Reafirmada a competência do Tribunal da Relação para a prolação da respectiva decisão, como bem resulta do Ac. do S.T.J. n.° 2/2008, de 31 de Março, in DR n.° 63, a possibilidade de quebra do referido dever de segredo encontra-se prevista no citado art.° 135.°, 11.° 3, em conjugação com o art.° 80° RGICSF e justifica-se, aqui, ante a inquestionável prevalência do superior interesse na melhor forma de administração e realização da justiça, mormente de natureza penal, o que passa pela investigação, perseguição e punição da eventual prática de ilegalidades ou irregularidades na aquisição, pela entidade bancária, de unidades de participação de um fundo.
Proc. 1331/19.1T9LSB.L1 5ª Secção
Desembargadores: João Carrola - Luís Gominho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acordam, em conferência, os Juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.
Nos Autos de Inquérito n.° 1331/19.1T9LSB que para efeitos jurisdicionais corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 1, onde se investiga a eventual prática de irregularidades/ilegalidades eventualmente integrantes de factos consubstanciadores de crimes de burla qualificada e /ou de corrupção passiva no sector particular, solicitou o Ministério Público ao Banco de Portugal que informasse se, no ano de 2013, a Caixa... lhes fez alguma participação dando conta de ilegalidades ou irregularidades na aquisição, por essa entidade bancária, de unidades de participação do Fundo C.. Imobiliário (autorizado pelo Conselho Directivo da CMVM em 05/06/2005, e gerido pela S… - Sociedade Gestora de …, S.A.), nomeadamente, quanto aos valores de avaliação dos imóveis que integravam o referido fundo e, na afirmativa, remetida cópia da participação em causa e da decisão final que sobre ela incidiu.
O Banco de Portugal recusou-se a fornecer os solicitados elementos, por se considerar vinculada ao dever de segredo nos termos do art.° 80° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
Face à citada recusa, promoveu o Ministério Público que o Mm.° J.I.C. suscitasse o respectivo incidente de Quebra de Segredo Profissional junto deste , a fim de o Banco de Portugal fornecer os elementos solicitados, descriminando:
- Cópia/digitalização da Denúncia apresentada à CMVM por JA... ou pela Caixa... C…, relatando irregularidades na transferência, em Novembro e Dezembro de 2011, de 1830 imóveis da Caixa … para o Fundo C.. Imobiliário (autorizado pelo Conselho Directivo da CMVM em 05/06/2005, e gerido pela s…-Sociedade Gestora de …, S.A.);
- Cópia/digitalização da documentação que instruiu essa denúncia;
- Cópia/digitalização da documentação e outros elementos recolhidos pelo ao Banco de Portugal com vista a esclarecer o denunciado, e da decisão final que sobre o mesmo incidiu;
- Cópia/digitalização de recomendações realizadas pelo Banco de Portugal a
respeito do descrito negócio.
Tal pedido mereceu o seguimento por parte do Mmo. JIC.
II.
Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.
Dispõe o art.° 135.°, n.° 1, do C.P.P. que Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos. .
O n.° 2 do mesmo preceito, por sua vez, dispõe que Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento..
Por sua vez, o n.° 3 preceitua que O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos., sendo que a intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
Assim, ante os referidos dispositivos e o circunstancialismo fáctico em causa, afastada está, desde logo, a possibilidade de aplicação do citado n.° 2, uma vez que não se coloca a questão da existência de dúvidas sobre a legitimidade da escusa, pois que o art.° 80011.0 2 do RGICSF é imperativo no sentido da vinculação dos órgãos do Banco requerido e das pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no Banco de Portugal, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços a título permanente ou ocasional ao dever de segredo profissional sobre os factos e os elementos cujo conhecimento lhes advenha do exercício das suas funções ou da prestação de serviços.
Importa, por este motivo, decidir a questão à luz do n.° 3 do citado art.° 135.° acima citado.
Referem Simas Santos e Leal Henriques em anotação ao dispositivo em causa, in Código de Processo Penal Anotado, I vol., Rei dos Livros, 2a ediç., pág. 743: haver ou não haver segredo profissional é matéria prevista no n.° 2 e sindicável pela via do recurso ordinário. Após se ter concluído pela existência do sigilo e determinada a sua quebra, há que lograr o juízo confirmativo da instância superior, nos termos do n.° 3. E continuam os mesmo autores, se a autoridade judiciária concluir que a matéria sub judicio integra a área sigilosa mas, não obstante, se mostra justificada a quebra do segredo, no confronto deste princípio com as normas e regras da lei penal, terá de intervir o tribunal superior para confirmar ou infirmar tal juízo.
E que juízo se impõe seja feito?
Os mesmos autores, ibidem a pág. 739, dizem que o segredo bancário repousa sobre factos ou elementos respeitantes à vida das instituições de crédito e às relações desta com os clientes, nomeadamente no que toca aos seus nomes, contas, movimentos ou operações realizadas.
Porém, o mesmo não tem carácter absoluto, já que cede perante o dever de cooperação com as autoridades judiciárias, quando particulares exigências de investigação criminal o imponham, mas sempre dentro de apertados limites e rígidas exigências de controle que, tanto quanto possível, harmonizem os dois interesses em confronto (cfr. Parecer n.º 28/86 de 18.10.214, da PGR in Pareceres, VI, 419 e ss).
Ora, a lei prevê a quebra do segredo profissional sempre que a mesma se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo-se em conta a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos.
Assim, reportados ao caso dos autos e reafirmada a competência deste Tribunal da Relação para a prolação da respectiva decisão, como bem resulta do Ac. do S.T.J. n.° 2/2008, de 31 de Março, in DR n.° 63, a possibilidade de quebra do referido dever de segredo encontra-se prevista no citado art.° 135.°, 11.° 3, em conjugação com o art.° 80° RGICSF e justifica-se, aqui, ante a inquestionável prevalência do superior interesse na melhor forma de administração e realização da justiça, mormente de natureza penal, o que passa pela investigação, perseguição e punição da eventual prática de ilegalidades ou irregularidades na aquisição, pela Caixa..., de unidades de participação do Fundo C… Imobiliário (autorizado pelo Conselho Directivo da CMVM em 05/06/2005, e gerido pela S… - Sociedade Gestora de …, S.A.).
Haverá, pois, de julgar-se procedente o presente incidente de quebra do dever de segredo.
III.
Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os Juízes desta Secção em dispensar do dever de segredo o Banco de Portugal, devendo este, consequentemente, fornecer ao Ministério Público todos os elementos e informações referidos, a saber:
- Cópia/digitalização da Denúncia apresentada à CMVM por JA... ou pela Caixa..., C…, relatando irregularidades na transferência, em Novembro e Dezembro de 2011, de 1830 imóveis da Caixa … para o Fundo C… (autorizado pelo Conselho Directivo da CMVM em 05/06/2005, e gerido pela S…-Sociedade Gestora de …, S.A.);
- Cópia/digitalização da documentação que instruiu essa denúncia;
- Cópia/digitalização da documentação e outros elementos recolhidos pelo ao Banco de Portugal com vista a esclarecer o denunciado, e da decisão final que sobre o mesmo incidiu;
- Cópia/digitalização de recomendações realizadas pelo Banco de Portugal a
respeito do descrito negócio.
Sem Custas.
Notifique.
Elaborado e revisto pelo primeiro signatário.
Lisboa. 9 de Julho de 2019
João Carrola
Luís Gominho