Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 22-10-2019   Impugnação da matéria de facto. Crime de introdução em lugar vedado ao público.
1 - No caso dos autos, muito embora a prova oralmente produzida em audiência de julgamento tenha ficado registada por gravação em Cd e o ora Recorrente tenha pretendido impugnar (na sua motivação de recurso) a matéria de facto que identificou considerada provada pelo tribunal de 1º Instância, esta Relação já não pode, no presente recurso, conhecer amplamente da mesma matéria, sem prejuízo de poder e dever conhecer oficiosamente, a existirem (e não existem), de qualquer um dos vícios elencados nas diversas alíneas do n.° 2 do Art.° 410° do C.P.P.
2 - Na verdade, o Recorrente, tendo embora pretendido impugnar a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, com fundamento num pretensa avaliação errónea das provas produzidas em audiência de julgamento, não observou a exigência legal constante do cit. art.° 412°-3 e 4 do CPP — por isso não curou sequer de, na sua motivação de recurso, fazer referência onde estão gravadas as declarações que, no seu entendimento, deveriam ter levado o tribunal a proferir decisão diversa em relação aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impunham decisão diversa da que foi proferida e, ainda, as provas que deviam ser renovadas, dando, assim, integral cumprimento ao disposto no normativo citado.
3 - Não é necessário, para o preenchimento do tipo de ilícito de introdução em lugar vedado ao público, um sinal escrito, o tipo basta-se com o facto de estarmos perante um lugar vedado e não livremente acessível ao público e o facto de o arguido saber tal facto.
4 - Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que existiam barreiras físicas visíveis e inconfundíveis no local e também seguranças para impedir o acesso ao palco e independentemente, de existir ou não qualquer inscrição visível pelo arguido, a verdade é que o Festival da Canção é um espectáculo com inúmeros anos de tradição. Ora, em todos os espectáculos com características semelhantes, mas em particular no espectáculo aqui em causa, é do conhecimento geral não se poder invadir o palco o qual está efectivamente reservado para intérpretes e pessoal autorizado e que está fisicamente separado do público pelo facto de estar mais elevado e por barreiras.
Proc. 18/18.7SULSB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Agostinho Torres - João Carrola - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Recurso penal [5ªSecção penal]
Relator: Agostinho Torres
Proc.° NUIPC 18/18.7SULSB.L1
Tribunal recorrido: Juiz 1- Juízo Local de Pequena Criminalidade Recorrente (s):Arguido KB...
Sumário: Festival eurovisão 2018- entrada em espaço vedado ao público; ofensas corporais a intérprete Inglesa
ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA — 5ª SECÇÃO (PENAL)
I-RELATÓRIO
1.1- Por sentença em proc abreviado, proferida a 31 de Janeiro de 2019 no proc 18/18.7SULSB.L1 no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, foi decidido de facto e de direito:
1. -RELATÓRIO:
O Ministério Público acusou em processo abreviado para julgamento por Tribunal singular: KB..., filho de FB... e de BK..., natural da A…, nascido a … de 1987, solteiro e residente na 230 …, Inglaterra
Imputando-lhe a prática, em concurso real, de um ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.°, n.° 1, do Código Penal e um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191.°, do Código Penal.
A RRR..., S.A. (RRR...) constitui-se assistente.
(...)
II. - FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
Matéria de facto Provada:
Apreciada a prova produzida em audiência, resultaram provados os seguintes factos, com
relevância e pertinência para a boa decisão da causa:
1. No dia …de 2018, pelas das 21h10m, no no Pavilhão Multiusos Altice Arena, no Parque das Nações, em Lisboa, a ofendida SMC..., encontrava-se a interpretar a canção representativa do seu pais, RU..., no âmbito do Festival da Eurovisão 2018, o qual estava a ser difundido em directo pelo canal de televisão RRR...;
2. De repente, o arguido, sem se encontrar munido de qualquer autorização para o efeito, entrou no palco onde a ofendida se encontrava a actuar, o qual era destinado exclusivamente à utilização pelos interpretes das canções concorrentes e pelo demais pessoal devidamente credenciado para o efeito;
3. Acto contínuo, o arguido dirigiu-se à ofendida e agarrou-a no braço e no ombro direito, assim logrando retirar-lhe da mão o microfone que esta se encontrava a utilizar;
4. De imediato, o funcionário da empresa ESEGUR responsável pela segurança no palco, PAM... foi em socorro da ofendida e interceptou o arguido, após um breve confronto físico, do qual resultou a queda de ambos no solo;
5. De seguida, o arguido foi entregue pelo referido vigilante aos agentes da P.S.P. que se encontravam no local, que por sua vez, o entregaram aos agentes policiais MSL... e JMS... que procederam à sua detenção;
6. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu hematomas no ombro direito e fortes dores no ombro e braço direito;
7. O arguido agiu com o propósito de retirar à força da mão da ofendida, o microfone que esta se encontrava a utilizar, bem sabendo que com a suaatitude necessariamente molestaria o corpo e a saúde da mesma, resultado que bem representou;
8. Agiu o arguido ainda com o propósito concretizado de se introduzir num local que não era de livre acesso ao público, bem sabendo que não tinha autorização de quem e direito para o fazer;
9. Actuou livre, voluntária e conscientemente sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida por lei, não obstante não se absteve de actuar conforme descrito;
10. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta;
11. Mais se provou que:
12. O arguido reside em Londres dividindo o apartamento onde habita com mais duas
pessoas; vive no RU... há cerca de 10 anos; declarou ser DJ, dedicar-se à escrita criativa através de um website e intitulou-se ainda de activista político; declarou ter frequentado o curso superior de Economia que não terminou; declarou o rendimento mensal de cerca de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros).
Factos Não Provados;
Inexistem quaisquer factos não provados com relevância para a decisão de mérito, não se
provando facto contrário nem que estivesse em contradição com a factualidade elencada.

III. - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O Tribunal alicerçou a sua convicção para a resposta à matéria de facto provada pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente, entre si, de acordo com os princípios da experiência comum, de lógica e razoabilidade, nos termos do art. 127.° do Código de Processo Penal.
O arguido prestou declarações. Assumiu a sua intromissão no palco do Festival da Eurovisão dirigindo-se à intérprete que na altura estava a actuar, a cantora inglesa em representação do RU... - a testemunha SMC... ter retirado o microfone que aquela segurava na mão e ter expressado palavras cuja intenção era atingir a Europa e a corrupção, como afirmou. Explicou ter adquirido bilhetes quer para aquele espectáculo em concreto, a final do Festival da Eurovisão 2018, quer para o anterior, a semi-final realizada no mesmo local, despendendo o montante de 500 libras. Explicou que quando adquiriu os bilhetes fê-lo com a intenção de invadir o palco e manifestar-se assim que a artista do RU... estivesse actuar, o que acabou por concretizar, para o efeito, afirmou ter escolhido um lugar/posição que mais facilmente lhe permitisse aceder ao palco.
Admitiu não ter quaisquer credenciais ou autorizações para aceder ao palco.
Intitulou-se activista político ainda que o seu discurso tenha sido confuso e inconsistente não se denotando por conseguinte das suas palavras qualquer sustentação quanto à(s) causa(s) que o movem, as suas convicções ou ideias, acabando por genericamente referir que a BBC e a Europa não dão cobertura a pessoas com grandes ideias ou ideias criativas, antes defendem criminosos e corruptos, vendo neste modo de actuação uma forma de chamar a atenção para as causas que defende. De acordo com as suas declarações esta sua conduta teve impacto ao nível do número de seguidores das páginas das redes sociais, designadamente, na sua conta do Twiíter passando a ter milhares de seguidores (12 mil como afirmou), conferindo-lhe ainda, como é natural, protagonismo. A resposta do
Tribunal quanto à factualidade apurada em 12., ancoramo-nos nas próprias declarações do arguido não tendo sido nesta parte infirmadas pela de mais prova produzida.
Quanto ao mais, o arguido negou que tenha tido contacto físico com a ofendida e que assim a tivesse molestado fisicamente, afirmando que se limitou a retirar-lhe o microfone que aquela segurava na mão sem lhe ter sequer tocado.
Ora, nesta parte a versão do arguido não nos mereceu qualquer credibilidade tendo em conta a mais prova produzida em audiência de discussão e julgamento. Além do mais, é público e notório por ter sido transmitido em directo pela RRR..., que na abordagem que o arguido fez à ofendida SMC..., aquele com as suas mãos agarrou a mão onde a cantora segurava o microfone quando estava a interpretar a canção representante do RU... e arrancou-lhe o microfone da mão ao mesmo tempo com a atingia no corpo com a mochila que trazia às costas molestando-a na parte de cima do corpo do lado direito.
Nesse sentido despôs a ofendida, SMC..., 29 anos, cantora e natural do RU..., a qual de forma circunstanciada relatou ao Tribunal a situação por si vivenciada. Deste modo, esclareceu que foi interrompida na sua actuação quando o arguido irrompeu de modo rápido no palco onde estava a cantar a música representante do seu país, aí chegado o arguido e dirigiu-se-lhe e sentiu um forte impacto fruto do corpo do arguido no seu próprio corpo, tendo-lhe aquele agarrado com força na mão esquerda onde segurava o microfone e tirou-lho da mão. Ficou com arranhões na mão esquerda e com fortes dores no ombro e braço direito que segundo a ofendida poderão ter sido causados pela mochila que o arguido transportava às costas quando com força lhe puxou o microfone. Explicou que apenas sentiu dores na zona atingida minutos após a sua actuação e mais premente nos dias seguintes após toda a descarga emocional que a situação lhe provocou, segundo a qual, nunca em 10 anos enquanto cantora profissional experienciou uma situação como a em discussão nos presentes autos realçando ter actuado em muitos palcos quer no seu país quer noutros países, onde naturalmente não é permitido irromper pelos palcos e retirar os microfones aos artistas, como frisou. Afirmou ainda ter ficado surpreendida com a situação ocorrida que nas suas palavras a traumatizou e levou a que durante um mês tivesse dificuldade em subir novamente ao palco.
A testemunha PAM..., Vigilante, explicou que à data dos factos em apreciação nos autos estava posicionado na zona gold correspondente ao local onde se encontravam os espectadores mais próximos do palco e era nessa zona que se encontrava o arguido a assistir ao espectáculo; depôs de modo seguro e realçou o acontecer histórico vertido na factualidade assente de modo preciso e assim a conduta perpetrada pelo arguido. Esclareceu o exacto local onde se encontrava e que lhe permitiu visualizar o arguido a transpor as barreiras físicas/baias de cerca de metro e meio que delimitavam no local onde a assistência estava circunscrita, para além da barreira natural do palco e as barreiras humanas constituídas por seguranças/vigilantes que aí estavam de serviço; observou então o arguido a ultrapassar a barreira física, saltando, e a atravessar ainda um passadiço/ponte de acesso que lhe permitiu aceder ao palco. Ao observar a conduta do arguido deu a indicação a outros colegas e juntamente com eles interceptou o arguido no palco a falar ao microfone que segurava na mão, tudo isto durante a actuação da cantora inglesa, que assim se viu impedida de cantar.
Por seu turno, a testemunha MGM..., Quadro Superior da RRR..., Consultora no Gabinete Jurídico, esclareceu que se encontrava a assistir no local ao espectáculo tendo visualizado a entrada de uma pessoa no palco enquanto actuava a cantora inglesa. Referiu ter sido quem apresentou a queixa contra o arguido tendo estado igualmente na produção do espectáculo durante o período de um ano esclarecendo tratar-se do evento televisivo mais visto em todo o mundo, o que fez com que a conduta do arguido tivesse sido prejudicial à imagem da RRR..., conforme sublinhou, e inclusivamente, foi pago um valor pecuniário a título de indemnização à ofendida SMC... por parte da televisão pública em consequência da actuação do arguido, como igualmente afirmou. Demonstrou conhecimento da existência de diversas barreiras no local e a passagem pelas mesmas por parte do arguido de modo a conseguir aceder ao palco como fez.
Finalmente foi inquirida a testemunha JMF..., Agente da PSP na 6.a Esquadra de Investigação Criminal de Lisboa sita em Alcântara, o qual embora tenha deposto com credibilidade e isenção não assistiu aos factos imputados ao arguido, porquanto, se encontrava de serviço no perímetro exterior ao espectáculo, designadamente, junto a uma das portas do pavilhão onde decorria o evento musical. Ainda assim, explicou que foi solicitada a sua presença juntamente com a da sua chefe, a Agente da PSP ML…, até à porta 1 existente no local na medida em que havia um indivíduo detido. Nessa sequência, juntamente com a colega deteve e encaminhou o arguido à esquadra policial onde depois foi elaborado o expediente. Corroborou o teor do auto de notícia de fls. 2 a 5 junto aos autos. Ora, tendo em conta a dinâmica factual tal como foi relatada ao Tribunal, em certa medida pelo próprio arguido e depois pela prova testemunhal produzida resulta com segurança a prática dos factos imputados ao arguido constante da factualidade provada. O depuramento das circunstâncias em causa, a dinâmica em que os factos ocorreram faz com que seja congruente com a realidade e com as regras da experiência comum que o arguido agiu com vontade em executar um plano de aceder ao palco de um evento que sabia de massas com elevadíssima visibilidade e que implicava a superação de barreiras as quais deveriam ter sido suficientes para o fazer parar e não levar a cabo essa sua intenção; na realidade usar as vias que utilizou, saltar as barreiras existentes no local e que sabia não lhe serem permitidas e que decorre do homem médio serem aliás proibidas, leva a concluir que o arguido agiu com vontade de aceder a um espaço alheio e proibido transpondo barreiras com o fito de interceptar a sua pretendida interlocutora, a artista inglesa num espaço que lhe estava unicamente a si reservado e naturalmente a outras pessoas da organização mas que não ao arguido, o qual, agiu com a intenção de lhe retirar o microfone e com o uso do mesmo expressar-se acerca de algo que não se compreende exactamente o quê, nem que para isso tivesse de usar da força e em modo de puxão, o que foi suficiente para a atingir de modo não insignificante na sua integridade física e na sua saúde mental como ficou patente do depoimento da testemunha SMC..., e portanto, a conclusão lógica e razoável e conducente com a realidade tal como ficou demonstrada é que o arguido actuou com dolo directo e portanto os factos internos ou subjectivos resultam da apreciação conjugada de todos os factos objectivos que ficaram assentes, em conformidade com as regras da experiência e da normalidade dos acontecimentos em situações semelhantes.
Quanto à ausência de condenações anteriormente sofridas pelo arguido o Tribunal socorreu-se do respectivo certificado de registo criminal que se encontra junto a fls. 186 onde nada consta.

IV. - FUNDAMENTOS FÁCTICO-CONCLUSIVOS E JURÍDICOS:
V. (...)
Retomando à factualidade provada, atenta a perpetrada conduta do arguido tal corno ficou demonstrada na audiência de discussão e julgamento e plasmada na matéria de facto provada, concluímos que, o arguido sem possuir qualquer autorização saltou baias de segurança e barreiras que se encontravam visíveis e perfeitamente delimitadas no espaço entre o público e o palco adstrito a artistas e in casu à cantora inglesa; enquanto esta actuava em representação do RU... irrompeu o arguido pelo palco impedindo assim que a intérprete prosseguisse momentaneamente com a sua actuação; dirigiu-se-lhe agarrou-a na mão onde aquela segurava o microfone assim logrando retirar-lho e expressar palavras que entendeu; em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu hematomas no ombro direito e fortes dores no ombro e braço direito; o arguido agiu com o propósito de retirar à força da mão da ofendida o microfone que esta se encontrava a utilizar, bem sabendo que com a sua atitude necessariamente a molestaria no corpo e na saúde; agiu ainda com o propósito concretizado de se introduzir num local que não era de livre acesso ao público, bem sabendo que não tinha autorização de quem e direito para o fazer, perante tal contexto dúvidas se não suscitam da prática pelo arguido dos crimes por que vem acusado, tendo actuado livre, voluntária e conscientemente sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida por lei, actuou pois, com dolo directo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 14.°, n.° 1 do Código Penal. Não se
verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude ou da culpa, nem falta qualquer condição de
punibilidade, pelo que deverá o arguido ser punido por
ambos os ilícitos criminais que lhe são imputados.
VI. - DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA:
Efectuada a subsunção legal importa ora graduai- dentro da moldura abstracta das penas aplicáveis ao arguido, a natureza e medida das sanções a aplicar.
O crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191.°, do Código Penal é sancionado com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 60 dias, e o crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art, 143,°, n.° 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
(...)
Dispõe o art. 71.°, n.° 1 do Código Penal que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
A escolha da pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial e não da culpa. Esta última revela para efeitos da medida da pena.
No que respeita às exigências de prevenção geral consideram-se as mesmas significativas no caso concreto sobretudo no que toca ao crime de ofensa à integridade física, pois, na comunidade da comarca o ambiente social de agressão física dos cidadãos assume proporções que traduzem uma conflitualidade que coloca profundamente em crise a validade das normas que tutelam os referidos bens jurídicos sendo por isso elevadas as exigências de prevenção geral.
Quanto às exigências de prevenção especial o arguido é primário e não tem qualquer ligação com o território nacional; o arguido não assumiu uma postura de consciência crítica da sua conduta.
No respeitante à culpa do arguido deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, sob pena de haver uma dupla valoração da culpa, depuserem a favor ou contra o arguido, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que o determinaram e as suas condições pessoais. Têm de ser ponderadas, de forma equilibrada, todas as circunstâncias para a individualização da pena aplicada ao arguido.
Assim, nas circunstâncias que antecederam, são contemporâneas ou posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, têm de se ponderadas as circunstâncias, desfavoráveis e as favoráveis:
As primeiras:
• O grau de ilicitude dos factos é elevado revelando uma considerável energia criminosa, importando atender às circunstâncias em que ocorreram os factos, designadamente, com premeditação mediante um plano previamente gizado pelo arguido, tendo o arguido actuado com dolo directo;
• A reduzida ou mesmo inexistente postura de auto-crítica do arguido pelo seu comportamento;
O modo de execução dos factos perante um número elevado de pessoas que incentivada pelo poder das massas e por aquele tipo de comportamento e palavras podia sentir-se tentada a assumir condutas idênticas com consequências imprevisíveis, graves e irreparáveis;
• A inexistência de motivações no mínimo compreensíveis a não ser a projecção pessoal do arguido (que sendo legítima não o pode legitimar a usar deste tipo de expediente para atingir o seu desiderato);
• A participação da ofendida no evento em questão ficará sempre marcada pela conduta perpetrada pelo arguido e o mesmo se diga quanto à imagem da própria RRR..., que tinha a seu cargo a organização do evento, até com prejuízo financeiro em virtude do comportamento delituoso do arguido, pois, conforme resultou do depoimento da testemunha MGM... foi entregue determinada quantia em dinheiro à testemunha SMC... a título de indemnização;
• As exigências de prevenção geral determinam a imposição de medidas que tenham em vista dissuadir a prática deste tipo de ilícito criminal;
As segundas:
• Ausência de antecedentes criminais;
• Infere-se ainda que o arguido estará inserido profissionalmente no país onde escolheu viver. Ora, os tipos penais sob apreciação admitem em alternativa a aplicação de uma pena de prisão
ou uma pena de multa.
Neste contexto, atendendo ao disposto no art. 70.° do Código Penal, entende o Tribunal que, quanto ao crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143.°, n.° 1, do Código Penal, não obstante a censurabilidade ínsita da conduta perpetrada pelo arguido, não emergiram consequências irreparáveis e gravosas à saúde da ofendida, a qual, acabou por terminar a sua actuação mesmo após a conduta delituosa do arguido e fazendo-se apelo às regras e princípios enformadores do direito processual penai em que se deve dar-se preferência às reacções criminais não privativas da liberdade, entende-se que a aplicação de uma pena de multa para tal ilícito criminal ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, optando-se por isso, pela aplicação de penas não privativas da liberdade pela prática do referido ilícito; já quanto ao crime de crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191.0, do Código Penal, entendemos que para
além do já supra exposto quanto às circunstâncias em que o facto ocorreu, há que ponderar as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso concreto, além do alarme social, o sentimento generalizado de insegurança que este tipo de condutas provoca e a necessidade evidente e acrescida de dissuadir e desincentivar este tipo de práticas por outras pessoas que a coberto de protagonismo pessoal não se inibem de actuar conforme o fez o arguido, ainda mais em eventos com um aglomerado elevado de pessoas confinadas a um espaço onde cada espectador deve assumir a responsabilidade de contenção de comportamentos anti- sociais, uma atitude séria e socialmente adequada ao respeito pelo outro e em ultima instância a não praticar crimes para a sua própria segurança e a de todos os demais que se mostram delimitados num determinado espaço físico. Para além do mais, não demonstrou o arguido arrependimento pelo seu acto, razão pela qual, concluímos que manifestamente uma pena de multa não satisfaz as finalidades de punição tomando- se óbvio a necessidade de ser dado um sinal à sociedade que este tipo de condutas não são nem podem ser toleradas e especialmente em circunstâncias de eventos de massas, pelo que concluímos que apenas a pena de prisão satisfaz as exigências de prevenção especial e geral e as finalidades de punição no caso sub judice.
Atento o exposto, entende-se adequado condenar o arguido numa pena de multa pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143.°, n.° 1, do Código Penal, a qual se deve situar próximo do seu termo médio, e assim condeno o arguido KB... na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, e no que se refere ao montante diário da pena de multa, preceitua o art. 47.°, n.° 2, do Código Penal que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre e 5 e e 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, ou seja, o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real, efectivo e pessoal para o condenado, sem no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar, sob pena de não serem cumpridas as finalidades da punição. Inequivocamente, uma pena de multa tem que comportar esse sacrifício pessoal e efectivo, a fim de serem cabalmente alcançadas as finalidades da punição. Assim, decido fixar em € 9,00 (nove euros) a taxa diária da multa aplicada ao arguido, considerando a sua situação económica e financeira, perfazendo assim, o montante global de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros), a que correspondem 106 (cento e seis) dias de prisão subsidiária (cfr. art. 49,0, n.° 1 do Código Penal), e quanto ao crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191.°, do Código Penal, há que ponderar que é punível com pena de prisão até três meses, entendendo-se deste modo adequado condenar o arguido KB... na pena de
prisão de 1 (mês) e 20 (vinte) dias.
Não obstante, tratar-se de uma pena de prisão inferior a um ano, ao abrigo do art. 45.°, n.° 1 do Código Penal, entende o Tribunal não dever substituí-la por igual tempo de multa atenta a necessidade de prevenir futuros crimes por parte do arguido.
(—)
O arguido está aparentemente integrado num país que não o seu de origem e tem actividade(s) profissional(ais) pela(s) qual(ais) consegue sustentar-se de forma lícita, não teve contacto com o sistema prisional, como decorre do seu certificado de registo criminal, não tem qualquer elemento de ligação/conexão com o território nacional, importa por isso, ponderar se as finalidades que se pretendem atingir com a pena de prisão se alcança com a efectividade da mesma ou se, para tanto, basta a aplicação de uma medida criminal de natureza não detentiva, nomeadamente a suspensão da execução da pena, prevista no art. 50.° do Código Penal.
Ponderando tais circunstâncias, com vista a permitir que o arguido faça um percurso de ressocialização e fazendo-se apelo às regras e princípios enformadores do direito processual penal, em que se deve dar preferência às reacções criminais não privativas da liberdade, entende o Tribunal conceder uma oportunidade ao arguido de integração social, em liberdade, suspendendo-lhe, para
o efeito, a execução de tal pena, pelo período de 1 (um) ano.
(• • .)
VI.-DECISÃO:
Pelo exposto, julgo totalmente procedente, por provada, a acusação deduzida nos presentes
autos e, consequentemente:
a) Condeno o arguido KB..., pela prática em autoria material, na forma
consumada e em concurso real:
i) de um crime ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 9,00 (nove euros),
perfazendo assim, o montante global de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros), a qual pode ser convertida em prisão subsidiária a que correspondem 106 (cento e seis) dias de prisão (nos termos e para os efeitos do disposto no art. 49.°, do Código Penal),
ii) e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191.°, do Código Penal, na pena de prisão de 1 (mês) e 20 (vinte) dias, a qual suspendo a execução da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano;
(• • •)
1.2 — Inconformado, recorreu o arguido desta decisão, concluindo a motivação de recurso pela seguinte forma:
- Nos presentes autos, o arguido foi condenado pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo Art.° 143°, n° 1 do Código Penal , na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 9,00 (nove euros), perfazendo assim, o montante global de € 1 440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros), a qual pode ser convertida em prisão subsidiária a que correspondem 106 (cento e seis) dias de prisão, conforme previsto no Art.° 49° do Código Penal e um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo Art.° 191° do Código Penal, na pena de prisão de 1 (um) mês e 20 (vinte) dias, suspensa na sua execução, pelo período de 1 (um) ano.
II - O tribunal a quo deu como provado que o Arguido KB..., no dia 12
de maio de 2018, invadiu o palco do Pavilhão Multiusos Altice Arena, no Parque das Nações, em Lisboa, quando a ofendida SMC... se encontrava a actuar, destinado exclusivamente à utilização pelos interpretes das canções concorrentes e pelo demais pessoal devidamente credenciado para o efeito, sem se encontrar munido de qualquer autorização para o efeito.
III - Deu também como provado, o Tribunal ad quo, que o arguido agiu com o
propósito concretizado de se introduzir num local que não era de livre acesso ao público, bem sabendo que não tinha autorização de quem e direito para o fazer, que atuou livre, voluntária e conscientemente sabendo qua a sua conduta era proibida e criminalmente punida por lei e que agarrou num braço e no ombro direito da ofendida SMC..., assim logrando retirar-lhe da mão o microfone que esta se encontrava a utilizar, tendo a mesma sofrido hematomas no ombro direito e fortes dores no ombro e braço direito, bem sabendo que com a sua atitude necessariamente molestaria o corpo e a saúde da mesma, resultado que bem representou.
III - O Tribunal ad quo formou a sua convição pelo princípio da livre apreciação da
prova; nas declarações do arguido; no depoimento das testemunhas SMC..., cantora, PAM..., vigilante, MGM..., quadro superior da RRR... e JMF..., agente da PSP;
V- - Salvo o devido respeito, apesar da Douta Sentença não ter sido traduzida, o
Recorrente crê que o Tribunal a quo julgou incorretamente os referidos factos. No que concerne aos antecedentes criminais, embora conste da fundamentação, não valorizou o facto do recorrente não ter quaisquer antecedentes criminais e de se encontrar inserido social e profissionalmente no País onde
vive, caso contrário as penas teriam sido menores.
VI- Quanto ao crime de introdução de lugar vedado ao público, os elementos subjetivos e objectivos deste tipo de crime, o penetrar e permanecer em local vedado ao público, contra a vontade expressa ou presumida, do detentor desse espaço, com o devido respeito, também não consta da matéria dada como provada que o palco fosse para uso exclusivo dos interpretes das canções concorrentes, nem que a conduta do arguido fosse proibida, pois nem na sala de espetáculo e nem o bilhete continham informação contrária.
VII- O tribunal ad quo, também ignorou o depoimento do arguido sobre a sua condição de ativista político e da sua luta pela Paz no Mundo.
VIII- Sendo certo que, o arguido em momento algum pretendeu prejudicar a cantora ou o espetáculo e também não ficou provada que o mesmo quisesse obter para si qualquer promoção pessoal, mas sim chamar a atenção para as causas que defende.
IX- Quanto às ofensas à integridade física, o arguido, não quis usar força, aliás visualizando o vídeo do evento, vê-se que o mesmo reduz a velocidade da corrida quando se acerca da cantora, a quem não quis magoar nem causar qualquer perturbação emocional.
X- O arguido, foi atacado agredido violentamente pelos seguranças e forças da autoridade nos bastidores, tendo o mesmo de receber tratamento médico, conforme prova anexa aos presentes autos.
XI- A conduta do ora recorrente, não preenche os elementos subjetivos e objetivos do crime de introdução em lugar vedado ao público, mas ainda que integrasse a previsão legal do crime de introdução de lugar vedado ao público (art. 191° do CP), esta sempre estará abrigada por causas de exclusão da ilicitude, face às circunstâncias de facto e às motivações subjacentes à alegada introdução.
XII - Sem prescindir, ainda que crime houvesse, dele não resultou qualquer dano patrimonial ou moral para a Assistente, que concluiu a sua apresentação e nem sequer se deslocou a nenhuma unidade de saúde , a fim de receber tratamentos. E apesar da cantora referir as ofensas, o recorrente entende que a prova produzida em audiência de julgamento não permite formar uma convição segura de que os factos se tivessem passado conforme o que foi dito. Por não haver qualquer perícia de onde se retira a existência das mazelas físicas e psicológicas, deveriam ter criado dúvidas ao Tribunal, dúvida essa que assumindo uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja motivo de dúvida - Cristina Monteiro In Dubio Pro ReoCoimbra Editora, 1997, e, nesse caso o Tribunal deveria ter decidido a favor do arguido.
XIII- E se praticou, sem prescindir, a respectiva conduta assenta em causas de exclusão da ilicitude e da culpa. Devendo tais normas jurídicas violadas serem interpretadas e aplicadas no sentido de a conduta do recorrente estar conforme com o direito constitucional, art.° 3° da CEDH.
XIV- O Tribunal a quo fez a ponderação do binómio culpa-prevenção, atento o disposto nos artigos nos 71.° e 72° do Código Penal, isto é, atendendo às circunstâncias gerais que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao facto, bem como às condições pessoais e à situação económica do agente.
XV- No caso em apreço, o arguido tem 31 anos e é primário, contudo o Tribunal ad quo, refere-se ao arguido como tendo uma ...considerável energia criminosa.... e desvalorizou as motivações e os ideais políticos e sociais do mesmo. O recorrente não compreende como se compagina ...considerável energia criminosa... e o facto do arguido aos 31 anos ser primário.
XVI- Com efeito, existe uma contradição entre os pressupostos que conduziram à determinação da pena e entre as motivações do arguido. Consta da decisão recorrida, que o . grau de ilicitude é elevado revelando uma considerável energia criminosa.. .o plano gisado pelo arguido.. .a reduzida ou inexistência auto-crítica .... E o modo de execução dos factos..
XVII- Na verdade, a ausência de antecedentes criminais, a inserção profissional e social, são dados claramente atendentes à formação de um juízo de prognose favorável acerca do comportamento futuro do condenado.
XVIII- Sendo possível fazer um juízo de prognose positivo quanto à sua reinserção social, pelo que é de concluir que a simples censura dos factos e no limite uma pena de multa, terão um efeito dissuasor e realizam de forma adequada as finalidades da punição.
Por todo o exposto, sem prejuízo do conhecimento oficioso do Douto Tribunal da Relação, podemos concluir que existe a incorreta decisão proferida sobre a matéria de facto e contradição entre os factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova por indevida aplicação do Princípio pro reo, e, a
XXI - Ora, no seguimento da orientação explanada, a decisão condenatória ora recorrida encontra-se ferida de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 77° , nos. 1 e 2 do Código Penal e 374° n° 2 do C.P.P.
XXII- Por outro lado, não prescindindo, mas não contestando que o recorrente subiu ao palco e que retirou o microfone da mão da intérprete Inglesa, no que respeita às medidas das penas aplicadas, afiguram-se as mesmas excessivas, pois a acção do arguido perante a cantora não foi de forma gratuita e sem motivo, com o intuito de invadir Local Público para atingir a integridade física da cantora, o arguido só pretendia tirar-lhe o microfone para dar voz à sua causa, assim sendo não existindo culpa o grau de ilicitude é muito reduzido.
XXII- Acresce que, dos princípios expressos nos Artigo 40 ° e 71° do Código Penal, crê-se que as penas visam a reintegração do agente na sociedade, que a aplicação de uma pena de multa é suficiente para promover a recuperação do arguido e que reprova suficientemente a conduta do mesmo, sem esquecer que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
XXIII- Ora, tendo em conta, o grau de ilicitude muito reduzida dos factos, o dolo quando muito eventual, a ausência de antecedentes criminais, a pequena frequência com que se verificam este tipo de crimes, o recorrente entende que em virtude de não pretender qualquer benefício pessoal, de não ter querido ofender a integridade física da cantora e de não existirem perícias que provem que as mesmas existiram, e que a pena de multa da ofensa à integridade física deverá ser reduzida no número de dias e no montante e quanto ao Crime de introdução em local público uma pena de multa será suficiente para cumprir de forma adequada, justa e equilibrada as medidas de segurança, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.
XXIV- Nestes Termos e nos demais de Direito que V. Exas. suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a sentença recorrida com fundamento na contradição insanável entre os factos provados e não provados, entre a fundamentação e a decisão, e em erro notório na apreciação da prova e na falta de aplicação do Princípio In Dubio por a conduta do recorrente não ser subsumível ao crime de introdução em lugar vedado ao publico previsto e punido nos termos do art. 191° do CP, ou, sendo, o que só subsidiariamente admite, estar abrigada em causas de exclusão da ilicitude e da culpa e por na conduta do recorrente não se encontrar reunidos os pressupostos dos tipo de crime de que foi acusado, tudo com as decorrentes consequências legais.
1.3- Em resposta disseram o M°P° e a assistente RRR…, S.A., assistente, em síntese:
1.3.1- O M°P°:
1. De uma leitura dos factos dados como provados resulta que os mesmos não integram
qualquer contradição entre si ou com a decisão proferida pela Mma. Juíza bem como resulta que os mesmos preenchem todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito pelo qual foi condenado o arguido pelo que inexiste insuficiência dos mesmos para que se chegue à decisão
condenatória proferida nos autos.
2. A prova produzida em audiência de julgamento vai no sentido apontado pela decisão recorrida pelo que o que ocorre é uma discordância do recorrente com a matéria de facto dada como provada e não um erro notório da apreciação da prova.
3. Ao dar como provados os referidos factos não foram, na sentença recorrida, violadas quaisquer regras da experiência, não se retiraram conclusões ilógicas, contraditórias, arbitrárias e inaceitáveis da prova produzida nem se violaram regras sobre prova vinculada.
4. O arguido considera incorrectamente julgados pontos da matéria de facto que transcreve
a fls. 5 e 6 das alegações de recurso, todavia o recurso da matéria de facto deve preencher os requisitos previstos no art. 412.º nº 3 e 4 do CPP. Todavia, entende o Ministério Público que o recorrente não preencheu esses requisitos nas suas alegações porquanto embora transcreva os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, limita-se a alegar genericamente que o foram erroneamente não indicando de que provas se deveriam ter retirado diferentes conclusões nem transcreve quaisquer passagens dos depoimentos das testemunhas ou mesmo das declarações do arguido que ponham em causa a apreciação da prova feita pela Mma. Juíza. Assim, não deverá ser apreciado, nesta parte o recurso (Ac. TRL, datado de 08-102015, proferido nos autos 220/15.3PBAMD.L1-9, Ac. TRC, proferido a 24-04-2012, nos autos 14/10.2SJGRD.C1 e do mesmo tribunal, o Ac. proferido nos autos 245/09.8 GBACB.C1, datado de 12-09-2012 todos inwww.dgs pt).
5. O arguido preencheu com a sua conduta o tipo objectivo de ilícito de ofensa à integridade física pois, constam dos autos fotos que demonstram as lesões sofridas pela ofendida (a fls. 19 e 20) e a mesma descreveu as lesões e dores sofridas (entre os 6 minutos e 13 segundos e os 6 minutos e 52 segundos, entre os 9 minutos e 38 segundos e os 10 minutos da primeira gravação e entre os 4 minutos e 10 segundos e os 4 minutos e 45 segundos da segunda gravação constante do citius).
6. Quanto ao elemento subjectivo também o arguido preencheu com a sua conduta o mesmo pois resulta dos mesmos elementos supra referidos que actuou com força e intensidade suficiente para causar marcas e que pretendia retirar o microfone à ofendida apesar do resultado para quem o segurava e das dores que iria infligir, actuando assim com dolo.
7. Quanto ao tipo de ilícito de introdução em lugar vedado, do depoimento da testemunha PAM... (registado entre os 5 minutos e 30 segundos e os 15 minutos e 20 segundos da terceira gravação constante da plataforma citius) e do depoimento da testemunha MGM... (registado entre os 29 minutos e os 10 segundos e os 38 minutos e 47 segundos da mesma gravação) resulta provado o tipo de barreira, posições das mesmas e o modo como o arguido as transpôs.
8. Segundo o recorrente não consta da matéria dada como provada que o palco onde ocorreu a actuação fosse palco exclusivo para a utilização dos intérpretes das canções concorrentes ora isso mesmo conta do ponto 2 dos factos dados como provados e do depoimento de PAM... (entre os 11 minutos e 10 segundos e os 11 minutos e 21 segundos da terceira gravação constante da plataforma citius) Não é necessário, para o preenchimento do tipo de ilícito um sinal escrito, o tipo basta-se com o facto de estarmos perante um lugar vedado e não livremente acessível ao público o que ocorreu nos autos pois existiam barreiras físicas visíveis e inconfundíveis bem corno seguranças que impediam o acesso ao palco. Neste sentido, veja-se o disposto no sumário do Ac. do TRG, datado de 19-06-2017 proferido nos autos 283/16.4T9MDL.G1, inwww.desi.pt.
9. Quanto ao tipo de barreiras dos autos resulta que eram barreiras antipânico, fixas, de cerca de metro e meio, em linha recta e à volta do palco sendo que, nos dois acessos onde não existiam barreiras, estavam, visíveis, seguranças, conforme resulta do depoimento de PAM... (entre os 10 minutos e 23 segundos e os 10 minutos e 26 segundos, entre os 13 minutos e 45 segundos; entre os 14 minutos e 10 segundos e os 14 minutos e os 56 segundos) e o facto de o arguido ter sido obrigado a saltar as referidas barreiras também resulta provado do depoimento desta testemunha (entre os 8 minutos e 29 segundos e os 9 minutos; aos 10 minutos e 23 segundos e novamente aos 10 minutos e 38 segundos bem como entre os 11 minutos e 30 segundos e os 11 minutos e 44 segundos da supra referida gravação).
10. Acresce que estamos perante de espectáculo com inúmeros anos de tradição em que é do conhecimento geral não se poder invadir o palco o qual está efectivamente reservado para interpretes e pessoal autorizado e que está fisicamente separado do público pelo facto de estar mais elevado e por barreiras que o arguido teve de granjear. Aliás, e a profissão do arguido, a saber, DJ também implica necessariamente conhecimento que artistas têm um espaço reservado para poderem actuar sem intervenção exterior.
11. Assim, verifica-se estar também preenchido o crime de introdução em lugar vedado ao público pela conduta do arguido.
12. Não entendemos que a conduta do arguido possa beneficiar da exclusão da ilicitude como delineada na nossa ordem jurídica, quer a sua motivação fosse apenas de exposição pessoal ou pretendesse dar voz uma causa que vise proteger bens jurídicos considerados valiosos na nossa sociedade. De facto, em sociedade, os protestos têm de ser, para serem legítimos, consentâneos com as leis que protegem todos os cidadãos e não podem indevidamente atingir os direitos e bens jurídicos de terceiros.
13. Quanto aos motivos do arguido, sempre se dirá que das declarações do mesmo não se logrou perceber qual a causa que pretendia defender mercê das declarações incoerentes e poucos estruturadas, que fez sobre tais factos (entre 13 minutos e 30 segundos e os 15 minutos e 17 segundos da primeira gravação constante do citius).Todavia mesmo que fosse por algum dos motivos supra referidos tal não afastaria a ilicitude da sua actuação.
14. Falha-se perceber como a invasão de um lugar reservado, a perturbação da actuação de uma artista e a agressão da mesma para lhe arrancar, pela força física, um microfone e assim sobrepor-se à sua voz, perante um público espalhado pelo mundo, incentiva a paz, ajustiça e a protecção de crianças e mulheres. Do artigo 40.° do Código Penal resulta que as finalidades de aplicação de uma pena, seja ela qual for, são a protecção dos bens jurídicos que a sociedade considera especialmente valiosos e a reintegração do agente na sociedade. No entanto, estas finalidades serão sempre limitadas pela culpa do arguido (artigo 71.° n° 1 do Código Penal).
15. Deve o juiz da causa, aquando da determinação da pena, ponderar todas as circunstâncias que depuserem contra e a favor do arguido conforme o determinado no n° 2 do artigo 71.° do Código Penal.Assim, a pena concreta a aplicar a um dado arguido tem de ter em conta as necessidades de prevenção geral e especial, ou seja, uma medida da pena não se foca exclusivamente, embora se foque principalmente, no próprio arguido (neste sentido vejam-se os Ac. da Relação do Porto, datado de de 25-09-2013, e Ac. do STJ, datado de 26-10-2011 e proferido nos autos n° 62/10.2PEBRR.S1, ambos in www.dgsi.pt).
16. Em conformidade com o acima indicado terá de se averiguar da virtualidade de uma pena que venha a ser aplicada ao arguido evitar a repetição das condutas tanto pelo arguido como por terceiros, garantir que é reposta a validade da norma tanto perante o arguido como perante a sociedade onde este se insere, embora evitando, ao máximo, os inconvenientes de estigmatização do arguido pela aplicação da pena e favorizando reintegração do mesmo na sociedade cuja norma violou.
17. Da decisão recorrida resulta que os supra referidos vectores foram tomados em consideração. Como circunstâncias determinantes para a fixação da pena a Mma. Juíza ponderou o facto de o arguido ser primário e estar inserido profissionalmente no pais onde vive conseguindo prover ao seu sustento e não tendo ainda contactado com o sistema prisional. Ponderou também que o arguido actuou mediante plano previamente gizado, com dolo directo, não demonstrando autocrítica quanto à sua actuação, apresentando-se como uma pessoa com ideias e uma voz que vê silenciada, o modo de execução actuando perante número elevado de pessoas que poderiam ser tentadas e emular ou ultrapassar a sua actuação, as consequências para a ofendida e para a assistente e bem ainda a falta de motivações coerentes e estruturadas excepto quanto à necessidade de exposição das suas ideias pessoais. Considerou a mesma que as exigências de prevenção especial e geral são significativas atenta
a dimensão do evento e a visibilidade da actuação do arguido e até ao particular contexto sociopolítico actual em que importa dissuadir o arguido e terceiros de, deste tipo de actuação.
18. Das palavras do arguido resulta que o mesmo planeou os factos (conforme resulta da primeira gravação do Citius entre os 12 minutos e 10 segundos e os 12 minutos e os 20 segundos, entre os 22 minutos e 40 segundos e os 23 minutos e os 35 segundos e também entre os 27 minutos e os 18 segundos e os 27 minutos e os 54 segundos).
19. Quanto ao crime de ofensa à integridade física deve entender-se que, mercê da inexistência de motivações compreensíveis e estruturadas e apesar das consequências para a ofendida, nomeadamente as lesões corporais e as consequências para o seu trabalho e paz de espirito, a pena de multa, fixada no montante em que o foi, é proporcional e adequada entendendo-se que ainda terá a virtualidade de evitar a repetição de condutas ilícitas de igual natureza.
20. Quanto à introdução em lugar vedado do arguido deve ponderar-se ainda, para além de tudo o supra referido, a grande expressão e visibilidade da actuação do arguido no mundo inteiro, o tipo de evento em causa, a insegurança e alarme social causado e o não negligenciável dano na imagem da assistente, devendo, quanto a este tipo de ilícito dar-se particular relevo à premeditação e à intensidade criminosa demonstrada, ao facto de o arguido demonstrar falta de autocritica desculpabilizando a sua actuação bem como à necessidade premente de se dissuadir o arguido e terceiros deste tipo de condutas.
21. Assim, considera-se adequado que, mercê da culpa e das necessidades de prevenção tanto especial como geral, a pena de multa tenha sido, quanto a este tipo de ilícito, considerada insuficiente devendo ser aplicada ao arguido uma pena de prisão, todavia suspensa na sua execução por se considerar que ainda se pode fazer um juízo de prognose favorável sobre a conduta do arguido considerando-se também não ser necessário, por ora, o efectivo cumprimento daquela pena para prevenir o cometimento de futuros crimes pelo arguido.
22. O Ministério Público entende que as penas aqui aplicadas são proporcionais, adequadas e justas. Em conformidade com os argumentos acima elencados, entende-se não assistir, razão ao recorrente, e pelos motivos supra referidos, deverá ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão recorrida.
23. Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao recurso e, em consequência, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida (...)
1.3.1- RRR..., S.A., assistente ( que este tribunal
ad quem sintetiza por ausência de conclusões específicas):
Não pode, no entender da aqui assistente, proceder o recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por não estarem verificados os fundamentos de recurso previstos o artigo 410.°, n.° 2, do CPP, e por inexistir qualquer vício da sentença, por violação do artigo 374.°, n.° 2, do mesmo Código, conforme melhor exposto infra.
Com exceção da medida da pena, o recorrente não invoca, nas suas conclusões, as normas jurídicas violadas pela decisão recorrida (vd. artigo 412.°, n.° 2, alíneas a) e b), do CPP).
Admite-se, porém, que, ao abrigo do disposto no artigo 417.°, n.° 3, do CPP, é possível deduzir as indicações previstas no n.° 2 do artigo 412.° do mesmo diploma, pelo que se considera não existir razão para o aperfeiçoamento das conclusões do recurso.
Nos espetáculos existe geralmente um local - o palco - reservado à atuação dos artistas, de acesso limitado e delimitado. Limitado porque o acesso é permitido apenas a um universo restrito de pessoas - artistas, membros da organização do espetáculo, técnicos de montagem de equipamentos ou outras pessoas previamente autorizadas.
Delimitado porque existe uma barreira física que separa o palco do espaço destinado ao público, com os objetivos de impedir o acesso ao palco por pessoas não autorizadas (nomeadamente, pelos espetadores) e de criar uma zona de segurança entre o público e o artista.
Também se verifica, na generalidade dos casos, que o acesso ao palco por pessoas que se encontrem na plateia apenas é possível com o consentimento prévio da organização do evento ou do artista que está a atuar, ou a convite deste.
Consequentemente, da observação e da vivência normal de espetáculos artísticos (e, em especial, espetáculos musicais) é possível extrair uma regra da experiência comum segundo a qual o palco é um espaço de acesso exclusivo a pessoas devidamente autorizadas, fisicamente delimitado pela existência de barreiras, cujo propósito é impedir o acesso de terceiros não autorizados antes, durante ou depois do espetáculo. Por outras palavras: decorre de regras de experiência comum que, em qualquer espetáculo artístico, o palco é um local de acesso interdito ao público no bilhete, na sala de espetáculos ou em qualquer outro local. O que torna desnecessária a existência de qualquer indicação expressa no sentido da proibição de acesso pelo público ou outros terceiros não autorizados.
O acesso do público, quando excecionalmente ocorre, resulta sempre da autorização da organização ou do artista em palco.
O Festival Eurovisão da Canção é um espetáculo musical igual a tantos outros, tendo como única especificidade o facto de ser mundialmente transmitido.
Se assim é, e se decorre das regras da experiência comum que o palco é um espaço físico destinado à utilização exclusiva dos artistas e demais pessoas credenciadas para o efeito, mas não pelo público (cfr. artigo 21.° supra), não se vê como possa ser procedente o argumento de que o aviso de interdição de acesso ao palco devia constar do bilhete ou, ao menos, estar afixado num qualquer lugar da sala de espetáculos (cfr. conclusão VI).
Tal regra a que acima se aludiu não foi, neste evento em concreto, contrariada por qualquer facto notório.
Desde logo, porque existiam, no Altice Arena, barreiras destinadas a delimitar a área reservada aos artistas e a área reservada ao público, com o intuito de impedir acessos não autorizados ao palco - conforme, aliás, ficou demonstrado em audiência de julgamento, após produção de prova.
Ora, na medida em que o acesso de terceiros não autorizados ao palco de um espetáculo musical é algo que decorre de uma regra da experiência comum, e que tal regra não foi contrariada, in casu, por qualquer facto notório, não era sequer necessário que constassem do elenco de factos provados os factos referidos na conclusão VI do recurso do arguido.
Ainda que a tal não estivesse obrigado, a verdade é que o Tribunal considerou como provado que o palco «era destinado exclusivamente à utilização pelos interpretes [sic.J das canções concorrentes e pelo demais pessoal devidamente credenciado para o efeito» (cfr. ponto 2 da matéria de facto provada) e que o arguido, «sem se encontrar munido de qualquer autorização», agiu «com o propósito concretizado de se introduzir num local que não era de livre acesso, bem sabendo que não tinha autorização de quem Mie direito para o fazer» (cfr. pontos 2 e 8 da matéria de facto provada). Não é verdade, neste caso, que os factos referidos na conclusão VI não estejam vertidos na matéria de facto provada, conforme já acima se demonstrou, ou que exista qualquer insuficiência da decisão da matéria de facto provada.
O Tribunal a quo averiguou todos os factos relevantes para a decisão final e «[não] deixou de dar resposta a um facto essencial postulado pelo referido objecto do processo» pelo que não se verifica qualquer insuficiência da matéria de facto provada - da qual não têm de constar factos notórios ou factos dados como provados ao abrigo de regras da experiência comum -, para os efeitos do artigo 410.°, n.° 2, alínea a), do CPP.
A contradição entre a fundamentação da sentença e a alegada motivação do arguido não constitui fundamento de recurso, ao abrigo do artigo 410.°, n.° 2, alínea b), do CPP.
Não se verifica, nos presentes autos, qualquer contradição entre os factos provados e não provados, porquanto «[i]nexistem quaisquer factos não provados com relevância para a decisão da causa, não se provando facto contrário nem que estivesse em contradição com a factualidade elencada» (cfr. p. 3 da sentença).
Ao alegar a existência de uma contradição insanável enquanto fundamento de recurso, o recorrente refere-se à «contradição entre os factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão», não cuidando de elaborar quais os factos contraditórios entre si nem que fundamentos estão em contradição com a decisão. Tal(is) contradição(ões) não se verifica(m) no caso concreto.
Quanto aos factos provados de 1 a 9 e 12, e depois de efetuar a análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento analisada a sentença recorrida, não decorre do respetivo texto qualquer contradição entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão -contradição(ões) que também não é(são) especificadamente assinalada(s) pelo recorrente nem do mesmo resulta qualquer contradição inconciliável entre os factos provados - inexistindo factos não provados com relevância para a decisão -, porquanto os factos provados não colidem nem são incompatíveis.
Pelo que não se verifica qualquer contradição nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.°, n.° 2, alínea b), do CPP
O arguido sustenta o seu recurso também na existência de erro notório de interpretação (cfr. conclusão IV) e de erro notório na apreciação da prova por «indevida aplicação do Princípio pro reo» (cfr. conclusão XX; negrito do texto) Ao longo da motivação, o recorrente não logra demonstrar a existência de qualquer erro notório na apreciação da prova, nem indica qual a prova que devia ter sido valorada de forma diversa ou o sentido em que devia ter sido valorada.
É cristalino que a sentença recorrida não enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, porquanto os factos provados não contrariam, com toda a evidência, o ponto de vista do homem de formação média, a lógica mais elementar ou as regras da experiência comum, nem é possível identificar qualquer vício de raciocínio do Tribunal a quo na valoração da prova produzida. O erro notório na apreciação da prova não é passível de recondução à correta ou incorreta aplicação do princípio do in dubio pro reo.
O referido princípio, sendo um princípio de prova, não é um princípio de valoração da prova, nem se confunde com o princípio da presunção de inocência. Situações existem em que o princípio do in dubio pro reo não é aplicável, nomeadamente quando o julgador não tenha qualquer dúvida quanto aos factos provados e não provados, à luz da prova produzida.
Num caso como o dos autos, a prova produzida em audiência de julgamento, avaliada de acordo com o princípio da presunção de inocência, aliada à transmissão mundial do evento e às regras de experiência comum, nos termos do artigo 127.° do CPP, foi suficiente para criar no Tribunal a quo a convicção, para além da dúvida razoável, da prática dolosa, pelo recorrente, dos crimes de que vinha acusado.
Em razão de tal convicção, entendeu o referido Tribunal que a decisão que se impunha era a de condenação do arguido, sem que represente qualquer violação do princípio do in dubio pro reo enquanto regra decisória, nos termos acima referidos.
Para além dos fundamentos já referidos, o recorrente afirma ainda que aa decisão condenatória ora recorrida encontra-se ferida de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 77°, nos. 1 e 2 do Código Penal e 374° n°2 do C.P.P.» (cfr. conclusão XXI, negrito do texto).
Sendo certo que o recorrente cumpriu o ónus de concluir, não menos certo é que incumpriu, ao menos parcialmente, o ónus de alegar.
Apesar de as conclusões delimitarem o objeto do recurso, as mesmas não podem ser inovadoras face às alegações, devendo tão só sumariar os fundamentos vertidos na motivação.
Em lado algum, para além da já referida conclusão XXI, se refere qualquer violação do artigo 77.° do CP. A invocação, em sede de conclusões, de uma violação do artigo 77.° do CP - no que não se concede - é, por isso, inovadora, por não ter qualquer respaldo na motivação apresentada, Na motivação não são referidos ou desenvolvidos argumentos que permitam concluir no sentido da inexistência «da enumeração dos factos provados e não provados» ou «de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal» (cfr. artigo 374.°, n.° 2, do CPP).
Através da leitura da sentença recorrida é possível reconstituir, de facto e de direito, o raciocínio lógico seguido pelo Tribunal a quo, tanto quanto ao elenco dos factos provados e à valoração da prova (cfr. pontos III e IV da sentença), bem como quanto à determinação da medida concreta da pena aplicada (cfr. ponto V).
Pese embora o recorrente não conteste que invadiu o palco sem autorização (cfr. conclusão XXII, onde se afirma que «(...) não prescindindo, mas não contestando que o recorrente subiu ao palco e retirou o microfone da mão da intérprete Inglesa (...)») - o que, aliás, até admitiu em audiência de julgamento -, considera que as penas aplicadas são excessivas (cfr. conclusões XXII a XXIV).
Quanto às exigências de prevenção especial, o Tribunal a quo teve em consideração não apenas o facto de o arguido, aqui recorrente, não ter antecedentes criminais e se O Tribunal a quo cumpriu, de facto e de direito, o dever de fundamentação da sentença imposto pelos artigos 97.°, n.° 5, e 374.°, n.° 2, do CPP, pelo que também nesta parte não assiste razão ao recorrente. Na escolha da pena aplicável e respetiva determinação, o Tribunal a quo teve em conta as exigências de prevenção geral e especial uo aplicou ao arguido penas de naturezas distintas (cfr. artigo 1.° supra). Na sentença condenatória, o Tribunal a quo aplicou ao arguido penas de naturezas distintas (cfr. artigo 1.° supra).
Consequentemente, e atendendo, em particular, ao previsto no n.° 3 do artigo 77.° do CP, não podia o Tribunal recorrido aplicar ao aqui recorrente uma pena única, porquanto a natureza das penas parcelares aplicadas o impossibilita. Do elenco de factos provados resulta que o arguido invadiu o palco do Festival Eurovisão da Canção 2018 sem autorização da organização ou da artista que se encontrava a atuar, assim cometendo um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.° do CP.
Não se compreende, porém, que causas de exclusão da ilicitude ou da culpa têm aplicação in casu.
Nas declarações prestadas em audiência, o arguido referiu que o móbil da sua atuação foi o boicote de que tem alegadamente sido alvo nos últimos 10 anos por parte da British Boadcasting Corporation (BBC) e pelos membros do poder político (cfr. minutos 00h13m3Os a 00h15m18s e 00h24m15s a 00h24h47s da gravação das declarações do arguido, iniciada às 9h49 e com termo às 10h16 do dia 23 de janeiro de 2019).
Ainda que se reconheça a nobreza da luta pela paz no Mundo (cfr. conclusão VII), a verdade é que o arguido atuou de uma forma que sabia ser ilícita e que o seu discurso em audiência de julgamento não foi sistematizado, fundamentado ou estruturado, não tendo os intervenientes processuais - e, em especial, o Tribunal - ficado esclarecidos quanto à bondade da sua atuação e à seriedade da sua luta.
Antes pelo contrário. Do discurso do arguido resultou, para além de tudo o que já se expôs, que já não é a primeira vez que se comporta deste modo (cfr. minutos 00h13m0Os a 00h13m19s e 00h15m20s a 00h16m25s da gravação das declarações do arguido, iniciada às 9h49m e com termo às 10h16m do dia 23 de janeiro de 2019).
E resultou também da prova produzida, em particular do depoimento da testemunha SMC..., que este tipo de comportamento não é usual no RU... nem nos demais países em que atua, contrariamente ao que o recorrente atravessa na motivação apresentada e ao que declarou em audiência de julgamento (cfr. minutos 00h15m25s a 00h18m58s da gravação do depoimento da testemunha SMC..., iniciada às 10h19m e com termo às 10h56m do dia 23 de janeiro de 2019). Num quadro como o supra descrito, é evidente que a simples alegação da luta pela paz no mundo não pode justificar a conduta do arguido.
Em suma, tudo sopesado, e tendo em consideração a incoerência do discurso do arguido e a prova produzida em audiência de julgamento, o elenco de factos provados e o contexto da prática das infrações, não se vislumbra possível a aplicação de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Pelo que deve o presente recurso ser declarado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
1.4 - Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o M°P° emitiu parecer no sentido da sua improcedência.
1.5 - Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.
II- CONHECENDO
2.1-0 âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art.° 410.°, n.° 2 do CPP sendo que elas visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida.
2.2-Estão em discussão para apreciação e, em síntese, as seguintes
questões:
2.2.1-Nulidades
Nulidade, por falta de fundamentação no que respeita às medidas das penas
aplicadas
2.2.2- VÍCIOS
a) Contradição entre os factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
b) Erro notório na apreciação da prova por indevida aplicação do Princípio
pro reo.
2.2.3-Impugnação de Facto
a) O Tribunal a quo julgou incorretamente os factos não tendo sido causadas ofensas algumas?
b) Quanto ao crime de introdução de lugar vedado ao público não consta da matéria dada como provada que o palco fosse para uso exclusivo dos intérpretes das canções concorrentes nem que a conduta do arguido fosse proibida, pelo que não preenche os elementos subjetivos e objetivos do crime imputado mas sempre esta estará abrigada por causas de exclusão da ilicitude, face às circunstâncias de facto e às motivações subjacentes à alegada introdução?
c) O tribunal ad quo ignorou o depoimento do arguido sobre a sua condição de activista político e da sua luta pela Paz no Mundo na determinação da culpa e das penas?
d) Não resultou provado qualquer dano patrimonial ou moral para a Assistente?
2.2.4 - Medida das penas
No que respeita às medidas das penas aplicadas as mesmas são excessivas sendo a aplicação de uma pena de multa suficiente para promover a recuperação do arguido e a da ofensa à integridade física deveria ser reduzida no número de dias e montante e, quanto ao crime de introdução em local público, uma pena de multa será suficiente?
2.3 - A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL ad quem.
2.3.1-Nulidade da decisão por alegada falta de fundamentação no que respeita às medidas das penas aplicadas.
Convoca o recorrente a este respeito a falta de fundamentação mas o que afinal emerge da sua impugnação mais não se trata do que o mero desacordo com o tipo e quantum da medida aplicada. O tribunal a quo explicou muito bem as razões das opções tomadas pelo que não há falta de fundamentação.
O facto de ter decidido como fez pode ser para si discutível ou não consensual mas assentou em pressupostos em si verdadeiros, na perspectiva do tribunal e considerados suficientes e aplicáveis.
Veremos mais adiante se as medidas foram adequadas e proporcionais.
Alega o recorrente que (...)não foi valorado o facto de não ter quaisquer antecedentes
criminais e de se encontrar inserido social e profissionalmente no País onde vive. E que tem 31 anos, mas contudo o Tribunal ad quo, refere-se ao arguido como tendo urna ...considerável energia criminosa.... e desvalorizou as motivações e os ideais políticos e sociais do mesmo. O recorrente não compreende como se compagina ...considerável energia criminosa... e o facto do arguido aos 31 anos ser primário.
Também convoca a contradição entre os pressupostos que conduziram à
determinação da pena e entre as motivações do arguido.
Ora, foi dado como justificação da decisão o seguinte:
Quanto às exigências de prevenção especial o arguido é primário e não tem qualquer ligação com o território nacional; o arguido não assumiu uma postura de consciência crítica da sua conduta.
(• • .)
• O grau de ilicitude dos factos é elevado revelando uma considerável energia criminosa, importando atender às circunstâncias em que ocorreram os factos, designadamente, com premeditação mediante um plano previamente gizado pelo arguido, tendo o arguido actuado com dolo directo;
• A reduzida ou mesmo inexistente postura de auto-crítica do arguido pelo seu comportamento;
(• • • )
• A inexistência de motivações no mínimo compreensíveis a não ser a projecção pessoal do arguido (que sendo legítima não o pode legitimar a usar deste tipo de expediente para atingir o seu desiderato);
( • • • )
• Ausência de antecedentes criminais;
Infere-se ainda que o arguido estará inserido profissionalmente no país onde escolheu viver.
(• • .)
(• • -)
O arguido está aparentemente integrado num país que não o seu de origem e tem actividade(s) profissional(ais) pela(s) qual(ais) consegue sustentar-se de forma lícita, não teve contacto com o sistema prisional, como decorre do seu certificado de registo criminal, não tem qualquer elemento de ligação/conexão com o território nacional, importa por isso, ponderar se as finalidades que se pretendem atingir com a pena de prisão se alcança com a efectividade da mesma ou se, para tanto, basta a aplicação de uma medida criminal de natureza não detentiva, nomeadamente a suspensão da execução da pena.
(- -.)
Ponderando tais circunstâncias, com vista a permitir que o arguido faça um percurso de ressocialização e fazendo-se apelo às regras e princípios enformadores do direito processual penal, em que se deve dar preferência às reacções criminais não privativas da liberdade, entende o Tribunal conceder uma oportunidade ao arguido de integração social, em liberdade, suspendendo-lhe, para o efeito, a execução de tal pena, pelo período de 1 (um) ano. (...)
Do exposto resulta perfeitamente claro ter o tribunal ponderado a situação de integração social e a primariedade criminal do arguido e revelado existir uma prognose de reintegração adequada.
Quanto aos motivos da acção invocados pelo recorrente, o tribunal não os julgou relevantes para justificação da acção ilícita pelo que não tinha de os ponderar positivamente nem tal se justificaria, em face do contexto do festival como causas excludentes da culpa ou da ilicitude.
Ficou provado que o arguido intitulou-se ainda de activista político.
Não significa, porém, que o fosse de facto. E, mesmo que o fosse, não tinha qualquer legitimidade ou direito nem justificação plausível, legal ou socialmente aceite, para usar da sua estratégia de acção ilícita para se aproveitar do evento, de índole estritamente musical e perturbar o festival apenas para ter protagonismo. De todo o modo, o tribunal, no uso do seu direito de livre convicção (art.° 127° do CPP), não se convenceu das razões apontadas pelo arguido como bem o explicou na fundamentação, de forma clara e objectiva:.
4G(...)
Intitulou-se activista político ainda que o seu discurso tenha sido confuso e inconsistente não se denotando por conseguinte das suas palavras qualquer sustentação quanto à(s) causa(s) que o movem, as suas convicções ou ideias, acabando por genericamente referir que a BBC e a Europa não dão cobertura a pessoas com grandes ideias ou ideias criativas, antes defendem criminosos e corruptos, vendo neste modo de actuação uma forma de chamar a atenção para as causas que defende. De acordo com as suas declarações esta sua conduta teve impacto ao nível do número de seguidores das páginas das redes sociais, designadamente, na sua conta do Twiíter passando a ter milhares de
seguidores (12 mil como afirmou), conferindo-lhe ainda, como é natural, protagonismo. A resposta do Tribunal quanto à factualidade apurada em 12., ancoramo-nos nas próprias declarações do arguido não tendo sido nesta parte infirmadas pela de mais prova produzida.
Assim, é de ver e concluir que inexistem causas de exclusão da ilicitude,
como elencadas no art.° 31.0 do CP, no qual se dispõe que:
1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica
considerada na sua totalidade.
2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
a) Em legítima defesa;
b) No exercício de um direito,.
c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou
d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado,
A conduta do arguido não pode pois ser subsumível às ditas causas excludentes da ilicitude quer a sua motivação fosse apenas de exposição pessoal ou pretendesse dar voz a uma causa que visasse proteger bens jurídicos considerados valiosos na nossa sociedade como aliás muito bem assinalou o MP° na sua resposta.
E, nos mesmos termos, que aqui damos por aceites e reproduzidos, pelo seu acerto:
(...)De facto, em sociedade, os protestos têm de ser, para serem legítimos, consentâneos com as leis que protegem todos os cidadãos e não podem indevidamente atingir os direitos e bens jurídicos de terceiros.
Assim, entende-se que a actuação do arguido não é socialmente adequada pois contraria as exigências, características e fins da vida em sociedade (neste sentido veja-se fls. 241 e 242 na anotação ao art. 31 do CP, in Código Penal, Parte Geral e Especial, M Miguez Garcia e J M Castela Rio, Almedina, 2014).
Aceitar um protesto efectuado deste modo atingindo direitos de terceiros é arriscar o agravar dos modos de protesto. Isso mesmo, foi aliás, correctamente, reconhecido a fls. 14 da sentença proferida nestes autos.
Quanto aos motivos do arguido, sempre se dirá que das declarações do mesmo não se logrou perceber se o mesmo pretendia reagir para a promoção da Justiça Social, contra a União Europeia, a corrupção, o homicídio de mulheres e crianças ou a BBC por silenciar a sua voz, uma vez que todas essas motivações foram invocadas de modo desconexo e pouco estruturado pelo próprio arguido (conforme resulta das suas declarações entre os 13 minutos e 30 segundos e os 13 minutos e os 45 segundos, entre os 14 minutos e os 15 minutos e 17 segundos da primeira gravação constante do citius e também nas últimas declarações do mesmo na última gravação constante daquela plataforma) sem que permitisse compreender qual, afinal, a causa que tanto lhe importava.
Todavia, mesmo que fosse por algum dos motivos supra referidos tal não afastaria, conforme resulta dos argumentos supra expostos, a ilicitude das suas condutas.
Aliás, falha-se perceber como a invasão de um lugar reservado, a perturbação da actuação de uma artista que estava a realizar uma actuação para a qual se prepara por vários meses e a agressão da mesma para lhe arrancar, pela força física, um objecto e, assim, sobrepor-se à sua voz, perante um público espalhado pelo mundo inteiro, iria incentivar a paz, ajustiça e a protecção de crianças e mulheres.
E embora, se acredite que o arguido, independentemente da intérprete, pretendia interromper a canção do RU..., nada tendo contra a cantora em particular, a verdade é que não se pode olvidar a mensagem que as imagens, que ainda se encontram na internet passam, e essa é indubitavelmente a de um homem a usar de força física contra uma mulher para obter algo e sobrepor a sua voz à dela.
Tal facto deve também pesar na medida da pena aplicada ao arguido, nomeadamente, em termos de prevenção geral.
Considerou a mesma, no que particularmente se refere ao crime de introdução em lugar vedado, que as exigências de prevenção especial e geral são significativas atenta a dimensão do evento e a visibilidade da actuação do arguido e até ao particular contexto sociopolítico actual em que importa dissuadir terceiros de, conforme acima referido, em eventos semelhantes ou em quaisquer grande aglomerados populacionais, emular ou ultrapassar a sua actuação.
Ainda quanto a este crime foram ponderadas as consequências, para a ofendida e a assistente, da conduta do arguido em evento de tão grande exposição mediática.
Das palavras do arguido resulta que o mesmo adquiriu dois bilhetes ainda no país onde vive, sendo que o bilhete que lhe granjeou acesso ao evento no dia dos factos foi adquirido por 500,00 euros. O mesmo planeou e custeou uma viagem ao território nacional, esteve numa semifinal onde constatou o modo como estava articulada a segurança e no dia dos factos actuou (conforme resulta das suas declarações na primeira gravação do citius entre os 12 minutos e 10 segundos e os 12 minutos e os 20 segundos, entre os 22 minutos e 40 segundos e os 23 minutos e os 35 segundos e também entre os 27 minutos e os 18 segundos e os 27 minutos e os 54 segundos).
Forçoso é entender que houve premeditação e particular intensidade criminosa.
Quanto ao crime de ofensa à integridade .física e à actuação do arguido sobre a pessoa de SMC... forçoso é ponderar-se, na medida da pena, a inexistência de motivações compreensíveis e estruturadas e as consequências para a mesma nomeadamente as lesões corporais resultantes da actuação do arguido e as consequências para o seu trabalho e paz de espírito uma vez que a mesma padeceu de dificuldades em subir ao palco em período posterior aos factos praticados pelo arguido.
Considerou, e de modo correcto, o tribunal que a pena de multa, quanto às ofensas à integridade física terá ainda a virtualidade de evitar a repetição de condutas ilícitas de igual natureza quanto às ofensas à integridade física, tanto pelo arguido como por terceiros. Considera-se adequada e proporcional a pena aplicada e o número de dias de multa fixados, atento o modo de agressão e as consequências em causa.
Também as necessidades de prevenção especial não afastam a fixação da pena no ponto em que foi fixada, pois o mesmo, na audiência de julgamento, demonstrou falta de autocrítica, recusando a sua responsabilidade nos factos e apresentando-se como uma pessoa com ideias e uma voz que vê silenciada pela BBC e pelos meios de comunicação social.
Quanto à introdução em lugar vedado do arguido deve ponderar-se tudo o acima descrito, mas também a grande expressão e visibilidade da actuação do arguido no mundo inteiro, o tipo de evento em causa, a insegurança e alarme social causado e o não negligenciável dano na imagem da assistente e da ofendida, bem como a premeditação o dolo directo e a intensidade criminosa levaram a que, correctamente, se entendesse que mercê da culpa e as necessidades de prevenção tanto especial como geral, a pena de multa fosse considerada insuficiente devendo ser aplicada ao arguido uma pena de prisão, todavia suspensa na sua execução, nos termos do 45. ° do CP por ter sido fixada em prazo inferior a 1 ano e se ter entendido que, no momento da decisão, ainda se podia fazer umjuízo de prognose sobre a conduta do arguido que permitiu concluir pela desnecessidade do efectivo cumprimento daquela pena para prevenir o cometimento de futuros crimes pelo arguido.
Particularmente relevante na .fixação, quanto a este ilícito, em pena mais gravosa é a .falta de arrependimento demonstrada pelo arguido e o modo como desculpabiliza a sua actuação.
Foi ainda ponderada a necessidade premente de se dar um sinal claro, ao arguido e à sociedade, que este tipo de condutas não pode ser permitida. (...)
Termos e perspectiva estes muito certos e bem ponderados, que sufragamos sem hesitação, por isso considerando nesta parte improcedente o recurso.
2.3.2- VÍCIOS
a) Alegação de contradição entre os factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Invoca o recorrente como suposto argumento, apenas, existir contradição entre os pressupostos que levaram à medida da pena e as motivações do arguido (...) ou
porque (...) não foram considerados os elementos que entende levariam a um juízo de prognose favorável, sendo de concluir que a simples censura dos factos e, no limite, uma pena de multa quanto ao crime de introdução em lugar vedado, teriam um efeito dissuasor e realizariam de forma adequada as finalidades da punição.
Acontece, porém, que não se alcança onde é que, dos factos dados como provados, se extrai qualquer contradição entre si ou com a decisão proferida nem como os mesmos não possam preencher os elementos essenciais dos tipos de ilícito pelo qual foi condenado o arguido, inexistindo insuficiência alguma para fundar a dita decisão condenatória proferida. Essa será também matéria de apreciação da convicção acerca da prova dos ditos elementos de facto e não assunto vício de contradição.
Sobre o problema da consideração da primariedade criminal e da inserção social já nos pronunciámos antes no ponto atinente à questão das nulidades.
Acerca da questão da medida da pena e da sua delimitação apenas em multa pelo crime pelo qual foi condenado em prisão, embora suspensa, iremos reflectir sobre ela mais adiante no segmento dos pressupostos adequados à determinação da medida da pena.
No tocante aos elementos de facto dos crimes imputados apreciaremos essa matéria em segmento de impugnação de facto, mais adiante.
Como vício em si, a alegada contradição teria de resultar da simples leitura da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência- ex vi do disposto no art° 410° do CPP. Adiante e em detalhe explicaremos melhor essa caracterização. Certo será, porém, que nenhuma contradição, dessa forma, se encontra e nem sequer o recorrente se deu ao trabalho de a clarificar, identificar e explicar com coerência.
b) Alegado erro notório na apreciação da prova por indevida aplicação do Princípio pro reo.
Neste segmento o recorrente faz confusão sobre a objectiva colocação do problema na dogmática e natureza do princípio referido. E, não obstante, sequer faz uma alusão aos aspectos concretos em que a aludida notoriedade de erro se manifestaria.
A discordância com a apreciação dos factos dados como provados não implica erro na apreciação da prova mas apenas opinião contrária ao resultado da decisão.
Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador.
Em matéria de vícios da decisão, resulta claramente do art. 410°, n° 2, corpo, do CPP, que os nele referidos — entre os quais se conta o erro notório na apreciação da prova (cfr. a al. c) do mesmo preceito) — «têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento» (Ac. do STJ de 19/12/1990 proferido no Proc. n° 41 327, apud MAIA GONÇALVES in Código de Processo Penal Anotado e comentado, 11' ed., 1999, p. 743).
Na verdade, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência» (Ac. do STJ de 5/11/1997, proferido no Proc. n° 366/97).
As regras da experiência comum são as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece e respeitam à apreciação de qualquer das hipóteses previstas no n° 2 do art. 410°» (Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2' ed., 2000, p. 339).
As normas da experiência são, por conseguinte, definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade. 2
Assim, haverá «erro notório na apreciação da prova quando este seja ostensivo ou de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (idem aut.cit° vol. cit., p. 341).
Por isso — por se tratar de requisito comum a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do cit. art. 410°-2 do CPP -, «só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal» (Ac. do STJ de 15/4/1998 (in BMJ n° 476, p. 82), isto é, «quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos» - Ac. do STJ de 10/3/1999 proferido no Proc. n° 162/99 (apud MAIA GONÇALVES in Código de Processo Penal Anotado e comentado, 11' ed., 1999, pp. 744-745) -, ou seja, «quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum» - Ac. do STJ de 11/10/1995 (in BMJ n° 450, p. 110);
O recorrente limitou-se a mera afirmação genérica em como o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos, porquanto em relação aos mesmos a apreciação da prova enfermaria de erro notório.
Porém, ao dar como provados os factos constantes dos pontos impugnados, não ocorreu manifestamente violação alguma das ditas regras da experiência, não se extraíram conclusões ilógicas, contraditórias, arbitrárias ou inaceitáveis da prova produzida nem se violaram regras sobre prova vinculada.
Por outo lado, o princípio in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
O art°. 32 n° 2 da CRP, que consagra o princípio da presunção de inocência, integra uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais do cidadão — art°. 18 n° 1 da CRP.
É, antes de mais, um princípio natural, lógico, de prova.
Enquanto não for demonstrada, provada, a culpabilidade do arguido não é admissível a sua condenação.
A presunção de inocência tem óbvias repercussões no princípio in dubio pro reo, já que um non liquet na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido.
A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido — ac. STJ de 24-3-99 CJSTJ, tomo I, pag.247. Assim, sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à responsabilidade criminal do agente, deverá decidir no sentido mais favorável àquele, aplicando o princípio in dubio pro reo, que deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só nos elementos fundamentadores da incriminação, mas também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão susceptível de desfavorecer, objectivamente, o arguido.
Sendo certo que, qualquer caso de dúvida no espírito do Tribunal deve dar lugar a uma absolvição por falta de prova inequívoca, este é, de resto, o conteúdo com que se afirma o princípio da presunção de inocência do arguido até prova irrefutável em contrário.
Quando nestas condições não seja aplicado o principio in dubio pro reo, os Tribunais violarão o preceituado no art. 32.°, n.° 2 da Lei Fundamental.
O princípio in dubio pro reo, deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve, pois, exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E, finalmente, o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção.
Feita esta apreciação dogmática da inserção hermenêutica do principio, desde já podemos adiantar com segurança que o Tribunal a quo condenou o ora recorrente por convicção fundamentada em prova que entendeu convincente e não apenas em meras presunções de culpa subjectivamente consideradas que, à revelia dos princípios supra enunciados se apoiassem em valoração de provas objectivamente inexistentes.
Daí que não possa ter existido violação do dito principio. Não se vê em segmento algum da prova e da decisão recorrida que o Tribunal a quo tivesse acreditado ab initio na culpa do arguido, sindicando a sua decisão através de um juízo presuntivo, discricionário e inelutavelmente carecido de suporte factual.
A violação do princípio in dubio pro reo só pode mesmo ser tratada como erro notório na apreciação da prova, em certas circunstâncias de dúvida, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o tribunal, na persistência da dúvida, optou por decidir contra o arguido» — Ac. Rel. de Lisboa de 24/1/2001.
O que não se alcança tenha acontecido minimamente no presente caso.
Cfr., igualmente no sentido de que «só há violação do princípio in dubio pro reo quando da matéria de facto resulta que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, escolheu a tese desfavorável ao arguido» - Ac. do STJ de 27/5/1998 (in BMJ n° 477, pp. 303-349).
Cfr., também no sentido de que «o Supremo Tribunal de Justiça só pode caso sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo, se da decisão recorrida resulta que o Tribunal recorrido tenha ficado na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, caso em que estaria em causa uma regra de direito susceptível de ser sindicada em revista» - Ac. do STJ de 5/6/2002 proferido no Proc. n° 976/2003 in site http ://www. dgsi .pt.
Portanto, no caso dos autos não resulta minimamente da sentença condenatória que o Tribunal tenha chegado a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, tenha escolhido a versão factual desfavorável ao arguido ora Recorrente.
2.3.3-Impugnação de Facto
a) Alega o recorrente que o Tribunal a quo julgou incorretamente os factos não tendo, em sua opinião, havido prova de terem sido causadas por si ofensas algumas e que não estava determinado uso algum exclusivo do palco apenas para os intérpretes das canções.
Esta a questão central da impugnação do arguido, o qual entende que estão em causa os factos seguintes:
De repente, o arguido, sem se encontrar munido de qualquer autorização para o efeito, entrou
no palco onde a ofendida se encontrava a actuar, o qual era destinado exclusivamente à utilização pelos interpretes das canções concorrentes e pelo demais pessoal devidamente credenciado para o efeito;
Acto contínuo, o arguido dirigiu-se à ofendida e agarro-a no braço e no ombro direito, assim logrando retirar-lhe da mão o microfone que esta se encontrava a utilizar;
De imediato, o funcionário da empresa ESEGUR responsável pela segurança no palco, PAM... foi em Socorro da ofendida e interceptou o arguido, após um breve confronto físico, do qual resultou a queda de ambos no solo;
O arguido agiu com o propósito de retirar à força da mão da ofendida, o microfone que esta se encontrava a utilizar, bem sabendo que com a sua atitude necessariamente molestaria o corpo e a saúde da mesma, resultado que bem representou;
Agiu o arguido ainda com o propósito concretizado de se introduzir num local que não era de livre acesso ao público, bem sabendo que não tinha autorização de quem e direito para o fazer;
Actuou livre, voluntária e conscientemente sabendo qua a sua conduta era proibida e criminalmente punida por lei, não obstante não se absteve de actuar conforme descrito;
Quanto às ofensas físicas a intérprete SMC…, o tribunal a quo deu como assente que:
«3.Acto contínuo, o arguido dirigiu-se à ofendida e agarrou-a no braço e no ombro direito, assim logrando retirar-lhe da mão o microfone que esta se encontrava a utilizar;
6.Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu hematomas no ombro direito e fortes dores no ombro e braço direito;
7.0 arguido agiu com o propósito de retirar à força da mão da ofendida, o microfone que esta se encontrava a utilizar, bem sabendo que com a sua atitude necessariamente molestaria o corpo e a saúde da mesma, resultado que bem representou;»
O recorrente alega neste segmento que «(...) quis aceder ao palco, mas
não quis usar força, aliás visualizando o vídeo do evento, vê-se que o mesmo reduz a velocidade da corrida quando se acerca da cantora, a quem não quis magoar o braço e o ombro e nem causar qualquer perturbação emocional. E apesar da cantora referir as ofensas, o recorrente entende que a prova produzida em audiência de julgamento não permite formar uma convição segura de que os factos se tivessem passado conforme o que foi dito. E apesar de haver quem confirme a versão apresentada, por não haver qualquer perícia de onde se retira a existência das mazelas físicas e psicológicas, deveriam ter criado dúvidas ao Tribunal.»
Em matéria de impugnação de facto o recorrente limita-se a discordar da convicção do tribunal. Não aponta os segmentos de prova que conduziriam em seu entender a uma diferente valoração e não indica ilogicidade de raciocínio na perspectiva seguida pelo tribunal, violação de regras de apreciação de prova, arbitrariedade de convicção ou sequer se deu ao trabalho, como era seu dever, de cumprir o disposto no art° 412° n°3 do CPP.
Só isso bastaria para rejeitar o recurso em matéria de impugnação de facto. Resulta pois cristalino da leitura das motivações que o presente recurso em matéria de facto se limita a procurar abalar a convicção formada pelo tribunal a quo. Ou seja, o que se questiona é a valoração feita pelo tribunal a quo da prova produzida apesar de tal valoração ter sido livremente formada e fundamentada.
Ora — tal como se salientou no Ac. do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24/03/2004, D.R. II Série, de 02/06/2004 - a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.
«O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório»,(Cavaleiro Ferreira, in Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pág.211).
Daqui decorre que a crítica à convicção do tribunal a quo, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do Recorrente sobre a prova produzida.
A súmula feita pelo tribunal recorrido na decisão impugnada, em sede de fundamentação da decisão de facto, não é posta em causa quanto à correspondência declarativa do conteúdo do depoimento das testemunhas e assistente ouvidos em julgamento. Acresce que o Tribunal a quo explicitou as razões pelas quais lhe mereceu maior ou menor credibilidade o que delas ouviu.
No caso dos autos, muito embora a prova oralmente produzida em audiência de julgamento tenha ficado registada por gravação em Cd e o ora Recorrente tenha pretendido impugnar (na sua motivação de recurso) a matéria de facto que identificou considerada provada pelo tribunal de 1' Instância, esta Relação já não pode, no presente recurso, conhecer amplamente da mesma matéria, sem prejuízo de poder e dever conhecer oficiosamente, a existirem (e não existem), de qualquer um dos vícios elencados nas diversas alíneas do n.° 2 do Art.° 410° do C.P.P. (cfr. o Acórdão do Plenário das Secções Criminais do S.T.J., de 19-10-1995, publicado in D.R., I Série- A, de 28-12-1995 e também in BMJ 450°, pág. 72).
Na verdade, o Recorrente, tendo embora pretendido impugnar a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, com fundamento num pretensa avaliação errónea das provas produzidas em audiência de julgamento, não observou a exigência legal constante do cit. art.° 412°-3 e 4 do CPP — por isso não curou sequer de, na sua motivação de recurso, fazer referência aos suportes técnicos nem aos elementos temporais e substanciais específicos onde estão gravadas as declarações que, no seu entendimento, deveriam ter levado o tribunal a proferir decisão diversa em relação aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impunham decisão diversa da que foi proferida e, ainda, as provas que deviam ser renovadas, dando, assim, integral cumprimento ao disposto no normativo citado.
Aliás, essa omissão acontece quer nas conclusões, praticamente mimetizantes da motivação, quer nesta mesma.
Nesta conformidade, não pode este Tribunal da Relação conhecer do recurso do ora Recorrente na parte em que impugna a decisão sobre matéria de facto, não havendo sequer lugar a qualquer convite no sentido do suprimento, pela Recorrente, dessa inobservância da mencionada exigência legal, pois através deste mecanismo não pode ser modificado o âmbito do recurso fixado na motivação (n.°s 3 e 4 do Art.° 417° do C.P.Penal).
Neste sentido, Ac. do STJ de 05-06-2008 (Proc. n° 1884/08, Relator Simas Santos, acessível em www.stj.pt):
I- Se nas conclusões da motivação se não especificam os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois que se dirige genericamente a toda a matéria provada..., apresentando antes a sua leitura subjectiva de todo o julgamento e que não contém qualquer referência aos suportes técnicos, deve entender-se que não .foi cumprido o formalismo dos n.° 3 e 4 do art. 412° do CPP, por respeitar o recurso a matéria de ,facto.
II- E se essas especificações não constam do texto da motivação, não deve o recorrente ser convidado a corrigir as conclusões da motivação.
Também a Lei 48/2007, de 29-08 veio consagrar esta posição na nova redacção dada ao art. 417.° do CPP.
Estabelece aqui, no seu n.° 3 que, se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n°s 2 a 5 do art. 412°, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada. Mas logo esclarece, no n° 4, que tal aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.
Deste modo, impõe-se considerar precludida a faculdade de, por via do presente recurso, proceder à reapreciação do decidido quanto à matéria de facto.
O recorrente tinha de explicar em concreto o sentido da divergência e de que segmentos da prova propriamente dita, que nem sequer cita ou transcreve, se poderia retirar essa divergência de convicção. Mais ainda, deveria ter salientado em que aspectos do princípio da livre apreciação o tribunal errou. Se as declarações da ofendida e testemunhas não eram credíveis haveria que indicar também as razões concretas dessa falta de credibilidade e o modo de violação pelo tribunal quer das regras da experiência quer do iter apreciativo em que a sua actividade se desdobra, no uso da imediação e da oralidade e da prova não vinculada.
Não o fez e, daí, a preclusão apreciativa em matéria de facto.
De todo o modo a decisão indica as ofensas e o grau de credibilidade que mereceram as declarações e testemunhos prestados Não encontramos nelas e na sua apreciação motivo de controvérsia ou que mereçam dúvida relevante a salientar.
Embora o recorrente explicite os concretos pontos da matéria de facto que considerou incorrectamente julgados, apenas alegou de forma genérica que o
foram erroneamente sem contudo indicar de que provas, constantes dos autos ou produzidas em audiência de julgamento, se deveriam ter retirado diferentes conclusões e, como já antes se aludiu, não transcreveu quaisquer passagens d prova gravada que ponham em crise a apreciação da prova feita pela Mma. Juíza
e que implicasse decisão diversa da proferida nos autos.
É verdade que não existe, nos autos, perícia de dano corporal nem a ofendida recebeu assistência em estabelecimento hospitalar. Contudo, foram incorporadas no processo fotos das lesões sofridas pela ofendida (a fls. 19 e 20),
que a mesma descreveu, em audiência de julgamento, e as dores respectivamente sofridas- (cfr do seu depoimento, dos minutos 6 e 13 segundos aos minutos 6 e 52 segundos da segunda gravação ), dizendo (...)quando ele veio então com força para a mão esquerda para pegar o microfone que até deixou arranhada a mão ...e o ombro do lado direito trouxe um pouco para trás, e dizendo ainda que, (...)no momento, não sentiu dores por causa da adrenalina (entre os 9 minutos e 38 segundos e os 10 minutos) não sentiu nada naquela altura. A adrenalina baixou e começou a sentir (...) e ainda, entre os 4 e 10 segundos e os 4 minutos e 45 segundos da terceira gravação constante da plataforma citius) (...)que passou a recear estar em palco(...)
Das declarações supra referidas, das fotografias e imagens constantes dos autos dúvidas não há em como o arguido atingiu o corpo da ofendida e, por isso, preenchendo com a sua conduta o tipo objectivo de ilícito de ofensas à integridade fisica pelo qual foi condenado em multa por 160 dias à razão diária de 9 nove euros.
Quanto ao elemento subjectivo resulta dos mesmos elementos de prova supra referidos que actuou com determinação, força, intensidade de acção e de motivação suficientes, apesar de ser primário criminal, causando marcas naquela e que pretendia retirar o microfone à ofendida independentemente do resultado para a mesma e das dores que iria ou admitiria ao menos, como possível infligir na mesma para obter o dito microfone.
O arguido actuou com dolo e com consciência plena da ilicitude.
Por último a ofendida admitiu de forma credível que parte das ofensas possam ter sido provocadas pelo encosto de uma mochila ou saco que o arguido trazia consigo e que a magoou na sequência forma como aquele lhe quis subtrair violentamente o microfone.
Não existe pois razão para modificação da matéria de facto.
b) Quanto ao elementos típicos do crime de introdução em lugar vedado ao _público, convoca o recorrente não constar da matéria dada como provada que
o palco fosse destinado ao uso exclusivo dos intérpretes das canções concorrentes nem que a conduta do arguido fosse proibida pelo que não preencheria os elementos subjetivos e objetivos do crime imputado mas sempre a sua acção estaria abrigada por causas de exclusão da ilicitude, face às circunstâncias de facto e às motivações subjacentes à alegada introdução.
Ora, prevê o art.° 191.0 do CP que quem, sem consentimento ou autorfração de quem
de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias.
Cremos paradigmático porquanto acertado e cheio de razão, além do que foi dito pelo tribunal a quo, o perspectivado quanto a esta questão, na douta resposta do MP° que se transcreve de seguida:
Segundo o recorrente não consta da matéria dada como provada que o palco onde ocorreu a
actuação fosse palco exclusivo para a utilização dos intérpretes das canções concorrentes ora isso mesmo conta do ponto 2 dos factos dados como provados, constante de fls. 200 verso, e que aqui se dá por reproduzido, e isso mesmo foi esclarecido pela testemunha PAM... (entre os 11 minutos e 10 segundos e os 11 minutos e 21 segundos da terceira gravação constante da plataforma citius).
Do depoimento da testemunha PAM..., registado entre os 5 minutos e 30 segundos e os 15 minutos e 20 segundos da terceira gravação constante da plataforma citius e de depoimento da testemunha MGM..., registado entre os 29 minutos e os 10 segundos e os 38 minutos e 47 segundos da mesma gravação, resulta provado o tipo de barreira, posições das mesmas e o modo como o arguido as transpôs.
Nomeadamente, PAM... refere que viu o arguido saltar as barreiras (aos 10 minutos e 23 segundos e novamente aos 10 minutos e 38 segundos da supra referida gravação), e descreveu as mesmas como tendo metro e meio sensivelmente (entre os 10 minutos e 23 segundos e os 10 minutos e 26 segundos), que eram em linha recta (13 minutos e 45 segundos) e bem visíveis (14 minutos e 40 segundos). Esclareceu ainda que sobre o tipo de barreiras são daquelas fixas. Como é que hei-de explicar? De antipânico. Se a gente quiser abrir temos uns fechos e elas abrem para as pessoas poderem fugir (entre os 14 minutos e 40 segundos e os 14 minutos e os 56 segundos).
Sobre a disposição das mesmas e quando lhe foi perguntado, pelo mandatário da Assistente, se havia zonas abertas a testemunha referiu Não. Isto é uma barreira, isto é outra barreira e nós estamos aqui. Isto é tudo barreira. e Os espaços abertos que existiam tinham seguranças (entre os 14 minutos e 10 segundos e os 14 minutos e 29 segundos).
A mesma testemunha descreve a actuação do arguido (entre os 8 minutos e 29 segundos e os 9 minutos) Consigo ver de onde o invasor vem [...] ele salta a primeira vedação, atravessa um caminho, sobe para um passadiço e depois corre no sentido de nós. Não é? E sobe a ponte e invade o palco. Novamente, entre os 11 minutos e 30 segundos e os minutos e 44 segundos, a mesma testemunha refere Ele salta, outra grade, entre aspas, para o passadiço, corre no sentido contrário. Não é? A nosso favor e sobe uma ponte. Atravessa uma pontezinha.
O recorrente também alega não existir inscrição onde constava a proibição de entrar no palco utilizada em espectáculos similares.
Todavia não é necessário, para o preenchimento do tipo de ilícito, um sinal escrito, o tipo basta-se com o facto de estarmos perante um lugar vedado e não livremente acessível ao público e o facto de o arguido saber tal facto.
Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que existiam barreiras físicas visíveis e inconfundíveis no local e também seguranças para impedir o acesso ao palco.
Acresce que, independentemente, de existir ou não qualquer inscrição visível pelo arguido, a verdade é que estamos perante espectáculo com inúmeros anos de tradição.
Ora, em todos os espectáculos com características semelhantes, mas em particular no espectáculo aqui em causa, é do conhecimento geral não se poder invadir o palco o qual está efectivamente reservado para intérpretes e pessoal autorizado e que está fisicamente separado do público pelo facto de estar mais elevado e por barreiras. Barreiras estas que existiam e que o arguido teve de granjear.
Acresce que a profissão do arguido disc jockey ou DJ' também implica, necessariamente, conhecimento que os artistas têm, em todos os eventos, de maior ou menor dimensão, um espaço reservado para poderem actuar sem intervenção exterior.
A conduta do arguido não pode beneficiar da exclusão da ilicitude como delineada na nossa ordem jurídica, quer a sua motivação fosse apenas de exposição pessoal ou pretendesse dar voz uma a causa que vise proteger bens jurídicos considerados valiosos na nossa sociedade.
De facto, em sociedade, os protestos têm de ser, para serem legítimos, consentâneos com as leis que protegem todos os cidadãos e não podem indevidamente atingir os direitos e bens jurídicos de terceiros.
Assim, entende-se que a actuação do arguido não é socialmente adequada pois contraria as exigências, características e fins da vida em sociedade (neste sentido veja-se fls. 241 e 242 na anotação ao art. 31 do CP, in Código Penal, Parte Geral e Especial, M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Almedina, 2014).
Aceitar um protesto efectuado deste modo atingindo direitos de terceiros é arriscar o agravar dos modos de protesto. Isso mesmo, foi aliás, correctamente, reconhecido a fls. 14 da sentença proferida nestes autos.
Quanto aos motivos do arguido, sempre se dirá que das declarações do mesmo não se logrou perceber se o mesmo pretendia reagir para a promoção da Justiça Social, contra a União Europeia, a corrupção, o homicídio de mulheres e crianças ou a BBC por silenciar a sua voz, uma vez que todas essas motivações foram invocadas de modo desconexo e pouco estruturado pelo próprio arguido (conforme resulta das suas declarações entre os 13 minutos e 30 segundos e os 13 minutos e os 45 segundos, entre os 14 minutos e os 15 minutos e 17 segundos da primeira gravação constante do citius e também nas últimas declarações do mesmo na última gravação constante daquela plataforma) sem que permitisse compreender qual, afinal, a causa que tanto lhe importava.
Todavia, mesmo que fosse por algum dos motivos supra referidos tal não afastaria, conforme resulta dos argumentos supra expostos, a ilicitude das suas condutas.
Aliás, falha-se perceber como a invasão de um lugar reservado, a perturbação da actuação de uma artista que estava a realizar uma actuação para a qual se prepara por vários meses e a agressão da
mesma para lhe arrancar, pela força física, um objecto e, assim, sobrepor-se à sua voz, perante um público espalhado pelo mundo inteiro, iria incentivar a paz, ajustiça e a protecção de crianças e mulheres.
E embora, se acredite que o arguido, independentemente da intérprete, pretendia interromper a canção do RU..., nada tendo contra a cantora em particular, a verdade é que não se pode olvidar a mensagem que as imagens, que ainda se encontram na internet passam, e essa é indubitavelmente a de um homem a usar de força física contra uma mulher para obter algo e sobrepor a sua voz à dela.
Consequentemente, nada mais haveria a acrescentar de relevante para perceber e concluir que o arguido preencheu também o crime de introdução em lugar vedado ao público (palco de acesso vedado por barreira e seguranças) sabendo perfeitamente que ali só os intérpretes e pessoal ligado à organização, funcionamento e produção do espectáculo poderiam aceder.
c) O tribunal ad quo ignorou o depoimento do arguido sobre a sua condição de activista político e da sua luta pela Paz no Mundo na determinação da culpa e das penas?
Esta questão já foi abordada em ponto anterior (matéria das nulidades) nos termos que aqui se dão por reproduzidos, nada mais havendo de útil que mereça ou deva ser acrescentado.
d) Não resultou provado qualquer dano patrimonial ou moral para a Assistente?
Alega o recorrente que não resultou provado dano mas isso não é verdade. Valem aqui as mesmas considerações sobre impugnação da matéria de facto anteriormente explicitadas.
E ficou assente que a ofendida sofreu hematomas no ombro direito e fortes dores no ombro e braço direitos. De todo o modo, não foi reclamada indemnização para a ofendida sendo as consequências do acto incidentes apenas no cálculo do grau de ilicitude e para efeitos de intensidade da censura e determinação do grau de prevenção na fixação da pena.
2.3.4 - Medida das penas
No que respeita às medidas das penas aplicadas as mesmas seriam excessivas, entendendo o recorrente que a aplicação de uma pena de multa seria suficiente para promover a sua recuperação e a da ofensa à integridade física deveria ser reduzida no número de dias e no montante bem como quanto ao crime de introdução em local público uma pena de multa bastaria?
Não concordamos, de todo, pois as penas aplicadas devem ser mantidas e mostram-se proporcionais e fixadas de acordo com os critérios legais.
Na verdade, o tribunal entendeu, e bem, fixar ao crime (de ofensas corporais simples) uma pena de multa e ao de introdução em local vedado ao público uma pena de prisão suspensa na sua execução.
Na determinação dos patamares alcançados considerou-se a culpa intensa, a falha de arrependimento do arguido e as elevadissimas exigências de prevenção geral, dada a repercussão mundial do acontecimento transmitido para milhões de espectadores.
Os crimes foram premeditados e planeados com bastante antecedência, houve injustificação total dos motivos, a participação da ofendida em futuras apresentações sofreu potencial risco elevado marcante para a mesma e o arguido revelou ausência total de postura crítica da sua conduta.
As penas fixadas revelam-se dissuasoras e bem ponderadas, prevalecendo o critério da elevada exigência de prevenção geral e o facto de as ofensas físicas não terem gerado danos de monta.
Justificou-se assim a decisão recorrida em toda a sua plenitude.
III- DECISÃO
3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
3.2 - Taxa de justiça em 5 UC a cargo do recorrente.
Lisboa, 22 de Outubro de 2019
Os Juízes Desembargadores
Agostinho Torres
João Carrola