse conflito foram remetidos a este Tribunal da Relação.
Foi cumprido o art. 36°, n° 1 do CPP.
Neste Tribunal da Relação a Exm.a Sr.a PGA apôs visto nos autos.
3.
Na fase em que o processo se encontra, a aferição de qual o tribunal territorialmente competente para conhecer de um crime implica a determinação sobre o local em cuja área se tiver consumado esse crime e isso implica o que da acusação ou da pronúncia conste a respeito da narração dos factos respectivos incluindo, se possível, o lugar e o tempo da sua prática, como impõe o art.° 283°, n° 3 al. b) e 285°CPP, no que toca à dedução de acusação particular como é o caso.
A competência territorial afere-se exclusivamente pelos termos da acusação ou do despacho de pronúncia. A acusação ou a pronúncia delimitam o objecto do processo e contém os elementos que constituem os pressupostos para a determinação da competência.
Quando tal não aconteça, quando não seja claro no texto da pronúncia, qual o local da prática do crime, o sistema legal fornece critério alternativo para determinar a competência territorial.
A jurisprudência vem entendendo, de modo pacífico, que a acção penal se inicia no momento em que o facto criminoso chega ao conhecimento da autoridade judiciária com competência para exercer a acção penal, ou seja, o Ministério Público, por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia. O que quer dizer que o processo se inicia com a notícia do crime, nos termos do art. 241° e ss.
Como está assente também na jurisprudência «notícia do crime é, hoc sensu, apenas e só o conhecimento que o Ministério Público adquire dos factos, pois que o procedimento criminal só se inicia com um acto do Ministério Público (arts. 48° e 53°, n° 2, al. a) do CPP e art. 219°, n° 1 da Constituição)».
A primeira apreciação a fazer no saneamento do processo é a da competência do tribunal para julgamento.
Mas tal definição terá de ser feita perante o teor da acusação e/ou da pronúncia.
A regra geral de competência territorial dita que seja competente o tribunal do local da consumação do crime nos termos do art.° 19°, n.° 1 e 3 CPP.
Dos factos da acusação, tal como se mostram descritos, decorrerá a atribuição de competência a um juiz para realizar o julgamento, mostrando-se que, perante a situação descrita nos autos, a questão é complexa, não pela sua dificuldade, mas por várias normas se encontrarem em colisão.
No caso, e face à acusação e pronúncia, verifica-se que estamos perante a imputação de um crime de abuso de confiança agravado ao arguido JM....
No caso presente e, ao que à respectiva decisão interessa, para aferição da competência
para julgamento, de acordo com os critérios dos art.°s 19° e 28° CPP, há que referir que não
resulta claro, da acusação em que local se consumou o crime.
Na realidade, é possível ler-se que:
(...) entre Março de 2015 e 18 de Novembro de 2016 o arguido procedeu à cobrança dos valores a seguir discriminados, relativos às facturas e aos clientes indicados(...).
Seguidamente, da acusação consta um mapa com indicação referente a valores, datas, e outros elementos identificativos das facturas relativas aos valores cobrados, com indicação dos clientes, nomeadamente dos nomes e locais.
Não resulta claro, do teor da acusação, se esses locais se referem à sede das referidas empresas-clientes, se aos locais onde foram feitas as cobranças referidas e, se em termos supletivos fornecidos supletivamente pelo Direito Civil, é possível estabelecer o local de pagamento da obrigação, tal normativo supletivo não pode considerar-se aplicável para determinar em que local efectivamente se procedeu à entrega dos valores pelos clientes ao arguido e, nomeadamente com as últimas facturas constantes da lista e datadas de 8-11-2016 relativas à cliente JA... Lda, Lisboa, não é possível presumir, para efeitos de definição penal de local de consumação do crime, se tal local constante do mapa constante da acusação ¬que se afigura ser o local onde a empresa está sediada - corresponde ao local de pagamento e àquele onde se deu a inversão do título quanto aos valores recebidos, já que o art.° 9° da acusação não fornece esse elemento e como tal, não é possível retirar da acusação em que local se deu a apropriação ou a vontade externa do acto respectivo. Também não é possível presumir, e a acusação não o refere expressamente, se a apropriação se deu no local de trabalho do arguido, o que poderá ser mais plausível de acordo com os usos comerciais mais comuns.
Como tal, desconhece-se qual o local onde foi praticado o último acto susceptível de definir a consumação do crime.
Assim, nos termos do disposto no art.° 19°, n.° 1 CPP, a competência será de determinar de modo residual, de acordo com a área onde primeiro tiver havido notícia do crime, o que aconteceu em Loures, como decorre de fls 1 a 30 dos autos tendo sido no DIAP de Loures, por denúncia, pelo que nos termos dos citados art.°s 19°,n.° 1 CPP será o Juízo Local Criminal de Loures o competente para o julgamento.
4. — Pelo exposto, decide-se dirimir o presente conflito atribuindo a competência para
julgamento ao juiz 4 do Juízo Local Criminal de Loures.
Sem tributação.
Cumpra-se o art. 36°, n° 3 CPP.
Lisboa, 15 de janeiro de 2019
Filomena Gil