Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 28-05-2019   Dever de fundamentação. Ofensa à integridade física por negligência.
É necessário que o tribunal explicite o percurso cognitivo que o levou a determinada decisão sobre a matéria de facto e designadamente justifique o convencimento a que chegou efectuando a avaliação e valoração dos depoimentos ouvidos, dando a conhecer as razões de ciência respectivas.
A lei não obriga a que a fundamentação da decisão indique a concreta prova de cada um dos factos provados e não provados, nem que se proceda à reprodução do teor de cada depoimento prestado, repetindo o que cada testemunha referiu ou descreveu, antes se exigindo que reflicta o processo lógico da formação da convicção do tribunal, de modo a permitir a transparência da sua formação e aferir se houve ou não valoração ilícita de provas.
“A arguida avaliou o tipo e o estado da pele dos ofendidos, tendo constatado que a mesma se apresentava bronzeada, sabendo que, naquelas condições, os disparos de luz concentrada podiam provocar queimaduras” naqueles “e, ainda assim, com recurso ao equipamento de foto depilação (o qual efectua disparos de luz concentrada), fez a depilação” aos ofendidos. “Como consequência, directa e necessária, da conduta da arguida”, os ofendidos “sofreram dores na região atingida, bem como queimaduras de primeiro grau”. O tribunal explicou de uma forma cabal os antecedentes do tratamento que lhe impunham uma de duas coisas: ou adequava a intensidade do equipamento às características da pele bronzeada dos ofendidos ou optava por se abster de efectuar o tratamento já que era sabedora de que, naquelas condições, os disparos de luz concentrada podiam provocar queimaduras naqueles.
Proc. 404/17.0PILRS.L1 5ª Secção
Desembargadores:  João Carrola - Luís Gominho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acordam, em conferência, na 5.a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.
No processo comum n.° 404/17.0PILRS do Juízo Local Criminal de Loures, Comarca de Lisboa Norte, foi submetida a julgamento a arguida VC.... depois de lhe ser imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de 2 (dois) crimes de Ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148°, n.° 1, e 15° al. a) do Código Penal.
JA… e NR…, deduziram pedido de indemnização civil contra a arguida nos presentes autos na qualidade de demandada civil pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no valor de €1.223,51 acrescida do valor das despesas inerentes à continuação dos tratamentos até recuperação total dos ofendidos, a liquidar em execução de sentença e uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais, no valor de €5.000,00 para cada um dos ofendidos, acrescido de juros de mora a contar da notificação até efectivo e integral pagamento.
Realizada a audiência, foi decidido, na parte agora relevante:
LL
A) Condenar a arguida VC.... pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148° n°1 do Código Penal, na pessoa de JA...., na pena de 2 (dois) meses de prisão e pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art. 148° n°1 do Código Penal, na pessoa de NR...., na pena de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de prisão.
B) Em cúmulo jurídico condenar a arguida VC.... na pena única de 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de prisão.
C) Suspender a pena de prisão de 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de
prisão em que a arguida VC.... é condenada pelo período de 1 (um) ano sujeita à condição de a arguida proceder ao pagamento de, pelo 1/3 do montante atribuído aos demandantes a título de indemnização, nesse período comprovando documentalmente tal pagamento nos autos.
E) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por JA....e NR....e, consequentemente, condenar a demandada VC.... a pagar ao demandante NR.... a quantia de 61.500,00 (mil e quinhentos euros) e à demandante JA.... a quantia de 6700,00 (setecentos euros) a título de danos não patrimoniais, e a quantia de 6466,76 (quatrocentos e sessenta e seis euros e setenta e seis cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescendo sobre esta os juros de mora vincendos e vencidos contados desde a notificação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a no demais peticionado.
I.A.
Dessa decisão condenatória, veio a arguida interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
a) A sentença padece da nulidade prevista no artigo 379.°, n.° 1, alínea a) do CPP, por referência ao n.° 2 do artigo 374.° do mesmo diploma.
b) Analisando a motivação da decisão de facto não vemos qualquer tentativa de esclarecer que circunstâncias, processos lógicos ou resultantes das regras da experiência comum que levaram a MMa juiz «a quo» a fixar os fatos provados, principalmente aqueles que resultam da prova testemunhal, resumindo-se o tribunal a quo a socorrer-se de fórmulas genéricas ineficazes, por não darem a indispensável garantia de que a prova produzida foi apreciada criticamente.
c) Do que resulta da decisão recorrida — e foi efectivamente assim — os Queixosos apenas prestaram depoimento sobre as consequências físicas e morais, sem que daí decorra sequer quais sejam elas, referindo-se que prestaram depoimento sobre os factos em causa, sem que sequer se perceba que factos são esses e o que é que afinal, afirmaram.
d) E mesmo quanto às declarações prestadas pela própria arguida, apenas se refere que «questionou os demandantes sobre o tom bronzeado da pele daqueles, admitindo que as respostas dos mesmos lhe suscitaram dúvidas», sem que se alcance o porquê da conclusão imediatamente plasmada segundo a qual, então, «deveria ter procedido de forma diversa (...) não devendo ter empreendido o procedimento de imediato como fez mas assegurando-se de que o podia fazer com segurança».
e) É notório: toda a conclusão parte de duas premissas. O que não ocorre no caso dos autos, porquanto da fundamentação expendida é impossível descortinar a razão pela qual a Arguida não devia ter procedido como procedeu, em que medida — o porquê, objectivo - as dúvidas que as respostas dos queixosos a deviam ter impedido de prosseguir com o procedimento, que influência tem o tom bronzeado da pele dos queixosos na avaliação que a arguida deveria fazer e, aliás, que avaliação é essa.
f) Ao que acresce que, sendo o crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo n.° 1 do art.° 148° do C. Penal, um crime de resultado, que abrange não só a ação adequada a produzi-lo, mas também a omissão de acção adequada a evitá-lo, tal acção ou omissão só será punível quando sobre o omitente recaia o dever jurídico de evitar a verificação de um evento danoso para a vida e para a saúde deste, em virtude do estatuído no art.° 10° do Código Penal.
g) Ora, tal questão, não foi, na sentença recorrida, sequer superficialmente abordada: não decorre da sentença recorrida qual o cuidado, omitido, que a Arguida deveria ter pelo facto de os queixosos apresentarem a pele bronzeada nem, aliás, tão-pouco, foi definido em que termos a Arguida estava obrigada a tal cuidado.
Termina pedindo seja anulada a sentença.
As motivações deste recurso mereceram resposta pelo M.° P.° em que apresentou as seguintes conclusões:
1- Uma vez que, o recorrente, não vem recorrer quanto à matéria de facto, está esta fixada, restringindo-se deste modo, o recurso, à matéria de direito;
2- No que concerne a impugnação da matéria de direito, nos termos do art. 412°, n° 2 do CPP, versando sobre matéria de direito, as conclusões indicam, não só as normas jurídicas violadas, mas também, o sentido, em que segundo o seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada;
3- Por conseguinte, no nosso entender a alusão que o recorrente faz na sua motivação, pois que, pouco mais é, do que uma mera alusão, ao art. 10° e 148° do CP. e que sendo um crime de resultado necessita de uma acção e de uma omissão, não referindo qual o elemento do tipo que não foi preenchido, nem atendendo á prova produzida e essencialmente aos factos dados como provados na sentença, que note-se estão fixados, porque não existiu recurso da matéria de facto, como não se dá a verificação do crime, pois que os factos necessários ao mesmo estão dados como provados, como com a matéria dada como provada se conclui pela não verificação do crime atendendo aos elementos do tipo do art. 148° do CP, o que no nosso modesto entender, é insuficiente;
4- Entende o recorrente que o acórdão recorrido é nulo porque o tribunal não cumpriu o ónus de fundamentar a sua decisão (artigos 379.°, n.° 1, al. a), e 374.°, n.°2, do Cód. Proc. Civil) traduzindo-se aqui a falta de fundamentação na ausência de exame crítico das provas.
5- Numa formulação sintética do muito que se tem escrito (na doutrina e na jurisprudência) so6re a exigência legal de fundamentação das decisões judiciais, poder-se-á dizer que cumpre esse requisito a decisão que:





e contenha uma exposição completa, mas concisa, dos motivos de facto e a indicação do elenco de provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que há-de decorrer de uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, designadamente de psicologia judiciária, dessas provas, e
n de modo que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos (assim garantindo o controlo crítico da lógica da decisão, permitindo aos sujeitos processuais o recurso da mesma decisão com perfeito conhecimento da situação e ao tribunal de recurso aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação da 1.a instância sobre o material probatório que teve à sua disposição e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar) e promover a sua aceitabilidade, ou seja, de modo tal que quando confrontados terceiros com o decidido possam estes aderir ou afastar-se, também racionalmente, da valoração feita.
6- O julgador deve preocupar-se, sobretudo, em ser claro, racional e objectivo na motivação da sua decisão, de modo que se perceba o raciocínio seguido e este possa ser objecto de controlo, na medida em que, a livre convicção, a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável nem a valoração da prova é uma operação emocional ou intuitiva, sendo os limites da liberdade valorativa da prova no âmbito penal as já mencionadas regras da lógica e da razão e senso comum, as máximas da experiência e os conhecimentos técnicos e científicos.
7- O processo de formação da convicção do tribunal é um processo essencialmente dinâmico e complexo, cujo início coincide com o início da audiência, na qual são produzidas e examinadas as provas que vão permitir ao(s) juiz(es) formar a sua convicção no sentido da condenação ou da absolvição. Convicção que há-de estar formada no final desse processo probatório;
8- Foi isso que se fez na sentença recorrida não se podendo afirmar que o tribunal recorrido limitou-se a fórmulas genéricas e ineficazes que não permite saber se a prova foi apreciada criticamente, não efectuando assim, o necessário exame crítico das provas;
9- Lendo o acórdão, facilmente se percebe esse processo lógico-mental que o tribunal seguiu, pois que, começou por mencionar a prova produzida em audiência, nomeadamente que a arguida prestou declarações admitindo ter realizado o procedimento em causa nos autos, embora desresponsabilizando-se das consequências sofridas pelos demandantes;
10- Ora, este aspecto só por si, já diz muito, ou seja, já afasta qualquer dúvida, quer quanto a quem realizou o procedimento, como foi realizado e as consequências que resultaram, ficando apenas a questão de se essas consequências resultaram de falta de cuidado da arguida, mas o procedimento foi efectuado, e da forma descrita, pois que a arguida o admitiu;
11- Assim, não restam dúvidas de que o procedimento realizado por esta provocou queimaduras nos ofendidos, que é certo, a arguida tenta minorar, mas aí a prova documental fala por si e nomeadamente as fotos juntas aos autos são 6astante esclarecedoras. Quanto a se a arguida tomou os cuidados que devia ou não, a Mma Juiz explana bem na sentença que não se refere os motivos de tal afirmação, ao referir que a arguida não observou as precauções exigidas pela mais elementar prudência que era capaz e devia ter adoptado e que tal facto resulta das suas próprias declarações, na medida em que refere que questionou os demandantes sobre o tom bronzeado da pele, admitindo que as respostas dos mesmos lhe suscitaram dúvidas e que deveria ter procedido de forma diversa, face a esse facto, mas no entanto não o fez. Nada mais é preciso dizer do que isto, está bem explanado;
12- Aqui no caso, ao se constatar que a pele está bronzeada, portanto não é o tom natural da pele, implica necessariamente a exposição a uma qualquer que tivesse sido, fonte de calor e que portanto, mais ou menos, estaria a pele queimada e em consequência mais sensível;
13- Sabendo-se que a depilação a laser implica necessariamente a exposição também a uma fonte de calor, portanto iria existir uma dupla exposição a uma fonte de calor, a primeira que provocou o tom bronzeado, e a segunda, o procedimento que iria realizar, teria obrigatoriamente que se exigir cautelas extras para se concluir se podia ou não ser realizado esse mesmo procedimento;
14- Assim, dizendo a arguida, e tal consta da motivação, que se apercebeu desse bronzeado e mais, que até lhe suscitou dúvidas, e sendo técnica, sabia que o procedimento que iria realizar implicava o recurso a nova fonte de calor, sendo que a arguida nunca veio alegar que não tinha qualquer curso nem conhecimentos, para realizar tal procedimento, peio contrário admitiu possuir e exercer já algum tempo, então estando tal facto assente, não é preciso explicar que sabia que o procedimento implicava o recurso a tal fonte, era uma técnica de depilação a laser, a arguida admitiu a realização do procedimento e portanto, resulta igualmente claro, até resultando do senso comum, que nova exposição, exigiria cuidados para alem do normal;
15- Estamos perante uma pessoa com conhecimentos técnicos que se apercebeu do bronzeado e de tal modo que lhe suscitou dúvidas, então, não precisamos de mais, sabendo o recurso a uma fonte de calor que implica o procedimento, como sabia, é a conclusão única e possível, que também sabia que tinha de adoptar outro tipo de procedimentos ou cautelas, e não o fez, como a própria admite, que o procedimento, foi o procedimento noiinal;
16- Refere ainda a Mma Juiz, os diversos aspectos relevantes dos diversos depoimentos e da restante prova documental e em que medida estes têm importância, mas em bom rigor, nada mais era preciso do que este aspecto do depoimento da arguida, que o admite deu conta do bronzeado e até lhe suscitou dúvidas, todo o resto para se concluir pela falta de cuidado é inerente é demasiado óbvio todo o restante raciocínio e resulta clara e inequivocamente do senso comum;
17- Consta, deste modo da motivação da sentença, a razão de as declarações da testemunha e como foram importantes na formação da convicção do tribunal, nomeadamente quanto á testemunha PM…:
...o seu depoimento revelou-se objectivo e esclarecedor.
18- Esclareceu, porque é que o depoimento das mesmas, quer arguida, quer testemunhas, serviram para formar a convicção do julgador, ao enunciar os vários aspectos do seu depoimento, que se considerou relevante e denotou o conhecimento que tinha dos factos em apreço;
19- Acrescentou ainda que, que se atendeu às fotos que enumera, documentos e exames que igualmente enumera;
20- Por aqui se vê quão infundadas são as acusações do recorrente de que o tribunal não fundamentou devidamente a sentença, não constando da mesma o exame critico das provas, pois o tribunal, de forma bem clara e acessível a quem quer que leia a fundamentação, procedeu à análise crítica e racional da prova, de acordo com as regras da lógica e as máximas da experiência, assim objectivando a apreciação dos factos e demonstrando que essa apreciação não foi arbitrária nem é incontrolável, ou meramente intuitiva, sendo certo que não se pode considerar uma fundamentação muito extensa, mas tal deve-se ao facto de não ser necessária uma maior extensão face á clareza, objectividade dos factos expendidos;
21- No nosso ordenamento jurídico, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada (portanto, não há regras de valoração probatória que vinculem o julgador) pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre convicção do julgador.
22- Deste modo, o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que em sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g. por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só;
23- O que se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada;
24- O acto de julgar tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção pelo que, como ensina o Professor Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e segs) na formação da convicção haverá que ter em conta que a recolha de elementos - dados objectivos - sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
25- É sobre esses dados que vai recair a apreciação do tribunal Apreciação que é livre (artigo 127.° do Código de Processo Penal), mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
26- Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis);
27- Só é legítima a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal que assente na violação de qualquer dos passos que conduzem a essa convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos;
28- De outra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, corno seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão;
29- Em suma, podemos dizer que a fundamentação da sentença recorrida enuncia os elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição e aceitabilidade face aos seus destinatários directos (os sujeitos processuais) e perante a comunidade, permitindo alcançar que ela não é fruto do arbítrio do julgador, de uma sua qualquer tendenciosa inclinação, mas sim de um processo sério assente em juízos de racionalidade, de lógica e de experiência sobre o material probatório de que o tribunal pôde dispor, cumprindo, pois, a sua missão;
30- Foram assim, quanto aos requisitos da sentença expressos no art. 379° do CP.P. os mesmos respeitados, estando na sua motivação devidamente fundamentada;
31- Por conseguinte, bem decidiu a Mma Juiz, ao considerar provados os factos descritos na acusação, valorando correctamente a prova, constando da fundamentação o exame crítico da mesma e em consequência, 6em decidiu, ao condenar a arguida pelo crime de ofensa á integridade física negligente, respeitando a sentença todos os requisitos legais expressos no art. 374° do CPP, não sendo deste modo nula, nos termos do art° 379° do C-P-P-, não tendo assim, violado qualquer norma legal.
A este recurso da arguida, vieram responder os demandantes civis aderindo à resposta ao recurso apresentada pelo M.° P.° e pela negação de provimento ao recurso.
I.B.
Nesta instância de recurso constatou-se a existência de recurso interposto de despacho intercalar proferido a 19.09.2018, decisão essa com o seguinte conteúdo Indefere-se ao requerido adiamento da audiência de julgamento, na medida em que não deu o Ilustre mandatário integral cumprimento ao disposto no art.151° n° 2 do C.P.Civil., e que se mostra interposto a 20.10.2018, com cópia a fls. 207, e que veio a ser admitido apenas a 23.10.2018 com o despacho de fls. 213 (actos que se mostram obtidos por recurso ao citius).
Deste recurso e da respectiva motivação, extraiu o recorrente as seguintes conclusões:
a) O art.° 151° do CPC é aplicável à marcação da data da audiência de modo a evitar a sobreposição com outros actos judiciais a que os advogados ou defensores tenham a obrigação de comparecer, ou seja, apenas se aplica, quanto à marcação de data para julgamento, relativamente a outras diligências já (antes) agendadas em que o mandatário deva igualmente estar presente.
b) No caso dos autos, a situação não é essa: A data de audiência de julgamento encontrava-se já agendada, sem que existisse, à data do agendamento, qualquer impedimento do mandatário, impedimento, esse, que surgiu depois, em consequência de sobreposição de outro julgamento, em continuação, no mesmo Tribunal.
c) No caso em apreço, aplicável é o disposto no art.° 117° do CPP, a que o defensor deu cumprimento, determinando o art.° 328°, n° 6, o «adiamento (...) por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso»;
d) No caso em apreço, aliás, o defensor indicou que a razão do requerido adiamento era a «continuação de audiência dos autos n° 1596/….0JFLSB, que corre termos no Juízo Local Criminal de Loures — Juiz 3» (no mesmo tribunal, portanto).
e) O Despacho recorrido, que perante comunicação prévia do mandatário do seu impedimento por sobreposição de julgamentos, aplicou o disposto no art.° 151° do CPC, indeferindo o adiamento, é, portanto, ilegal, por violação do disposto no art.° 117°, n° 1 e 2, e 328°, n°6, ambos do CPP e 603°, n°1, do CPC.
f) Assim, ao determinar o início ao julgamento e produção de prova, o despacho recorrido configura uma nulidade insanável de conhecimento oficioso, todo o tempo, com tal prevista pela al. c) do art. 119° do Código de Processo Penal.
Sem conceder,
g) A interpretação das normas atrás citadas, no sentido de permitir o indeferimento do adiamento requerido por mandatário que invocou a obrigatoriedade de comparência a outra diligência judicial, que se reportava a uma continuação de audiência de julgamento, é materialmente inconstitucional por violação do direito de defesa plasmado no art. 32.°, da Constituição, na medida em que determina um cumprimento meramente formalístico do princípio do contraditório, esvaziando-o em manifesto prejuízo para a defesa, para além de obliterar o direito da livre escolha do advogado pelo arguido, que constitui um corolário do princípio constitucional para a boa defesa previsto nomeadamente nos art°s 20 n° 2 e 4, 32° n° 1, 3 e 5, 202°, n° 2, e 208° todos da C.R.P, assim, bem como artigo 6° n° 3 al. c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e art°s 62°, n° 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Termina requerendo ser o Despacho Recorrido revogado e substituído por Acórdão que, determinando o adiamento da audiência nos termos requeridos pelo defensor, anule todo o processado desde essa data.
A este recurso intercalar que, depois de notificada com tal finalidade, a recorrente veio manifestar manter interesse na respectiva apreciação, veio o responder o M.° P.° com as seguintes conclusões:
1- No que concerne, ao facto de foi violado o direito de defesa do arguido, e à existência da nulidade prevista no art. 119° al. c) do C.P.P., importa referir, que foram assegurados todos os direitos à arguida, nomeadamente quanto à sua notificação das datas para a audiência de discussão e julgamento, pois que está regularmente notificada de modo a que, caso assim o entendesse pudesse estar presente na audiência de discussão e julgamento, mas no entanto, esta, não esteve presente;
2- Visa a lei ao notificar o arguido, que este possa exercer o seu direito de defesa, consagrando-se no art. 32° da C.R.P., que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, tem estrutura acusatória, estando a audiência de discussão e julgamento subordinado ao princípio do contraditório;
3- Refere ainda o art. 20°, n°4 da C.R.P., que todos têm direito a que uma causa em que intervenham, seja objecto de decisão, em prazo razoável e mediante processo equitativo, ou seja, no âmbito do processo penal em geral, mais concretamente, na audiência de discussão e julgamento, o arguido deve ter ao seu alcance um processo equitativo, que só se poderá verificar, se lhe forem asseguradas as necessárias garantias de defesa, tendo de funcionarem absoluto o princípio do contraditório;
4- É assim, obrigação do Estado, proporcionar ao arguido todos os meios, para que tal aconteça, nomeadamente convocando-o para a mesma, através de uma notificação, enviada para a morada constante do TIR, o que foi efectuado, estando a arguida regularmente notificada;
5- Inicialmente foram designadas, por despacho de 1/03/2018, as datas de 20/09/2018, como primeira data, e depois 2/10/2018, corno segunda data, sendo que devido ao requerimento apresentado em 06/04/2018 pela mandatária dos ofendidos, veio a segunda data a ser alterada para 04/10/2018, por despacho de 24/10/2018, alteração essa que foi devidamente notificada a todos os intervenientes processuais;
6- Só em 17/09/2018, portanto três dias apenas antes da data designada para julgamento, foi apresentado o requerimento a solicitar o adiamento da audiência, em virtude de ter outra designada para o mesmo dia em continuação de julgamento, sendo certo que foi outorgada uma procuração pela arguida a favor do seu actual mandatário em 6/09/2018;
7-Assim, quando refere o ora recorrente, que no caso em apreço é aplicável o disposto no art. 117° do CPP, que determina que a impossibilidade de comparência deve ser comunicada com 5 dias de antecedência, se for previsível, esqueceu-se decerto, de contar esses 5 dias, pois que a comunicação/ requerimento de adiamento em virtude de não poder estar presente, acontece, não até 5 dias, que seria o prazo limite, mas apenas 3 dias antes, sendo certo que pelo menos desde a data em que foi passada a procuração, ou seja dia 6/09/2018, deveria saberem que situação se encontrariam os autos em que era arguida a pessoa que decidiu assegurar a sua defesa e portanto que estaria designada a data de 20/09 para julgamento;
8- No entanto, só 11 dias depois, faz o requerimento apresentado, só aí se lembrou que era preciso assegurar a defesa da arguida e que tal só era possível com a sua presença em julgamento e não de outro defensor;
9- Note-se que quando as datas foram designadas não foi alegado qualquer impedimento e nem o mesmo existia, como aliás o próprio recorrente admite, referindo que o impedimento surgiu depois em consequência de sobreposição;
10- Ora, seria essa sobreposição, que surgiu posteriormente, que não deveria ter existido, ou seja, já estando designada a data nos presentes autos, era a data que foi designada nos outros autos, á posteriori, que o ora recorrente deveria alegar o impedimento para que a mesma não fosse designada, visto que esta já existia, assegurando o direito da defesa exercida por si ao seu ciente;
11- Acresce, que no requerimento apresentado não foram alegados quaisquer factos donde resultasse que a defesa da arguida só pudesse ser assegurada pelo mandatário signatário de tal requerimento, sob pena de preterição das suas garantias de defesa, pois que na verdade, a substituição do defensor escolhido, não implica, só por si, uma necessária imitação das garantias de defesa do arguido;
12- A arguida esteve devidamente representada por defensor, que assim esteve presente durante o julgamento, sendo assegurados todos os seus direitos de defesa;
13- Note-se ainda que a arguida, apesar de regularmente notificada, quer para a primeira data designada, em que o seu mandatário esteve igualmente ausente e que apresentou requerimento, quer para a segunda data designada em que o seu mandatário já esteve presente, corno aliás no requerimento que apresentou referiu que nessa data estaria por já não existir qualquer impedimento, e nem apresentou qualquer justificação de falta para qualquer uma das datas designadas ou veio alegar qualquer impedimento, pelo que se não esteve presente, terá sido por opção sua, tendo sido ordenado a emissão dos competentes mandados para assegurar a sua presença, numa terceira data que foi designada, em virtude de ter sido requerido pelo seu mandatário que esta fosse ouvida;
14- A arguida optou por exercer a sua defesa não estando presente nas duas datas designadas, tendo sido dado igualmente cumprimento ao disposto no art. 333° n°3 do C-PP, não sendo exigível a presença da arguida desde o inicio da audiência, nem nada sendo requerido nesse sentido, inclusive pelo defensor desta, sendo certo que, depois a arguida também na segunda data não esteve presente;
15- Foram assim, assegurados todos os seus direitos e não foi cometida qualquer nulidade, nomeadamente a alegada prevista no art. 119° al. c) do CPP, pelo que não importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado..
Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos elaborando parecer em que, acompanhando a resposta elaborada em primeira instância e o teor do despacho e da sentença recorrida, se manifesta no sentido da improcedência dos recursos.
Foi dado cumprimento do disposto no art.° 417° n.° 2 CPP não tendo sido apresentada qualquer resposta.
II.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
Face às conclusões extraídas da motivação dos recursos as questões
suscitadas são:
a) Se foi cometida a nulidade prevista no art.° 119°, alínea d) do CPP, com o não adiamento da audiência (recurso intercalar);
b) Se a decisão condenatória enferma de nulidade do art.° 379°, n.° 1, alínea a) do CPP, por referência ao n.° 2 do art.° 374° do mesmo diploma recurso da decisão final;
c) Se a matéria de facto provada preenche na íntegra os elementos típicos do crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo n.° 1 do art.° 148° do C. Penal.
II.A.
A primeira das questões, relativa ao recurso intercalar, é dirigida ao despacho judicial proferido a 19.04.2018, que apreciando requerimento apresentado pelo mandatário da arguida em que invocava que o mandatário tem no mesmo dia (20-09-2018) agendado a continuação de audiência dos autos n° 1596/03.0JFLSB, que corre termos no Juízo Local Criminal de Loures — Juiz 3, razão pela qual não poderá estar presente, requerendo o consecutivo adiamento,, indeferiu tal requerimento nos seguintes moldes Indefere-se ao requerido adiamento da audiência de julgamento, na medida em que não deu o Ilustre mandatário integral cumprimento ao disposto no art.151° n°2 do C.P. Civil.
Uma primeira nota se impõe seja feita com base no processado dos autos.
Confoiiiie se extrai de fls.89, por despacho de 21/03/2018 (aquando do recebimento da acusação), foram designadas as datas de 20/09/2018, como primeira data, e depois 2/10/2018, como segunda data, sendo que, conforme se constata por consulta do citius, devido ao requerimento apresentado em 06/04/2018 pela mandatária dos ofendidos, veio a segunda data a ser alterada para 04/10/2018, por despacho de 23/04/2018, alteração essa que foi devidamente notificada a todos os intervenientes processuais.
Na data em que tal despacho de alteração foi proferido, do qual foi notificado a então defensora oficiosa nomeada à arguida por oficio de 2.05.2018, a arguida ainda não havia constituído o mandatário subscritor do requerimento objecto de indeferimento, sendo que o mandato forense apenas foi conferido por procuração emitida em 6.09.2018 e que foi junta aos autos apenas em 17.09.2018, conjuntamente com o requerimento de adiamento que se viu indeferido.
Do processado acabado de referir podemos desde já extrair que, por relação ao fundamento legal invocado no despacho recorrido, a data em questão já se encontrava designada há cerca de 5 meses e, aceitando o mandatário da arguida o mandato que lhe foi conferido, restava-lhe aceitar os autos no estado em que se encontrava.
É certo que o motivo invocado no requerimento indeferido se traduziu na marcação de data para continuação de audiência noutro processo em que o mandatário da arguida intervinha e, portanto, nessa perspectiva poderia dizer-se que o fundamento invocado ocorreu supervenientemente.
Porém, não se mostra indicado nesse requerimento a concreta data da designação dessa continuação, pelo que nos teremos de ater ao facto objectivo de que só em 17/09/2018, portanto três dias apenas antes da data designada para julgamento, foi apresentado o requerimento a solicitar o adiamento da audiência, ou seja, em clara inobservância do disposto no art.° 117° n.° 2 CPP que, de resto, o recorrente invoca em abono da sua tese, embora não retire consequências dessa invocação.
Como muito bem refere o M.° P.° na sua resposta Ora, seria essa sobreposição, que surgiu posteriormente, que não deveria ter existido, ou seja, já estando designada a data nos presentes autos, era a data que foi designada nos outros autos, á posteriori, que o ora recorrente deveria alegar o impedimento para que a mesma não fosse designada, visto que esta já existia, assegurando o direito da defesa exercida por si ao seu cliente.
Acresce, que no requerimento apresentado não foram alegados quaisquer factos donde resultasse que a defesa da arguida só pudesse ser assegurada pelo mandatário signatário de tal requerimento, sob pena de preterição das suas garantias de defesa, pois que na verdade, a substituição do defensor escolhido, não implica, só por si, uma necessária limitação das garantias de defesa do arguido.
A arguida esteve devidamente representada por defensor, que assim esteve presente durante o julgamento, sendo assegurados todos os seus direitos de defesa.
Efectivamente, conforme resulta da acta de audiência relativa ao dia 20.09.2018, perante a ausência do mandatário da arguida e desta própria, foi designada defensora oficiosa para o acto e foi determinado o prosseguimento da audiência nos termos do art.° 333° n.° 1, sem prejuízo do seu n.° 3, do CPP.
Nesta perspectiva não se mostra cometida a nulidade em questão invocada pela recorrente nem a violação do disposto no art.° 117°, n.° 1 e 2, e 328°, n.° 6, ambos do CPP e 603°, n.° 1, do CPC, mostrando-se terem sido assegurados os direitos de defesa da arguida.
Nega-se pois, provimento ao recurso intercalar.
II.B.
Passando ao recurso da decisão condenatória, vejamos primeiramente do
conteúdo desta, na parte relevante:
Matéria de facto provada
De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 02-06-2017, pelas 11h50h, os ofendidos JÁ… e NR… dirigiram-se ao gabinete de estética denominado Cantinho …, sito na Rua ….. em S……, propriedade da arguida VC...., a fim de fazerem depilação a laser;
2. Ali chegados a arguida explicou os preços e questionou os ofendidos que áreas pretendiam tratar;
3. Assim, acordaram que, naquela manhã, JA.... faria a depilação na zona das virilhas, enquanto NR.... faria nas pernas;
4. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida avaliou o tipo e o estado da pele dos ofendidos, tendo constatado que a mesma se apresentava bronzeada, sabendo que, naquelas condições, os disparos de luz concentrada podiam provocar queimaduras naqueles e, ainda assim;
5. VC...., com recurso ao equipamento de foto depilação (o qual efectua disparos de luz concentrada), fez a depilação à ofendida JA.... na zona suprapúbica e nas virilhas, a qual durou cerca de 10 minutos;
6. Como consequência, directa e necessária, da conduta da arguida, a ofendida JA.... sofreu dores na região atingida, bem como queimaduras de primeiro grau, das quais resultaram cicatrizes na região suprapúbica de 18/35mm, cicatriz na região inguinal direita de 13/8mm e cicatrizes na região inguinal esquerda de 35/10mm, lesões estas que lhe determinaram 15 dias de doença, com 2 dias de incapacidade para o trabalho;
7. De seguida, a arguida VC.... com recurso ao equipamento de foto depilação (o qual efectua disparos de luz concentrada), fez a depilação ao ofendido NR.... na zona dos membros inferiores;
8. Durante a sessão de depilação, não obstante o ofendido se ter queixado de dores, a arguida continuou o procedimento;
9. Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o ofendido NR.... sofreu dores nas regiões atingidas, bem como queimaduras de primeiro grau, das quais resultaram cicatrizes na coxa direita de 38/34mm, cicatrizes na região anterior da perna direita de 39/15mm, cicatrizes na região anterior da coxa esquerda de 42/26 mm e cicatrizes na região anterior da perna esquerda de 37/95 mm, lesões estas que lhe determinaram 21 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho;
10. A arguida ao aperceber-se de que tinha provocado queimaduras de primeiro grau nos ofendidos, aplicou, de imediato, Biafine nas pernas do ofendido NR.... e recomendou que ambos se deslocassem ao Hospital, referindo que assumiria as despesas inerentes às consultas e respectivos medicamentos, o que acabou por não fazer;
11. Assim, na sequência das lesões provocadas e das dores que sentiram, os ofendidos dirigiram-se ao hospital C…, onde foram assistidos;
12. Sabia a arguida que lhe incumbia adequar a intensidade do equipamento às características da pele dos ofendidos ou mesmo optar por se abster de efectuar o tratamento, caso fosse essa a indicação e se mostrasse indispensável para garantir a saúde dos mesmos.
13. Ao agir conforme acima descrito e de forma livre, a arguida não observou as precauções exigidas pela mais elementar prudência e cuidado que era capaz e deveria ter adoptado e que a generalidade das técnicas de estética teria feito no seu lugar, para impedir a verificação daquele resultado;
14. A arguida, que era conhecedora dos perigos que a Foto depilação acarreta, nomeadamente quando realizada quando a pele se apresenta bronzeada, embora tenha representado como possível que os ofendidos pudessem sofrer queimaduras, lesando assim o seu corpo, pensou que tal não sucederia e não tomou as precauções devidas e necessárias para evitar aquele resultado, dando, assim, causa àquelas lesões nos ofendidos;
15. Sabia a arguida que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
Mais se provou que:
16. Em consequência directa e necessária da actuação da arguida, os ofendidos tiveram que fazer consultas, exames e tratamentos médicos nos guias despenderam a quantia de €466,76.
17. Os ofendidos vivenciaram ansiedade com receio de que as marcas que viam nos seus corpos não desaparecessem, sendo que nos dias seguintes aos factos em causa nos autos evitaram sair de casa.
18. À data dos factos JA.... tinha 22 anos de idade e NR.... 28 anos de idade.
19. Por via dos factos em causa nos autos os ofendidos ficaram privados de usufruir da praia ou piscina por não poderem apanhar sol.
20. NR...., durante o período de Verão, após os factos, não pode usar calções por não poder ter as suas pernas expostas ao sol.
21. NR.... vivenciou sentimentos de embaraço e vergonha quando após o sucedido foi ao ginásio que frequenta de calções, pois foi alvo de constantes olhares, perguntas e até de troça, face às marcas existentes nas suas pernas.
22. O que o levou a passar a usar calças de desporto adequadas, que para o efeito adquiriu.
23. A arguida trabalha como esteticista há cerca de 7/8 anos por conta própria retirando dessa actividade quantia não concretamente apurada.
24. É divorciada e tem dois filhos de 15 e 8 anos de idade. O progenitor do filho mais velho suporta uma pensão de alimentos de €150,00 mensais.
25. Vive com os seus filhos e a sua mãe em casa desta.
26. Ao nível de habilitações literárias completou o 8o ano da escolaridade.
27. Do certificado do registo criminal da arguida não consta qualquer registo.
Matéria de facto não provada
Produzida a prova não resultaram provados os seguintes factos:
1. O gabinete de estética situa-se na Rua … em S ….
2. a arguida explicou todos os procedimentos que iriam ser adoptados, e disponibilizou-lhes os termos de responsabilidade para os mesmos lerem e ficarem informados dos cuidados que deviam ter após os tratamentos;
3. As consultas, exames e tratamentos médicos realizadas pelos ofendidos ainda perduram.
4. Por via dos factos em causa nos autos, os demandantes despenderam em deslocações €651,16.
Consigna-se que não se fez constar dos factos assentes e não assentes factos conclusivos, bem como matéria irrelevante para a boa decisão da causa ou meramente instrumental para a mesma, em face dos factos que se consideraram provados.
Fundamentação da matéria de facto
Considerando que no nosso ordenamento jurídico processual penal vigora o principio da livre apreciação da prova, legalmente produzida, de acordo com as regras da experiência e livre convicção do julgador, sujeita tal produção ao princípio da imediação e do contraditório que tanto pode assentar em prova directamente colhida, como em prova indirecta, a convicção do tribunal, relativamente aos factos que considerou provados, fundou-se nas declarações prestadas pela arguida, declarações dos demandantes, depoimentos das testemunhas e a análise de prova documental junta aos autos.
A arguida prestou declarações admitindo ter realizado o procedimento em causa nos autos, embora desresponsabilizando-se das consequências sofridas pelos demandantes. Que a arguida não observou as precauções exigidas pela mais elementar prudência e cuidado que era capaz e deveria ter adoptado, resulta das suas próprias declarações na medida em que a arguida refere que questionou os demandantes sobre o tom bronzeado da pele daqueles, admitindo que as respostas dos mesmos lhe suscitaram dúvidas. Ora, assim sendo deveria ter procedido de forma diversa daquela que procedeu não devendo ter empreendido o procedimento de imediato como fez mas assegurando-se de que o podia fazer com segurança.
Os demandantes prestaram declarações relatando os factos em causa nos autos, com objectividade. Relataram ainda as consequências físicas e emocionais para cada um deles, bem como a forma como estes factos tiveram consequências directas e imediatas na sua vivência diária, de forma que permitiu ao Tribunal formar a sua convicção quanto a tais factos.
A testemunha PM...., mãe da demandante JA.... relatou as consequências dos factos em causa nos autos para ambos os demandantes, sendo que evidenciou conhecimento dos factos e o seu depoimento revelou-se objectivo e esclarecedor.
Atendeu-se ainda ao teor das fotografias de fls.7, 8, 16 e 17, documentos de fls. 14 e 15 e 19 e autos de exame directo de fls.29 e 31.
Quanto à matéria de facto não provada tal circunstância resulta de a prova produzida não ter permitido ao Tribunal formar a sua convicção quanto à mesma.
Quanto à localização do gabinete de estética a prova produzida foi contrária ao alegado. Quanto ao factos relativos ao terem os ofendidos sido esclarecidos ou não quanto aos procedimentos e cuidados a ter após o procedimento, face à contrariedade das declarações da
arguida, dos demandantes, bem como do depoimento da testemunha
Ana Catarina Pereira, não logrou o Tribunal formar a sua convicção quanto ao mesmo.
Quanto à circunstância de os tratamentos, exames e consultas ainda perdurarem a prova produzida foi insuficiente, não permitindo ao Tribunal formar a sua convicção com segurança quanto a este facto pelo que o mesmo tinha de ser considerado não provado, como o foi.
E quanto aos valores despendido atendeu-se somente àqueles, que de acordo com os documentos juntos aos autos, estão relacionados com exames, consultas e tratamentos médicos e não outros que a prova produzida não permitiu concluir que estavam directa e necessariamente relacionados com os factos em causa nos autos.
Atendeu ainda o tribunal às declarações da arguida, na medida do considerado provado, no que respeita à sua situação pessoal.
Quanto à inexistência de antecedentes criminais da arguida teve o tribunal em conta o teor do certificado do registo criminal daquela junto aos autos.
Como segunda questão, agora já objecto do recurso do acórdão final, aponta o recorrente a esta decisão que a mesma enferma de nulidade do art.° 379°, n.° 1, alínea a) do CPP, por referência ao n.° 2 do art.° 374° do mesmo diploma, radicando aquela na alegação de que a motivação da decisão de facto não vemos qualquer tentativa de esclarecer que circunstâncias, processos lógicos ou resultantes das regras da experiência comum que levaram a Mma. Juiz «a quo» a fixar os fatos provados, principalmente aqueles que resultam da prova testemunhal, resumindo-se o tribunal a quo a socorrer-se de fórmulas genéricas ineficazes, por não darem a indispensável garantia de que a prova produzida foi apreciada criticamente e que resulta da decisão recorrida - e foi efectivamente assim - os Queixosos apenas prestaram depoimento sobre as consequências físicas e morais, sem que daí decorra sequer quais sejam elas, referindo-se que prestaram depoimento sobre os factos em causa, sem que sequer se perceba que factos são esses e o que é que afinal, afirmaram'', bem como quanto às declarações prestadas pela própria arguida, apenas se refere que «questionou os demandantes sobre o tom bronzeado da pele daqueles, admitindo que as respostas dos mesmos lhe suscitaram dúvidas», sem que se alcance o porquê da conclusão imediatamente plasmada segundo a qual, então, «deveria ter procedido de forma diversa (..) não devendo ter empreendido o procedimento de imediato como fez mas assegurando-se de que o podia fazer com segurança» . Mais adianta que da fundamentação expendida é impossível descortinar a razão pela qual a Arguida não devia ter procedido como procedeu, em que medida — o porquê, objectivo - as dúvidas que as respostas dos queixosos a deviam ter impedido de prosseguir com o procedimento, que influência tem o tom bronzeado da pele dos queixosos na avaliação que a arguida deveria fazer e, aliás, que avaliação é essa.
Diz o art.° 374° n.° 2, do C.P.P., que, ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Quando assim não suceda, a sentença é nula, por força do disposto no art.° 379° n.° 1, al. a), sendo que também a C.R.P. preceitua no seu art.° 205°, n.° 1, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Do mesmo modo, na materialização do referido preceito constitucional, também o art.° 97°, n.° 4, do C.P.P. dispõe que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Como se escreveu Acórdão no acórdão do STJ 08-02-2007, disponível em www.gde.mj.pt/jstj : / - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
Em suma, aquilo que é necessário é que o tribunal explicite o percurso cognitivo que o levou a determinada decisão sobre a matéria de facto e designadamente justifique o convencimento a que chegou efectuando a avaliação e valoração dos depoimentos ouvidos, dando a conhecer as razões de ciência respectivas.
Transpondo os princípios e noções enunciados para o caso dos autos, é verdade que a lei não obriga a que a fundamentação da decisão indique a concreta prova de cada um dos factos provados e não provados, nem que se proceda à reprodução do teor de cada depoimento prestado, repetindo o que cada testemunha referiu ou descreveu, antes se exigindo que reflicta o processo lógico da formação da convicção do tribunal, de modo a permitir a transparência da sua formação e aferir se houve ou não valoração ilícita de provas.
Por sua vez, o exame crítico que deverá consistir na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. [Ac. do STJ de 30-01-02, disponível em www.gde.mj.pt/jstj ].
Ora, a sentença recorrida não se limitou a enunciar a prova documental e pericial que suportou a sua convicção probatória, o mesmo sucedendo com os depoimentos prestados em audiência.
A seguir à identificação dos autores das declarações e depoimentos produzidos, o tribunal adiantou que i) Os demandantes prestaram declarações relatando as factos em causa nos autos, com objectividade. Relataram ainda as consequências físicas e emocionais para cada um deles ..., ii) A testemunha PM...., ... relatou as consequências dos factos em causa nos autos para ambos os demandantes, sendo que evidenciou conhecimento dos factos ..., iii) A arguida prestou declarações admitindo ter realizado o procedimento em causa nos autos, embora desresponsabilizando-se das consequências sofridas pelos demandantes..a (sublinhado nosso)
Perante o texto acima citado, só podemos ter uma leitura: as testemunhas, demandante e arguida referiram-se aos factos objecto da acusação: de resto, não deixamos de apontar a curiosa posição da recorrente por relação às declarações por si feitas na medida em que a mesma, como se mostra consignado na citação feita da fundamentação, admitiu ter realizado o procedimento em causa nos autos, embora não reivindique a assunção das consequências sofridas pelos demandantes.
Uma atenta leitura da motivação inserta na sentença recorrida permite-nos verificar que nele foi feito um exame crítico da prova e o tribunal justifica, por forma cabal, porque deu como provada toda a factualidade imputada à recorrente, explicitando na motivação o exame crítico dos depoimentos das testemunhas e todo o processo lógico-formal que serviu de suporte à valoração da matéria de facto provada, nos termos em que ficou assente.
Não podemos ter como leitura atenta aquela que peiniite ao recorrente afirmar o que consta da conclusão e) acerca da razão pela qual a Arguida não devia ter procedido como procedeu, em que medida - o porquê, objectivo - as dúvidas que as respostas dos queixosos a deviam ter impedido de prosseguir com o procedimento, que influência tem o tom bronzeado da pele dos queixosos na avaliação que a arguida deveria fazer e, aliás, que avaliação é essa, na medida em que ali se estabelece Que a arguida não observou as precauções exigidas pela mais elementar prudência e cuidado que era capaz e deveria ter adoptado, resulta das suas próprias declarações na medida em que a arguida refere que questionou os demandantes sobre o tom bronzeado da pele daqueles, admitindo que as respostas dos mesmos lhe suscitaram dúvidas. Ora, assim sendo deveria ter procedido de forma diversa daquela que procedeu não devendo ter empreendido o procedimento de imediato como fez
mas assegurando-se de que o podia fazer com segurança. (destaque e sublinhado nossos)
Nada mais claro.
As objecções que a recorrente aponta por relação ao conteúdo vertido na fundamentação revelador do processo de formação da convicção do julgador, não são capazes de pôr em causa a motivação expressa pelo Tribunal recorrido que se apresenta como suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como esta instância de recurso, a concluir que as provas a que o Tribunal a quo atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art.° 355°, do CPP, e que o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras experiência comum na apreciação da prova.
Ora, face a todo o exposto, é manifesto que o acórdão não padece, por isso, de qualquer nulidade, mormente a invocada prevista na al. a) do n.° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal.
Por relação à segunda das questões — saber se a matéria de facto provada preenche na íntegra os elementos típicos do crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo n.° 1 do art.° 148° do C. Penal — argumenta a recorrente que não decorre da sentença recorrida qual o cuidado, omitido, que a Arguida deveria ter pelo facto de os queixosos apresentarem a pele bronzeada nem, aliás, tão-pouco, foi definido em que termos a Arguida estava obrigada a tal cuidado e que sendo o crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo n.° 1 do art.° 148° do C. Penal, um crime de resultado, que abrange não só a ação adequada a produzi-lo, mas também a omissão de acção adequada a evitá-lo, tal acção ou omissão só será punível quando sobre o omitente recaia o dever jurídico de evitar a verificação de um evento danoso para a vida e para a saúde deste, em virtude do estatuído no art.° 10° do Código Penal.
A propósito da integração jurídica dos factos provados e para afirmar da verificação do crime de que a arguida se encontrava acusada, menciona o tribunal o seguinte:
O preenchimento da tipicidade objectiva do crime negligente exige a verificação dos seguintes requisitos..
a) A existência de um dever objectivo de cuidado;
b) Uma acção ou omissão objectivamente violadora daquele dever;
c) Um resultado típico;
d) A imputação objectiva do resultado ao agente por sua vez exige que a
acção ou omissão violadora do dever objectivo de cuidado seja adequada à produção do resultado, que o resultado pudesse ser evitável pela conduta adequada à observância do dever objectivo de cuidado e, ainda que o resultado caia no âmbito de protecção da norma.
Para se verificar o tipo de culpa inerente à negligência é necessário que se verifiquem três elementos: 1) A possibilidade de prever o perigo de realização do tipo; 2) A actuação que não observe o cuidado objectivamente requerido; 3) A produção do resultado típico.
É, assim, necessário que o agente tenha omitido um dever de cuidado, que se tivesse sido acatado, teria impedido a produção de um evento danoso em si previsível. Existe previsibilidade quando o agente nas circunstâncias em que se encontrava podia, tendo em conta as circunstâncias em que o evento se produziu, ter representado como possível o resultado ocorrido.
Assim sendo, em sede do tipo de culpa a negligência pressupõe o não uso da diligência devida, segundo as circunstâncias em concreto, para evitar o resultado.
A negligência consiste, pois, em qualquer das suas modalidades, consciente e inconsciente na omissão de um dever objectivo de cuidado e de diligência: o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligências necessárias para o evitar.
Resulta da matéria de facto provada que no dia 02-06-2017, pelas 11h50h, os ofendidos Ja… e NR… dirigiram-se ao gabinete de estética denominado Cantinho …, sito na Rua … em S…, propriedade da arguida VC...., a fim de fazerem depilação a laser. Ali chegados a arguida explicou os preços e questionou os ofendidos que áreas pretendiam tratar. Assim, acordaram que, naquela manhã, JA.... faria a depilação na zona das virilhas, enquanto NR.... faria nas pernas. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida avaliou o tipo e o estado da pele dos ofendidos, tendo constatado que a mesma se apresentava bronzeada, sabendo que, naquelas condições, os disparos de luz concentrada podiam provocar queimaduras naqueles e, ainda assim, VC...., com recurso ao equipamento de foto depilação (o qual efectua disparos de luz concentrada), fez a depilação à ofendida JA.... na zona suprapúbica e nas virilhas, a qual durou cerca de 10 minutos. Como consequência, directa e necessária, da conduta da arguida, a ofendida JA.... sofreu dores na região atingida, bem como queimaduras de primeiro grau, lesões estas que lhe determinaram 15 dias de doença, com 2 dias de incapacidade para o trabalho. De seguida, a arguida VC.... com recurso ao equipamento de foto depilação (o qual efectua disparos de luz concentrada), fez a depilação ao ofendido NR.... na zona dos membros inferiores. Durante a sessão de depilação, não obstante o ofendido se ter queixado de dores, a arguida continuou o procedimento. Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o ofendido NR.... sofreu dores nas regiões atingidas, bem como queimaduras de primeiro grau, das quais resultaram cicatrizes, lesões estas que lhe determinaram 21 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho. A arguida ao aperceber-se de que tinha provocado queimaduras de primeiro grau nos ofendidos, aplicou, de imediato, Biafine nas pernas do ofendido NR.... e recomendou que ambos se deslocassem ao Hospital, referindo que assumiria as despesas inerentes às consultas e respectivos medicamentos, o que acabou por não fazer. Assim, na sequência das lesões provocadas e das dores que sentiram, os ofendidos dirigiram-se ao hospital C…, onde foram assistidos. Sabia a arguida que lhe incumbia adequar a intensidade do equipamento às características da pele dos ofendidos ou mesmo optar por se abster de efectuar o tratamento, caso fosse essa a indicação e se mostrasse indispensável para garantir a saúde dos mesmos. Ao agir conforme acima descrito e de forma livre, a arguida não observou as precauções exigidas pela mais elementar prudência e cuidado que era capaz e deveria ter adoptado e que a generalidade das técnicas de estética teria feito no seu lugar, para impedir a verificação daquele resultado. A arguida, que era conhecedora dos perigos que a foto depilacão acarreta, nomeadamente quando realizada quando a pele se apresenta bronzeada, embora tenha representado como possível que os ofendidos pudessem sofrer queimaduras, lesando assim o seu corpo, pensou que tal não sucederia e não tomou as precauções devidas e necessárias para evitar aquele resultado, dando, assim, causa àquelas lesões nos ofendidos. Sabia a arguida que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime. (destaque e sublinhados nossos)
Resulta da citação feita que o tribunal explicou de uma forma cabal os antecedentes do tratamento que lhe impunham uma de duas coisas: ou adequava a intensidade do equipamento às características da pele bronzeada dos ofendidos ou optava por se abster de efectuar o tratamento já que (facto provado 4) era sabedora de que, naquelas condições, os disparos de luz concentrada podiam provocar queimaduras naqueles.
Nenhuma censura merece, pois, a sentença recorrida.
III.
Por todo o exposto, acordam os juízes desta. Secção Criminal em negar provimento aos recursos intercalar e da decisão final interpostos pela arguida VC...., confirmando-se o despacho de 19-09-2018 e a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC quanto ao recurso intercalar e 5 UC por relação ao recurso da decisão final.
Feito e revisto pelo 1° signatário.
Lisboa, 28 de Maio de 2019.
João Carrola
Luís Gominho