O crime de perseguição e o crime de ameaça visam proteger a liberdade pessoal, ainda que, em aspectos específicos da mesma. O crime de perseguição é um crime de execução livre, já que a acção típica pode ser preenchida através de variadas condutas, mas de modo reiterado, o que o toma também um crime habitual.Entre tais condutas inclui-se, a ameaça, enquanto forma de assédio, feita, designadamente, através de telefonemas. E tanto assim é que a agravação prevista no Art.° 155°, n.° 1, alínea a) do C. Penal, quando esteja em causa o crime de perseguição, o pune com prisão de um a cinco anos.Quando está em causa o crime de ameaça apenas, a pena é a de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
Incluindo a matéria de facto na conduta reiterada e nada impedindo que o assédio possa ser preenchido, além de outras específicas condutas, com repetidas ameaças telefónicas ou feitas através de terceira pessoa, mais nada se pode concluir senão pela inexistência de qualquer razão para autonomizar a matéria de alguns dos factos provados, como crime de ameaça, dado que este se mostra, na situação concreta, consumido, pelo crime de perseguição.
O tipo do Art.° 154°-A do C. Penal estabelece uma cláusula de subsidiariedade no n.° 1, parte final, ao consagrar o seguinte: ... se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.Esta previsão terá em vista que, numa mesma situação de stalking, concorrem, muitas vezes, diversos tipos legais abstractamente aplicáveis. O tipo legal em causa está, pois, numa relação de subsidiariedade expressa com as normas concorrentes que prevejam condutas mais gravosas, aplicando-se a esses casos a pena prevista para o crime mais grave.
Toda a conduta do arguido parece estar unificada pelo único propósito de provocar medo na vítima e prejudicar e limitar os seus movimentos, lesando a sua liberdade pessoal. Por conseguinte, o bem jurídico protegido pelo tipo afigura-se-nos ser complexo, tendo no centro a liberdade de auto-determinação pessoal, com protecção reflexa de outros bens jurídicos.
Num caso em que o processo de stalking - o tipo exige uma conduta levada a cabo de modo reiterado - envolve ameaças à vítima, susceptíveis de integrarem o tipo de crime de ameaça, importa considerar a existência de um concurso aparente, prevalecendo o crime de perseguição.
Proc. 48/17.6PGSXL.L1 5ª Secção
Desembargadores: Simões de Carvalho - Margarida Bacelar - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo 48/17.6PGSXL.L1
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
No processo comum singular n.° 48/17.6PGSXL do Juízo Local Criminal do Seixal (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por sentença de 18-01-2018 (cfr. fls. 312 a 340), no que agora interessa, foi decidido:
«Pelo exposto e decidindo, o Tribunal julga a acusação deduzida pelo Ministério Público parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente:
A) Absolve o arguido PMN... da prática, como autor material de um crime de violência doméstica, p.p. nos termos do disposto nos artigos 1522/1 ai. b) e nas 2 , do Código Penal;
B) Condena o arguido -PMN... pela prática do crime de perseguição p.p. pelo art° 154°-A e art° 155°/1 al. a) todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período, nos termos conjugados do art° 50°/1 e 5 do Código Penal e sujeita a regime de prova que contemple a prevenção da prática deste crime que inclua a estabilização psieo-afetiva do arguido;
C) Declara extinto o procedimento criminal pela prática do crime de perseguição p.p. pelo art6 154°-A e art.° 155°/al. a) do Código Penal na pessoa da filha SC... por falta de legitimidade do Ministério Público em prosseguir com a acção penal;
D) Julga parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização civil deduzido pela Assistente e em consequência condena o arguido a pagar à Assistente a quantia de EUR. 700,00 (setecentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais acrescida de juros à taxa legal desde a data da decisão até efectivo e integral pagamento.
Mais se condena o arguido nas custas criminais do processo, incluindo a taxa de justiça que se fixa em 2 UCs (artigos 513° e 514° do Código do Processo Penal e artigos 8°/9 do RCP e Tabela III anexa),
Custas cíveis em proporção do decaimento sem prejuízo do apoio judiciário.
Após trânsito em julgado da presente sentença, remeta boletim ao registo Criminal (art.°
571 al. a) e n° 3 da Lei 57/98 de 18/08).
Após trânsito comunique a presente sentença nos termos e para os efeitos previstos no
art.° 37° da Lei 112/2009 de 16/09.
Notifique. Deposite (art. 373°/2 do Código do Processo Penal).»
Por não se conformar com o assim decidido, interpôs o M° P° o presente recurso que, na sua motivação, traz formuladas as seguintes conclusões (cfr. fls. 343 v° a 348):
«1- O arguido foi acusado da prática como autor material, de um crime de violência doméstica p.p. pelos artigos 152°, n. 1 al. b) e n.° 2 do Código Penal; atendendo aos factos dados como provados e não provados, e com os quais se concorda em termos da valoração da prova, a Mma Juiz a quo entendeu ser de proceder à alteração da qualificação jurídica passando a ser imputado ao arguido a prática do crime de perseguição p. e p. pelo art. 154°-A e 155°, n.° 1 do CP, tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 359°, n.°s 1 e 2 do CPP.
2- Sem prejuízo de se concordar, em face da prova produzida, com a alteração da qualificação jurídica operada relativamente aos factos n.°s 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, já não se pode concordar que a mesma ocorra quanto aos factos dados como provados sob os n.° 4, 9, 10 e 21 e da leitura da sentença de que se recorre, afigura-se que sobre eles a Mma Juiz a quo não se pronunciou quanto à sua subsunção jurídica, padecendo a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia, com uma consequente errada subsunção jurídica.
3- É que, da sua análise, afigura-se que, quanto aos mesmos, a subsunção jurídica a operar, não poderá ser no crime de perseguição acima referido, mas antes e ao invés, no crime de ameaça, atendendo aos elementos objectivos e subjectivos de ambos os ilícitos.
4- No crime de perseguição p. e p. pelo 154°-A do Cód. Penal foi introduzido pela Lei 83/15, de 5.08, tendo entrado em vigor a 5.09.2015, o bem jurídico protegido com a incriminação é a liberdade de circulação e de determinação, mediante a perseguição ou assédio.
5- No crime p. e p. pelo art. 153° e 155 do CP, O bem jurídico protegido por esta norma é a liberdade de decisão e de acção do visado pelo agente do crime. As ameaças ao provocarem um sentimento de insegurança, intrcoquihdade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade (cfr Comentário Conimbricense ao Cód. Penal, Coimbra Editora, tomo I, edição de 1999).
6- Entre ambos os ilícitos inexiste uma relação de concurso aparente ou de consumpção, mas sim uma relação de concurso efectivo, já que são duas realidades distintas que não se confundem e deverão ser analisadas de per si
7- Por outo lado, os factos dados como provados sob os n° 4, 9, 10 e 21 são autonomizáveis dos demais e devem ser valorados autonomamente.
8- Dando a Mma juiz a quo como provada a factualidade dada como provada, deveria incluir em concurso efectivo e real duas subsunções jurídicas diversas em termos de cumulativos.
9- Ao não ter incluído tais elementos de subsunção jurídica na sentença e condenado o arguido, também pelo crime de ameaça, violou a Mma Juiz a quo o disposto no art. 379°, n.° 1, al. c) e n.° 2 do CPP e arts. 30°, 153°, 155°, n.° 1, al. a), 154°-A do CP.
10- A sentença merece reparo, por omissão e, por isso, nulidade, nos termos do art. 379°, n.° 1, al. c) do CPP.
DEVE ASSIM CONCEDER-SE PROCEDÊNCIA AO PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA SUPRINDO-SE A OMISSÃO DE PRONUNCIA QUANTO Á SUBSUNÇÃO JURÍDICA A OPERAR QUANTOS AOS FACTOS, OS QUAIS NÃO SE INTEGRAM NO CRIME DE PERSEGUIÇÃO, UMA VEZ QUE SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA.»
Admitido o recurso (cfr. fls. 349) e, efectuadas as necessárias notificações, não foi apresentada resposta.
Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância o Exm.° Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (cfr. fls. 360), pugnando pela revogação da decisão recorrida nos precisos termos motivados.
Apesar de ter sido dado cumprimento ao disposto no n.° 2 do Art.° 417° do C.P.Penal, nada foi dito.
Proferido o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
O objecto do presente recurso, em face das conclusões da respectiva motivação, reporta-se à seguinte questão:
1 - Eventual ocorrência de omissão de pronúncia quanto à subsunção jurídica a operar relativamente aos factos dados como provados sob os n.°s 4, 9, 10 e 21, os quais não se integram no crime de perseguição mas antes autonomamente no crime de ameaça.
No que ora interessa, é do seguinte teor a sentença recorrida:
«3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Fundamentação de facto
3.2. Factos provados
Da instrução e discussão da causa, e com interesse para a respectiva decisão, resultaram
provados os seguintes factos:
1. O arguido PMN... e a Assistente AFA... viveram em
comunhão de cama, mesa e habitação durante 19 anos e residiam na Av. …C…, tendo terminado o relacionamento no dia 27 de Janeiro de 2017.
2. Fruto desse relacionamento nasceu no dia 4 de Fevereiro de 2000 a filha SRA....
3. A partir de Janeiro de 2017 o relacionamento entre o casal deteriorou-se, passando a ser frequentes as discussões entre o casal, originadas no facto do apartamento onde moravam ser propriedade duma filha da Assistente, fruto de outro relacionamento e o arguido não concordar com a mudança de casa,
4. No dia 27 de Janeiro de 2017 o arguido abandonou a residência do casal, levando os seus bens pessoais, fixou residência em C... e pouco tempo depois disse a familiares da Assistente AFA... que ia matá-la a ela e às filhas, suicidando-se de seguida, o que provocou na Assistente AFA... medo e inquietação, quando disso tiveram conhecimento.
5. No dia 14 de Março de 2017, cerca das 18,15 horas, o arguido dirigiu-se à residência da companheira na morada acima indicada e tocou insistentemente à campainha, o que levou a Assistente AFA... a chamar a autoridade policial, temerosa ao aperceber-se que era ele quem aí se encontrava.
6. Ainda com a PSP presente, o arguido voltou a comparecer junto do prédio e a tocar novamente à campainha, dizendo aos agentes policiais, quando abordado, que queria os seus bens porque tudo o que estava em casa era dele.
7. No dia 15 de Março de 2017, pelas 15 horas, quando a Assistente AFA... se dirigiu ao seu veículo de matrícula ... estacionado nas proximidades da sua residência, constatou que haviam retirado os três limpa-pára-brisas e a tampa de acesso ao bocal do combustível e que no vidro traseiro se encontrava escrito o seguinte: «Quero o meu dinheiro», atribuindo tais factos ao arguido.
8. A Assistente AFA... telefonou ao arguido e confrontou-o com esses factos, dizendo-lhe o arguido: «Eu não parti nada, apenas escrevi que queria o meu dinheiro».
9. No dia 19 de Março de 2017, cerca das 11 horas, o arguido ligou para o telemóvel da filha S..., a qual não quis falar com ele, tendo o arguido dito: «Vou-me despedir de ti porque me vou matar, vou atirar-me da ponte de C...».
10. Depois desse dia arguido passou a telefonar várias vezes por dia á Assistente AFA... e como ela não atendia, deixou-lhe mensagens de voz em que lhe disse: «Quarta-feira, dia 29, vou-te matar a ti e à minha filha, em Agosto vou matar a tua filha que está na Madeira, vou matá-las com um martelo como o outro fez em Guimarães», expressões repetidas por um número indeterminado de vezes, sendo que o arguido iniciava os telefonemas às 5 horas da madrugada e telefonava de 10 em dez minutos.
11. No dia 4 de Maio de 2017, cerca das 23 horas, o arguido dirigiu-se à residência da Assistente e tocou à campainha durante cerca de 10/15 minutos ininterruptamente, o que fez acordar a filha S..., a qual ficou nervosa, facto que levou a Assistente AFA... a chamar a autoridade policial.
12. No dia 6 de Maio de 2017, pelas 18 horas, o arguido voltou a tocar ininterruptamente à campainha da porta no 3° andar, assustando a filha S..., a qual sempre que o arguido toca à campainha fica nervosa e começa a tremer com ataques de pânico.
13. No dia 7 de Maio de 2017, cerca das 9 horas, o arguido tocou insistentemente à porta da residência da Assistente, facto presenciado pelo agente da PSP que se deslocou ao local chamado pela Assistente AFA....
14. No dia 8 de Maio de 2017, cerca das 23 horas, o arguido voltou a tocar à porta da Assistente AFA... e da filha S..., perturbando-as psicologicamente e ocasionando nova deslocação da PSP à residência.
15. No dia 9 de Maio de 2017, cerca das 20 horas, o arguido voltou a tocar à campainha da residência da Assistente, sendo encontrando-se a poucos metros da residência quando a PSP chegou ao local.
16. Nos dias 10, 11, 12, 13, 14 e 15 de Maio de 2017, o arguido voltou a tocar insistentemente à campainha da porta da residência da Assistente,
17. Ao longo do dia 3 de Junho de 2017, o arguido bateu repetidamente na porta da Assistente e pontapeou-a, o que levou a que a autoridade policial se deslocasse ao local, encontrando o arguido no hall do prédio em estado de embriaguez, dizendo que ali estava para ver a filha mas que ela não queria falar consigo.
18. No dia seguinte o arguido voltou a tocar à campainha do prédio mas como ninguém abriu a porta foi-se embora.
19. No dia 5 de Junho de 2017, cerca das 7,45 horas, hora em que a filha S... precisava de sair para a escola, o arguido encontrava-se sentado na paragem do autocarro, o que levou aquela Assistente a recusar-se a sair com medo do arguido.
20. Nos dias 19 de Junho de 2017, cerca das 11,30 e 12,30 horas e no dia 20 de Junho de 2017, cerca das 22,30 horas, o arguido voltou a tocar à residência da Assistente, ocasionando que com esta última conduta a filha S... acordasse sobressaltada e vomitasse, vendo prejudicado o necessário descanso para o exame que tinha no dia seguinte.
21. 0 arguido ao perturbar psicologicamente a Assistente agiu com o propósito de provocar-lhe medo e prejudicar e limitar os seus movimentos, bem sabendo que desse modo a lesava na sua liberdade pessoal, como pretendeu e conseguiu.
22. O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, querendo maltratar física e psiquicamente a Assistente, causando-lhe danos psíquicos, bem ciente do carácter ilícito da sua conduta;
23. O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, com conhecimento de que a
sua conduta era proibida e punida por lei
Mais se provou que:
24.0 arguido não tem antecedentes criminais registados;
25. Vive sozinho; aufere rendimentos da ordem dos 100,00 mensais na venda de ferro velho e trabalhos ocasionais; vive numa arrecadação cedida por terceiros; pagamento pensão de alimentos de EUR. 75,00;
Do pedido de indemnização civil:
26. A Assistente tem medo do arguido;
27. Sente vergonha e perturbação, desgosto, vexame e tristeza em consequência dos
factos praticados pelo arguido;
3.3. Factos não provados
Da discussão da causa resultaram não provados os seguintes factos:
28. Às discussões referidas em 3 não era alheio o facto de o arguido frequentemente se embriagar.
29. Pouco depois da separação o arguido através de telefonemas quer para o telefone fixo quer para o telemóvel da Assistente AFA..., passou a apelidá-la de filha da puta, tendo-lhe dito, entre outras, as expressões: «No dia x quando for aí vou matar-te, a ti e à nossa filha e depois a tua filha da Madeira» e «Quando receber o abono da filha vou aí abaixo, subo ao 3e andar e abro os bicos do fogão, vou aí e incendeio-te o carro, o carro vai aparecer incendiado, não fui eu, vai-te queixar ao Totta», expressões proferidas de forma constante, provocando na Assistente medo e inquietação.
30.Pelas 16,30 horas do mesmo dia, a Assistente AFA... encontrou-se com o arguido e confrontou-o com o que fizera ao veículo, ao que o arguido respondeu: «Prova que fui eu e o dinheiro que me deves paga essa merda toda», após o que desferiu dois murros naquele veículo.
31. No dia 27 de Março de 2017, o arguido deixou uma mensagem de voz em que disse: «Não vais sair de casa Quarta, Quinta e Sexta, não te vou deixar sair de casa, levas um atesto de porrada» e no dia seguinte telefonou à Assistente AFA... e disse-lhe: «Amanhã às 7 horas vou-te tocar à campainha e dou-te um atesto de porrada».
32. Num determinado dia no início da semana de 10 a 16 de Abril de 2017, o arguido telefonou à Assistente AFA... e disse-lhe que nessa semana da Páscoa se iria deslocar até à residência da filha e ia incendiar a casa, assim como a viatura da Assistente AFA....
33. No dia 5 de Maio de 2017, o arguido dirigiu-se à residência da Assistente e tocou insistentemente à campainha e bateu diversas vezes na porta, e a filha S... que estava sozinha em casa não abriu a porta mas apercebeu-se que o arguido mexeu na fechadura durante cerca de cinco minutos, o que a levou a ligar para o 112 a pedir auxílio sucedendo que quando chegou a casa, a Assistente AFA... apercebeu-se que o arguido havia retirado a maçaneta da porta e fechado os contadores da água e do gás. Nessas como nas outras vezes o arguido para ter acesso ao 39 andar, toca às diversas campainhas do prédio para lhe abrirem a porta.
34. Em todas as vezes que tocou à campainha e a Assistente AFA... não lhe abriu a porta,
o arguido dirigiu-lhe em voz alta as expressões: «És uma filha da puta, puta».
35. No dia 16 de Maio de 2017 quando se encontrava a estender roupa, o arguido dirigiu-lhe as seguintes expressões: «Chama a polícia que eu não tenho medo, sua filha da puta, vai para
o caralho».
36. As reiteradas ameaças de morte à filha S... causaram-lhe medo constante e perturbações psíquicas, tais ataques de pânico, palpitações e sensação de morte iminente, levando-a a alterar as suas rotinas, deixando de sair com as amigas e levando-a a passar os fins-de-semana fechada em casa com medo de encontrar o arguido, não querendo ficar sozinha em casa, ficando com ataques de pânico sempre que da janela vê o arguido na rua, o que levou a perturbações na sua vida escolar devido à tenção nervosa em que se encontra.
37. No dia 18 de Maio de 2017, quando a Assistente AFA... acompanhava a filha S... na deslocação para a escola, o arguido abordou-as e disse àquela: «Estás boa?» e face à sua resposta de que estava óptima, respondeu. «Não parece, ainda vais ficar pior».
38. No dia 1 de Junho de 2017, cerca das 14 horas, o arguido dirigiu-se à residência das ofendida e pontapeou insistentemente a porta, o que levou a Assistente AFA... a chamar a PSP, verificando a agente policial que o arguido havia fechado as torneiras de segurança dos contadores da água e do gás, os quais se encontram na parte comum do imóvel.
3.4. Motivação da decisão de facto
PMN..., não falou no início do julgamento, mas após a prestação de depoimento das testemunhas declarou pretender prestar declarações. Disse que em 2015 falaram da possibilidade de o arguido se mudar para C... porque tinha saudades da sua terra e foi admitida a possibilidade de separação mas nunca ocorreu e as coisas ficaram bem. Disse que não teve conhecimento da compra da casa e que apenas lá esteve 4 dias. Quando foi ver a casa não gostou da localização e disse que enquanto lá esteve não conseguia descansar com o barulho do metro de superfície. Diz que a relação com a Assistente sempre foi boa e sempre falou alto. No que toca aos factos de 2015 e desavenças relativas ao convívio no exterior da anterior da habitação, disse que a Assistente também o acompanhava. No que toca aos factos ocorridos após Janeiro disse que se deveu ao facto de ter começado a beber em excesso, 1 litro de vinho por dia durante 3 ou 4 meses, sentiu-se abandonado. Tocava à campainha para ver a filha porque ela disse que o odiava; nunca teve problemas com o álcool; durante 4 ou 5 meses consumiu e depois parou porque já não se sentia bem e não conseguia falar com a filha; actualmente bebe apenas às refeições uma taça de vinho. Admite estes factos e disse que a companheira nunca mais o atendeu e revelou algum desespero; quanto à mudança de casa disse fizeram a mudança de casa sem saber; disse que quando se separou foi para C... e pediu uma baixa psicológica, perdeu o emprego e recebeu a baixa até Abril. Referiu que tinha uma chave da casa mas não entrava porque estava uma chave por dentro que impedia a sua entrada. Admitiu que tocava à campainha e que algumas vezes falou com a polícia. Negou que tivesse danificado o veículo.
Disse que pretendia falar com a companheira sobre a divisão de bens, designadamente a herança da sua mãe. Quanto ao telefonema do dia 19 de Março, dia do pai admitiu que disse o que consta da acusação e não soube explicar porquê. Como tentou incessantemente falar com a companheira e ela não atendia, acabou por dizer o que consta da acusação ao telefone. Sem intenção de concretizar as ameaças. Estes factos duraram pouco tempo porque foi depois bloqueado o telemóvel. Disse que o problema na relação teve a ver com interferência da filha da companheira. Admitiu que tocava à campainha para falar com a companheira e a filha. Nega ter injuriado a companheira quando esta estava a estender a roupa. Mais uma vez queria falar com elas. Nega ter dado pontapés na porta de entrada porque não tinha acesso ao prédio e negou ainda ter cortado a água e o gás. Disse que nunca quis prejudicar a filha e da companheira queria parte da sua herança e do dinheiro da herança. Disse que não tinha conta bancária porque tinha dívidas pendentes de um negócio anterior. Disse que tentou falar com a filha através da cunhada e ela persiste em não querer falar consigo. Persistiu porque não se conformou com o facto de querer falar com a filha. Na altura pretendia reconciliar-se com a companheira.
em 2015; nega que tenha; tem o 6° ano; na altura em que se separou pediu baixa psicologia ao Dr. H..., e perdeu o emprego e recebeu a baixa; o médico disse que não era alcoólico, deixaram de o deixar entrar em casa. Diz que actualmente bebe á refeição vinho, nunca se dirigiu à filha directamente; as mensagens eram mandadas para a mãe; queria que a relação com a mulher voltasse ao que era antes;
AFA... disse que viveram na Rua … de 2002 até Janeiro de 2017 e mudaram-se no fim de Janeiro para a casa da Rua … e ali viveram 7 ou 8 dias. O relacionamento foi sempre bom mas em 2015 porque abriu um espaço na rua e ele embebedava-se. Dantes ele bebia à refeição não bebia digestivos nem aperitivos e não bebia de manhã. A partir de 2015 ele passou a beber mais do que um copo provocado pelos amigos;
quando perguntada se os hábitos de consumo de álcool perturbavam o casal disse que o arguido foi consigo ao médico e ele deu-lhe medicamentos e ele ficou calmo; disse que os problemas começaram quando mudaram de casa; mudaram de casa em Janeiro de 2017 porque a filha comprou a casa e pagavam a renda à filha e ele não concordou. Diz que se foi embora e foi para C... muito pouco tempo e vinha lá de C... telefonava e carregava na campainha sem parar a partir de 14 de Março porque ele queria os pertences e deu-lhe os pertences e ele punha o telefone a tocar os vários telefones; e desligaram os telefones; e resultou mas ele dizia que vos mato e matava a filha da M… e mato a ti e à filha da M… e a S... era roubada, acreditava porque o viu uma vez com os olhos esbugalhados com uma garrafa de vinho na mão. Quando perguntada sobre a forma como foi decidida a mudança de residência disse que foi feita uma proposta pela filha à assistente e ela transmitiu-a ao arguido tendo ficado convencida que ele tinha concordado uma vez que até colaborou na mudança. Mas na realidade era-lhe indiferente que o arguido concordasse ou não. Depois de 2015 já lhe tinha comunicado que não o ajudaria mais se ele persistisse no modo de vida errático e sem horários e como ele continuou disse que não o ia ajudar mais; a sua intenção era separarem-se; a escritura foi em Novembro de 2016; disse que esteve ausente de Portugal entre Dezembro e Janeiro de 2017; a relação estava bem; esteve na Madeira; e estava tudo bem; no encontra explicação para a mudança; a partir de Janeiro de 2017 o arguido chegava a casa aos gritos; descreveu o comportamento do arguido a partir de Março de 2017 em que ele tocava ininterruptamente à campainha, as mensagens de voz que deixava no telemóvel e as reacções da filha comum. Disse ainda que o arguido a injuriava e que deixava moedas de cêntimo na caixa do correio pensa que para marcar a sua presença. Também deixou bilhetes na caixa do correio. Disse que o arguido nunca lhe tocou fisicamente; diz que chamava nomes à toa quando estavam separados; chamou a polícia no dia 14 porque ele não parava de tocar à porta; chamou a policia e houve um aditamento; só há as declarações da assistente, diz que fica perturbada pelo facto de haver moedas de cêntimo na caixa de correio, viveu com ele 19 anos, diz que as ameaças eram de voz, ele fugia quando vinha a policia, diz que
o arguido sempre foi um pai presente, diz que quando ele passou a andar sozinho ela sentiu. Disse que a filha se preocupa mais com a mãe por causa do pai, não pretende qualquer reconciliação, tem receio dele mas porque quer ver-se livre dele, diz que ele estava sempre alcoolizado. Referiu que ainda não entregou o resto dos pertences porque ele não traz veículo para o transporte. Disse que era a Assistente que dava conhecimento à filha S... das mensagens mandadas pelo pai e que lhe pedia para gravar as mensagens, o conhecimento da S... é dado pela própria mãe, mas admite que lhe dá conhecimento. Foi para gravar e ela gravou. Após ter saído de casa, não apareceu em Fevereiro. Em Março ele começou a dizer que lhe devia dinheiro e não tinha acesso à conta bancária. Nessa altura foi com ele ao Banco e deu-lhe 100,00. Ele disse que
o resto do dinheiro era para a S... mas depois acabou por pedir esse dinheiro. Na referida conta não caíam ordenados. Demonstrou mágoa pelo facto de o arguido não se ter preocupado com as dificuldades da assistente em pagar as despesas. Considera que o arguido se quis separar porque abandonou a residência e foi mais tarde buscar os pertences. Nunca o mandou embora. Perguntada quanto ao acordo do arguido para a mudança da casa disse que se ele não estivesse de acordo poderia não ir. Para si em 2015 o arguido já tinha manifestado vontade de ir para C... e também não se preocupou quanto ao bem estar da filha e da Assistente.
SRA..., diz que tem medo do pai. Desde Janeiro ele ameaça pelo telefone sobre ao prédio, dá pontapés ma porta e faz ameaças a dizer que mata a si, à mãe e à irmã, através do telefone mas também dizia quando ia ao prédio, ficavam nervosas e chamavam a polícia que se deslocava ao local. Disse que num dia tinha um exame no dia seguinte e ele foi tocar à porta sem parar e depois saiu do local e quando a políia chegou ele já lá não estava, não soube pormenorizar outras situações que tocasse à campainha. Ele nunca foi agressivo consigo directamente. Uma vez estava na paragem e não saiu e casa porque não sabia. Diz que a mãe não tem medo do pai mas não lhe diz para não ficar com medo. Tem medo que ela saia sozinha e quer proteger a mãe, não sabe se a mãe mudou de rotinas, não sabe porque o arguido age desta forma, quando sai de casa com a mãe vêm sempre se há gente lá em casa; gravava as cisas que ele dizia ele ameaçava a irmã a si e a mãe; sempre teve boa relação com o pai; não conseguia falar com ele; falou com ele ao telefone quando ele partiu o carro da mãe, falou com ele e disse-lhe para parar e ele não disse nada. Tem medo do pai. Disse que foi assistida na D. Estefânia e medicada; não sente falta do pai; é seguida por medo psiquiatra; vai de 2 em 2 semanas; vai ver as moedas porque tem as chaves; sabia das mensagens porque a mãe lhe mostrava e gravava;
DMR..., A…, nunca assistiu a nada mas referiu que ele lhe fazia telefonemas para desabafar; sabe que a irmã bloqueou o telefone ao arguido. Nas vezes em que esteve presente ele ameaçava-as (mas não ameaçava) e ela ficava nervosa. Recebia chamadas da sobrinha S... a pedir ajuda. Chegou a mandá-lo para casa e estava sempre embriagado. Ele dizia coisas sem nexo. Ele ia lá a casa só para chatear. Quanto aos hábitos do álcool sempre viu só a beber refeições; disse saber que a irmã pediu ajuda a uma instituição. Disse que o relacionamento da irmã e do arguido era normal e nunca notou nada e ele aparece na sua casa. Disse que elas punham as mensagens para a irmã ouvir. Diz que ele estava com depressão porque era reservado, via televisão mas achou que ele estava com depressão; dizia que se matava; a minha vida não faz sentido; nunca teve medo dele porque não é medricas; acha que eles; acha que o medo é real; em relação à sobrinha presenciou-a nervosa; com a irmã bebia ele bebia à refeições, ele gosta de beber mas não de cair; ele tinha lá um café; ele é boa pessoa, bom pai, dedicado atencioso, e com mulher; reservado; bem disposto, sociável mas reservado; e sempre trabalhador.
FPC..., Agente da PSP, disse que em março de 2017 foi a casa da Assistente onde ela se encontrava com a filha mais nova; o arguido não se encontrava presente e passado algum tempo ele chegou e tocou à campainha com muita insistência e não assistiu a qualquer agressão física. A assistente não pretendia que o arguido se encontrasse à sua porta a tocar à campainha. Foi maus uma vez em 20 de pela mesma situação mas não contactou com o arguido nem nas imediações, na segunda vez a menor estava chorosa e perturbada.
JMB..., Agentes da PSP, foi ao local e viu o arguido junto ao prédio a pedir os seus pertences. Não presenciou qualquer agressão. Depois o arguido foi-se embora. Da segunda vez que lá foi não encontraram o suspeito e não assistiram a nada.
RML..., disse que se deslocou 4 vezes à residência da Assistente uma vez que era reportado que o arguido estava a tocar insistentemente mas ele já ali não se encontrava de todas as vezes que lá se deslocou; H... referiu que se deslocou duas vezes à residência da assistente, viu um indivíduo junto à porta a tocar, pediram para ele abandonar o local, o que ele fez; na outra situação, receberam pedido de socorro da teleassistência e viu o arguido nas imediações; a explicação que ele dava era que queria falar com a filha; na segunda vez ele aparentava ter ingerido bebidas alcoólicas pelo hálito; DFR..., corroboraram os depoimentos dos colegas. Disse que foi numa situação à residência da assistente em Junho de 2017 e não viram o suspeito; TCS... referiu que foi chamado ao local por haver queixa de perturbação de toque na campainha; falou com a Assistente e o arguido estava no hall de entrada no prédio; falou com o arguido e eles chiou porque queria falar com a filha e não conseguia
CSO..., amiga do casal há 15 anos, diz que o casal se dava muito bem mas entretanto que dado se mudaram de casa, o arguido teve uma atitude violenta, mandou casacos para cima da filha, gritava, batia com a porta, saiu de casa; numa das vezes que lá foi almoçar, ele estava tocar à campainha e ele começou a ofender a Assistente a injuriá-la e a ameaçava-a que lhe fazia mal. Da outra vez, disse que se as apanhasse na feira de correios e que cortava a carinha da Sílvia, isto foi em Junho ou Julho; diz que ele chamou filha da puta e que se a apanhasse na rua que lhe batia; diz que ele ligou para o telefone da Assistente (posto em alta voz sem autorização do arguido); a filha ficou nervosa e tinha medo que o pai fosse lá a casa, diz que ele mudou muito, deixou de falar com as pessoas e de falar, deixou de falar com o marido que era seu amigo, deixou de ouvir as pessoas. Antes de eles irem para a casa nova, disse que ele em 2015 teve algumas alterações de comportamento e depois acalmou; sabe que o consumo de álcool do arguido foi sempre igual; sabe que a mudança de casa não foi de acordo com o arguido; pensa que o comportamento do arguido teve a ver com o facto de ele beber em excesso na altura da mudança e ter amigos na antiga casa que queriam beber. Disse que chegou a ver o arguido com uma garrafa de água de 1,5 1 cheia de vinho, não sabe porque mudou o comportamento.
AFA..., irmão da assistente, referiu que pelo que via o arguido e assistente tinham uma bom relacionamento mas há cerca de 2 anos a Assistente lhe comunicou que o arguido estava a ingerir bebidas alcoólicas e chegou a falar com o arguido, as coisas serenaram e de há um ano a esta parte a situação piorou e que o arguido começou a incomodá-la insistentemente. Disse que ajudou o arguido monetariamente, e que ele também o incomodava pessoalmente e telefonava insistentemente. Numa das vezes estava em casa da irmã, tocaram à campainha e o arguido dirigiu-se a si querendo falar com a irmã que não quis falar com ele.
CSA..., disse que se deu bem com o arguido até 2015; conheceu-o quando tinha 15 anos; Disse que o comportamento do arguido a partir de 2015 mudou por ter sido construído um espaço de convívio e ele adoptou um estilo de vida em que chegava tarde, ficava aos gritos; era mal educado, dizia asneiras; numa das ocasiões ele estava completamente embriagado, vinha a falar alto, e perturbava toda a família e ele começava a contar. Deixou de falar com ele em 2015, deixou de ir de férias na Páscoa e no Natal. Descreveu as razões que estiveram na base da compra da casa de Corroios que ficou registada em seu nome.
Analisada em conjunto a prova conclui-se que a conduta do arguido foi motivada pela procura incessante de contacto com a companheira e com a filha na sequência da sua saída da residência em fins de Janeiro de 2017. Diga-se no entanto que o circunstancialismo que levou a esta separação não pode ser ignorado. Verifica-se que a relação marital decorreu durante cerca de 19 anos sem problemas, sendo unânime o sentimento até dos próprios de que a Assistente e o arguido tinham uma relação feliz, e que a mesma apenas foi abalada em 2015, altura em que chegou a ser aventada a possibilidade de o arguido se mudar para C..., por ter saudades da sua terra natal, deixando de coabitar com a companheira e a filha. No entanto essa situação foi ultrapassada e a relação retomada como referiram quer o arguido quer a assistente. Os conflitos surgiram de acordo com a Assistente apenas em Janeiro de 2017 e duraram 4 dias porquanto quando ocorreu a mudança, e apesar de o arguido aparentemente ter concordado com a mesma, na realidade o arguido manifestou grande revolta com a nova casa e em 4 dias abandonou a residência e foi para C..., tendo a partir de Março começado insistentemente a tentar contactar pelas formas que constam dos factos provados e que causaram perturbação quer à assistente quer à sua filha.
No entanto, o arguido referiu que se sentiu traído e abandonado pelo facto de ter sido decidida a aquisição e a compra da nova casa pela filha da arguida sem o seu conhecimento tendo a situação sido apresentada como facto consumado, ao qual não deu acordo, pelo que na realidade nunca concordou com tal mudança. Quando foram pedidos esclarecimentos adicionais á assistente relativamente à forma como foi tomada a decisão, a mesma revelou grande indiferença quanto á vontade do arguido referindo que este não era obrigado a aceitar a proposta de mudança de casa, uma vez que a mesma visava a redução de despesas do agregado e caso não quisesse mudar-se não se mudaria. Referiu que ficou surpreendida com a reacção do arguido. Na realidade a mesma manifestou mágoa pelo facto de o arguido não aceder ao compromisso de continuar a contribuir para as despesas do agregado, deixando-a e á filha sem suporte económico. Assim, cortou abruptamente os contactos com o arguido logo que este saiu de casa, vendo-se o mesmo sem possibilidade de contactar com a filha e com a companheira ainda que fosse para discutirem a separação e a partilha de bens. Nessa senda o arguido admitiu que iniciou consumo de álcool em excesso tendo admitido as condutas que constam dos factos provados. As que foram dadas como não provadas assim foram consideradas pelo facto de não haver qualquer registo de mensagens referidas pela Assistente e o arguido ter negado ter proferido tais expressões. As demais condutas, quer pela curta duração quer pelas características não consubstanciam a prática do crime de violência domestica mas antes do crime de perseguição p.p. pelo art° 154°-A do Código Penal, sendo certo que se verifica apenas a ocorrência de um crime na pessoa da assistente porquanto a filha do arguido era já maior de 16 anos na data da prática dos factos e não apresentou queixa, não tendo o Ministério Público legitimidade para prosseguir com o procedimento criminal quanto este crime (art° 154°-A/5 do Código Penal).
Assim, do confronto entre as declarações de arguido e ofendida, conjugadas com o teor dos documentos juntos aos autos (e demais documentos e relatórios juntos) e dos depoimentos das indicadas testemunhas, tudo analisado segundo as regras de experiência comum e do normal acontecer, teve o tribunal como segura a ocorrência dos factos que apurou, incluindo a insistência e obsessão do arguido na perseguição da Assistente. A isto acresce que, o próprio arguido reconheceu a ilicitude e irracionalidade da sua conduta que não soube explicar mas que atribuiu em parte ao consumo excessivo de álcool. Ficou o tribunal esclarecido quanto ao contexto da ocorrência dos factos, incluindo que o arguido sabia e estava perfeitamente ciente (não obstante verbalize o contrário) de que a Assistente não mais queria contactar com ele, nem ser por ele importunada, o que o arguido, mesmo assim, fez e continuou a fazer, sabendo que não devia fazê-lo, durante todo o tempo em que, mormente, foi aparecendo na residência daquela e lhe foi tocando insistentemente à campainha e bem assim fazendo referência a ameaças através de terceiros. E, quanto aos não provados, como já se aludiu, baseou-se o tribunal na ausência de prova credível que os pudesse suportar. Deve por isso o arguido ser responsabilizado pela prática do crime de perseguição.
4. Enquadramento Jurídico-Penal
Do crime de perseguição
Em conformidade com o disposto no art. 154°-A, n.° 1 do C.P. (aditado pela L. n.° 83/15, de 5-8, com início de vigência a 5-9-15), comete o crime de perseguição: Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
Trata-se de crime novo na nossa ordem jurídica, sendo as condutas susceptíveis de o preencher vulgarmente conhecidas - já antes de tal criminalização específica - como stalking.
Na exposição de motivos do projecto de lei n.° 647/XII (sendo que a proposta de redacção no mesmo constante corresponde à do supra cit. art.) escreveu-se que: A perseguição - ou stalking - é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar insistentemente) ou em ações inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras).
Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afeta o bem-estar das vítimas, que são sobretudo mulheres e jovens. A perseguição consiste na vitimação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o assediante), de um interesse e atenção continuados e indesejados (vigilância, perseguição), os quais são suscetíveis de gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo.
Como refere também Nuno Miguel Lima da Luz, a fls. 6, da sua tese/dissertação de mestrado (disponível in http://repositorio.ucp.pt): O stalking pode definir-se como uma forma de violência relacional. Segundo a maioria da legislação norte-americana, o crime consiste num padrão intencional de perseguição repetida ou indesejada que uma pessoa razoável consideraria ameaçadora ou indutora de medo. Já a legislação australiana define o stalking como perseguir uma pessoa, permanecer no exterior da sua residência ou em locais por ela frequentados, entrar ou interferir na sua propriedade, oferecer-lhe material ofensivo, mantê-la sob vigilância, ou agir de um modo que se poderia esperar com razoabilidade que fosse susceptível de criar stress ou medo na vítima. Pode-se caracterizar também por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc. Embora estes comportamentos possam ser considerados corriqueiros se os isolarmos do contexto do stalking, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada.
E escreveu-se no Ac. R.P., de 11-3-15 in www.dgsi.pt), a propósito de stalking (ainda que antes da criminalização autónoma da conduta), que o mesmo se caracteriza como (...) uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar o fim de um relacionamento (...).
Assim, este novo tipo de crime, agora previsto no art. 154ªA, n°. 1 já supra transcrito, tem como seus elementos constitutivos: - objectivamente, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção; e, - subjectivamente, o dolo, em qualquer das modalidades referidas no art. 14° do C.P., constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los.
Ora, tendo presente a referida disposição legal e os elencados elementos típicos, temos que aqueles apurados factos são susceptíveis de configurar o apontado ilícito.
Na verdade, analisando os factos apurados e descritos de 4 a 21., verificamos que o arguido nas descritas circunstâncias actuou por forma adequada a provocar medo e a prejudicar a liberdade de movimentos e determinação da Assistente, através das deslocações persistentes à sua residência e contactos com terceiros visava perseguir de forma reiterada, persistente, insistente e obsessiva, o que fez de forma deliberada e consciente, com o propósito de lesar a sua liberdade pessoal, como conseguiu, obrigando-a a falar consigo.
Assim, verifica-se que as condutas do arguido preenchem efectivamente o tipo de crime do art. 154°-A, n.° 1 cit, sendo-lhe assim imputada a prática do mesmo, a título de dolo directo (cfr. art. 14°, n.°1 do C.P.).
A isto acresce que os autos encerram todos os necessários pressupostos de validade e regularidade processuais que permitem apreciar a conduta do arguido à luz de tal disposição legal (cfr. o n.° 5 do art. 154°-A do CP.) excepto como já se decidiu no que toca à filha S.... Diga-se, também, que considerando o tipo de condutas (variadas) e a sua reiteração ao longo do tempo, considerando que ainda se provou que a Assistente fugia do arguido e evitava qualquer contacto com ele, não podia o arguido deixar de se aperceber que incomodava a Assistente e que esta mudava rotinas para o evitar, pelo que a insistência inusitada só podia querer significar que o arguido queria continuar a provocar-lhe medo e limitar os seus movimentos - ou pelo menos, ainda que não fosse isso que se provou, sempre teria agido com dolo necessário, ciente que provocava medo e limitava os movimentos da Assistente e aceitando estas consequências da sua conduta, pois que não parou.
DA MEDIDA DA PENA
Nos termos do art.° 40°/1 e 2 do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Trata-se aqui das finalidades gerais das penas.
Atende-se, na aplicação das penas, a necessidades de prevenção geral positiva (tutela das expectativas da comunidade quanto à validade da norma jurídica violada), valorada em concreto, e exigências de prevenção especial positiva ou de socialização, para o agente. A prevenção geral positiva funciona como limite mínimo da pena e a culpa como limite máximo.
O crime de perseguição agravado imputado ao arguido é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
No que respeita à medida concreta da pena, o tribunal, nos termos do art.° 71°/1 tem como limites, como já referido, a culpa do agente e as exigências de prevenção (geral e especial). Por outro lado, tem o tribunal que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime estejam a favor do arguido ou contra ele e que respeitam, genericamente, ao modo de execução do facto ilícito e suas consequências, à personalidade do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Verifica-se que o grau de ilicitude da conduta do arguido é médio, atendendo à gravidade objectiva dos factos, frequência, violência e dilação no tempo com que foram praticados.
A culpa do arguido é também média, tendo agido sempre com dolo necessário (art.° 14°/2 do Código Penal) sabendo as consequências da sua conduta e ainda assim não a evitando. Face ao exposto a acção do arguido não é dissociado da vida conjugal mas antes intimamente relacionada com esta. Não se ignora o circunstancialismo emocional em que os factos foram praticados, verificando-se que o arguido, apesar de um comportamento aparentemente e habitualmente reservado, como foi referido pelas testemunhas, se entregou à bebida após a saída da residência e voluntariamente perdeu controlo do seu comportamento. Agiu certamente imbuído de desespero e com sentimento de abandono e perda mas ainda assim, não lhe sendo conhecida qualquer incapacidade psíquica, não serve tal de atenuante excepto na graduação da culpa.
As exigências de prevenção geral positiva são também elevadas uma vez que o crime de em causa atinge bens jurídicos pessoais e tem ganho maior ressonância social, estando a comunidade mais sensibilizada para o carácter danoso das condutas como as que o arguido praticou.
A favor do arguido o facto de não ter antecedentes criminais registados pela prática de crimes da mesma natureza e ter reconhecido pelo menos em parte a ilicitude da sua conduta, tendo adoptado uma conduta ordeira e colaborante em audiência de julgamento.
Face a todo o exposto, o tribunal considera adequado e proporcional à conduta do arguido a sua condenação na pena de 1 ano e três meses de prisão.
Da suspensão da execução da pena de prisão
Nos termos do art.° 50°/1 do Código Penal, vigente na data da prática dos factos e mais favorável que a actual redacção, o tribun a I poderá suspender a execução dapena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circtenstâncias deste, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam deforma adequada e suficiente asfinaliclades da punição.
Estatui o art.° 50°/5 do Código Penal na redacção que lhe foi dada pela Lei 59/2007 de 4/09 que o período de suspensão tem duração' igual à dapena de prisão determinada na sentença mas nuncafriferior a um ano, a Contardo trânsito wnjulgado da decisão.
Constitui pressuposto material para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente. - Figueiredo Dias. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, p. 342, Para a formulação de tal juízo o tribunal tenderá às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
A suspensão da execução da pena de prisão tem em vista o afastamento do agente da prática de novos crimes, prevenindo a reincidência.
No que a este aspecto respeita, não se pode desassociar a prática deste crime de um certo contexto familiar que o condicionava sendo certo que a Assistente e o arguido estão separados e
o arguido reconhece em parte a ilicitude da sua conduta.
Face ao exposto, crê o tribunal ainda ser possível que a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de perseguição, previna a prática de futuros crimes pelo arguido, pelo que decide suspender a execução da referida pena pelo mesmo período.
Do regime de prova
Dispõe o art.' 53°/1 do Código Penal que o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova se o considerar conveniente e adequado a facilitar a reintegração do condenado na sociedade.
O regime de prova assenta num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social (n° 2 do art.° 53°).
O sistema do regime de prova, já «resume-se a um regime que permite que o agente, em vez de sofrer logo uma censura privativa da liberdade pelo crime que cometeu, fique livre sobre certas condições, a fim de poder mostrar, isto é, dar provas , de que é capaz de se reinserir na sociedade sem ter que passar necessariamente pela prisão». «Neste sistema (que na sua forma mais pura consiste na suspensão da própria pronúncia da pena) o agente fica submetido, durante
o tempo da suspensão, a um período de prova , em meio livre que servirá para avaliar até que ponto é permeável a uma reinserção completa na vida social».- Leal Henriques, Simas Santos, Código Penal Anotado, r volt, 3ª Ed., p. 698;
O regime de prova consiste numa modalidade da suspensão da execução da pena de prisão. O que caracteriza o regime de prova e lhe confere sentido marcadamente educativo e conectivo que sempre o distinguiu, da simples suspensão da execução da pena - por um lado, a existência de um plano de readaptação social e, por outro, a submissão do agente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada - que representa uma intervenção do Estado na vida do delinquente após a condenação, no sentido de desenvolver o seu sentido de responsabilidade. Fundamentalmente é uma medida complementar da suspensão da pena, que supõe o reconhecimento da culpa, podendo ou não ser desde logo fixada a pena e, como traço característico a intervenção de um serviço especializado para assistir o agente e vigiar a sua conduta.
Não ignora ainda o tribunal que o facto de ficar sujeito a regime de prova, contribuirá para a reinserção do arguido na sociedade no sentido de não praticar no futuro o crime que está em causa nos autos.
De realçar que a prevenção especial em casos como o dos autos assenta sobretudo numa alteração comportamental do arguido não susceptível de ser alcançada através da simples suspensão da execução da pena, pois exige a reflexão necessária e o esforço de auto análise e de pensamento crítico que apenas o auxílio especializado poderão proporcionar.
Para esse efeito, dispõe o art.° 54°, no que respeita ao plano de reinserção social, que o tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51° e 52° e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado.
Nestes termos, decide o tribunal determinar a suspensão da execução da pena de prisão a aplicar ao arguido sujeita a regime de prova, direccionado para a prevenção da prática deste crime e na estabilização psico-afetiva do arguido.
Uma vez que o arguido e a Assistente já fazem vidas separadas e o arguido reconheceu a ilicitude da conduta, entende-se que não estão reunidos os pressupostos para aplicação de qualquer pena acessória de proibição de contacto com a Assistente (art.° 154°-A/3 e 4).
C) Do pedido de indemnização civil
Vigora no processo penal português o princípio da adesão (art.° 71ºdo Código do Processo Penal), nos termos do qual constitui regra que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime seja deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante tribunal civil, nos casos previstos no art.° 72° do Código do Processo Penal.
Nos termos do art.° 74° do Código do Processo Penal, o pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime (...). Os demandados têm posição processual idêntica à do arguido quanto á sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo, sendo independentes cada uma das defesas (art.° 74°/3).
Dispõe por sua vez o art° 129° do Código Penal que a indemnização por perdas e danos é regulada pela lei civil, remetendo para as regras da responsabilidade civil extracontratual previstas no art° 483° e seguintes do Código Civil.
Encontra-se apurada a responsabilidade criminal do arguido.
Efectuado este nexo de imputação do facto ao agente, cumpre verificar a ligação dos danos alegados pelo demandante civil a tal acto, por um nexo de causalidade.
O dano consiste num prejuízo real que é causado nos bens jurídicos ou na supressão ou diminuição de uma situação favorável que estava protegida pelo direito. Nestes termos, os danos que a pessoa responsável é obrigada a indemnizar são os que tiverem como causa a conduta do agente, tendo em conta um conceito de causalidade adequada - art.° 63° do Código Civil.
Analisado o circunstancialismo fáctico considerado como provado, verifica-se que a conduta do arguido foi causa adequada das lesões causadas à Assistente e os danos sofridos por esta.
De facto, tais danos são a consequência típica dos actos de violência doméstica atrás descritos.
Desde logo, tem direito a indemnização o lesado que directamente sofreu o dano, quer por danos patrimoniais, quer por danos não patrimoniais - are o s 483° e 496°/1 ambos do Código Civil.
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494°.
Pelo exposto, definido os pressupostos da responsabilidade civil e subsumida a conduta do arguido aos mesmos, por força da aplicação da regra do art. 483° do Código Civil: - cujos pressupostos se encontram integralmente preenchidos face à matéria factual assente, pois que é evidente que, ao agir, da forma descrita lesou os direitos de outrem, não apenas de natureza patrimonial como também de índole não patrimonial, verificando-se o nexo de causalidade (adequada) entre o facto do agente e os danos verificados, atendendo ao disposto no art.° 563° do Código Civil, na medida em que com as normas por si infringidas pretendia o legislador prever e evitar os eventos danosos que se produziram, estando ademais também demonstrada a culpa do agente, na modalidade de dolo (cf. Artigos. 483°, n° 1 e 487° do Código Civil) -, em conjugação com os art. 562° e segs. do Código Civil), cumpre tão só agora determinar quais os danos a indemnizar e o montante da indemnização.
Os danos não patrimoniais, são aqueles que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porquanto atingem bens que não fazem parte do património do lesado, serão ressarcidos mediante uma obrigação pecuniária imposta ao lesante que, na realidade, será mais uma compensação do que uma indemnização stricto sensu.
No nosso ordenamento jurídico admite-se expressamente a indemnização por danos não patrimoniais, embora com um limite, pois só são indemnizáveis os danos que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cf. Art.° 496°, n0 1, do Código Civil), assim se afastado a ressarcibilidade pelos simples incómodos ou pequenas contrariedades, bem como os sofrimentos e desgostos que derivem de uma sensibilidade fora do comum.
No que diz respeito à gravidade do dano, esta há-de aferir-se por um padrão objectivo muito embora devam ser tidas em conta as circunstâncias do caso concreto, sendo a sua apreciação feita em função da tutela do direito, isto é, o dano deverá ser tão grave que justifique uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
Ultrapassado este limite, o partam indemnizatório há-de obedecer a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias particulares do caso, devendo ser considerados os factores contidos no art.° 494° do Código Civil - no caso aplicáveis, por forca da remissão do art. 496°, n° 3 do mesmo código -, referenciados a valorações éticas como a boa ponderação, o senso prático e a justa medida das coisas.
E tudo, sem esquecer a dupla vertente compensatória e sancionatória da indemnização por danos morais que, no caso vertente, é tanto mais premente quanto maior é a culpa da actuação do arguido não esquecendo a sua situação económica.
Atentos os factos provados, e suas consequências, tendo em conta que o arguido atingiu a Assistente na sua integridade psíquica, e tendo em conta a situação financeira do arguido julga-se adequado fixar em EUR. 700,00 a quantia a pagar pelo arguido a título de indemnização por danos não patrimoniais, ...».
E, por isso, foi proferida a decisão que se transcreveu no início do presente acórdão.
Vejamos:
O âmbito dos recursos delimita-se pelas conclusões da motivação em que se resumem as razões do pedido. Sendo as conclusões proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Edição de 1981, Pág. 359).
No que se reporta à única questão suscitada, impõe-se, desde logo, referir que se verifica existir um lapso na motivação do recurso, uma vez que, na mesma, afirma a Digna recorrente aceitar a matéria de facto do ponto 9 dos factos provados e a qualificação jurídico-penal que sobre ela foi feita na sentença — subsumindo tal matéria ao crime de perseguição —, dizendo também, contraditoriamente, não aceitar que a matéria do ponto 9 dos factos provados não tenha sido qualificada como crime de ameaça [juntamente com outros pontos de facto provados].
De todo em todo, afigura-se-nos que a matéria do ponto 9 dos factos provados é irrelevante, seja para o preenchimento do tipo do crime de perseguição, seja para o preenchimento do tipo do crime de ameaça.
Por sua vez, torna-se forçoso salientar, ainda para mais, que os dois crimes em referência, ao contrário do sustentado, não tutelam distintos bens jurídicos.
E dizemos isto por que, em nosso entendimento, ambos visam proteger a liberdade pessoal, ainda que, em aspectos específicos da mesma.
Na verdade, o crime de perseguição é um crime de execução livre, já que a acção típica pode ser preenchida através de variadas condutas, mas de modo reiterado, o que o toma também um crime habitual.
Entre tais condutas inclui-se, a ameaça, enquanto forma de assédio, feita, designadamente, através de telefonemas.
E tanto assim é que a agravação prevista no Art.° 155°, n.° 1, alínea a) do C. Penal, quando esteja em causa o crime de perseguição, o pune com prisão de um a cinco anos.
Verificando-se, por outro lado, que, quando estiver em causa o crime de ameaça apenas, a pena é a de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
Ora, in casu, não estando concretamente determinada a data em que terão ocorrido os factos levados ao ponto 4 dos factos provados da sentença, sabendo-se apenas que aconteceram pouco depois [o que é inconclusivo] de 27-01-2017 e antes de 19-03-2017 [data da ocorrência dos factos levados aos pontos 9 e 10 dos factos provados], quanto mais não seja por aplicação do pro reo, haverá que presumir que ocorreram em data suficientemente próxima para possibilitar a sua inclusão na reiteração da conduta.
Incluindo a matéria de facto levada ao ponto 9 na conduta reiterada e nada impedindo que o assédio possa ser preenchido, além de outras específicas condutas, com repetidas ameaças telefónicas ou feitas através de terceira pessoa, mais nada se pode concluir senão pela inexistência de qualquer razão para autonomizar a matéria dos pontos 9, 10 e 21 dos factos provados, como crime de ameaça, dado que este se mostra, na situação concreta, consumido, pelo crime de perseguição.
Com efeito, não se pode olvidar que o tipo do Art.° 154°-A do C. Penal estabelece uma cláusula de subsidiariedade no n.° 1, parte final, ao consagrar o seguinte: ... se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
Esta previsão terá em vista que, numa mesma situação de stalking, concorrem, muitas vezes, tal como já deixámos sublinhado supra, diversos tipos legais abstractamente aplicáveis.
O tipo legal em causa está, pois, numa relação de subsidiariedade expressa com as normas concorrentes que prevejam condutas mais gravosas, aplicando-se a esses casos a pena prevista para o crime mais grave.
In casu, toda a conduta do arguido PMN... parece estar unificada pelo único propósito de provocar medo na vítima e prejudicar e limitar os seus movimentos, lesando a sua liberdade pessoal.
Por conseguinte, o bem jurídico protegido pelo tipo afigura-se-nos ser complexo, tendo no centro a liberdade de auto-determinação pessoal, com protecção reflexa de outros bens jurídicos.
Num caso em que o processo de stalking - repare-se que o tipo exige uma conduta levada a cabo de modo reiterado - envolve ameaças à vítima, susceptíveis de integrarem o tipo de crime de ameaça, importa considerar a existência de um concurso aparente, prevalecendo o crime de perseguição.
Ora, como na situação concreta, as ameaças que integram o processo de perseguição envolveram a ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, o arguido foi punido com a agravação do Art.° 155°, n..° 1, alínea a), do C. Penal, que também se reporta ao crime do antecedente Art.° 154°-A (perseguição).
Em face de tudo quanto caba de se expender, afigura-se-nos carecer de fundamento a pretensão de que os factos n.°s 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 integram um único crime de perseguição e que, pelo meio, os factos 4, 9, 10 e 21 se devem subsumir a um crime de ameaça, já que, ao contrário do sustentado pela Digna recorrente, não estamos perante qualquer relação de concurso efectivo.
Assim sendo, mais nada nos resta senão concluir que inexistiu qualquer desrespeito pelo disposto no primeiro segmento do Art.° 379°, n.° 1, alínea c) do C.P.Penal, susceptível de conduzir à nulidade da sentença em crise.
Finalmente, torna-se forçoso referir, ainda, que inexiste violação de qualquer disposição legal e, muito menos, dos preceitos que na respectiva motivação foram mencionados.
Nos termos do exposto, acordam, pois, os juízes em negar provimento ao recurso, confirmando, na sua plenitude, a sentença recorrida.
Sem tributação.
Processado e revisto pelo Relator
Lisboa, 12 de fevereiro de 2019
José Simões de Carvalho
Maria Margarida Bacelar