1 - Não obstante o arguido tenha entregue a sua carta de condução para cumprimento de uma das injunções fixadas, face ao não cumprimento da primeira injunção, por motivos unicamente imputáveis ao próprio, foi determinada a revogação da suspensão provisória do processo aplicada e deduzido contra o arguido despacho de acusação, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292°, n.° 1 e 69°, n.°1, alínea a), ambos do Código Penal. Submetido a julgamento, foi o mesmo condenado na pena principal e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor
2 - A pena acessória de proibição de conduzir assenta no pressuposto formal de uma condenação do agente numa pena principal (nos termos elencados nas diversas alíneas do n° 1 do art. 69°, do Cód. Penal) e no pressuposto material de (em face das circunstâncias do facto e da personalidade do agente), o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, responde às necessidades de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano. De facto, é o conteúdo do facto de natureza ilícita que justifica a censura adicional dirigida ao arguido em função de razões de prevenção geral e especial e que constituem a razão de ser de aplicação da pena acessória
3 - As penas acessórias cumprem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal. Por outro lado, a injunção a que o recorrente se obrigou, não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. De facto, o recorrente quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou e que visava a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281° do Cód. Proc. Penal. Ora de acordo com o n° 4, alínea a) do art. 282° do Cód. Proc. Penal, se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas. Daqui facilmente se infere que as injunções aceites pelo arguido em fase de inquérito e que estão subjacentes à suspensão provisória do processo, não podem ser confundidas com as penas impostas ao arguido na sequência do julgamento realizado, por serem duas realidades distintas, pelo que não pode beneficiar do desconto do tempo em que esteve impedido de conduzir por força da injunção aplicada em sede de suspensão provisória do processo.
4 - Só haveria duplo julgamento se a suspensão provisória do processo correspondesse a um julgamento e a injunção a uma pena. Ora, não só as fases preliminares do processo, em que se inclui o inquérito, não se confundem com a de julgamento, na sua conformação e razão de ser, como o despacho de suspensão, enquanto encerramento do inquérito, não tem que ver com a sentença, seja ela condenatória ou absolutória. Desta forma, não pode entender-se que a condenação, em julgamento, em pena acessória de inibição de conduzir, depois de ter sido cumprida injunção de abstenção de conduzir, em suspensão provisória do processo, configura uma violação do princípio ne bis in idem.
Proc. 338/17.8PGALM.L1 5ª Secção
Desembargadores: Cid Geraldo - Ana Sebastião - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 338/17.8PGALM
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do .
1. No âmbito do processo com o n° 338/17.8PGALM, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, o arguido NS... foi julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante global de € 700,00 (setecentos euros) pena esta que não sendo paga (voluntária ou coercivamente) ou substituída por trabalho a favor da comunidade, a requerimento do arguido, poderá determinar o cumprimento pelo mesmo de 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária.
Foi ainda condenado na proibição de condução de veículos a motor, de qualquer categoria, prevista no artigo 69.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, pelo período de três meses e quinze dias.
Não se conformando com a decisão, o arguido interpôs o presente recurso, por considerar injustiça a sua condenação, alegando que a sentença padece de nulidade, por omissão de pronuncia quanto a questões que devia conhecer, pretendendo ver reduzidas as medidas das penas principal e acessória em que foi condenado.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1a - Padece a douta sentença de nulidade, por omissão de pronúncia quanto a questões de que devia conhecer, designadamente a questão, suscitada pelo Arguido em contestação, do cumprimento, em sede de suspensão provisória do processo, de entrega da carta de condução por três meses, pelo que a aplicação de nova sanção acessória de inibição de conduzir equivaleria a uma dupla punição, violando o principio non bis in idem, consagrado no art. 29°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa (neste sentido, AC RL de 12.05.2016, Proc.
1729/12.6SILSB.L1-9, in pt).
2a - Embora de natureza processualmente diferente, a injunção prevista no art. 281°, n° 3 do CPP e a pena acessória prevista no art. 69° do CP têm um único e mesmo objectivo: alcançar, de maneira extremamente eficaz, a dissuasão individual e geral da prática de ilícito estradal (mormente condução sob influência do álcool) do modo que mais dói ao infractor, ou seja, mediante inibição de conduzir. Foi para que em fase nenhuma se perdesse a acção dissuasora de tal mecanismo que o mesmo veio a ser transposto, por lei, para a fase de suspensão provisória do processo, aqui sob a veste de injunção e não, por motivos formais, de pena acessória, mas sendo materialmente idêntico, e cumprindo idêntica finalidade.
3a - As averbadas diferenças entre a pena acessória e a injunção são puramente conceptuais e têm o mesmo conteúdo e alcance prático, para além de comungarem o mesmíssimo modo de execução e idêntica razão de ser, designadamente quanto à paridade das respectivas funções de prevenção especial e geral; visando uma e outra os mesmos factos (...) a defender-se uma posição diversa, tal constituiria uma evidente injustiça material porque, não se atendendo à evidente quivalência substantiva e funcional de ambas as prestações, da falta do questionado desconto adviria o duplo sancionamento da mesma conduta.
4a Deveria assim o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre a questão levantada, logo em contestação, pelo Arguido, e, consequentemente, descontar, na sanção acessória a fixar, o período de inibição de conduzir já cumprido em sede de suspensão provisória do processo, sob pena de violação do princípio non bis in idem, consagrado no art. 29°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa.
5a - Por outro lado, a medida da pena de multa fixada excede o adequado à culpa concreta do Arguido (quando muito, e face aos factos objectivamente provados, menor que o habitual, e nunca maior), ao grau de ilicitude, que o próprio Tribunal reconhece moderado, e às concretas condições económicas do Arguido.
6a - Consta provado na douta sentença que o Arguido aufere o RSI e vive numa garagem com a companheira e dois filhos.
7a - É de observar que, incorrectamente, se dá como provado que o Arguido exerce actividade de venda ambulante auferindo montante monetário não concretamente apurado; Porém,
8a - quanto às condições económicas do Arguido, o Tribunal baseou-se, unicamente, nas respectivas declarações, em que se refere tal actividade como algo passado, que fazia anteriormente a receber o RSI - cfr. declarações do Arguido prestadas no dia 29.1.2019, às 10.59h - meio de prova (único utilizado para formar a convicção do Tribunal) que impõe assim que se retire dos factos provados que o arguido exerce actividade como vendedor ambulante, subsistindo corno provados apenas os restantes factos dados como provados e referentes
s condições pessoais e económicas do Arguido.
9a - A sanção acessória, atendendo ao grau de ilicitude dos factos, que o próprio Tribunal a quo reconhece como moderado, à culpa, que nada permite qualificar como intensa (carecendo de fundamentação tal consideração na douta sentença), ao facto de o cumprimento da injunção respectiva se ter dado sem incidentes, procedendo o Arguido à entrega da carta de condução pouco após a notificação da decisão de suspensão provisória (vindo os autos a prosseguir para julgamento por não ter conseguido cumprir, por motivos económicos, a obrigação de entrega de 300,00 E a uma IPSS, e não tendo sido admitido o seu requerimento de substituição desta obrigação por prestação de trabalho a favor da comunidade), deverá, por seu lado, ser fixado no mínimo legal de três meses.
Assim
10a - Deve ser revogada a douta decisão recorrida, proferindo-se decisão que:
- Fixe a pena de multa num ponto médio entre o mínimo e o máximo de dias de multa, não excedendo os 60 dias de multa, atendendo à ilicitude do facto, que o Tribunal a quo reconhece moderada, à culpa do Arguido, que será - atendendo objectivamente aos factos provados -quando muito também de grau médio, e não mais intenso que o habitual neste tipo de ilício.
- Fixe a sanção acessória no mínimo legal de 3 meses,
- Se pronuncie quanto aos reflexos do cumprimento de inibição de conduzir em fase de suspensão provisória do processo, determinando o desconto do tempo de inibição cumprido ao que venha a ser fixado.
O Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que o mesmo deve ser julgado totalmente improcedente por não provado, devendo a douta sentença proferida nos autos ser integralmente confirmada nos seus precisos termos.
Nesta Relação, o Digno Procurador-geral Adjunto vem arguir a inconstitucionalidade do art.° 282.°, n.° 4 do CPP na interpretação consagrada no Ac. de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2017 - in DR n.° 115/2017, Série I de 2017-06-16 - emitindo Parecer, com a seguinte conclusão:
Face ao exposto, entendemos extrair a seguinte súmula: com a redacção dada ao n.° 3 do art.° 281.° do CPP pela Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro, o legislador manteve a pena acessória de inibição de condução nos casos de condução sob o efeito do álcool (ou outras substâncias), que tem de ser aplicada, ainda que com a designação de injunção aquando da suspensão provisória do processo, pelo que, em caso de revogação dessa suspensão e consequente julgamento, o tempo efectivamente cumprido de inibição de condução deve ser descontado do tempo da pena acessória de inibição que vier a ser aplicado em sede de sentença, ao contrário do estabelecido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 4/2017, que, na interpretação que ali é feita do art.° 281.°, n.° 3 do CPP, é inconstitucional por violação do disposto no art.° 29.°, n.° 5 da Constituição (princípio ne bis in idem).
Tudo ponderado, somos do parecer de que o recurso merece provimento parcial, mas com a necessária declaração de inconstitucionalidade do art.° 281.°, n.° 3 do CPP na interpretação que lhe é dada pelo Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ com o n.° 4/2017.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
11- Fundamentação
Da prova produzida em audiência resultaram provados, com relevância para a decisão da causa, os
seguintes factos:
1. No dia 28 de Fevereiro de 2017, cerca das 7 horas e 20 minutos, o arguido conduziu o veículo automóvel com a matrícula 27-73-0i, pela Rua Quinta do Secretário, Feijó.
2. O arguido era portador de uma taxa de álcool etílico no sangue de, pelo menos, 1,28 g/l.
3. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que o impediam de conduzir veículos com motor na via pública e, não obstante, não se coibiu de fazê- lo, conforme quis e concretizou.
4. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punível.
6. O arguido vive com a mulher e dois filhos de um e sete anos de idade. O agregado familiar beneficia do rendimento social de inserção no montante de 180 euros. Presentemente o arguido está desempregado tendo trabalhado em empresas de comunicação, está desempregado há mais de dois anos, exercendo actividade como vendedor ambulante auferindo montante monetário não concretamente apurado. Recebe de abono das crianças a quantia de € 60,00. O agregado familiar vive numa garagem que ocuparam. O arguido tem a 4.ª classe.
7. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 26-12-2013, pela prática em 20-12-2009 de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pena substituída por trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento.
Da contestação escrita deduzida nos autos:
8. O arguido encontrava-se na madrugada dos factos, no espaço de festas Spice Garden, com a mulher, grávida, e uma filha de sete anos.
9. No interior daquele estabelecimento a dada altura deflagrou entre os participantes que ali se encontravam discussão,
10. A PSP foi chamada ao locai acima referido devido à alegada presença de armas.
11. O arguido não tinha consigo nas circunstâncias de tempo e lugar referidas armas de fogo.
Matéria de facto não provada
Da prova produzida em audiência não resultaram provados com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
Entre os participante na festa deflagraram agressões e a determinada altura havia indivíduos a correr com armas na mão.
Perante o perigo resultante destas circunstâncias, mormente do facto de existirem armas no espaço em causa, podendo resultar em disparos que atingissem acidentalmente a mulher e a filha, o arguido pegou na carrinha para as afastar e pôr as salvo e ao seu irmão AS....
O tribunal recorrido fundamentou a medida da pena aplicada do seguinte modo:
Escolha e determinação da medida das penas
A escolha e determinação da medida da pena, obedece às disposições dos artigos 40.°, 70.° e 71 °, todos do Código Penal, devendo tomar-se em consideração a culpa do agente e £$ exigências de prevenção geral e especial.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (artigo 40.°, n.° 1 do Código Penal), sendo a defesa da ordem jurídico-penal a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penai abstracta, entre um mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e um máximo consentido pela culpa do agente. Entre esses limites, satisfazem-se as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização- cfr. a este propósito Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 227 e ss.).
O crime de condução de condução em estado de embriaguez é punível com prisão de 1 mês até 1 ano ou com multa de 10 a 120 dias (consideração conjugada dos artigos 41.°, n.° 1, 47.°, n.° 1 e 292.°, n.° 1, todos do Código Penal).
Sendo este crime punido com pena de prisão ou muita, coioca-se, desde já, o problema da escolha da sanção a aplicar, em obediência ao disposto no artigo 70.° do Código Penal, nos termos do qual se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso em apreço, verifica-se que o arguido revelava à data dos factos em apreço nos presentes autos antecedentes criminais, sendo por crime de diversa etiologia ao vertente, importando ainda atender à data das condenações e dos factos em apreço naquela outra condenação pelo que entende o tribunal que a aplicação da pena de multa ainda é suficiente e adequada para assegurar as exigências de prevenção geral e especial que a prática dos factos requer.
Optando-se pela aplicação de uma pena de muita, a moldura penal abstracta a ter em conta é, repete-se, de 10 dias no seu mínimo e 120 dias no seu máximo (artigos 47.°, n.° 1, e 292.°, n.° 1 ambos do Código Penal).
Na determinação da medida concreta da pena de multa urge atender ao critério geral previsto no artigo 71.°, n.°s. 1 e 2, do Código Penal.
Deve atender-se ao bem jurídico que é protegido peia norma e às expeçtatívas comunitárias na vigência da norma violada.
As exigências de prevenção geral assumem incontornável relevo, na medida em que amiúde se verifica a condução de veículos automóveis após excessivo consumo de álcool, que acrescem os elevados índices de sinistralidade rodoviária por essa via verificados.
O grau de ilicitude do facto é moderado, como o atesta a circunstância de o arguido ter conduzido com uma taxa de álcool no sangue de 1, 28 g/l, já um pouco acima do limiar da punibilidade, sem olvidar o tipo de via em que o arguido circulava e as circunstâncias em que o fazia, de noite, numa altura em que as exigência de cuidados e de atenção se mostram redobradas.
A culpa do arguido é intensa, moldada pela forma mais grave de dolo - o directo.
No caso em apreço, depõem contra o arguido os factos anteriores decorrentes das condenações sofridas.
Ponderando os factores supra referidos, afigura-se-nos adequado e suficiente fixar em 100 (cem) dias de multa, dentro da moldura penal adiantada.
Em relação ao quantitativo diário, uma vez que o arguido não foi ouvido em julgamento, deve, assim, considerar-se o seu rendimento médio de acordo com um juízo de normalidade, atenta a sua idade e a profissão que declarou, pelo que o montante diário da multa terá de ser proporcionalmente fixado, de modo a que se reflicta no seu (presumido) rendimento disponível e que para ele constitua um verdadeiro sacrifício, termos em que se fixa o quantitativo diário da multa em € 7,00.
Da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados
À prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez é ainda aplicável a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.°, do Código Penai.
Dispõe tal norma que é condenado na pena ali prescrita quem for punido por crime previsto nos artigos 291.° ou 292.° - cfr., o respectivo n.° 1, alínea a).
Será, assim, de aplicar à arguida tal pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
Quanto á determinação da medida concreta desta pena acessória, deve a mesma ser fixada por um período entre o limite mínimo de três meses e máximo de três anos.
Para determinar in casu a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve atender-se às circunstâncias que presidiram à determinação da pena principal, além de se dever ponderar a verificação de um particular conteúdo do ilícito e um juízo de censura adicional que justifique a sua aplicação (artigos 69.°, n.° 1, 71. O e 40.°, todos do Código Penal).
No caso em apreço, sopesando esses factores, nomeadamente, a existência de antecedentes criminais por factos de diversa etiologia, mas sem esquecer a taxa de álcool detectada no exercício da condução em estado de embriaguez, considera-se adequada e proporcional a aplicação de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de três meses e quinze dias.
3. De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
O recorrente alega o vício de nulidade, por omissão de pronuncia quanto a questões que devia conhecer, designadamente a questão suscitada pelo arguido em sede de contestação do cumprimento em sede de suspensão provisória do processo, de entrega da carta de condução por 3 meses, pelo que a aplicação de nova sanção acessória de inibição de conduzir equivaleria a uma dupla punição, violando o principio do ne bis in idem;
- Alega que a medida da pena de multa fixada excede o adequado á culpa concreta do arguido e ao grau de ilicitude;
- e no que concerne á medida da sanção acessória, pugna o recorrente que aquela, atendendo ao grau de ilicitude dos factos, à culpa, deverá ser fixado no mínimo legal de três meses.
Assim, as questões que importa apreciar prendem-se com:
- a omissão de pronúncia quanto à questão do desconto na pena acessória de inibição de conduzir, do tempo em que se absteve de conduzir em cumprimento de injunção fixada durante a suspensão do processo;
- redução da pena de multa:
- redução da pena acessória em que foi condenado.
4. Quanto à omissão de pronuncia sobre a questão da dedução, na pena acessória de inibição de conduzir, do tempo em que se absteve de conduzir em cumprimento de injunção fixada durante a suspensão do processo e da violação do princípio ne bis in idem e invocada inconstitucionalidade do art.° 281.°, n.° 3 do CPP na interpretação que lhe é dada pelo Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ com o n.° 4/2017.
Alega o recorrente que a sentença recorrida padece do vício de omissão de pronúncia quanto a questões sobre as quais devia pronunciar-se (nulidade prevista no art. 379°, n° 1, al. c) do CPP), porquanto foi suscitada pelo arguido, em contestação, a questão de, em sede de suspensão provisória do processo, ter cumprido a obrigação de entrega da carta de condução e abstenção de conduzir, pelo período de três meses (art. 7° da contestação), pelo que a aplicação de nova sanção acessória de inibição de conduzir equivaleria a uma dupla punição, violando o princípio non bis in idem, consagrado no art. 29°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa (neste sentido, AC RL de
12.05.2016, Proc. 1729/12.6SILSB.L1-9, in www.dgsi.pt), manifestando, consequentemente, não dever, em atenção tal facto, ser cominada nova inibição de conduzir: porém, a decisão final é completamente omissa em relação a este ponto. Deveria assim o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre a questão levantada, logo em contestação, pelo arguido, e, consequentemente, descontar, na sanção acessória a fixar, o período de inibição de conduzir já cumprido em sede de suspensão provisória do processo, sob pena de violação do princípio non bis in idem, consagrado no art. 29°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa.
Nos presentes autos, o arguido NS...foi submetido a julgamento em processo comum, singular, em virtude de no dia 28 de Fevereiro de 2017, pelas 07H20, na Rua Quinta do Secretário, Feijó, ter exercício a condução do veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 27- 73-01 e submetido que foi á realização do teste de pesquisa de álcool no sangue, ter sido detectada uma T.A.S. (Taxa de Álcool no Sangues) de pelo menos 1,28g/1, já deduzido o valor do erro máximo admissivel.
Numa fase inicial dos autos, foram os mesmo suspensos provisoriamente pelo período de 4 meses, mediante a imposição ao arguido das injunções de pagamento da quantia de €300,00 (trezentos euros) à Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos do Concelho de Almada a efectuar no período da suspensão provisória do processo, devendo juntar aos autos documento comprovativo do pagamento efectuado do qual consta a menção de cumprimento de injunção em processo-crime com indicação do NUIPC dos autos e de entrega da carta de condução à ordem deste processo pelo período de 3 meses, período durante o qual o arguido não poderia exercer a condução de veículos rodoviários.
Não obstante o arguido tenha entregue a sua carta de condução para cumprimento de uma das injunções fixadas, face ao não cumprimento da primeira injunção, por motivos unicamente imputáveis ao próprio, foi determinada a revogação da suspensão provisória do processo aplicada e deduzido contra o arguido despacho de acusação, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292°, n.° 1 e 69°, n.°1, alínea a), ambos do Código Penal.
Submetido a julgamento, foi o mesmo condenado na pena principal de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros) o que perfaz a multa de €700,00 (setecentos euros) e nos termos do disposto no artigo 69°, n° 1, alínea a) do Código Penal, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias.
Sustenta o arguido em sede de recurso, como vimos, que, em virtude de o mesmo ter cumprido a injunção de entrega da carta de condução por 3 (três) meses em sede de suspensão provisória do processo, a aplicação de nova sanção acessória de inibição de conduzir, designadamente aquela em que foi condenado em sede de sentença a quo, equivaleria a uma dupla punição, violando assim o principio do ne bis in idem.
A tese do recorrente centra-se em questão que tem merecido amplo e consabido debate jurisprudencial, com a tendência mais recente do tribunal de recurso no sentido de abraçar a tese preconizada pelo recorrente e, nessa linha, o recente acórdão da Relação de Lisboa de 13-07-2016, da 3' Secção, proferido em conferência e por unanimidade, tendo por relatora Maria Margarida Almeida no processo 220/14.0SCLSB do Juiz 4 da Pequena Criminalidade de Lisboa.
Porém, entendemos que a pena acessória de proibição de conduzir assenta no pressuposto formal de uma condenação do agente numa pena principal (nos termos elencados nas diversas alíneas do n° 1 do art. 69°, do Cód. Penal) e no pressuposto material de (em face das circunstâncias do facto e da personalidade do agente), o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, responde às necessidades de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano. De facto, é o conteúdo do facto de natureza ilícita que justifica a censura adicional dirigida ao arguido em função de razões de prevenção geral e especial e que constituem a razão de ser de aplicação da pena acessória — tese que resulta também proficientemente sustentada em arestos deste Tribunal da Relação, designadamente do Ac RL de 6-03-2012, tirado por unanimidade na 3ª Secção e tendo com relatora Alda Tomé Casimiro e, mais recentemente, o ACRL de 17-12-2014, tirado por unanimidade na 9ª Secção e tendo como relatora Maria Guilhermina Freitas: este, versando já as próprias alterações decorrentes do aditamento conferido pela Lei 20/2013, de 21-02, introduzindo a significativa alteração do n° 3 do art.° 281° do CPP, com a obrigatoriedade da imposição da injunção de abstenção de conduzir.
Neste sentido defendia Figueiredo Dias (Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 164 e 165) a necessidade e a urgência político-criminais de que o sistema sancionatório português passe a dispor — em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária — de urna verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável. E, quanto às finalidades desta pena acessória, dizia o mesmo autor que, se (...) o pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano'.
Entende, no entanto, o Digno Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal que, com as alterações introduzidas ao art.° 281.°, n.° 3 do CPP, parece evidente que foi criado um novo regime especificamente destinado à suspensão provisória do processo sobre casos de condução sob o efeito do álcool (ou outras substâncias), impondo a obrigatoriedade de inibição de condução como injunção. Ou seja, essa injunção deixou de revestir natureza de voluntariedade (a vontade apenas se traduzirá em o arguido pretender a suspensão provisória, à qual o M°P° e, principalmente, o Juiz anui), para passar a ser imposta por lei (ope legis). E, assim sendo, «se é certo que, se formalmente se pode dizer que injunção é diferente de pena (no findo, o entendimento expendido no aludido acórdão de fixação de jurisprudência), porque esta é imposta por sentença, não menos certo será que, mesmo formalmente, é defensável que a injunção de proibição de conduzir passou a equivaler a pena, posto que, tal como acontece no processo sumaríssimo (arts. 392.° e segs. do CPP) ela é estabelecida por acordo do arguido, M°19° e Juiz, sendo que, no caso da suspensão provisória do processo, ela apenas não é vertida numa sentença, sendo, porém, requisito sine qua non de urna decisão judicial de concordância em tudo semelhante ao que acontece no processo sumaríssimo, onde o Juiz limita-se, por despacho (cfr. art.° 379.° do CPP) a aplicar a sanção (obviamente porque com ela concorda, posto que proposta pelo M°P° - art.° 392.° - e com a concordância do arguido - art.° 396.°).
Por outro lado, mesmo em termos substanciais, podemos afirmar com alguma segurança que aquela injunção é efectivamente uma pena.
Com efeito, os nossos mais ilustres professores do direito criminal definem pena como uma reacção como uma pura exigência de justiça e que tem em vista proteger certos interesses, conservá-los e defendê-los, ou seja, tendo por escopo a retribuição e a prevenção nas suas duas vertentes (geral e especial) , o que, se atentarmos na punição do crime em causa (condução no estado de embriagues), é igual à obrigatoriedade ora imposta como injunção, diferenciando-se, porventura e apenas, na duração de tal medida, mas cuja aplicação depende sempre da decisão judicial de concordância do Juiz, em tudo semelhante, pois, a uma sentença em processo sumaríssimo.
Perante essa natureza de obrigatoriedade, a dita inibição reveste natureza de pena, em nada se diferenciando da natureza da pena aplicada em sentença, quer formal, quer substancialmente, em processo sumaríssimo.
(...)
Portanto, o legislador afasta da possibilidade da suspensão provisória do processo a inibição de condução, que, assim, é sempre mantida. Dizendo de outro modo: a suspensão nos casos de condução sob o efeito do álcool (e outras substâncias) só abrange a pena de prisão até 5 anos e/ou de multa, já não a pena acessória de inibição, que, daquela forma, em tudo semelhante ao processo sumaríssimo, é mantida mesmo quando o processo é suspenso provisoriamente nos termos do art.° 281.° do CPP.
E não se diga que as penas só são cumpridas depois de sentenças transitadas em julgado - o que não se verificaria nos casos das suspensões provisórias dos processos -, posto que é a própria jurisprudência que admite o cumprimento da pena acessória de inibição antes daquele trânsito, como resulta do Ac. Rei. do Porto de 08-11-2000 lavrado no Proc.0 9911238 e ainda dos Acs. Rei. Évora de 11-03-2010, de 29-03-2005 e 10-11-2005 lavrados, respectivamente, nos Proc.0 97/08.5PTEVR.E1 , 2757/04-1 e 1413/05-1, todos em www.dgsi.pt. Nessa medida, a lei ao proibir a suspensão provisória quanto à pena acessória de inibição de condução naqueles casos, está a permitir que ela seja cumprida antes de uma eventual sentença que, porventura, tiver de ser proferida em consequência da revogação da suspensão.
Aqui chegados, parece-nos, pois, que não fará qualquer sentido que não se proceda ao desconto do tempo cumprido de inibição de condução em sede de suspensão provisória de processo se, por qualquer motivo, a suspensão for revogada, levando a uma pena de prisão ou multa e de novo à pena acessória de inibição de condução em sede de julgamento decorrente dessa revogação, dado que, agora sim, podermos estar perante um caso de dupla punição constitucionalmente proibido, ainda que de forma mais atenuada, no art.° 29. °, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa, que, assim, se mostra violado».
Entendemos, porém, que não se verifica a invocada inconstitucionalidade do art.° 281.°, n.° 3 do CPP na interpretação que lhe é dada pelo Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ com o n.° 4/2017, nomeadamente quando entende o Digno Procurador Geral Adjunto que, em caso de revogação da suspensão provisória do processo e consequente julgamento, o tempo efectivamente cumprido de inibição de condução deve ser descontado do tempo da pena acessória de inibição que vier a ser aplicado em sede de sentença, ao contrário do estabelecido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 4/2017, pois, caso contrário, podermos estar perante um caso de dupla punição constitucionalmente proibido.
Com efeito, a injunção de abstenção de conduzir, cumprida no âmbito de suspensão provisória do processo, não encerra a natureza de pena (acessória)
1- - A suspensão provisória do processo não envolve qualquer julgamento sobre o mérito da causa, antes se trata de um despacho proferido numa fase inicial do inquérito, que necessita da concordância do arguido, que não põe fim ao processo, o qual terminará pelo arquivamento, caso as injunções e regras de conduta se mostrem cumpridas, ou prosseguirá, em caso contrário, não podendo as prestações feitas ser repetidas. II ¬Consequentemente, não pode dizer-se que a condenação na pena acessória de proibição de conduzir aplicada nesse processo — que, tendo sido suspenso provisoriamente, veio a prosseguir para julgamento — ainda que o arguido, eventualmente, tenha cumprido a injunção de inibição de conduzir no âmbito da suspensão provisória, viole o princípio ne bis in idem, pois que o arguido não foi 'julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime — cfr. Ac. Rel Évora de 18-06-2013, tirado por unanimidade, do Relator Alberto Borges, in WWW. dgsi pt.
O arguido está a ser julgado pela primeira vez, pelo crime em causa.
Como bem salienta o citado Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2017, de 16.06.2017, « A imposição, com o correlativo acatamento, de injunções e regras de conduta, surge pois como manifestação de anuência, sendo indiferente, na perspetiva do arguido, que a fonte da injunção seja uma escolha do MP ou a lei. Em qualquer dos casos estamos perante condições sine qua non da suspensão, que podem ou não ser aceites pelo arguido e, naquele caso, se lhe impõem.
Diferentemente se passam as coisas com a condenação surgida na sequência de um julgamento, porque ser algo a que o arguido não pode fugir. Tal como, já não tinha dependido de si, a detenção ou a escolha da medida de coação privativa de liberdade antes aplicada.
Quanto à confluência do acordo do juiz de instrução, para ser possível a suspensão, por certo que não é tal confluência que faz da suspensão um ato de julgamento, quer em sentido material quer formal. Surge, simplesmente, pelo facto de as injunções e regras de conduta poderem contender com os direitos fundamentais do arguido, e por, na perspetiva do Tribunal Constitucional (TC), dever o juiz fiscalizar a legalidade da opção do MP encerrar o inquérito por essa via.
Serve para dizer que o curso do processo antes considerado padrão (instrução, acusação, julgamento), pode ser alterado, evitando-se a fase de julgamento, típica dos espaços de conflito. Exatamente nos casos em que, pese embora estarem reunidas provas da responsabilidade do arguido, as finalidades que a justiça penal se propõe alcançar não se mostrem prejudicadas pela falta da condenação. Tudo com as vantagens de se subtrair o arguido ao estigma do julgamento, de se obter maior celeridade na solução do caso e se lograr uma pacificação social, fruto do acordo, não só do arguido e do juiz de instrução, como também do assistente.
c) A suspensão do processo resulta de critérios que são de legalidade aberta ou de oportunidade regrada, a que o MP lança mão, sendo ele, e não o juiz, que decide da sua utilização. Ora, o facto de a opção pela suspensão do processo ser do MP e a escolha das injunções e regras de conduta serem do mesmo MP, só por si, impede que se esteja qui a falar de sanções penais, designadamente de penas. Não fora assim, cair-se-ia em grosseira inconstitucionalidade, tendo em conta o que dispõe o art. 202.°, n.° 1 da CR.
No dizer de Maia Costa Trata-se de medidas que impõem deveres (positivos ou negativos) ao arguido como condição da suspensão, sendo a sua aceitação por parte deste necessário para a suspensão.
Para Anabela Rodrigues, as injunções e regras de conduta, sem terem a natureza de pena ou sanção penal, inscrevem-se na linha de medidas que visam alertar o arguido para a validade da ordem jurídica e despertar nele o sentimento de fidelidade ao direito.
Também Germano Marques da Silva e Paulo Pinto de Albuquerque afastam a natureza de sanção penal das injunções aqui em apreço.
O facto de se tratar de medidas processuais que impõem atos ou condutas, ativos ou passivos e não de penas (nem sequer encapotadas), não obsta a que condicionem a normal atividade do arguido ou representem para ele um sacrifício. A suspensão é, apesar de tudo, uma reação ao crime cometido, integrada no sistema repressivo penal. Numa linha de diversão, têm que se ter no horizonte, sempre, a prevenção geral e especial.
Porque a injunção ou regra de conduta não são penas, é que o arguido continuará a presumir-se inocente, e nunca se poderá considerar a aceitação da suspensão, como uma confissão sua».
As penas acessórias cumprem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal.
Por outro lado, a injunção a que o recorrente se obrigou, não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. De facto, o recorrente quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou e que visava a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281° do Cód. Proc. Penal.
Ora de acordo com o n° 4, alínea a) do art. 282° do Cód. Proc. Penal, se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas.
Daqui facilmente se infere que as injunções aceites pelo arguido em fase de inquérito e que estão subjacentes à suspensão provisória do processo, não podem ser confundidas com as penas impostas ao arguido na sequência do julgamento realizado, por serem duas realidades distintas, pelo que não pode beneficiar do desconto do tempo em que esteve impedido de conduzir por força da injunção aplicada em sede de suspensão provisória do processo — cfr. os Acórdãos da Relação de Lisboa de 6/3/2012 e de 17/12/2014, atrás citados e, ainda, Ac. da Relação do Porto de 13/04/2016 no processo n.° 471/13.5GBFLG.P1 e da Relação de Évora de 18/6/2013, no processo n.° 19/12.9GTEVR.
A isto acresce o facto de, como é referido no citado Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2017, de 16.06.2017, que o art. 29.°, n.° 5 da CR, proíbe o duplo julgamento pelo mesmo crime, o que implica que, pelo mesmo crime não possa haver absolvições e condenações ou só condenações que se sucedam. Mas o princípio apenas proíbe a dupla condenação penal, sendo compatível com a condenação simultânea numa pena criminal e numa contraordenação ou sanção disciplinar, pelos mesmos factos. Estranho seria que já não fosse compatível com uma medida processual como é, adiante se verá melhor, a injunção. Depois, só haveria duplo julgamento se a suspensão provisória do processo correspondesse a um julgamento e a injunção a uma pena. Ora, não só as fases preliminares do processo, em que se inclui o inquérito, não se confundem com a de julgamento, na sua conformação e razão de ser, como o despacho de suspensão, enquanto encerramento do inquérito, não tem que ver com a sentença, seja ela condenatória ou absolutória. Tudo isto se nos afigura claro.
Desta forma, não pode entender-se que a condenação, em julgamento, em pena acessória de inibição de conduzir, depois de ter sido cumprida injunção de abstenção de conduzir, em suspensão provisória do processo, configura uma violação do princípio ne bis in idem.
A questão suscitada relativamente á aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir face á anterior aplicação da injunção em sede de suspensão provisória do processo, configura uma questão de direito que, aparentemente, não foi conhecida na decisão recorrida.
E dizemos aparentemente porque, tratando-se de questão de direito já resolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por via do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2017, acima enunciado, o Tribunal a quo ao proceder no enquadramento jurídico-penal dos factos, á escolha e determinação da medida das penas, principal e acessória, com base nos critérios legais previstos na lei, levou, necessariamente em consideração o referido Acórdão de Fixação de Jurisprudência, não se impondo, em sede de sentença, proferir qualquer consideração jurídica acerca dessa mesma questão, não se verificando, por isso, a nulidade do artigo 379°, do Código de Processo Penal por o tribunal não se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
5. No que respeita á determinação da medida da pena de multa.
Alega o arguido que a medida da pena de multa fixada excede o adequado á culpa concreta do arguido, ao grau de ilicitude e às concretas condições económicas do arguido. Entende que deveria a pena de multa ser fixada sensivelmente a meio da moldura prevista, devendo ser reduzido o valor correspondente, face às precárias condições económicas do arguido, para o valor mínimo diário.
No que concerne à medida concreta da pena a aplicar, como é sabido, a sua determinação faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes.
Tal como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, 1993, p. 227 e ss, a culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro desses limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização.
As exigências de prevenção geral dizem respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes e têm a ver com a protecção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade.
Por sua vez, as exigências de prevenção especial, que se prendem com a capacidade do arguido se deixar influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade.
Observamos os autos, entendemos que não assiste qualquer razão ao arguido recorrente, pois a decisão recorrida aplicou os princípios e critérios de determinação da medida concreta da pena com a devida observação e ponderação das circunstâncias atendíveis referidas nos arts. 40° e 71° do Código Penal.
Com efeito, bem andou o Tribunal em condenar o arguido NS... numa pena não privativa da liberdade, em obediência ao disposto no artigo 70°, do Código Penal, porquanto a pena de multa se mostrava adequada à prevenção de futuros crimes e à reprovação dos factos praticados.
Na determinação da medida concreta da pena, deverá em primeiro lugar seguir-se o critério geral do artigo 71°, do Código Penal, em obediência ao disposto no artigo 47°, n.° 1, do mesmo diploma legal.
Assim, na determinação dos dias de multa, a sua fixação em concreto ocorre em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Todas as considerações quanto à culpa, quer quanto à prevenção geral e especial, devem exercer influência nesta fase.
Tudo quanto respeita à situação económico-financeira do condenado, deve ser expurgado de consideração nesta fase, apenas assumindo relevância na fixação do quantitativo diário da multa.
Compulsada a sentença recorrida, verifica-se que se pronunciou o Tribunal no sentido de serem elevadas as exigências de prevenção geral, o grau de ilicitude da conduta do arguido ser moderado, tendo em conta a concreta taxa de álcool no sangue que o mesmo apresentava, considerando a culpa do arguido intensa.
Foi igualmente ponderado pelo Tribunal o facto de o arguido deter uma anterior condenação pela prática de ilícito criminal, que, não obstante ser de natureza diversa, não poderá deixar de ser levado em consideração.
Assim, observamos que foram ponderados todos os elementos legalmente previstos para a determinação concreta da pena, quer a nível de exigências de prevenção especial, quer geral, considerando-se adequada e justa, ao caso, a graduação da pena concreta de 100 dias de multa fixada pelo tribunal da P instância, não se verificando, por isso, qualquer violação do preceituado nos arts. 40° e 71° do Código Penal.
No que concerne ao valor da taxa diária da pena de multa, dispõe o n.° 2 do artigo 47°, do Código Penal, que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
No caso, o quantitativo diário foi graduado em 7,00 euros (entre os limites 5 e 500 euros), o que se apresenta adequado, já que praticamente se situa no limite mínimo, sendo, também, certo que, como é sabido, a função da pena de multa justifica que o seu quantitativo diário transmita a noção de censura social do comportamento do delinquente.
No caso concreto, o arguido referiu receber o R.S.I. - Rendimento Social de Inserção e exercer actividade de vendedor ambulante auferindo montante não concretamente apurado.
Com se refere no Ac. do STJ de 03.06.2004, processo 04P1266, disponível in wwww.dgsi.pt, a pena de multa, enquanto tal, tem que causar sacrifício económico palpável, pois o sacrifício é fundamental para a prossecução dos seus fins preventivos.
Salvo em casos de situações de miséria ou no limiar da pobreza, não pode a multa ser fixada em montante próximo do limite mínimo que a faça perder a sua eficácia penal [neste sentido, entre outros, o Ac da Relação de Guimarães de 18-10-2010, in www.dgsi.pt: Ponderando os critérios estabelecidos no art° 47° do CP, o montante de e 5,00 apenas deverá ser aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele.; o Ac do STJ de 02.10.1997, in CJ, ano V, tomo 3, p. 183-184; Taipa de Carvalho, As penas no Direito Penal Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal — Revisão do Código Penal, ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol. II, p. 24; e Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, p. 119].
Atendendo, pois, à apurada factualidade e tendo presente que as penas têm de representar um sacrifício para o condenado, sendo, também, certo que a lei não deixou de prever, em função das reais dificuldades do condenado, mecanismos de flexibilização do pagamento da multa (cf. art. 47° n° 3 do CP), a pena fixada pelo tribunal recorrido (quer em número de dias de multa, quer no quantitativo diário) apresenta-se adequada à conduta criminosa do recorrente.
6. Quanto à redução da pena acessória de proibição de conduzir
veículos a motor.
Por força do art.° 69.°, n.° 1, alínea a), do C. Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 77/01, de 13 de Julho, posteriormente alterada pela Lei n.° 19/2013, de 21 de Fevereiro, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ser fixada entre três meses e três anos, em caso de condenação pela prática do crime previsto no art.° 292.° do C. Penal.
Sendo uma pena acessória, a sua aplicação, em cumulação com uma pena principal em consequência da prática de um crime, depende dos critérios gerais de determinação das penas, contidos no art.° 71° do C. Penal, devendo pois ser graduada dentro dos limites legais, entre 3 meses e 3 anos, em função da culpa do agente e da gravidade do concreto ilícito cometido, não esquecendo, porém, que a sua finalidade, diferentemente da pena principal, que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, é de prevenção geral de intimidação (reside mais na censura da perigosidade do agente, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral).
Não se deve por isso, em função das finalidades da pena e da sanção acessória estabelecer-se uma coincidência ou proporcionalidade entre a pena concreta aplicada e a medida concreta da sanção acessória.
A pena acessória de proibição de conduzir tem uma função preventiva, adjuvante da pena principal, visando especialmente prevenir a perigosidade do arguido.
Quer isto dizer que os objectivos de política criminal, ligados à aplicação das penas principal e acessória são distintos: enquanto os da pena principal se ligam aos fins genéricos da aplicação de qualquer pena, já os da pena acessória se dirigem mais especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor.
A pena acessória, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano cumprindo, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação geral mas também da defesa contra a perigosidade individual (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 90), tendo por fim (mediato) a tutela dos bens jurídicos subjacentes ao tipo de crime praticado.
Importa considerar, ainda, as elevadas exigências de prevenção deste tipo de infracção, sobretudo de prevenção geral, face aos elevados índices de sinistralidade verificados nas nossas estradas, provocada, em grande parte, pela condução sob a influência do álcool, impondo que as sanções aplicáveis se decretem com certa severidade, pois só assim poderão apresentar-se como dissuasoras do comportamento (...) dos condutores que bebem em excesso e que em tal estado de embriaguez, se atrevem ou se sentem impelidos para conduzir (cf., neste sentido, o Ac. do T.R.C. de 3 de Julho de 1997, in C. J., Ano XII, t. 3, pág. 57).
Ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção especial, tendo presente a concreta taxa de álcool no sangue detectada no arguido, julga-se perfeitamente justa e proporcional a proibição de
conduzir veículos com motor por um período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, que foi imposta pelo tribunal recorrido.
Conclui-se, assim, que o recurso não merece provimento.
7. Em conformidade com o exposto, acordam os juízes nesta 5.a secção do em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida e em não declarar a invocada inconstitucionalidade do art.° 281.°, n.° 3 do CPP na interpretação que lhe é dada pelo Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ com o n.° 4/2017.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC.
Lisboa, 9 de Julho de 2019
Cid Geraldo
Ana Sebastião