1 - Na sequência do despacho de concordância do Juiz de Instrução que, determinou a suspensão provisória do processo pelo período de 6 meses, mediante a imposição da injunção de entrega ao Estado da quantia de 400,00€, no prazo da suspensão, tendo o depósito da quantia referente à injunção vindo a ser depositada pelo arguido muito tempo depois do termo dos seis meses fixados. Mas o que importa saber é se neste caso, face às circunstâncias em que o arguido veio a proceder ao pagamento da quantia fixada, se pode considerar tempestivo o cumprimento da injunção, com as legais consequências
2 - Ora, em face das referidas circunstâncias, designadamente o facto de o arguido ter procedido ao cumprimento tempestivo da injunção, somos a entender que não deveria ter ocorrido a realização do julgamento, desde logo porque, uma vez confirmado o cumprimento tempestivo da injunção padece de fundamento a operada revogação da suspensão provisória do processo. Neste caso o caminho seria o arquivamento dos autos, determinando precisamente o n° 3 do art.° 282° do CPP que se o arguido cumprir a injunção a que ficou sujeito, o Ministério Público arquiva o processo.
Proc. 506/15.7GBMFR.L1 3ª Secção
Desembargadores: Conceição Gonçalves - Maria Elisa Marques - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 506/15.7GBMFR.L1
3ª Secção.
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.
I. Relatório
1. Nos presentes autos de processo comum singular, com o número supra identificado, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste -Juízo Local Criminal de Mafra, o arguido HHH…, com os sinais dos autos, realizado o julgamento, foi condenado por sentença proferida em 13.12.2018 como autor material de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo art.° 365°, n° 2 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, á razão diária e €7,00,o que perfaz um total de 420€ (quatrocentos e vinte euros)
2. Antes da realização da audiência de julgamento decorreram com relevância as seguintes ocorrência processuais:
a. Por despacho de 28.06.2017 (fls. 120) o Magistrado do MP, na sequência do despacho de concordância do Juiz de Instrução (fls. 117 e 118), determinou a suspensão provisória do processo pelo período de 6 meses, mediante a imposição da injunção de entrega ao Estado da quantia de 400,00€, no prazo da suspensão, devendo comprovar no processo esse pagamento;
b. Tal despacho foi notificado ao arguido, por carta simples com prova de depósito a 25.07.2017 (fls. 121 e 122).
c. A 5.02.2018, por via postal simples com prova de depósito, foi ordenada a notificação do arguido para comprovar o cumprimento da injunção.
d. Como nada foi dito pelo arguido, foi ordenada a sua notificação através da GNR (fls. 113), vindo esta entidade a informar que o arguido já não resida na morada indicada mas que tinha averiguado ser o arguido proprietário de uma empresa onde poderia ser contactado.
e. Subsequentemente, a Magistrada do Ministério Público ordenou, por despacho de fls. 1.06.2018, o contacto telefónico com o arguido no sentido de o mesmo comprovar o cumprimento da injunção fixada, em 5 dias (fls. 138).
f. Foi consignado nos autos, a 4.06.2018, a realização de tal contacto e a declaração do arguido de que iria proceder ao pagamento e ainda que lhe foi explicado o modo de o fazer (fls. 139).
g. Em 12.06.2018, a Magistrada do Ministério Público consignou no despacho de fls.140 o seguinte: Aguarde-se, por 10 dias, e após certifique o eventual pagamento da injunção fixada no âmbito da suspensão provisória do processo (fls. 140).
h. A fls. 28/06/2018 foram os autos conclusos (sem qualquer informação sobre o cumprimento ou não da injunção) tendo sido proferido despacho que determinou o prosseguimento dos autos face ao não cumprimento da injunção e foi deduzida acusação contra o arguido (fls. 141 e ss).
i. Remetido o processo à distribuição, o Mm° Juiz do Juízo Criminal proferiu o despacho a que alude o art.° 311° do CPP, recebendo a acusação e designando data para a audiência de julgamento.
j. A patrona oficiosa do arguido deduziu contestação, alegando ter cumprido a injunção que lhe foi fixada e ter enviado por correio electrónico o comprovativo do pagamento efectuado, informando ainda, não ter indicado, por lapso, o n° do processo, reclamando que o tribunal venha a considerar cumprida a injunção e consequentemente não ser sujeito a julgamento.
Juntou cópia dos documentos enviados via electrónica: um comprovativo da transferência tendo a operação a data de 7.06.2018 (fls. 177) e o comprovativo do envio para o Ministério Público em 8.06.2018 (fls. 117v°).
K. Em resposta ao requerido pelo arguido, o Mm° Juiz de julgamento proferiu, em 3.12.2018,
o seguinte despacho ora recorrido:
A fls. 175 e seguintes o arguido alega o cumprimento da injunção a que ficou sujeito no âmbito da suspensão provisória do processo aplicada nos presentes autos, sendo que apenas por lapso não indicou o número do processo no envio do comprovativo do pagamento.
O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido.
Cumpre decidir.
Estatui o art.° 281°, do Código de processo penal, que ( ...).
Determina o art.° 282°, do Código de Processo Penal, que (...) .
A fls. 114 o Ministério Público decidiu ser de aplicar a suspensão provisória do processo (o
que obteve a concordância do Mm° Juiz a fls. 117 e seguintes) pelo período de 6 meses mediante a imposição ao arguido da injunção de entrega da quantia de 400,00€ ao Estado mediante depósito autónomo, juntando aos autos o respectivo documento comprovativo, durante o período da suspensão.
O arguido foi notificado (por prova de depósito datada de 25 de Julho de 2017) da referida decisão - cfr. fls. 121 a 122).
Decorrido o período da suspensão foi o arguido notificado para comprovar o cumprimento da injunção, sendo certo quer sempre a mesma impunha a junção do documento comprovativo aos autos.
Não tendo sido demonstrado o cumprimento da injunção, o Ministério Público deduziu acusação a fls. 141 e seguintes.
O documento de fls. 177, ora junto aos autos, data de 07 Junho de 2018, logo de data muito posterior ao termo do período da suspensão provisória do processo.
Considerando que o instituto da suspensão provisória do processo apenas se aplica em fase anterior ao julgamento e uma vez que foi deduzida acusação nos autos e remetidos os mesmos para a fase processual em que actualmente se encontram, impõe-se o indeferimento da requerida verificação do cumprimento da injunção e o arquivamento do processo, não havendo lugar á apreciação de qualquer lei penal mais favorável porquanto não se verificou qualquer alteração legislativa que importe analisar nos referidos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2°, n° 4, do Código Penal.
Pelo exposto, indefere-se a requerida não sujeição do arguido a julgamento, determinando-se
o prosseguimento dos autos para o efeito.
Notifique.
1. A audiência de julgamento teve lugar no dia 4.12.2018, vindo a sentença condenatória a ser proferida no dia 13.12.2018.
2. O arguido, em 17.01.2019 veio interpor recurso do despacho judicial proferido em 3.12.2018, terminando a motivação, com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
I. É entendimento do recorrente que pela factualidade descrita que o julgamento seja anulado, porquanto foi lavrado um termo onde se explica como o arguido devia fazer para efectuar o pagamento da injunção, porque lhe é dada uma referência para o pagamento da injunção quando o tribunal sabia que o prazo já tinha sido ultrapassado, pelo Despacho de 12 de Junho de 2018, entende o ora arguido que cumpriu a injunção e por essa razão o processo devia ter sido Arquivado. Face a isto,
II. E também porque efectuou o pagamento da injunção em 7 de Junho de 2018, e a acusação só foi deduzida em 28 de Junho de 2018, o que se requereu não era a aplicação da suspensão provisória do processo na fase de julgamento, mas que se considerasse cumprida e o processo arquivado com a consequente não realização do julgamento; se por mera, só por mera hipótese, este entendimento não seja considerado então o montante da injunção (quatrocentos euros) deverá ser devolvido ao arguido, porque não teve culpa, não é advogado, nem juiz, nem procurador nem funcionário judicial e pagou a injunção na expectativa de que o processo terminaria com o pagamento.
III. O art.° 29° da Constituição estabelece que Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais grave do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido, consequentemente,
IV. Por interpretação extensiva da lei e com base no princípio da aplicação da lei de conteúdo mais favorável ao arguido e tendo em conta que lhe foi aplicado o instituto da Suspensão Provisória do processo, decididamente de conteúdo mais favorável ao arguido, com consagração constitucional entre os direitos, liberdades e garantais pessoais, cuja âmago deve ser interpretado da harmonia com a declaração Universal dos Diretos do Homem -artigo 16° da Constituição- é entendimento do arguido que lhe deve ser aplicada a lei de conteúdo mais favorável.
V. Neste conspecto deve o Douto Despacho recorrido ser substituído por outro, em que o julgamento deve ser considerado nulo, sem efeito, porque a Suspensão Provisória do processo deve ser considerada verificada e o processo arquivado, ou se por mera hipótese tal não for considerado que a injunção no valor de €400 seja devolvida ao arguido, de modo a que o arguido continue a manter o acesso à tutela jurisdicional efectiva.
Pelo exposto, deve conceder-se provimento ao recurso.
3. O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. fls. 210).
4. O Ministério Público veio responder ao recurso, terminando com a formulação
das seguintes conclusões:
1. O Ministério Público, entendeu não se encontrarem reunidos os pressupostos de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo ínsitos no artigo 281°, n° 1, do Código de Processo Penal, tendo submetido o arguido a julgamento.
2. O douto despacho recorrido não merece censura considerando que o instituto da suspensão provisória do processo observou os trâmites legais e do conhecimento do arguido/recorrente.
3. Conclui-se, que não merecendo o douto despacho qualquer censura, se deverá manter na íntegra, pelo que deve nega-se provimento ao recurso e confirmar-se a decisão recorrida.
5. Neste Tribunal da Relação, a Exma Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, com a seguinte argumentação que aqui, em síntese, se reproduz:
O pagamento da quantia fixada como injunção foi efectuada fora do prazo de seis meses da suspensão provisória do processo, mas o arguido procedeu ao depósito de tal quantia na sequência
de notificação que lhe foi feita para o efeito, notificação essa que foi determinada pela Magistrada titular do inquérito. E no âmbito dessa notificação foi o arguido informado da forma como devia proceder ao depósito da referida quantia e ao envio do comprovativo do respectivo pagamento, procedimento que o arguido seguiu.
Refere que o arguido cumpriu a injunção fixada dentro do prazo que lhe foi concedido, importando assim apelar ao princípio da protecção da confiança, basilar de um Estado de direito democrático que implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhe são criadas. O MP antes de proferir acusação deveria ter diligenciado no sentido de determinar se as injunções condicionantes da suspensão provisória foram (in)cumpridas. O prosseguimento do processo só pode acontecer face ao incumprimento das injunções, que neste caso se não verificou, e colhendo a posição vertida no acórdão do TRC proferido no processo 81/14.0GTCBE (disponível em www.dgsi.pt) conclui ter ocorrido face a esta tramitação uma excepção dilatória inominada, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, porquanto, uma vez verificado, embora em momento tardio, que o arguido cumprira atempadamente as injunções a que havia sido sujeito aquando da suspensão provisória do processo, o tribunal deveria ter proferido despacho declarando o cumprimento da injunção e absolvendo-o da instância.
Assim, pugnando pela procedência do recurso.
6. Foi dado cumprimento ao disposto no art.° 417°, n° 2 do CPP, sem que tenha sido oferecida qualquer resposta.
Cumpre, agora, decidir.
II. Fundamentação.
1. O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões da motivação, reconduz-se à questão de saber se o arguido, nas circunstâncias apuradas, deu cumprimento à injunção que lhe foi imposta no âmbito da suspensão provisória do processo, no prazo que lhe foi concedido, levando como consequência à declaração de nulidade do julgamento, com o arquivamento do processo ou, se assim não for entendido, deverá ser devolvido ao arguido o montante de € 400 que depositou?
2. Apreciando.
A questão de fundo que o recurso coloca é a de saber se na situação espelhada nos autos deveria ter ocorrido o julgamento e a posterior condenação do arguido?
2.1. Para tanto importa primeiramente decidir se no caso dos presentes autos o cumprimento da injunção por parte do arguido foi tempestivo, tal como o próprio vem invocar?
O despacho recorrido que indeferiu a pretensão do arguido fundamenta-se essencialmente no seguinte:
- Na intempestividade do pagamento do montante fixado como injunção, referindo-se que o documento de fls. 177, ora junto aos autos, data de 07 Junho de 2018, logo de data muito posterior ao termo do período da suspensão provisória do processo.
- O facto de o processo, aquando da apresentação do comprovativo da pagamento, já se encontrar na fase de julgamento, considerando o Mm° Juiz a quo que
o instituto da suspensão provisória do processo apenas se aplica em fase anterior ao julgamento e uma vez que foi deduzida acusação nos autos e remetidos os mesmos para a fase processual em que actualmente se encontram, impõe-se o indeferimento da requerida verificação do cumprimento da injunção.
Mas, com o devido respeito, somos a discordar deste entendimento, antes nos revendo na argumentação vertida no douto parecer proferido pela Sr.a Procuradora Geral Adjunta, na consideração de que o cumprimento da injunção foi tempestivo, pelo que não podia o tribunal ter revogado a suspensão provisória do processo.
Vejamos:
Resulta dos autos, que o Magistrado do Ministério Público, na sequência do despacho de concordância do Juiz de Instrução (fls. 117 e 118), determinou a suspensão provisória do processo pelo período de 6 meses, mediante a imposição da injunção de entrega ao Estado da quantia de 400,00€, no prazo da suspensão, devendo comprovar no processo esse pagamento;
Nos termos do n° 3 do art.° 282° do CPP se o arguido cumprir a injunção a que ficou sujeito, o Ministério Público arquiva o processo.
Por sua vez o n° 4 do mesmo preceito legal determina que o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) se o arguido não cumprir as injunções.
No caso dos autos não é posto em causa que o arguido efectivamente procedeu ao pagamento do montante de 400,00 € que lhe foi imposto como injunção, pagamento que efectuou no dia 7.06.2018, apresentando prova documental dessa transferência com a contestação que apresentou em fase de julgamento, aí requerendo o arquivamento dos autos.
Não merece dúvida por ser evidente que o depósito da quantia referente à injunção veio a ser depositada pelo arguido muito tempo depois do termo dos seis meses fixados. Mas o que importa saber é se neste caso, face às circunstâncias em que o arguido veio a proceder ao pagamento da quantia fixada, se pode considerar tempestivo o cumprimento da injunção, com as legais consequências?
Para melhor compreensão atentemos na tramitação que acima se transcreveu de onde se colhe o seguinte:
-Em 5.02.2018, por via postal simples com prova de depósito, foi ordenada a notificação do arguido para comprovar o cumprimento da injunção.
-Como nada foi dito pelo arguido, foi ordenada a sua notificação através da GNR (fls. 113), vindo esta entidade a informar que o arguido já não residia na morada indicada mas que tinha averiguado ser o arguido proprietário de uma empresa onde poderia ser contactado.
-Subsequentemente, a Magistrada do Ministério Público ordenou, por despacho de fls. 1.06.2018, o contacto telefónico com o arguido no sentido de o mesmo comprovar o cumprimento da injunção fixada, em 5 dias (fls. 138).
-Foi consignado nos autos, a 4.06.2018, a realização de tal contacto e a declaração do arguido de que iria proceder ao_pagamento e ainda que lhe foi explicado o modo de o faze( (fls. 139).
-Em 12.06.2018, a Magistrada do Ministério Público consignou no despacho de fls.140 o seguinte: Aguarde-se, por 10 dias, e após certifique o eventual pagamento da injunção fixada no âmbito da suspensão provisória do processo (fls. 140).
O arguido veio, pois, a efectuar o depósito de tal quantia fixada a título de injunção no dia 7.06. 2018, no decurso do prazo que lhe foi concedido.
Fê-lo na sequência de notificação determinada pela Magistrada do MP, primeiro por via postal e depois, em 1.06.2018, por contacto telefónico, ficando consignado nos autos a declaração do arguido de que iria proceder ao pagamento, tendo-lhe sido explicado o modo de o fazer'.
Depois, contrariamente ao determinado pela Magistrada do Ministério Público, os serviços de secretaria não se certificaram do eventual pagamento da injunção.
Nos autos foi aberta conclusão em 28.06.2018 sem qualquer informação sobre o cumprimento da injunção, vindo o Ministério Público a determinar o prosseguimento dos autos com a dedução de acusação.
Diga-se, ainda, que a falta de indicação do número do processo por parte do arguido no documento comprovativo do depósito nunca seria um obstáculo à sua junção aos autos por parte da secretaria.
É verdade que há muito havia decorrido o prazo de seis meses fixado para o cumprimento da injunção, mas ao arguido foi-lhe dada a possibilidade de proceder ao pagamento, conforme determinado pela Magistrada do Ministério Público titular do Inquérito.
Nestas circunstâncias, não podiam os autos prosseguir com a dedução de acusação sem antes ter sido averiguado o (in)cumprimento da injunção face ao ter da notificação que foi feita ao arguido.
O Ministério Público, antes de proferir a acusação, deveria, pois, ter averiguado se a injunção condicionante da suspensão provisória do processo tinha sido (in) cumprida.
Em face das referidas vicissitudes, somos a concluir que o arguido cumpriu a injunção tempestivamente, dentro do prazo que lhe foi concedido através da notificação que lhe foi feita pelo Ministério Público, sendo assim legítimas as expectativas jurídicas criadas pelo arguido, de que o processo seria arquivado com o pagamento. Pagamento a que procedeu mediante as instruções que lhe foram fornecidas pela secretaria, pelo que a tutela da confiança, como elemento do processo equitativo, não permite admitir outra solução, pois o arguido não podia sofrer limitações aos direitos processuais em que legitimamente confiou, nem vir a ser surpreendido por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderia contar.
2.2. Da arguição de nulidade do julgamento.
O arguido, em sede de contestação apresentada na fase de julgamento veio requerer ao tribunal que se declare a verificação do cumprimento da injunção e consequentemente se determine o arquivamento dos autos, o que foi indeferido,
considerando o Mm° Juiz que o instituto da suspensão provisória do processo apenas se aplica em fase anterior ao julgamento, e uma vez que foi deduzida acusação nos autos e remetidos os mesmos para a fase processual em que actualmente se encontram, impõe-se o indeferimento da requerida verificação do cumprimento da injunção e o arquivamento do processo.
Entendeu, assim, o Mm° Juiz de julgamento não ter que se pronunciar acerca do alegado cumprimento da injunção visto já ter sido deduzida acusação, encontrando-se os autos em fase de julgamento.
Se bem vemos, na perspetiva do Mm° Juiz, encontrando-se o processo já em fase de julgamento estava precludida a possibilidade de averiguar se o arguido cumpriu tempestivamente a injunção que lhe foi imposta. O julgamento veio a culminar com a condenação do arguido.
Não podemos, com o devido respeito, concordar com este entendimento, o que seria desde logo fazer prevalecer a forma sobre a substância, ou seja, as questões processuais sobre o facto posteriormente apurado de que efectivamente o arguido havia procedido ao cumprimento tempestivo da injunção.
Ora, em face das referidas circunstâncias, designadamente o facto de o arguido ter procedido ao cumprimento tempestivo da injunção, somos a entender que não deveria ter ocorrido a realização do julgamento, desde logo porque, uma vez confirmado o cumprimento tempestivo da injunção padece de fundamento a operada revogação da suspensão provisória do processo. Neste caso o caminho seria o arquivamento dos autos, determinando precisamente o n° 3 do art.° 282° do CPP que se o arguido cumprir a injunção a que ficou sujeito, o Ministério Público arquiva o processo.
Aqui chegados, a questão seguinte e que vem colocada pelo recorrente é a de saber de que vício padece a tramitação a partir do momento em que se adquire o conhecimento de que o arguido cumpriu atempadamente a injunção?
E sobre esta questão pronunciou-se o acórdão do TRC proferido no processo 81/14.OGTCBE (disponível em www.dgsi.pt), concluindo ter ocorrido face a esta tramitação uma excepção dilatória inominada, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. art.° 576°, n° 2, CPC, aplicável
subsidiariamente).
Dificilmente neste caso se vislumbra o alegado vício de nulidade do julgamento tendo desde logo como obstáculo o princípio da tipicidade (art.° 118° do CPP), servindo melhor as exigências colocadas neste caso a figura da excepção dilatória inominada que com a devida vénia aqui seguimos.
Efectivamente neste caso decorreu a falta de cumprimento de um pressuposto: o de saber se o arguido tinha efectivamente cumprido a injunção, averiguação que não foi feita no tempo devido, ou seja, antes de revogar a suspensão provisória do processo e da dedução de acusação. Ora, a falha deste pressuposto impedia que o tribunal de julgamento conhecesse do mérito da causa, pois este conhecimento só seria admissível se o arguido não tivesse dado cumprimento tempestivo à injunção que lhe foi aplicada. Assim sendo, logo que conhecido que o arguido tinha efectivamente procedido ao cumprimento tempestivo da injunção, o Tribunal a quo deveria ter proferido despacho a declarar, por esse motivo, a absolvição da instância.
Procede, assim, o recurso.
III-Decisão.
Termos em que as Juízas da 3a secção deste Tribunal da Relação de Lisboa acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo o arguido.
Sem custas por não serem devidas.
Notifique.
Lisboa, 16/10/2019.
Elaborado, revisto e assinado pela relatora Conceição Gonçalves e assinado pela Desembargadora Adjunta Maria Elisa Marques.