– A inexistência de qualquer suporte económico, a sua situação de sem abrigo e o longo período de tempo em que decorreram os furtos bem como o enorme quantidade de furtos ocorridos, quer na forma consumada, quer na forma tentada, permite pois chegar à conclusão de que os furtos constituía um modo de vida que o arguido adoptou para superar a sua situação economicamente deficitária.
- Uma vez que nenhum valor foi atribuído à mala furtada, pelo que, perante a falta de indicação do valor da mala e não existindo quaisquer outros dados, não pode o Tribunal considerar que a mesma teria valor superior a uma unidade de conta. Deste modo, entende o tribunal que se está perante a prática de um crime de furto simples, desqualificado nos termos do n° 4.
- O cerne do crime continuado, o seu traço distintivo, à luz do qual todos os outros orbitam parece situar-se na existência de uma circunstância exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. O quid essencial está em saber em que medida a solicitação externa diminui a censura que determinadas condutas merecem.
- Quando o decurso do tempo entre cada uma das condutas, é de tal modo expressivo, de acordo com as regras da experiência comum, não pode deixar de se afirmar que a cada nova conduta o agente se determinou a preencher o tipo legal de crime de furto, venceu uma e outra vez as contra motivações éticas que o tipo legal de crime transporta.´
- O consumo habitual de produto estupefaciente e a ausência de rendimentos de proveniência lícita para prover ao seu sustento e satisfazer as necessidades daquele consumo que constituíram a motivação para a prática dos ilícitos destinados a proporcionar proveitos financeiros para fazer face a tais necessidades, são factores endógenos da pessoa do recorrente e não consubstanciam qualquer condicionalismo exterior que tivesse actuado como propiciador e facilitador das sucessivas condutas delituosas e que dessa forma conduzisse a uma menor exigibilidade comportamental determinante de uma diminuição considerável da sua culpa. Tais factores que derivam do próprio recorrente não têm relevância para efeitos do preenchimento do exigido quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a sua culpa, ficando, por conseguinte, afastada a verificação de uma continuação criminosa.
Proc. 110/17.5SMLSB.L1 5ª Secção
Desembargadores: Ricardo Cardoso - Artur Vargues - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc.° n° 110/17.5SMLSB.L1
Acordam em conferência os Juízes da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
1. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) n° 110/17.1AXLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no qual é arguido SRK..., preso preventivamente à ordem dos presentes autos até 16 de Abril de 2019 e presentemente à ordem de outros autos, por acórdão, proferido a 11 de Outubro de 2018, foi decidido o seguinte:
Em conformidade com o exposto, julga-se procedente, por provada, a acusação e consequentemente:
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de quatro crimes de furto qualificado na forma consumada (NUIPC 2565/16.6PBLSB, 225/17.0PFLSB, 1084/17.8PYLSB, 1254/17.9PFLSB e 1100/17.3S5LSB} p. e p., pelos art°s. 203°, n° 1 e 204°, n° 1, al. h), ambos do Código Penal, na pena de um ano de prisão por cada um deles;
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de furto qualificado na forma consumada (NUIPC 1546/17.7PKLSB) p. e p., pelos art°s. 203°, n° 1 e 204°, n° 1, als. b) e h), ambos do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão;
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de furto qualificado na forma consumada (NUIPC 823/17.1S5LSB) p. e p., pelos art°s. 203°, n° 1 e 204°, n° 1, als. b) e h), ambos do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão;
- Absolve-se o arguido SRK... dos crimes de furto qualificado de que vinha acusado nos NUIPC 362/17.0S6LSB, 467/17.8S6LSB, 664/17.6S5LSB, 700/17.6S5LSB;
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de quatro crimes de furto simples (nos NUIPC 362/17.0S6LSB, 467/17.8S6LSB, 700/17.6S5LSB) p. e p., pelo art.° 203°, n° 1, conjugado com o disposto no n° 4, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão por cada um deles.
- Condena-se o arguido SRK... pela prática em autoria material, de um crime de furto simples na forma tentada, (NUIPC 664/17.6S5LSB) p. e p., pelas disposições conjugadas dos art°s. 203°, n° 1, 22°, 23°, 73° e 203°, n° 1, todos do Código Penal, na pena de quatro meses.
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de furto qualificado na forma consumada (NUIPC 110/17.5SMLSB) p. e p., pelos art°s. 203°, n° 1 e 204°, n° 1, als. b] e h), ambos do Código Penal, na pena de um ano de prisão
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de furto simples (NUIPC 110/17.5SMLSB) p. e p., pelo art.° 203°, n° 1, conjugado com o disposto no n° 4, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão;
- Absolve-se o arguido SRK... da prática de um crime de furto simples de que vinha acusado no NUIPC 110/17.5SMLSB;
- Absolve-se o arguido SRK... da prática de um crime de furto qualificado na forma tentada de que vinha acusado no NU1PC 417/17.8S6LSB.
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de furto simples na forma tentada [no NUIPC 417/17.1POLSB) p. e p., pelo art.° 203°, n° 1, conjugado com o disposto no 204°, n° 4, e ainda art°s. 22°, 23° e 73°, todos do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão por cada um dos crimes.
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada (NUIPC 261/17.6PBLSB e) p. e p., pelos art°s. 203°, n° 1 e 204°, n° 1, al. h), conjugado com o disposto nos artigos 22°, 23° e 73°, todos do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão;
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de apropriação ilegítima de coisa achada, (NUIPC 93/17.1 SMLSB) p. e p., pelo art.° 209°, n°s 1 e 2, do Código Penal, na pena de três meses de prisão.
- Absolve-se o arguido SRK... do crime de dano de que vinha acusado no NUIPC 1546/17.7PKLSB;
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de furto qualificado na forma consumada (NUIPC 1546/17.7PKLSB), p. e p., pelos art°s. 203°, n91 e 204°, n° 1, als. b) e h), na pena de um ano e cinco meses de prisão;
- Condena-se o arguido SRK... pela prática de um crime de dano (NUIPC 44/17.3PCLSB), p. e p., pelo art.° 212°, n° 1 do Código Penal, na pena de dois meses de prisão;
Em cúmulo jurídico vai o arguido SRK... condenado na pena única de cinco anos e dois meses de prisão.
- Condena-se o arguido SRK... a pagar a quantia de vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos, acrescida de juros de mora vincendos e vencidos até integral e efectivo pagamento.
- Condena-se, ainda, o Arguido, a suportar as custas criminais e cíveis do processo, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça
Remeta boletim para inscrição no Registo Criminal do Arguido.
Mantendo-se o perigo, não só de fuga, mas de continuação da actividade criminosa por parte do arguido face à sua situação, mantendo-se pois os pressupostos que determinaram a aplicação ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, agora reforçada com a presente condenação, mantém-se a medida aplicada, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 202°, n° 1, alínea d), 204°, alíneas a) a c) e 213°, n° 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal.
2. Não se conformando com esta decisão o arguido dela interpôs recurso apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:
- O Tribunal a quo, no seu douto Acórdão, ora recorrido, não teve em conta estarmos perante um crime continuado.
II - São, pois, pressupostos do crime continuado, a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico, homogeneidade da forma de execução, lesão do mesmo bem jurídico, unidade de dolo e persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
III - O Tribunal a quo considerou, designadamente, provado:
Os factos constantes dos processos NUIPC 2565/16 6PBLSB, NUIPC 62/17.0S6LSB, NUIPC 1084/17.8PYLSB, NUIPC 467/17.8S6LSB, NUIPC 417/171POLSB, NUIPC 1254/17 9PFLSB, NUIPC 823/17 1S5LSB e NUIPC 1086/17.4S5LSB, por confissão integral, livre e sem reservas do arguido.
Ainda considerou provados por confissão parcial os elementos relativos aos processos NUIPC 261/17 6PBLSB, NUIPC 664/176S5LSB, NUIPC 110/17 5SMLSB e NUIPC 44/17 3PCLSB.
IV- O Tribunal a quo considerou, designadamente, não provado:
1 - A negação do cometimento do crime que lhe é imputado nos NUIPC 225/17.0PFLSB, 700/17.6S5LSB, não tendo sido aplicado o princípio legal in dúbio pro reo e a consequente absolvição do arguido nestes processos.
2 - Relativamente ao NUIPC 93/17.1SMLSB decidiu o Digníssimo M.P, nos termos do art.° 277° n° 2 do Código Processo Penal, pelo arquivamento dos autos relativos apropriação de ilegítima de coisa achada, tanto por falta de legitimidade deste assim como por falta de indiciação.
V - Pelo que, dos factos provados, resulta claramente que, nos crimes em que o arguido foi condenado, há uma proximidade temporal, do mesmo tipo de crime, que protegem fundamentalmente o mesmo bem jurídico, demonstrando homogeneidade na forma de actuação do arguido ora recorrente-, com lesão do mesmo bem jurídico, com unidade de dolo, tendo por base uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa - uma vez que o arguido iniciou-se no consumo de ingestão de bebidas alcoólicas e produtos estupefacientes devido ao seu despedimento, à sua separação da sua namorada, a falta de apoio em solo português, apresentando uma vida irregular ligada à prática de ilícitos a que recorria para a manutenção dos consumos.
VI - Pelo exposto, o Tribunal a quo não considerou tais factos como prática de um crime de furto simples na forma continuada, crime de furto qualificado na forma continuada, não atendeu ao preceituado no n° 2 do art.° 30° do Código Penal, que dispõe que Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
VII - Sendo determinante para a sua concretização, a actuação do arguido ora recorrente por forma essencialmente homogénea e a existência de uma situação exterior exercida sobre o mesmo, Pese embora verbalize ter efectuado significativos esforços para inverter o seu quadro vivencial, não conseguiria, segundo o próprio, iniciar actividade profissional estruturada, socorrendo-se unicamente de pontuais, irregulares e indiferenciadas tarefas na área da restauração ou da figuração, insuficientes para a manutenção de um quadro económico mais equilibrado.
De acordo com o próprio, a conjuntura vivenciada terá tido consequências negativas no seu quadro emocional e comportamental, ao qual atribui o início de consumos abusivos de bebidas etílicas, o que justifica e legitima a atenuação da sua culpa.
VIII- Assim, tendo em conta o preceituado no n° 2 do art.° 30° do Código Penal, poder-se-á concluir que o crime continuado se verifica quando, com unidade de dolo e em momentos distintos, mediante várias acções, cada uma das quais constitutiva de comportamento delituoso, se lesa o mesmo bem jurídico pertencente a uma pessoa, ou a várias, sempre que o bem jurídico não seja de natureza eminentemente pessoal, face à existência de uma situação exterior que, incentivando, propiciando ou facilitando o comportamento delituoso, diminui de forma sensível a culpa do agente.
IV - O Tribunal a quo, condenou o arguido ora recorrente, pela prática no total de cinco crimes de furto qualificado na forma consumada, NUIPC 2565/16.6PBLSB, NUIPC 225/17.0PFLSB, NUIPC 1084/17.8PYLSB, NUIPC 1254/17.9PFLSB e NUIPC 1100/17.3S5LSB, p. p., pelos artigos 203° n° 1, 204° n.° 1, alínea h), todos do Código Penal, em condenação em um ano de prisão efectiva, por cada um dos crimes em apreço, um crime de furto qualificado na forma consumada, NUIPC 1546/17.7PKLSB, p. p., pelos artigos 203° n° 1, 204° n.° 1, alínea h), todos do Código Penal, em condenação em um ano e 5 meses de prisão efectiva, por cada um dos crimes em apreço, um crime de furto qualificado na forma consumada, NUIPC 1546/17.7PKLSB, p. p., pelos artigos 203° n° 1, 204° n.° 1, alínea h), todos do Código Penal, em condenação em um ano e 2 meses de prisão efectiva, por cada um dos crimes em apreço, um crime de furto qualificado na forma consumada, NUIPC 823/17.1S5LSB, p. p., pelos artigos 203° n°1, 204° n.° 1, alínea h), todos do Código Penal, em condenação em um ano e 6 meses de prisão efectiva, pelo crime em apreço, um crime de furto qualificado na forma tentada, NUIPC 261/17.6PBLSB, p. p., pelos artigos 203°, 204°, n.° 2, alínea h), todos do Código Penal, condenação em oito meses de prisão efectiva, pelo crime em apreço, quatro crime de furto simples, NUIPC 362/17.0S6LSB, NUIPC 467/17.8S6LSB, NUIPC 700/17.6S5LSB, NUIPC 110/17.5S5LSB p. p. pelo artigo 203° n° 1, conjugado com o n° 4, do Código Penal, condenação em seis meses de prisão efectiva, por cada um dos crimes em apreço, dois crimes de furto simples na forma tentada, NUIPC 664/17.6S5LSB, NUIPC 417/17.1POLSB p. p. pelos art.° 22°, 23° e 203° n° 1, todos do Código Penal, condenação em quatro meses de prisão efectiva, por cada um dos crimes em apreço, e em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e dois meses de prisão.
IX - Quando estava em causa a prática pelo arguido, em todas ocasiões, de crime de idêntica natureza e com vista a proteger o mesmo bem, em que o arguido mostra sentir o mesmo grau de culpa e de receio em todos os actos cometidos;
X - Dentro da moldura penal abstracta ao referido crime a mesma pena de prisão e tendo em consideração que a gravidade deste mesmo crime é manifesta, sendo acentuado o grau de ilicitude dos factos, que o arguido repetiu por diversas vezes, a culpa é intensa, visto que o arguido sempre se comportou com dolo directo;
XI - Pelo que, salvo melhor opinião, o arguido ora recorrente deveria ter sido condenado por um crime continuado e a pena que lhe foi aplicada terá, obrigatoriamente de ser revista e com uma moldura penal mais baixa por adequada, tendo em atenção os factos perpetrados e o respectivo contexto.
XII - Pelo que, para efeitos de aplicação do artigo 30°, n° 2 do Código Penal podemos considerar que a conduta criminosa do arguido estava coberta por uma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa, mas que tal atenuação deve resultar de uma conformação especial do momento exterior da
conduta, devendo estar sempre condicionada pela circunstância de esta ter concorrido para o agente renovar a prática do crime.
XIII - O Tribunal a quo, com o devido respeito, que é muito, violou o disposto no artigo 30°, n° 2 do Código Penal, pelo que, o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado por outro que considere que o arguido praticou um único crime de furto qualificado na forma continuada, um único crime de furto simples e um único crime de furto simples na forma tentada e consequentemente deverá ser aplicada uma pena substancialmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias em que o crime foi cometido.
XIV- Deverá ser aplicado nos processos NUIPC 225/17.0PFLSB, 700/17.6S5LSB, o principio in dubio pro reo, por dúvida razoável da culpabilidade do ora recorrente e este ser consequentemente absolvido nos mesmos.
XV- Deverá ser considerado relativamente ao NUIPC 93/17.1SMLSB decidiu o Digníssimo M.P, nos termos do art.° 277° n° 2 do Código Processo Penal, pelo arquivamento dos autos relativos apropriação de ilegítima de coisa achada, tanto por falta de legitimidade deste assim como por falta de indiciação, tendo por consequência a respectiva absolvição do arguido deste crime.
TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se parcialmente o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro, reavaliando e reapreciando a matéria de facto dada como provada,
1- A requalificação jurídica dos factos praticados e da medida da pena aplicada e que em consequência seja diminuída a pena de 5 anos e 2 meses de prisão, tendo em conta que estamos na presença de crime na forma continuada.
2- Ser o Arguido, ora recorrente, absolvido dos crimes referentes aos processos NUIPC 225/17.0PFLSB, 700/17.6S5LSB e NUIPC 93/17.1SMLSB.
3. Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos
e com efeito suspensivo o M°P° respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O Acórdão recorrido fundamentou devidamente os factos que deu como assentes, nada resultando que tenha apreciado a prova produzida em julgamento de forma discricionária e subjectiva.
2. Da leitura do Acórdão recorrido, constata-se que no exame crítico levado a efeito se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova
e que esta foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação do Tribunal, nos termos do disposto no art.° 127° do Código de Processo penal.
3. O Acórdão recorrido de forma alguma pode ser tido como uma decisão arbitrária e contrária às regras da experiência, sendo que a prova foi correctamente apreciada e não se suscitou qualquer dúvida que implicasse a aplicação do princípio in dubio pro reo.
4. O Acórdão recorrido não padece de qualquer erro de direito, nomeadamente quanto à qualificação jurídica.
5. Na situação dos autos foi o próprio recorrente a determinar o cenário,
o agente actuou aperfeiçoando a realidade exterior aos seu desígnios e propósitos sendo ele a dominá-la, e não esta a dominá-lo, daí que, no caso em apreço, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, não estamos perante a figura do crime continuado.
6. A pena de prisão aplicada ao recorrente foi sábia e criteriosamente aplicada, mostrando-se adequada, justa e proporcional, não existindo nenhuma razão de ser para as criticas que o recorrente dirige à determinação da medida concreta da pena em referência, aliás se houvesse algum reparo a fazer, seria a extrema benevolência da dita pena.
7. O Acórdão recorrido no procedimento tendente à determinação da pena atendeu às finalidades da punição consignadas no artigo 40° do Código Penal e no que diz respeito à escolha e determinação da pena e da respectiva medida, observou os critérios estabelecidos nos artigos 40°, 70° e 71° do Código Penal.
8. O Acórdão recorrido apreciou criteriosamente a matéria de facto e aplicou judiciosamente o direito.
9. O Acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal.
10. Nestes termos, deve negar-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, manter-se, na íntegra, o Acórdão recorrido.
4. Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
6. Suscita-se a apreciação das seguintes questões:
- Do crime continuado e da atenuação da pena;
- Do princípio in dubio pro reo;
- Do pedido de absolvição do arguido;
- Do crime de apropriação ilegítima.
7.1. Assim reza o acórdão recorrido:
Em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, o Ministério Público deduziu acusação contra:
SRK..., filho de MR... e de AR..., natural da R..., nascido em ..., solteiro, sem residência fixa e actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa à ordem dos presentes autos
Imputando-lhe a prática, em concurso efectivo e em autoria material, de:
. a) Dez crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, n° 1 e 204°, n° 1, alínea h);
. b) Quatro crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, n° 1 e 204°, n° 1, alíneas b) e h);
. c) Três crimes de furto qualificado na forma tentada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, n° 1, 204°, n° 1, alínea h], 22°, 23° e 73°;
. d) Um crime de apropriação ilegítima de coisa achada, previsto e punido pelo artigo 209°, n°s 1 e 2;
. e) Um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212°, n° 1, todos do Código Penal;
. f) Um crime de furto, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203°, n° 1, 22° e 23°, consumido pelo crime de dano, previsto e punido pelo art.° 212°, n° 1;
e
g) Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203°, n° 1 e 204°, n° 1, alínea b) e um crime de furto
simples, previsto e punido pelo art. 203-, todos do Cód. Penal.
ZPC..., S.A, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, alegando que em 12 de Janeiro de 2017, o arguido entrou no estabelecimento comercial da demandante com o intuito de se apropriar de três casacos para o que retirou os alarmes neles apostos, tendo danificado e inutilizado um dos casacos no valor de € 29,99, o que impediu que o mesmo fosse colocado à venda, pelo que termina pedindo que aquele seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 29,99, acrescida de juros de mora vencidos e
vincendos, até efectivo e integral pagamento.
As acusações foram recebidas nos precisos termos em que foi deduzida, não tendo o arguido apresentado qualquer contestação e foi designado dia
para julgamento.
Posteriormente ao despacho que designou datas para a audiência não ocorreram nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
Procedeu-se ao julgamento com observância do formalismo legal, como se constata das respectivas actas.
II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II — I - Matéria de facto provada:
Da audiência de julgamento resultam provados os seguintes factos:
1- - No final do ano de 2016, o arguido SRK... deixou de ter qualquer
fonte de rendimento que lhe permitisse prover ao seu sustento, pelo que decidiu encontrar formas de obter quantias monetárias para o efeito, à custa do património alheio. NUIPC 2565/16.6PBLSB
2 - No dia 24 de Dezembro de 2016, em hora não concretamente apurada, mas próxima das 17h00m, o arguido dirigiu-se à loja ... sita na Rua Augusta, n° 137, em Lisboa, explorada pela Sociedade H..., a fim de se apoderar de artigos de vestuário que ali se encontravam à venda.
3 - Assim, dirigiu-se aos expositores e retirou dois casacos, um no valor de € 49,99 e outro no valor de € 99,00, perfazendo o valor global de € 148,99 (cento e quarenta e oito euros e noventa e nove cêntimos).
4 - Na posse daqueles artigos, SRK... passou as linhas de caixa da loja sem efectuar o respectivo pagamento e saiu daquele estabelecimento, fazendo-os seus.
NUIPC 225/17.0PFLSB
5 - Pelas 14 horas e 15 minutos do dia 28 de Janeiro de 2017, GC..., que se encontrava hospedada no Metro Hostel Lisboa, sito na Avenida Defensores de Chaves, n° 22 — 4° Esquerdo, nesta Cidade, ausentou se momentaneamente do seu quarto, tendo ali deixado o seu telemóvel lphone 4S.
6 - SRK... avistou o referido telemóvel e, aproveitando-se da ausência da respectiva proprietária, decidiu apoderar-se do mesmo, o que fez, levando-o consigo.
NUIPC 261/17.6PBLSB
7- - No dia 9 de Fevereiro seguinte, pelas 19 horas e 30 minutos, o arguido entrou na loja Z... sita nos n. 157 a 171 da Rua Augusta, em Lisboa, explorada pela Sociedade Z....
8 - Decidiu então apoderar-se de dois casacos que ali se encontravam expostos para venda, no valor global de € 109,90 (cento e nove. euros e noventa cêntimos).
10 - Quando saía do provador, o arguido foi abordado peio vigilante do estabelecimento, altura em que abandonou aquelas peças numa mesa e se dirigiu à saída da loja, a fim de fugir do local e evitar a sua identificação pelas autoridades policiais.
NUIPC 362/17.0S6LSB
11 - Em momento não concretamente apurado, mas próximo das 11 horas e 50 minutos do dia 18 de Março de 2017, SRK... dirigiu-se à loja S…, sita no Centro Comercial Vasco da Gama, nesta Cidade, explorada pela Sociedade S…, S.A., com o propósito de se apoderar de artigos que ali se encontrassem à venda.
12 - Na execução do referido desiderato, retirou de um expositor uma camisola no valor de € 64,99 (sessenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), após o que saiu da loja sem proceder ao respectivo pagamento, fazendo-a sua.
NUIPC 1084/17.8PYLSB
13 - No dia 25 do mesmo mês e ano, cerca das 16 horas, o arguido dirigiu-se à loja S…, sita no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, explorada pela referida S…, novamente com o propósito de se apoderar de artigos que ali estivessem à venda.
14 - Para tanto, dirigiu-se aos expositores e retirou as peças de vestuário melhor descritas na listagem de fls. 297 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, no valor global de € 250,92 (duzentos e cinquenta e dois euros e noventa e dois cêntimos).
15 - Uma vez na posse daqueles artigos, SRK... passou a linha de caixa sem proceder ao respectivo pagamento e saiu do estabelecimento, fazendo-os seus.
NUIPC 467/17.8S6LSB
16 - Em hora não concretamente apurada do início da noite de 11 de Abril de 2017, o arguido entrou na loja P…, sita no já referido Centro Comercial Vasco da Gama, explorada pela S… Portugal, Confecções, S.A., com o propósito de fazer seus artigos que ali se encontrassem à venda.
17 - Assim, retirou dos expositores um par de calções, no valor de € 19,99 e uma t-shirt, no valor de € 7,99, que colocou num saco que trazia consigo e, de seguida e sem proceder ao respectivo pagamento, saiu da loja, apoderando-se dos mesmos.
18 - Seguidamente e com o mesmo fito, entrou na loja C… sita no mesmo Centro, explorada pela Sociedade C…, Unipessoal, Lda.
19 - SRK... retirou então de um expositor duas camisolas, cada uma das quais no valor de € 9,90, perfazendo o valor global de € 19,80 (dezanove euros e oitenta cêntimos), na posse das quais passou a linha de caixa sem proceder ao correspondente pagamento e saiu daquele local, fazendo-as suas.
20 - Pelas 16 horas e 30 minutos do dia 22 de Abril seguinte, o arguido SRK... e Sara Marques dirigiram-se à loja L… sita n'o Spacioshopping, em Lisboa, explorada pela Sociedade R…, Confecções, S.A..
21 - Ali chegados, decidiram fazer seus artigos que ali se encontrassem expostos sem proceder ao pagamento do correspondente preço.
22 - Na execução do referido desiderato, recolheram as peças de roupa que se encontram descriminadas a fls. 176 e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, no valor global de € 86,00 (oitenta e seis euros), com as quais se dirigiram aos provadores.
23 - O arguido retirou então os alarmes colocados naqueles artigos e vestiu parte das peças de vestuário.
24 - Nesse momento, foram abordados por uma funcionária da loja, a qual impediu que os mesmos saíssem daquele local
NUIPC 1254/17.9PFLSB
25 - No dia 23 de Maio de 2017, SRK... dirigiu-se ao H…, sito na Travessa Cidadão J…, n° …, nesta cidade.
26 - Ali chegado, dirigiu-se ao segundo andar e retirou os seguintes artigos, na posse dos quais saiu daquele local, fazendo-os seus: Uma máquina de cortar tijoleira, de marca Rubi, no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros] e uma rebarbadora, no valor de € 40,00 (quarenta euros].
NU1PC 664/17.6S5LSB
27 - No dia seguinte, o arguido dirigiu-se ao O…, sito na Avenida Engenheiro A…, em Lisboa e, uma vez ali, decidiu apoderar-se da mala de uma funcionária que se encontrava no átrio daquele Hotel, com conteúdo e valor não concretamente apurados.
28 - Assim, pegou na mesma, mas ao ser interceptado, abandonou a mala e o local encetando a fuga daquele local.
NU1PC 700/17.6S5LSB
29 - No dia 31 de Maio de 2017, pelas 18 horas e 30 minutos, o arguido avistou o veículo de matrícula …, propriedade de AB..., o qual se encontrava estacionado na Rua Sarmento de Beires, nesta Cidade, tendo decidido fazer seus os objectos de valor que se encontrassem no seu interior.
30 - Para tanto e aproveitando-se da circunstância de o mesmo não se encontrar trancado, introduziu-se no seu interior, dali retirando e fazendo seu um auto-rádio de marca, características e valor não concretamente apurados, mas inferior a € 100,00 (cem euros).
NUIPC 823/17.1S5LSB
31 - Em hora não concretamente apurada da tarde de 25 de Junho de 2017, o arguido entrou no hall do prédio sito no n° 94 da Rua Carvalho Araújo, em Lisboa.
32 - Avistou nesse momento a bicicleta eléctrica Sinus, de cor preta, no valor de € 2.000,00 (dois mil euros], propriedade de JJ..., a qual se encontrava presa ao corrimão das escadas com um cabo de aço e respectivo cadeado, tendo decidido fazê-la sua.
33 - Assim e por modo não concretamente apurado, inutilizou o referido cadeado, após o que retirou a bicicleta e a levou consigo, apoderando-se da mesma.
NUIPC 1086/17.4S5LSB
34 - Na manhã do dia 16 de Agosto de 2017, LD... prendeu a sua bicicleta Btwin Rockrider 340, de valor não concretamente apurado, mas superior a € 102.0 (cento e dois euros), a um poste existente em frente ao n° … da A…, em Lisboa, utilizando para o efeito um cadeado.
35 - Cerca das 15 horas e 45 minutos do mesmo dia, o arguido avistou a referida bicicleta e decidiu fazê-la sua.
36 - Assim, começou a tentar cortar o referido cadeado, quando foi surpreendido por uma transeunte, momento em que encetou fuga do local. NUIPC 93/17.1SMLSB
37 - No dia 17 de Agosto de 2017, pelas 22 horas e 10 minutos, na A…, em Lisboa, o arguido trazia consigo o cartão propriedade do ofendido JF....
NUIPC 1546/17.7PKLSB
38 - Em momento não concretamente apurado, mas entre as 6 horas e as 7 horas e 30 minutos do dia 23 de Setembro de 2017, SRK... avistou o veículo de matrícula ..., propriedade de MS..., que se encontrava estacionado na Rua dos Sapadores, nesta Cidade, tendo firmado o propósito de fazer seus os artigos de valor que se encontrassem no seu interior.
39 - Assim, e para o efeito, o arguido partiu o vidro ventil traseiro do lado direito, o que lhe permitiu abrir a viatura e introduzir-se dentro da mesma, de onde retirou um telemóvel Samsung com o IMEI ..., no valor de € 800.00 (oitocentos euros), que fez seu.
40 - Seguidamente, o arguido dirigiu-se à Rua A…, onde decidiu apoderar-se dos objectos de valor que se encontrassem no interior do automóvel de matrícula ..., propriedade da Sociedade A…, Lda.
41 - Para tanto e de modo não concretamente apurado, partiu o vidro triangular da porta traseira, o que lhe permitiu entrar naquele espaço, dali tendo retirado um casaco de marca Pull & Bear, no valor de € 120,00 (cento e vinte euros], propriedade do ofendido FS..., do qual se apoderou.
42 - Fruto da actuação do arguido, foi necessário proceder à substituição daquele vidro, importando o dispêndio da quantia de € 254,22 (duzentos e cinquenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos).
NUIPC 110/17.5SMLSB
43 - Pelas 2 horas e 55 minutos do dia 16 de Outubro de 2017, o arguido avistou os veículos táxi com as matrículas … e …, os quais se encontravam estacionados na Avenida Defensores de Chaves, em frente ao n¬33, em Lisboa, tendo firmado o propósito de fazer seus os objectos de valor que se encontrassem dentro dos mesmos.
44 - Assim, e para tanto, partiu o vidro triangular do lado esquerdo do automóvel com a matrícula …, após o que entrou no seu habitáculo, de onde retirou um par de óculos de sol de marca Carrera, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros), propriedade do ofendido FB....
45 - Seguidamente, partiu o vidro triangular do lado direito do veículo com a matrícula …, dali retirando uma bolsa de cor preta, no valor de € 5,00, pertencente ao ofendido JS…, contendo um telemóvel Samsung Orange com o IMEI …, no valor de € 50,00.
46 - Na posse da referida bolsa e conteúdo, SRK... saiu do local, fazendo-os seus.
47 - Nas ocasiões acima referidas, o arguido actuou com o propósito de fazer seus os bens acima descritos pelos modos narrados, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agia contra a vontade do(a)s respectivo(a)s proprietário(a)s, desiderato que apenas não logrou alcançar em três ocasiões distintas e por motivos inteiramente alheios à sua vontade.
NUIPC 1100/17.3S5LSB
48 - No dia 20 de Agosto de 2017, entre as 23h00 e o dia 21 de Agosto de 2017 pelas 9h00, o arguido delineou um plano e dirigiu-se à Avenida Óscar Monteiro Torres, em Lisboa, área desta comarca, e entrou nas garagens do respectivo prédio, para se apoderar dos objectos que ali se encontrassem.
49 - Na execução do planeado, o arguido dirigiu-se ao veículo de matrícula …, tendo exercido uma pressão na extremidade superior do vidro descendente, criando uma folga entre o vidro e a estrutura da porta.
50 -Desta forma, o arguido conseguiu baixar o vidro e acedendo ao manípulo interior, e abriu a porta da viatura.
51 - Em ato contínuo, o arguido introduziu-se no interior da viatura e apoderou-se e fez seu um berbequim no valor de 150,00 € (cento e cinquenta euros), e danificou a chuventa do carro no valor de 35,00 € (trinta e cinco euros).
52 - Com a sua actuação do arguido causou prejuízos no montante global de 185,00 € (cento e oitenta e cinco euros).
53 - Nessa mesma data e ocasião, de forma não concretamente apurada, o arguido apoderou-se de um velocípede sem motor de marca Rockrider, de cor branca, que ali se encontrava estacionada, acorrentada a um atrelado.
54 - Os objectos nunca foram recuperados pelos ofendidos.
55 - O arguido agiu da forma descrita, com o propósito de se apoderar e de fazer seus os referidos objectos que se encontravam no interior da garagem, designadamente, no interior da viatura e o velocípede, bem sabendo que não lhe pertenciam, e que actuava contra a vontade dos seus legítimos donos.
56- Não ignorava que, ao partir o vidro do veículo de matrícula …, causaria estragos no mesmo e geraria um prejuízo patrimonial ao respectivo proprietário e, ainda assim, não se coibiu de o fazer.
NUÍPC 44/17.3PCLSB
57 - O arguido, no dia 12.01.2017, cerca das 17h00, dirigiu-se ao estabelecimento comercial, denominado Z..., sita na Rua G…, n.- 9, em Lisboa.
58 - No interior do aludido estabelecimento comercial, o arguido retirou dos expositores aí existentes:- Um par de calças no valor de € 19,99; um corta-vento, no valor de € 29,99; um corta-vento no valor de 39,99; um corta-vento, no valor de € 29,99; um corta-vento, no valor de € 29,99, num de € 149,95 (cento e quarenta e nove Euros e noventa e cinco cêntimos).
59 - Após e na posse de tal objecto, o arguido entrou para um dos provadores aí existentes, vestiu as peças de roupa acima descritas.
60 - Após, de modo não concretamente apurado, o arguido saiu dos provadores com uma das peças já vestidas por baixo da sua roupa, um dos corta-vento, no valor de € 29,99, sem o respectivo alarme, tendo deixado o alarme num dos bolsos das outras peças de roupa que havia experimentado, preparando-se para sair da loja. No entanto, um dos funcionários que aí exercia funções apercebeu-se do acima descrito e abordou o arguido.
61 - O objecto acima referidos foi recuperado, mas já sem o alarme, e ficou na posse de legal representante da queixosa.
62 - O arguido, ao actuar da forma descrita, fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, somente não logrando alcançar os seus intentos de fazer seus os objectos acima mencionados, por circunstâncias alheias às suas vontades, não obstante saber que não lhes pertencia e que agia contra a vontade do proprietário daquele.
63 - Mais agiu o arguido, com o propósito concretizado, de partir o alarme que se encontrava aposto na peça de vestuário, corta-vento e, via disso, causar estragos em tal objecto, que sabia ser pertença da queixosa.
64- Sabendo, igualmente, que a sua conduta era proibida e punida por lei.
65 - O arguido ao retirar os alarmes /grapas dos casacos pertencentes à ofendida ZPC..., S.A., acabou por danificar um dos casacos o qual ficou inutilizado, não podendo ser colocado à venda por aquela, causando um prejuízo de € 29.99.
66 - Actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente e tendo em
vista prover ao seu próprio sustento, como veio a suceder, bem sabendo que
as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Das condições pessoais, familiares e profissionais do arguido:
Mais se provou que:
67 - O arguido é natural de B…, Alemanha, tendo crescido no agregado familiar, de origem juntamente com os irmãos, num meio sociocomunitário de características rurais. A família de mediana condição socioeconómica e cultural, veio mais tarde a mudar para meio urbano, tendo a subsistência financeira do agregado siso assegurada com recurso aos rendimentos obtidos através das actividades laborais exercidas pelos pais, tendo o progenitor sido operário numa empresa de fabrico automóvel durante vários anos e mais tarde empresário em nome individual, no ramo dos transporte de passageiros de longo curso, e a progenitora, empregada de mesa, no ramo do comercio de restauração.
68 - Em termos escolares, o arguido SRK... frequentou o ensino público, sendo detentor de habilitações escolares equivalentes ao nível secundário no sistema de ensino português.
69 - SRK... ingressou por volta dos dezasseis anos num curso de ensino profissionalizante na área de restauração/hotelaria, tendo obtido certificação formal, naquele ramo de actividade.
70 - Por volta dos dezanove anos, começou a trabalhar como empregado de mesa, no ramo da restauração, actividade que exerceu de forma regular até cerca dos vinte e cinco anos, quer no país de origem, quer em Zurique, na Suíça, país para onde emigrou quando contava vinte e um anos.
71 - Estabeleceu uma relação afectiva com uma cidadã portuguesa, com a qual viveu na suíça e posteriormente em Portugal, tendo fixado residência em habitação arrendada na Mouraria, onde permaneceram cerca de sete meses, tendo seguidamente mudado residência para habitação arrendada no Lumiar.
72 - Em território nacional trabalhou como operador de call-center, tendo desenvolvido trabalhos daquela natureza de forma alternada junto de várias empresas de telecomunicações durante cerca de dois anos, até final de 2016, altura em que ficou desempregado.
73 - O arguido refere ter encetado o consumo de heroína e cocaína que partilhava segundo o próprio, com a companheira.
74 - Tal enquadramento aliado à inconstância relacional e às dificuldades económicas do agregado, terá originado, segundo o arguido, a ruptura do relacionamento afectivo, com o subsequente afastamento físico da companheira que regressou a casa dos pais em Coimbra, passando desde então o arguido, a viver em situação análoga à de pessoa sem-abrigo, pernoitando na rua, na zona de Arroios, em Lisboa, enquadramento que manteve até à sua prisão e mantendo consumos regulares de estupefacientes.
75 - Em termos afectivos, o arguido refere ter tido uma relação durante a fase de adolescência, da qual terá nascido um filho, actualmente com oito anos, o qual se encontra entregue aos cuidados maternos.
76 - Afirma pretender regressar a Zurique, cidade onde os progenitores detêm residência fixa desde há alguns anos, projectando junto destes vir a beneficiar de suporte afectivo e de integração habitacional, o qual tem-se mantido durante a prisão, tendo beneficiado de transferências monetárias regulares na prisão asseguradas pelos pais, mantendo a par disso, contactos telefónicos frequentes, com os ascendentes. No domínio laboral, perspectiva trabalhar na área da restauração, como empregado de mesa.
77 - No Estabelecimento Prisional de Lisboa mantém bom comportamento institucional, beneficiou no início da prisão, de acompanhamento terapêutico com recurso a metadona, tendo cumprido e terminado o tratamento. Encontra-se inactivo.
78 - Ao nível interno, aparenta ser possuidor de uma personalidade emocionalmente vulnerável, permeável à adopção de um pensamento imediatista e frágil ao nível da capacidade reflexiva e alternativa, quando confrontado com períodos de adversidade no seu trajecto de vida.
Dos antecedentes criminais:
79 - O arguido foi condenado no Proc. 766/17…, do Juiz 4, do Juízo Local de Pequena Instância Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de furto simples, na forma consumada e um crime de furto qualificado na forma tentada, por fatos praticados em 2017, por sentença transitada em julgado em 06-11-2047, na pena única de sete meses prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita a regime de prova.
80 - Foi também condenado no proc. 517/17…., do Juiz 4, do Tribunal da pequena criminalidade, pela prática de um crime de furto simples, na pena de 60 dias de multa a qual veio a ser convertida em 40 dias de prisão subsidiária que cumpriu.
II. 2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
1. Não se provou que os alarmes retirados pelo arguido nos provadores da loja lefties tivessem sido entregues a Sara Marques.
2. Não se provou que tivesse sido o arguido que retirou a caixa de ferramentas da viatura de matrícula …, propriedade de AB….
3. Não se provou que em data não concretamente apurada do início do mês de Julho de 2017 e por modo não concretizado, pessoa(s) cuja(s) identidade(s) não logrou(lograram) apurar-se retirou(retiraram) do interior do veículo de matrícula …, propriedade do ofendido JF... e além do mais, o cartão do cidadão deste, tendo o referido documento entrado na posse do arguido SRK... de modo não concretamente apurado, o qual decidiu fazê-lo seu.
4. Não se provou que o arguido tivesse retirado da viatura com a matrícula … um powerbank, no valor de € 10,00 e uma caneta com componentes em ouro amarelo, no valor de € 55,00.
5. Não se provou que a mala do que o arguido se apoderou no Hotel Olaias Park Hotel, pertencesse a uma hóspede e que o arguido tivesse pegado nesta e encetado a fuga daquele local, fazendo-a sua.
II. 3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção na análise critica e conjunta de todos os meios de prova produzidos em juízo que foram analisados à luz da experiência comum.
Assim, foi relevante a confissão espontânea e sem reservas do arguido que na sua maioria confessou os factos que lhe eram imputados, mostrou-se arrependido e justificou o seu comportamento devido ao consumo de estupefacientes e à falta de apoio material e afectivo então vivenciado com o rompimento da relação afectiva e o ter passado a viver numa situação de sem-abrigo, sendo que na parte não admitida pelo recluso, foi de particular relevo o depoimento das testemunhas:
Quanto ao NUIPC 1100/17…., não obstante o arguido ter negado os factos que lhe eram imputados, o Tribunal formou a sua convicção quanto à prática daqueles pelo depoimento de JM..., proprietário da viatura de matrícula …, que depôs de forma isenta e merecedora de credibilidade e referiu que no domingo estacionou o carro na garagem e no dia seguinte quando ía para o trabalho viu o chuvento partido e algumas partes no chão, estando o trinco das portas do veículo aberto.
Mais afirmou que reparou que o reboque do vizinho da frente, onde normalmente se encontravam quatro bicicletas, só tinha duas e estavam tombadas e os cadeados cortados.
Apercebeu-se que faltava uma caixa de berbequim no valor de cento e poucos euros, sendo o valor dos chuventos danificados de cerca de 30 a 35 euros. A sua versão foi ainda corroborada por FP... Homem, agente da PSP, o qual foi chamado ao local por lhe ter sido comunicado ter havido um furto num jeep, nas Torres, tendo o lesado dito-lhe que faltava um berbequim.
Quanto a estes factos o Tribunal tomou também em consideração o auto de notícia de fls.2 a 5, 7, 12, o relatório de inspecção lofoscópica de fls. 13 e 14, a reportagem fotográfica de fls. 15 a 21 e o exame lofoscópico de fls. 27 a 35.
Quanto ao NU1PC 225/17…. o Tribunal formou a sua convicção de que tinha sido o arguido a furtar o telemóvel lphone 451, pelo depoimento isento e merecedor de credibilidade de FM..., que referiu que no dia 28 de Janeiro de 2017, encontrava-se a trabalhar no hostel, tendo efectuado o check-in ao arguido e acompanhando-o à camarata para indicar a cama. Nesse momento não estava lá mais nenhuma guest de nacionalidade brasileira no quarto de banho. Esta teria deixado o telemóvel em cima da cama e quando voltou da casa de banho, este tinha desaparecido. Esclareceu que o arguido saiu deixando lá uma mochila com um computador e não mais voltou, não tendo dormido pese a reserva. Ligaram para o número de telemóvel que constava da reserva do arguido, tendo atendido uma voz feminina que disse que não o conhecia mas perguntou o que queriam dele o que achou estranho, assim como o facto de ter pago e não ter vindo dormir.
Quanto ao NUIPC 664/17…., acreditou-se na versão do arguido de que não teria levado a mala subtraída, tendo-a deixado ficar na recepção do Olaias Park Hotel em virtude de ter sido corroborada pela testemunha JM..., chefe de secção do antigo Olaias ParK Hotel, o qual explicou que foi alertado por uma governanta que havia uma pessoa estranha a andar no hotel e foi à sua procura. Encontrou o arguido e a governanta disse-lhe que havia uma colega a quem lhe tinham roubado a mochila. O arguido estava com uma mochila que pediu para abrir e mostrar, tendo aquele, dentro dessa mochila, a mochila em causa, que a testemunha retirou de dentro da outra, tendo o arguido de imediato fugido só com a mochila dele e sido apanhado no exterior.
Isto foi ainda corroborado por JM..., então bagageiro do O…, o qual referiu que estava a fazer um check-in e viu o arguido a sair do hotel com uma mala castanha a tentar sair e alguém gritou ladrão, tendo por esse motivo ido atrás dele. Alcançou-o na rua com a mochila e foi também detido por uma agente que tinha saído de serviço e chamou outros colegas, tendo a mochila ficou com os agentes de autoridade.
Quanto ao não se ter provado que o arguido retirou uma caixa de ferramentas do veículo de matrícula …, a convicção do Tribunal resultou do depoimento de AM..., proprietária do veículo que declarou que estava a chegar a casa quando viu a polícia ao pé do seu carro e o arguido e reparou que lhe tinham tirado o auto-rádio, mas quanto à caixa de ferramentas, não sabe se foi outra pessoa porque tinha a porta estragada e só sabe que o auto- rádio estava lá no dia anterior. Mais afirmou que nunca recuperou nada.
Foi ainda relevante o depoimento FB..., na altura porteiro no edifício 3, da praça B…, o qual tem duas entradas, sendo a outra pela rua de Sarmento. Referiu que o arguido entrou pela garagem e avistou através das câmaras um vulto, pelo que se deslocou à garagem, ao piso O, tendo-o abordado e acompanhado à saída para a rua do Sarmento. Momentos depois um morador avisou-o da conduta do arguido e foi então que avistou este a mexer num carro que estava estacionado na rua. Telefonou para a polícia e esta apanhou-o mais à frente.
Quanto ao facto de se ter dado provado que o arguido subtraiu o casaco no processo 1546/17…., o Tribunal formou a sua convicção no depoimento de AS..., proprietário da sociedade de táxis ¬AM..., a qual é proprietária do táxi …, que referiu foi partido um vidro deste táxi e o motorista (F…) deu uma volta e viu o arguido com o seu casaco vestido numa paragem de táxi.
Quanto ao facto de o Tribunal ter considerado que não se concretizou a subtracção dos casacos na Z..., o Tribunal relevou o depoimento de M…, Encarregado da secção da Z…, que referiu que o arguido entrou no provador da loja levando dois casacos. Pouco depois ouviu um ruído de um alarme a soltar-se. Quando saía do provedor vinha com um vestido e deixou outro no provador. O casaco que ficou no provador estava danificada e o alarme deste e do casaco que levou vestido estavam no bolso do casaco que deixou. O que levou não tinha alarme mas não estava danificado. Chamaram então o segurança que o deteve ainda dentro da loja, mas já fora da secção de homem. Mais esclareceu que as peças danificadas são devolvidas e não vendidas, sendo um no valor de valor de 59,00 e outro 49,00.
Este depoimento foi também relevante para a prova do pedido cível quanto à inutilização das peças de vestuário e da impossibilidade da sua venda pela Z..., conjugado com o depoimento de B…, lojista da Z... e que referiu que quando o arguido foi para o provador levava quatro casacos, com dois cabides e cada um sobreposto no mesmo cabide e quando saiu já só tinha e só deixou três casacos na mesa do provador. Deslocou-se então ao provador e viu que não tinha lá ficado nenhum casaco. Então perguntou pelo casaco ao arguido que negou. Porém, o arguido voltou novamente ao provador e a testemunha conseguiu ver pelo buraco do cortinado que o arguido tirou o quarto casaco debaixo do casaco grosso que levava vestido, tendo saído de novo do provador, aí o deixando, o qual não tinha alarme. Só mais tarde repararam que havia calças e outros casacos sem alarme.
Foi ainda confrontado com a factura documento de fls 3 do apenso 3, tendo confirmado a mesma e que o valor do corta-vento danificado era de € 29.99.
Quanto à restante matéria não provada fundamentou-se na ausência de prova quanto à mesma.
O Tribunal tomou ainda em consideração a prova documental existente nos autos, nomeadamente: auto de notícia de fls. 2; auto de denúncia de fls. 4; talão de fls. 3; queixa de fls. 6 a 8, do apenso respeitante ao processo 44/17….; documento do Instituto da Segurança Social de fls. 472; Documentação da Autoridade Tributária e Aduaneira de fls. 483 a 486; Certificado de registo criminal de fls. 709 a 710; Participação de fls. 136, Participação de fls. 150-151; Talão de fls. 152; Auto de visionamento e respectivos fotogramas de fls. 548 a 551; Auto de notícia de fls. 167-168; Talão de fls. 170; Auto de notícia de fls. 294 a 296; Auto de notícia de fls. 257-258; Auto de apreensão de fls. 259; Talões de fls. 261 e 262; Auto de visionamento e respectivos fotogramas de fls. 560 a 567; Auto de notícia de fls. 174-175; Talão de fls. 176; Auto de notícia de fls. 302 a 304; Auto de notícia de fls. 339¬340; Auto de visionamento e respectivos fotogramas de fls. 552 a 559; Auto de notícia de fls. 282-283; Autos de apreensão de fls. 378 e 384; Fotografias de fls. 393; Autos de exame e avaliação de fls. 379 e 389; Termos de entrega de fls. 380 e 390; Auto de notícia de fls. 286; Auto de notícia de fls. 88 a 92; Auto de apreensão de fls. 93 a 95; Termo de entrega de fls. 98; Fotogramas de fls. 109; Auto de notícia por detenção de fls. 410; Participação de fls. 418; Aditamento de fls. 539; Autos de apreensão de fls. 415 e 416; Termos de entrega de fls. 417 e 419; Orçamento de fls. 547; Auto de notícia por detenção de fls. 2 a 5; Auto de apreensão de fls. 10-11; Autos de exame e avaliação de fls. 15 e 21; Termos de entrega de fls. 16 e 22; Fotografias de fls. 25 e 26.
Quanto às condições pessoais, familiares e profissionais do arguido o Tribunal fundamentou-se no teor do relatório social constante de fls. 981 a 987 e quanto aos seus antecedentes criminais, fundamentou-se no teor do CRC.
III. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
III. 1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
Nos termos do disposto no artigo 203° n° 1, do Código Penal (Dec-Lei n° 48/95, de 15 de Março com a alteração introduzida pela Lei 8/2017, de 3 de Março), quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
A tentativa é punível nos termos do n° 2, mas o procedimento criminal depende sempre de queixa, por força do n° 3 do mesmo preceito legal.
Por sua vez comete o crime de furto qualificado, nos termos do art.° 204°, n° 1, do mesmo diploma, quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
a) De valor elevado;
b) Colocada ou transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais;
h) Fazendo da prática de furtos modo de vida e é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
No entanto, não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor (n.º4).
Ora conforme resulta da factualidade apurada conclui-se ter o arguido praticado os furtos que lhe eram imputados, quer na forma consumada quer na forma tentada, pois, em alguns dos casos logrou retirar da esfera patrimonial dos ofendidos os objectos acima descritos e, nas outras situações também acima descriminadas, só não logrou concretizar os furtos porque foi impedido pelos funcionários e terceiros que o apanharam em flagrante.
Igualmente resulta evidente dos factos acima provados que o arguido fazia da prática de furtos modo de vida. Com efeito, desde final de 2016 que se encontrava desempregado, mantendo-se numa situação de sem abrigo, sem qualquer apoio familiar e mantendo consumo de estupefacientes. Aliás, o próprio arguido refere ter sido a sua situação de sem abrigo e de consumidor que o terá levado à prática de crimes.
Deste modo, a inexistência de qualquer suporte económico, a sua situação de sem abrigo e o longo período de tempo em que decorreram os furtos bem como o enorme quantidade de furtos ocorridos, quer na forma consumada, quer na forma tentada, permite pois chegar à conclusão de que os furtos constituía um modo de vida que o arguido adoptou para superar a sua situação economicamente deficitária.
Nesta conformidade, mostra-se preenchido o elemento qualificativo estatuído na alínea h) do art.° 204°, n° 1.
Esta qualificativa deixa contudo de ter relevância quando o valor do objecto furtado seja de diminuto valor (n° 4, do mesmo preceito legal).
Para efeitos de determinação do valor, há que atender à definição legal contemplada no art.° 202° do Código Penal. Assim, valor elevado, nos termos da al. a) do referido preceito legal, é aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto e valor diminuto, nos termos da alínea c), aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.
Nesta medida, entende o Tribunal que relativamente aos NUIPCS 362/17…., 467/17…., 664/17…., 700/17…. pelos quais vinha o arguido acusado da prática de cinco crimes de furto qualificado na forma consumada, qualificados pela alínea h) e ainda quanto ao NUIPC 417/17…. onde lhe era imputado a prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, também pela qualificativa da alínea h), face ao valor diminuto dos bens subtraídos, opera-se a desqualificação por força do n° 4, do art.° 204°, por referência á alínea c) do art.° 202°, todos do código Penal.
Relativamente aos factos imputados ao arguido e que constituem o NUIPC 664/17…., a prova testemunhal produzida veio corroborar a versão do arguido no sentido de que teria deixado a mala furtada após ter sido interceptado no hall do O…. Nesta conformidade, não obstante a sua subtracção, o arguido acabou por deixar a aludida mala no momento em que foi interceptado, tendo-se posto em fuga. Nesta medida, não se consumou
o furto, enquadrando-se a sua conduta tão só na mera tentativa. A este propósito estatui o art.° 22°, n° 1 do CP que, há tentativa quando
o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. E como actos de execução, refere o n° 2 que são actos de execução: a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c)
Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.
Acresce a isto que nenhum valor foi atribuído à mala furtada, pelo que, perante a falta de indicação do valor da mala e não existindo quaisquer outros dados, não pode o Tribunal considerar que a mesma teria valor superior a uma unidade de conta. Deste modo, entende o tribunal que se está perante a prática de um crime de furto simples, desqualificado nos termos do n° 4.
Nesta medida entende o Tribunal proceder à desqualificação do crime de furto nas situações em que o valor não ultrapasse uma unidade de conta.
Vem ainda o arguido acusado da prática do crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados.
Dispõe o art.° 209° do Cód. Penal quanto ao crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados que:
1 - Quem se apropriar ilegitimamente de coisa ou animal alheios que tenham entrado na sua posse ou detenção por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem se apropriar ilegitimamente de coisa ou de animal alheios que haja encontrado.
3 - O procedimento criminal depende de queixa, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206° e 207°.
Esta norma pune a apropriação ilegítima das coisas que entrem na posse ou detenção de alguém que não seja o seu proprietário por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade; e ainda proveniente de achamento, perdida ou esquecida pelo seu
dono. Assim sendo, não se torna necessário que haja a prática de uma acto de subtracção ou de entrega, mas tão só apropriação de coisa ou animal alheio, apropriação essa que se apresenta de forma ilegítima mas que traduz o domínio sobre a coisa.
Nesta medida, o facto de o arguido trazer na sua mochila o cartão de cidadão do ofendido JF..., tendo em consideração o tipo de objecto, torna-se evidente que aquele não era sua pertença o que o mesmo bem sabia, detendo-o contra a vontade do seu dono já que não lhe fora dado por este, querendo tê-lo consigo, embora não se tivesse logrado apurar qual a finalidade a que se destinaria o cartão de cidadão.
No entanto não subsistem dúvidas que com tal conduta preencheu os elementos objectivos e subjectivos do crime de apropriação ilegítima.
Para além dos ilícitos acima descriminados é ainda imputado ao arguido a prática de dois crimes de dano, sendo que num deles o crime de dano terá consumido o crime de furto na forma tentada atento a moldura penal mais elevada prevista para o primeiro, uma vez que o crime tentado sofre a redução da pena, nos termos do art.° 73° do CP o qual estatui que:
1 - Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:
a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;
b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;
c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal;
d) Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos pode a mesma ser substituída por multa, dentro dos limites gerais.
Nos termos do art.° 212°, do Código Penal, comete o crime de dano que, quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. A tentativa é punível (n° 2) e o procedimento criminal depende de queixa (n° 3), sendo correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206° e 207° (n° 4).
Dano é pois a perda ou prejuízo deliberadamente causado por ato de outrem, donde resulte uma diminuição patrimonial.
Nesta conformidade, o crime de furto na forma tentada de que o arguido é acusado no NUIPC 44/17…., encontra-se consumido, como consta da acusação, pelo crime de dano.
Também pelos mesmos fundamentos, relativamente ao crime de dano que é imputado ao arguido no NUIPC 1546/17…., entende este Tribunal que se encontra consumido pelo crime de furto qualificado não existindo por isso lugar à condenação autónoma do arguido por este crime de dano.
A este propósito saliente-se o Ac. do TR. do Porto, datado de 10-11¬2010, proferido no processo 1028/09…..P1:
I- O critério do bem jurídico tutelado pelas normas violadas permite afastar a relação de concurso sempre que o agente vai praticando vários ilícitos numa sucessão de etapas com vista à obtenção de um resultado criminoso não contemplado nas acções já realizadas.
II- Numa tal situação, o concurso aparente só deverá ser equacionado no caso da indispensabilidade dos crimes instrumentais para o cometimento do crime fim: sem a verificação dessa indispensabilidade instrumental, os crimes que antecedem o crime fundamentalmente visado pelo agente conservam a sua autonomia, devendo ser punidos no âmbito do concurso real de infracções.
III- O agente que, para se apoderar de bens que estavam no interior de um veículo automóvel, forçou o vidro da porta com um ferro, causando estragos no valor de 30 €, comete (apenas) um crime de Furto qualificado (art.° 204°, n° 1, al. b), do CP). IV- A indispensabilidade do crime de Dano [crime meio] relativamente ao almejado crime de Furto [crime fim] retira-lhe autonomia, podendo passar a funcionar como circunstância qualificativa deste. V- O significado do crime meio desaparece nos casos em que é tido por secundário em relação ao crime fim e desde que se mostre associado a este através de uma forma de aparição regular, ou forçosamente necessária: mas se a gravidade do crime meio não for mínima, do excesso resultará um concurso efectivo com o crime fim. VI- Se, por força do disposto no n° 4 do art.° 204°, do CP, não houver lugar à qualificação do crime de Furto, então existirá concurso efectivo entre o crime de Dano e o crime de Furto (simples).
DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
Na determinação da pena, antes de mais cumpre desde logo atender ao disposto no art.° 40°, n° 2, do Cód. Penal, o qual estabelece que não há pena sem culpa e aquela não pode ultrapassar essa culpa.
Nesta medida, provada a culpa, impõe-se determinar a pena de acordo com o preceituado no n° 2 do artigo 71° do Código Penal, o qual estatui que: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
É de salientar que pese embora o pequeno valor da maior parte dos bens furtados, sendo assim de mediano relevo o grau de ilicitude dos factos atestada nos factos, não se pode descurar a quantidade de furtos tentados e consumados e o facto desta actividade criminosa ter durado durante quase um ano, sendo um meio de vida face ao estado de indigência vivenciado.
As razões de prevenção geral são fortes, não só pelo forte alarme social que este tipo de criminalidade gera dado que é o que mais atinge a comunidade, mas sobretudo à sua frequência com que ocorre.
As razões de prevenção especial são igualmente fortíssimas tendo em conta os diversos furtos cometidos, de a isto ter recorrido o arguido como meio de vida pela inexistência de qualquer apoio, acrescido do facto de não ser primário, já ter praticado outros crimes de igual natureza.
Deste modo, atendendo-se ainda ao valor dos bens subtraídos e ao modo de execução, mas sem olvidar a atenuante da confissão quanto à maior parte dos crimes que lhe eram imputados, considera-se adequado aplicar ao arguido a pena de 1 ano de prisão por cada um dos crimes de furto qualificado na fornia consumada, com excepção dos crimes de furto qualificado de que vinha acusado nos NUIPC 1546/17…. e NUIPC 823/17…, os quais, atento o valor da coisa subtraída, se julga justa e adequada a pena de, respectivamente um ano e dois meses e um ano e seis meses de prisão.
Relativamente ao crime de furto qualificado na forma tentada mostra-se adequado a aplicação de uma pena de prisão de 8 meses.
Relativamente aos crimes de furto simples na forma consumada entende o Tribunal justo e adequado, face aos fundamentos já explanados para os anteriores crimes, aplicar a pena de seis meses de prisão e de quatro meses de prisão aos crimes de furto na forma tentada.
No que toca ao crime de dano entende o tribunal adequado, face ao valor dos danos a forma de actuação, aplicar a pena de dois meses de prisão.
Relativamente ao crime de apropriação ilegítima de coisa achada, entende o Tribunal adequada e justa a pena de três meses de prisão.
DO PEDIDO CÍVEL:
Provado o dano relativamente ao casaco que o arguido retirou o alarme e danificou e tendo sido produzida prova suficiente de que a demandante civil já não pode vender o casaco, mostra-se provado também o prejuízo e o nexo de causalidade da actuação do arguido com esse dano.
O princípio geral em sede de responsabilidade civil extracontratual é o consignado no art.° 483° do C. Civil «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.»
Resulta do disposto no artigo transcrito que constituem, em regra, pressupostos da responsabilidade delitual o facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano e a culpa.
O facto ilícito é o facto voluntário - acção ou omissão - que viola o direito de outrem ou deveres impostos por lei que vise a defesa de interesses particulares, sem contudo conferir, correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos.
O dano consiste na ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica ou noutra formulação na supressão ou diminuição de uma situação favorável tutelada pelo direito.
O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano representa a imputação objectiva dos resultados danosos ao comportamento do agente, de maneira a determinar-se quais os danos verdadeiramente causados por este e, nessa medida, indemnizáveis. Na responsabilidade aquiliana, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, a qual é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art.° 487° do C.C.).
No caso dos autos como se referiu mostra-se provado não só os danos, como a culpa do arguido na produção desses danos, pelo que terá que indemnizar a demandante cível dos danos peticionados.
DO CÚMULO DAS PENAS:
Quanto às regas da punição do concurso de crimes, estabelece o arts 11- do C. Penal que: 1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores. 4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
Face ao exposto há que aplicar uma pena única ao arguido que congregue todas a individualmente aplicadas.
De harmonia com o disposto nos citados art°s 77°, n°s 1 e 2, e 78°, nos 1 e 2, do Código Penai, a pena mínima a considerar é a mais elevada das penas concretamente aplicadas e, a pena máxima, a soma de todas aquelas.
Passando à determinação da medida concreta da pena de prisão a aplicar ao arguido e considerando os princípios constantes do artg 71.º do Código Penal, verifica-se que a culpa do arguido se encontra ligada à avaliação da sua livre capacidade para se determinar de acordo com a lei e os princípios básicos que regem a vida em sociedade.
A trajectória pessoal do arguido torna consideráveis as necessidades de prevenção especial e de reinserção social do arguido, atentos os seus comportamentos contra a lei, todos de idêntica natureza.
Por outro lado, as exigências de prevenção geral são também consideráveis, dada a proliferação de ilícitos criminais em apreço.
Para além da generalidade dos factos considerados provados constantes das mencionadas decisões condenatórias e da personalidade do arguido, espelhada nos ilícitos cometidos, com reiteração de condutas, impõe se ponderar ainda o espaço temporal em que tais ilícitos ocorreram e o tempo já decorrido sobre os mesmos.
Apesar da reiteração de ilícitos criminais, a maior parte de idêntica natureza, atendendo aos crimes cometidos e circunstâncias dos mesmos, valorando-se ainda as condições pessoais e económicas do arguido acima referidas, e tomando-se em atenção o fim essencial de qualquer pena - a reabilitação e reinserção social do arguido, desde que suficientemente salvaguardadas as exigências de prevenção geral - procedendo ao cúmulo jurídico das penas aplicadas mostra-se adequado fixar ao arguido a pena única de 5 (cinco) anos e 2 (meses) meses de prisão.
7.2. Apreciação.
Funda o recorrente a sua discordância relativa à sentença proferida nos autos, - que o condenou pela prática de quinze crimes de furto, qualificados e simples, consumados e tentados, um crime de apropriação ilegítima de coisa achada e um crime de dano, - no entendimento de que os vários crimes de furto, pelos quais foi condenado, serão subsumíveis à previsão de um único crime de furto na forma continuada, alegando que , nos crimes em que o arguido foi condenado, há uma proximidade temporal, do mesmo tipo de crime, que protegem fundamentalmente o mesmo bem jurídico, demonstrando homogeneidade na forma de actuação do arguido, com lesão do mesmo bem jurídico, com unidade de dolo, tendo por base uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa - uma vez que o arguido iniciou-se no consumo de ingestão de bebidas alcoólicas e produtos estupefacientes devido ao seu despedimento, à sua separação da sua namorada, a falta de apoio em solo português, apresentando uma vida irregular ligada à prática de ilícitos a que recorria para a manutenção dos consumos.
Com o mesmo fundamento, da dependência de drogas e álcool, pretende o recorrente a atenuação especial da pena, com a alegação de que a culpa será pelos referidos motivos diminuída.
A dilucidação das duas questões assenta numa única ideia, a de saber se os factores endógenos do arguido, como a sua toxicodependência e/ou alcoolismo, que potenciaram a sucessiva prática de crimes, preenchem o tipo penal do crime continuado e se diminuem a culpa do agente.
Nos termos do art.° 30° do Código Penal:
1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Os autos relatam que o recorrente em diversas datas, locais e circunstãncias praticou de formas diversas dezassete crimes de furto contra a propriedade de dezassete pessoas diferentes, e assim em dezassete situações exteriores ou exógenas, cometendo assim igual número de crimes, nos termos do n° 1 do art.° 30 do CP.
O cerne do crime continuado, o seu traço distintivo, à luz do qual todos os outros orbitam parece situar-se na existência de uma circunstância exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. O quid essencial está em saber em que medida a solicitação externa diminui a censura que determinadas condutas merecem.
Só ocorrerá diminuição sensível da culpa do agente, tradutora de uma menor exigibilidade para que o agente actue de forma conforme ao direito, quando essa tal circunstância exógena se lhe apresenta, nas palavras impressivas de Eduardo Correia, de fora, não sendo o agente o veículo através do qual a oportunidade criminosa se encontra de novo à sua mercê. Verbi gratia o Ac do TR de Lisboa, de 13 de Abril de 2011, relator Rui Gonçalves.
Sempre que as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, tal como no caso dos autos em que o arguido procurou diferentes oportunidades de cometer novos crimes, em diferentes circunstâncias de tempos e locais, é de concluir pela existência de concurso real de crimes.
No caso do recorrente as circunstâncias foram voluntária e conscientemente procuradas e criadas pelo próprio, para concretizar as suas renovadas intenções criminosas.
Foi o próprio arguido a determinar cada um dos cenários, ou seja, o agente criminoso actuou aperfeiçoando a realidade exterior aos seu desígnios e propósitos apropriativos, sendo ele a dominá-la, e não esta a dominá-lo, não havendo, por isso, circunstâncias exteriores, mas sim uma predisposição anterior do agente.
Estando o «núcleo duro» da continuação criminosa na diminuição considerável da culpa - e esta entendida na sua concepção normativa, e não apenas psico-fisiológica -, a menor exigência de actuação do arguido/recorrido de acordo com o direito devido a uma situação objectiva exterior com que se depara, operar-se-ia um absoluto desvirtuar da figura se se entendesse actuar com culpa diminuída o agente que se depara com uma circunstância facilitadora do crime que, afinal, tinha sido ele a criar. Cfr Ac TRL citado supra.
Quando o decurso do tempo entre cada uma das condutas, é de tal modo expressivo, de acordo com as regras da experiência comum, não pode deixar de se afirmar que a cada nova conduta o agente se determinou a preencher o tipo legal de crime de furto, venceu uma e outra vez as contra motivações éticas que o tipo legal de crime transporta.
Almejar como o faz o arguido que, apesar dos diversos lapsos temporais decorridos entre cada uma das condutas, e da sua heterogeneidade comissiva, estarmos perante uma única resolução criminosa, seria como convolar o crime de furto, em crime exaurido, cuja consumação se esgotasse com uma primeira acção, o que nitidamente, não é o caso dos autos, não sendo também a culpa diminuída, mas outrossim mais elevada pela persistente renovação dos propósitos criminosos.
O consumo habitual de produto estupefaciente e a ausência de rendimentos de proveniência lícita para prover ao seu sustento e satisfazer as necessidades daquele consumo que constituíram a motivação para a prática dos ilícitos destinados a proporcionar proveitos financeiros para fazer face a tais necessidades, são factores endógenos da pessoa do recorrente e não consubstanciam qualquer condicionalismo exterior que tivesse actuado como propiciador e facilitador das sucessivas condutas delituosas e que dessa forma conduzisse a uma menor exigibilidade comportamental determinante de uma diminuição considerável da sua culpa.
Tais factores que derivam do próprio recorrente não têm relevância para efeitos do preenchimento do exigido quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a sua culpa, ficando, por conseguinte, afastada a verificação de uma continuação criminosa, prevista no artigo 30.°, n.° 2 do Código Penal. Cfr Ac. do TR de Coimbra, de 17 de Junho de 2017, relator Helena Bolieiro.
Em conclusão, o recorrente confunde crime continuado com a continuação da actividade criminosa.
Como é jurisprudência corrente do STJ a toxicodependência e o alcoolismo não constituem causas desculpabilizantes, nem mesmo atenuantes gerais, antes indiciando falta de preparação para manter uma conduta lícita, pelo que em tais circunstâncias não há lugar à atenuação especial da pena, nos termos do art.° 72° do Código Penal, (que tem como pressupostos uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, o que manifestamente não sucede in casu).
Pelo facto do arguido ser toxicodependente, não é lógico e curial que venha a auferir benefícios relevantes de uma situação por si criada e sustentada, não tendo esta circunstância valor atenuante de maior importância, por modo a servir de suporte a uma atenuação especial da pena. Verbi gratia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Fevereiro de 2002, relator Cons° Dinis Alves.
Quanto à impugnação da matéria de facto o recorrente optou por circunscrever a mesma à errada apreciação da prova, com invocação da violação do princípio in dubio pro reo relativamente aos crimes que não confessou.
O recurso assim delimitado nas suas conclusões reconduz-se à matéria dos vícios do art.° 410° do Código de Processo Penal, os quais são de conhecimento oficioso e têm de resultar exclusivamente do texto da decisão recorrida.
Alega o recorrente que face à negação do cometimento dos crimes que lhe eram imputados nos NUIPC 225/17…., 700/17…., não foi aplicado o princípio legal in dúbio pro reo e a consequente absolvição do arguido nestes processos.
A matéria apurada é a seguinte:
NUIPC 225/17….
5 - Pelas 14 horas e 15 minutos do dia 28 de Janeiro de 2017, GC..., que se encontrava hospedada no M…, sito na Avenida D…, n° 22 — 4° Esquerdo, nesta Cidade, ausentou-se momentaneamente do seu quarto, tendo ali deixado o seu telemóvel lphone 4S.
6 - SRK... avistou o referido telemóvel e, aproveitando-se da ausência da respectiva proprietária, decidiu apoderar-se do mesmo, o que fez, levando-o consigo.
A fundamentação foi a seguinte:
Quanto ao NU1PC 225/17… o Tribunal formou a sua convicção de que tinha sido o arguido a furtar o telemóvel lphone 451, pelo depoimento isento e merecedor de credibilidade de FM..., que referiu que no dia 28 de Janeiro de 2017, encontrava-se a trabalhar no hostel, tendo efectuado o check-in ao arguido e acompanhado-o à camarata para indicar a cama. Nesse momento não estava lá mais nenhuma guest de nacionalidade brasileira no quarto de banho. Esta teria deixado o telemóvel em cima da cama e quando voltou da casa de banho, este tinha desaparecido. Esclareceu que o arguido saiu deixando lá uma mochila com um computador e não mais voltou, não tendo dormido pese a reserva. Ligaram para o número de telemóvel que constava da reserva do arguido, tendo atendido uma voz feminina que disse que não o conhecia mas perguntou o que queriam dele o que achou estranho, assim como o facto de ter pago e não ter vindo dormir.
NU1PC 700/17.6S5LSB
29 - No dia 31 de Maio de 2017, pelas 18 horas e 30 minutos, o arguido avistou o veículo de matrícula …, propriedade de AB..., o qual se encontrava estacionado na Rua Sarmento de Beires, nesta Cidade, tendo decidido fazer seus os objectos de valor que se encontrassem no seu interior.
30 - Para tanto e aproveitando-se da circunstância de o mesmo não se encontrar trancado, introduziu-se no seu interior, dali retirando e fazendo seu um auto-rádio de marca, características e valor não concretamente apurados, mas inferior a € 100,00 (cem euros).
A fundamentação foi a seguinte:
Quanto ao furto no veículo de matrícula …, a convicção do Tribunal resultou do depoimento de AM..., proprietária do veículo que declarou que estava a chegar a casa quando viu a polícia ao pé do seu carro e o arguido e reparou que lhe tinham tirado o auto-rádio, (...) e só sabe que o auto- rádio estava lá no dia anterior. Mais afirmou que nunca recuperou nada.
Foi ainda relevante o depoimento FB..., na altura porteiro no edifício 3, da praça Bernardo S. Santareno, o qual tem duas entradas, sendo a outra pela Rua de Sarmento. Referiu que o arguido entrou pela garagem e avistou através das câmaras um vulto, pelo que se deslocou à garagem, ao piso O, tendo-o abordado e acompanhado à saída para a Rua do Sarmento. Momentos depois um morador avisou-o da conduta do arguido e foi então que avistou este a mexer num carro que estava estacionado na rua. Telefonou para a polícia e esta apanhou-o mais à frente.
Face aos elementos de prova produzidos em audiência não se suscitou qualquer dúvida quanto à autoria dos referidos furtos pelo arguido, não havendo por isso razão de ser para se fazer apelo ao princípio in dubio pro reo.
Em suma, os considerandos vertidos nas conclusões do recurso não têm sequer a virtualidade de poder por em crise o exame de prova efectuado na sentença recorrida.
Verifica-se que em relação aos factos, a decisão do tribunal recorrido, que beneficiou da imediação, não merece qualquer censura, sendo de assinalar, como decidido na jurisprudência dos tribunais superiores que quando da atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação ou oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras de experiência comum. Neste sentido verbi gratia o Acórdão do TR de Coimbra, de 6 de Março de 2002, in Col.a Jur.a, ano XXVII, Tomo II, pág. 44.
Assim, ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório (...) verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. Assim, só em caso de existência de provas, para se decidir em determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas incluindo as regras da experiência comum ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão de primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do art.° 431° do CPP, cfr. Ac. desta 5a Secção do TR de Lisboa, sendo relator o (hoje) Conselheiro Vasques Dinis, de 22 de Novembro de 2005, no processo n° 3717/05.5.
Por outro lado, e conforme há muito entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o recurso em matéria de facto previsto no nosso sistema processual, não se destina à obtenção de um segundo julgamento sobre tal matéria, mas antes está concebido, tão só, como um remédio jurídico destinado a
corrigir eventual ilegalidade cometida, e no caso concreto ora em apreciação, do exame de todas as provas disponíveis não se verifica, nem se vislumbra, que o tribunal haja violado as regras de experiência comum ou da lógica, em que se funda a livre apreciação da prova, nem que haja violado qualquer das normas do direito probatório, o que recorrente também não invoca, tendo limitado a sua impugnação da matéria assente, na sua pessoalíssima e diversa interpretação da prova, exclusivamente fundada na negação dos factos assentes por indiciados na decisão recorrida, pelo que a interpretação da prova efectuada pelo recorrente, nos termos expostos, não tem sequer a virtualidade de abalar o julgamento da matéria de facto efectuada em primeira instância, como declarado pelo Tribunal Constitucional, no processo n° 198/04, publicado in DR II Série, de 2 de Junho de 2004, onde se afirma que:
A impugnação da decisão em matéria de facto terá de assentar na violação dos factos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria a inversão dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela de quem espera a decisão.
Também no mesmo sentido, e como corolário dos entendimentos jurisprudenciais referidos, se afirmou no Acórdão de 15 de Maio de 2005, do TR de Évora, no qual é relator o Senhor Desembargador Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt, que:
A impugnação da matéria de facto não se basta com a pretensão de se dar como provada a versão pretendida pelo recorrente, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre.
A impugnação da matéria de facto, além de se dever estruturar nos termos definidos pelo art.° 412° nos 3 e 4 do CPP, terá de ser equacionada com a livre convicção do tribunal a quo, face ao princípio da livre apreciação da prova.
De outra forma, ficaria prejudicada a livre apreciação da prova pelo julgador que proferiu a sentença recorrida e prejudicada ficava a função da motivação da sua convicção e, por conseguinte a natureza do recurso como remédio jurídico e a independência do tribunal a quo na sua livre convicção.
Teremos assim de acordo com a jurisprudência no mesmo citada, descrita supra, de decidir pela improcedência do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, uma vez que, perscrutada a fundamentada decisão recorrida, se não pode de forma alguma concluir pela existência de erro na apreciação da prova, nem de violação das regras da experiência comum nem sequer da violação dos princípios do direito probatório.
Assim, não só a prova se encontra devidamente analisada como a matéria de facto não merece reparo ou censura.
Da mesma forma cumpre recordar que não havendo nos termos da fundamentação da decisão recorrida qualquer margem de dúvida quanto à prática dos factos provados pelo recorrente, integradores dos crimes de furto, não permite a formulação de qualquer juízo de dúvida que pudesse ser solucionada com recurso ao princípio de in dubio pro reo.
Com efeito e de acordo com a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, verbi gratia, o Ac. do TRL de 29 de Junho de 2006, proferido no processo n° 3759/06 da 9a Secção, disponível em www.pgdlisboa.pt o princípio In dubio pro reo só se aplica no domínio da prova quando o tribunal tenha ficado numa situação de non liquet, ou seja com sérias dúvidas relativamente aos factos, que em tal situação teria de ser resolvida a favor do arguido, ou ainda nas palavras do Ac. do TRL de 2 de Novembro de 2006, de que foi relator o mesmo relator do presente recurso, também disponível em www.pgdlisboa.pt O tribunal só lança mão do princípio in dubio pro reo — corolário do princípio constitucional da presunção da inocência (art.° 32° n° 2 da CRP) — se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e da liberdade de apreciação (art.° 127° CPP), tivesse conduzido à subsistência, no espírito do julgador, de uma dúvida positiva invencível sobre a verificação ou inexistência de um facto relevante para a descoberta da verdade.
Ora, perscrutada, mais uma vez, a decisão recorrida dela não resulta ter havido qualquer dúvida quanto à culpabilidade do recorrente, assim como quanto ao dolo e à plenitude dos elementos constitutivos dos ilícitos criminais dos crimes de furto e dano pelos quais foi o recorrente, muito justamente, condenado, termos em que improcede a pedida absolvição.
Alega ainda o recorrente que deverá ser considerado relativamente ao NUIPC 93/17…. que o M°P° decidiu, nos termos do art.° 277° n° 2 do Código Processo Penal, pelo arquivamento dos autos relativos apropriação de ilegítima de coisa achada, tanto por falta de legitimidade deste assim como por falta de indiciação, tendo por consequência a respectiva absolvição do arguido deste crime.
Sucede que ao contrário do alegado o arguido se encontrava acusado pelo crime de apropriação ilegítima de JF..., tal como consta do relatório:
Em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, o Ministério Público deduziu acusação contra:
SRK..., filho de MR... e de AR..., natural da R..., nascido em ..., solteiro, sem residência fixa e actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa à ordem dos presentes autos
Imputando-lhe a prática, em concurso efectivo e em autoria material, de: . d) Um crime de apropriação ilegítima de coisa achada, previsto e punido pelo artigo 209°, n°s 1 e 2;
A matéria provada a este respeito não deixa dúvidas:
NUIPC 93/17….
37 - No dia 17 de Agosto de 2017, pelas 22 horas e 10 minutos, na A…, em Lisboa, o arguido trazia consigo o cartão propriedade do ofendido JF....
No entanto quanto à matéria não provada cumpre destacar o seguinte:
Não se provou que em data não concretamente apurada do início do mês de Julho de 2017 e por modo não concretizado, pessoa(s) cuja(s) identidade(s) não logrou(lograram) apurar-se retirou(retiraram) do interior do veículo de matrícula …, propriedade do ofendido JF... e além do mais, o cartão do cidadão deste, tendo o referido documento entrado na posse do arguido SRK... de modo não concretamente apurado, o qual decidiu fazê-lo seu.
Ora não se tendo provado que o cartão de cidadão tivesse sido objecto de furto, nem se tendo apurado o modo pelo qual chegou à posse do arguido, a falta do elemento subjectivo do crime de apropriação ilegítima previsto no art.° 209° do Código Penal, como a falta de autorização ou de conhecimento do dono desse cartão de cidadão, integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. Verbi gratia o Ac. do TR de Coimbra, de 12 de Setembro de 2018.
Não constando da acusação o elemento subjectivo do tipo penal do crime de apropriação ilegítima não pode o tribunal suprir tal omissão, o que dita necessariamente a absolvição do arguido da prática do referido crime e a consequente revogação da decisão recorrida na parte dessa condenação.
Reformulando finalmente o cúmulo jurídico, pelo desaparecimento da condenação na pena parcelar pelo crime de apropriação ilegítima, condena-se o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, mantendo-se no restante a decisão recorrida.
8. Decisão:
Em conformidade com o exposto acordam os juízes neste tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido SRK... e revogar a decisão recorrida na parte em que o condenou pela prática de um crime de apropriação ilegítima p. e p. pelo art.° 209° do Código Penal, reformulando o cúmulo jurídico, condenando o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, confirmando no restante a douta decisão recorrida.
Sem custas.
(Texto elaborado de acordo com a raiz latina da língua portuguesa, em suporte informático e integralmente revisto pelos signatários)
Lisboa, 23 de Abril de 2019
Ricardo Manuel Chrystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição