I - Não há violação do dever de audição das provas requeridas porque esse dever não existe se for evidente que a pretensão do apresentante das provas não pode proceder, sendo a não realização de actos inúteis é um dever que se impõe.
II - Este entendimento não viola os princípios constitucionais da garantia do direito de defesa e do contraditório com previsão nos arts. 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa, pois que os princípios da garantia do direito de defesa e do contraditório estão sujeitos a utilização dos mecanismos legalmente previstos e nos termos legalmente previstos.
III - As decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão. Os despachos não exigem o mesmo grau de fundamentação que é exigido por uma sentença. No caso em análise, o despacho não tinha que proceder à fixação dos factos provados e não provados - e motivar a decisão - pois que se trata de um despacho liminar, que não conhece do mérito do alegado, limitando-se a indeferir o requerido por impossibilidade de procedência da pretensão.
Proc. 2/16.5GMLSB-B.L1 5ª Secção
Desembargadores: Alda Tomé Casimiro - Anabela Simões - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Recurso Penal n° 2/16.5GMLSB-B.L1
Incidente de Arresto n° 2/16.5GMLSB-B — Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste —Juízo de Instrução Criminal de Sintra — Juiz 1
Acordam, após Conferência, na 5a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
Relatório
No âmbito do Processo Comum (Colectivo) n° 2/16.5GMLSB corre termos no Juiz 1 do Juízo de Instrução Criminal de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi, após dedução da acusação, decretado o arresto de bens de vários arguidos, entre os quais do arguido/requerido BMM..., passando a correr por apenso àqueles autos o incidente de Arresto com o n° 2/...5GMLSB-B.
Notificado do arresto, o arguido/requerido BMM... deduziu oposição que veio a ser liminarmente indeferida.
Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs recurso pedindo que se revogue o despacho recorrido e seja o mesmo substituído por outro que admita e ordene a produção das provas indicadas e requeridas em sede de oposição ao arresto decretado e, consequentemente, fixe os factos provados e não provados.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
A. Vem o Arguido/Requerido interpor recurso por não se conformar com o douto Despacho proferido nos presentes autos, que julgou improcedente a oposição ao arresto requerido pela Digna Magistrada do Ministério Público e manteve a decisão de arresto anteriormente decretado.
B. Entende o Recorrente que a decisão do Tribunal o quo padece do vício de nulidade: por um lado, pela violação do dever de audição das provas requeridas; por outro, por se verificar a omissão de pronúncia e falta de fundamentação, devendo tal nulidade ser declarada, nos termos dos artigos 154° n° 1 e n° 2, 615° n° 1 alínea b), e 613° n 3 todos do CPC.
C. Em suma, entende o Recorrente que foram violados os princípios da garantia do direito de defesa e do contraditório, previstos, respetivamente, nos artigos 32° n° 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, tendo-lhe sido vedada a possibilidade de intervir, de contradizer e contra-alegar sobre os factos que lhe são imputados e que fundamentaram a decisão de arresto, na medida em que, o Dign° Tribunal o quo não considerou/analisou os factos novos alegados pelo Requerido e, tão pouco, admitiu a produção de meios de prova relativamente àqueles novos factos,
D. A acrescer ao facto de a decisão recorrida não se encontrar devidamente fundamentada, omitindo e não fixando os factos essenciais provados e não provados e a respetiva motivação de facto e de direito.
E. Não obstante, e ainda que não se entenda nos termos supra expostos, defende o Recorrente a inobservância dos pressupostos cumulativos que a Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, faz depender para o decretamento de tal providência, constantes da conjugação dos artigos 1°, 7°, 8°, 9° e 10°, todos do referido diploma, nomeadamente que o Arguido/Requerido tenha obtido uma vantagem patrimonial ilícita, ou que o mesmo pretendesse alienar ou sequer ocultar património, fruto de uma qualquer atividade criminosa, pelo que deverá a mesma ser revogada e nessa medida ser declarada totalmente improcedente, por não provado o requerimento apresentado pela Digna Magistrada do Ministério Público, e em consequência, ser ordenado o imediato levantamento do supra referenciado arresto decretado contra o ora Recorrente.
Posto isto,
F. Em sede de oposição ao decretamento da providência, o Arguido/Requerido, nos termos e para os efeitos do artigo 372° n° 1 alínea b) do CPC, alegou factos novos e solicitou a produção de provas não tidos em conta pelo Tribunal e suscetíveis de afastar ou, pelo menos, reduzir os fundamentos daquela providência.
G. Sucede que, incompreensivelmente, o Dign° Tribunal decidiu não levar a cabo qualquer diligência probatória, tendo ignorado os novos factos por si alegados e, consequentemente, a oportunidade de exercer o seu direito ao contraditório.
H. Razão pela qual, entende o Recorrente que o Dign° Tribunal a quo errou ao recusar a utilidade das provas indicadas, sendo a decisão em mérito, e ressalvado o devido respeito, nula, por preterição do direito de audição do Arguido, do direito de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afete, e do direito de juntar provas e requerer as diligências que entender convenientes à sua cabal defesa (sendo certo que, seria a ponderação do conjunto dessa mesma prova que iria permitir ao julgador manter a providência decretada, afastar os seus fundamentos ou determinar a sua redução, conforme, aliás, se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/03/2017, proferido no âmbito do Proc. n° 2522/16.2T8BRG-B.G1, disponível in www.dgsi.pt).
1. Por outro lado, também não se conforma o Requerido com o douta decisão sob escrutínio na parte em que a mesma não se mostra minimamemente fundamentada, não respondendo, nem mesmo indiretamente, ao conteúdo do requerimento de oposição interposto pelo aqui Recorrente, limitando-se a referir a «forte indiciação dos factos ilícitos constantes da acusação», ou seja, a promoção do Ministério Público, deixando sem qualquer apreciação, ponderação ou julgamento toda a factualidade nova descrita pelo Requerido.
J. Assim, não se compreende o porquê de o Dign° Tribunal não ter ponderado/avaliado os argumentos do Requerido, não tendo ordenado a realização de qualquer diligência probatória, não fixando os factos provados nem os não provados, não se pronunciando sobre nenhum dos factos invocados na oposição, nem motivou, quer de facto, quer de direito, a sua decisão.
K. Entendendo o Recorrente que o Dign° Tribunal a quo, ao omitir o 'julgamento dos novos factos alegados pelo Requerido, isto é, não dilucidando questões que lhe foram colocadas, não avaliando as provas, nomeadamente os ofícios solicitados às respetivas entidades bancárias, a eventual audição pessoal do Arguido, a inquirição das várias testemunhas, não fixando os factos provados nem não provados, não emitindo uma decisão por referência àquela oposição (que era o que estava em causa), omitiu o julgamento (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/04/2018, proferido no âmbito do Proc. n° 33/14.0TELSB-R.P1, disponível in www.dgsipt).
L. Sendo certo que a decisão se deve referir ao objecto do litígio e conter uma fundamentação suficiente para permitir o efectivo direito ao recurso, ao não ser assim interpretada, entende-se aquela norma como inconstitucional, o que desde já se invoca.
M. Pelo exposto, entendemos que a decisão de oposição ao arresto proferida é nula por violação dos artigos 154° n° 1 e n° 2, 372° n° 1 alínea b), 613° n° 3 e 615° n° 1 alínea b) do CPC e, ainda, os artigos 61° n° 1 alíneas b) e g), 228° e 379° n° 1 alíneas a) e c) do CPP e ainda os artigos 20° e 32° da CRP.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância pugnou pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. Em caso de dedução de oposição, o arrestado tem de se propor alegar factos ou trazer novos elementos de prova que não tenham sido tomados em consideração pelo Tribunal aquando do decretamento da providência, de molde a infirmar os fundamentos da anterior decisão ou reduzir os limites desta medida garantística que atingiu o seu património.
2. Como fundamento da defesa por oposição, poderá o requerido, em primeiro lugar, demonstrar que não há direito a acautelar, ou seja, que inexiste direito à perda alargada, alegando e demonstrando que não há crime, ou se o há, não consta do catálogo a que alude o art. 1°, ou ainda que inexistem fortes indícios da respetiva prática.
3. Poderá igualmente o requerido tentar demonstrar que não há património incongruente, ou se o há, é em medida inferior àquela que foi tomada ou apurada para efeitos de decretamento da providência, podendo alegar e comprovar, neste sentido, que todo o seu património tem uma proveniência lícita, ilidindo, no fundo, a presunção do art. 7°, n° 1 da Lei n° 5/2002, de 11 de janeiro, mediante comprovação dos requisitos a que aludem as als. a), b) e c) do art. 9°, n° 3 do mesmo diploma legal.
4. Tendo em conta os fundamentos susceptíveis de oposição ao arresto, logo se alcança que os fundamentos da oposição apresentados pelo recorrente em nado poderiam contrariar a decisão judicial.
5. Os fundamentos invocados não trazem elementos novos que não tivessem sido já ponderados na decisão que decretou o arresto e os que apresentou, mesmo provando-se, não têm capacidade de, nesta fase, infirmar os fundamentos da decisão.
6. A inquirição de testemunhas proposta pelo recorrente, a ser realizada nesta fase e para prova dos fundamentos invocados não era susceptível de fazer alterar a decisão.
7. A decisão que julgou improcedente a oposição explicou de forma fundamentada a inexistência de factos novos ainda não ponderados e que os meios de prova apresentados não se mostravam capaz de satisfazer o disposto no ad. 372°, n° 1, al. b) do CPC.
8. A decisão que indeferiu a oposição ao arresto está devidamente fundamentada e não violou qualquer dever de audição e por via dela violou o princípio do contraditório.
Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta subscreveu as contra-alegações do Ministério Público junto da primeira instância.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, procedeu-se à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
BMM..., arguido/requerido, nos termos
do disposto no art. 372°, n° 1, al. b), do CPC, deduziu a presente oposição ao arresto decretado em
que é requerente o MINISTÉRIO PÚBLICO
Após alegação concluiu, em síntese, nos seguintes termos:
Não ocultou á Autoridade Tributária rendimentos.
Todo o património do Arguido foi adquirido antes dos factos em investigação.
Com recurso a créditos, aforro pessoal lícito e ajuda de familiares.
Não se encontram tipificados factos que demonstrem de forma séria e credível que o
Arguido pretendesse alienar ou sequer ocultar património, eventualmente obtido de forma ilícita.
Como resulta da alínea b), do n° 1, do art° 388°, do CPC, o requerido deduz oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
Se assim for, em decisão que passará a constituir complemento e parte integrante da inicialmente proferida será decretada a redução ou revogação da providência anteriormente adoptada.
É pois necessário que o requerido demonstre, com êxito, que os fundamentos que serviram a anterior decisão foram reconhecidos em base factual apenas de uma parte da realidade, por referência à nova factualidade que apresenta e demonstra, numa perspectiva global da realidade e que apenas não foi alcançada porque não lhe foi dada oportunidade de defesa prévia - a este respeito veja-se ainda o comentário de LOPES DO REGO, ao respectivo preceito legal, em Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina.
Mais, é necessário que esse novo quadro global possa pôr em crise os fundamentos da providência. Só assim poderá o requerido, por meio de oposição, fazer reduzir ou revogar a providência.
Na verdade não se pretende com este modo de oposição facultado ao requerido, proporcionar uma qualquer forma de fazer sindicar o mérito (em primeira instância, de decisão da mesma instância) da decisão anteriormente proferida. A tal objectivo serve o disposto na alínea a), do art.º 388°, do CPC. Aqui tão só é legítimo conhecer de factos ou meios de prova novos.
É necessário que os novos factos concretos alegados, quando demonstrados, conduzam à inutilização dos fundamentos da decisão anteriormente proferida.
Neste caso concreto não se poderá afastar a circunstância de que a providência foi decretada com base na forte indiciação dos factos ilícitos constantes da acusação já deduzida e que, essencialmente, já havia sido analisada em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, onde o arguido teve oportunidade de se pronunciar, não se justificando um novo interrogatório nesta sede.
A prova considerada para a decretação do arresto, também não poderia ser confrontada com as inquirições agora sugeridas pelo arguido.
O arguido pretende aqui contestar indícios que foram analisados e valorados desde a respectiva apresentação para primeiro interrogatório e que ao longo de todo o inquérito não foram validamente infirmados, pelo que só a confrontação directa pela imediatividade e oralidade poderá vir a mostrar-se útil para o proferimento de uma decisão definitiva.
Porque a produção de prova sugerida não se mostra capaz de satisfazer o disposto no art. 372°, n° 1, al. b), do CPC, não deverá a mesma ter lugar nesta sede de oposição ao arresto decretado.
Nestes termos terá que improceder a presente oposição.
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, o recorrente alega que o despacho recorrido:
- violou o dever de audição das provas requeridas e os princípios da garantia do direito de defesa e do contraditório;
- é nulo por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.
Do dever de audição das provas requeridas...
Alega o recorrente que, tendo deduzido oposição ao arresto decretado, o Tribunal a quo não podia ter julgado improcedente a oposição antes de ter analisado os factos novos por si invocados e ouvido a prova requerida, susceptíveis de afastar, ou pelo menos reduzir, os fundamentos da providência.
O despacho recorrido indeferiu liminarmente a oposição deduzida pelo ora recorrente por considerar que os factos novos alegados, ainda que demonstrados, nunca serviriam para inutilizar os fundamentos da decisão de arresto.
Compulsados os autos verificamos que, por despacho proferido em 14.01.2019, e deferindo ao requerido pelo Ministério Público, após dedução de acusação, foi ordenado o arresto preventivo (perda clássica), de bens do recorrente BMM... com fundamento no disposto no art. 228° do Cód. Proc. Penal, art. 111°, n° 2, 3, 4 do Cód. Penal e arts. 391° a 393° do Cód. Proc. Civil. No mesmo despacho, e igualmente deferindo ao requerido pelo Ministério Público após dedução de acusação, foi ordenado o arresto de bens do recorrente BMM... pelo mecanismo da perda ampliada de bens com fundamento no disposto nos arts. 1°, n° 1 al. f), i) e j), 7°, 8° e 12°, todos da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro.
Para fundamentar o arresto preventivo (perda clássica), de bens do recorrente BMM... com fundamento no disposto no art. 228° do Cód. Proc. Penal, art. 111°, n° 2, 3, 4 do Cód. Penal e arts. 391° a 393° do Cód. Proc. Civil, disse o Tribunal a quo que:
O Ministério Público, deduziu acusação e requereu o arresto preventivo (cfr, 228° do CPP), nos termos do artigo 228° do Código de Processo Penal, artigos 111°, n°s 2, 3 e 4, do Código Penal, e nos art.s 391° a 393°, do Código de Processo Civil (quanto à perda clássica de bens), contra os arguidos:
(...) BMM..., a quem imputou em acusação deduzida a prática de 21 crimes de material de jogo (p. e p. pelo at. 115° da Lei n° 422/89, de 2/12), dois crimes de jogo fraudulento (p. e p. pelo art. 113° da Lei n° 422/89, de 2/12), um crime de favorecimento pessoal (p. e p. pelo art. 367°, n° 1 do C.P.), quatro crimes de fraude fiscal qualificada (p. e p. pelo art. 103°, n° 1, al. b), e n° 3, e 104°, n° 2, al. b) todos do R.G.I.T.), um crime de branqueamento (p. e p. pelo art. 368°-A, n° 1 e n° 2 do C.P.).
Alegou, em síntese, que desde data não concretamente determinada, mas seguramente anterior a 2016, que os arguidos AP..., FA... e JP..., a par do desenvolvimento da atividade legal desenvolvida em cada um dos estabelecimentos, colocaram em 3 dos seus estabelecimentos de restauração e bebidas, cuja atividade lícita lucrativa era diminuta, máquinas de jogo de fortuna ou azar, tendo como fim último o de obterem elevados ganhos em dinheiro.
Todos os ganhos obtidos pelos arguidos resultantes das máquinas de jogo foram ocultados das declarações fiscais apresentadas, por forma a impedir que a administração fiscal alcançasse a verdadeira matéria coletável.
Apesar de os arguidos, saberem que a colocação dessas máquinas é proibida e punida como crime em estabelecimentos que não eram casinos e para os quais não dispunham de qualquer licença, era seu propósito o desenvolvimento dessa atividade, da qual auferiam lucros.
Tais lucros não tributados foram posteriormente convertidos e dissimulados, com a aquisição de jogo lícito, imóveis, veículos e créditos bancários, estes pagos com os lucros provenientes das máquinas de jogo.
No que respeita ao fornecimento das máquinas de jogo, o arguido AP... solicitou o fornecimento de máquinas de jogo de fortuna ou azar ao arguido BMM..., o qual as colocou em funcionamento nos estabelecimentos CP… (pelo menos duas máquinas), RC… (pelo menos uma máquina) e NE… (pelo menos uma máquina).
Assim, os arguidos AP..., F... e BMM... exerceram desde 2013 uma atividade que lhes permitiu um volume de receitas que não é compatível com os fluxos financeiros refletidos nas respetivas declarações fiscais, tendo por consequência perdas de receitas para o Estado.
Tais proveitos omitidos resultaram da atividade de jogo ilícito (identificado como de jogo de fortuna ou azar) exercida nos estabelecimentos comerciais CP… e RC…;
Estas receitas, que não se encontram refletidas nas declarações de IRS dos arguidos AP..., F... e BMM..., importaram uma diminuição de receitas do Estado, respectivamente, em dívida por parte do arguido (...)BMM... a quantia de € 320.902,65, acrescida de juros à taxa legal, até efetivo pagamento.
(...)
O art° 228°, do CPP, estabelece, para alem do mais que:
Artigo 228.°
Arresto preventivo
1- A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto,
nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica,
fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
(...)
Por sua vez, o art. 408°, n° 1, do CPC dispõe que o arresto é decretado desde que se
mostrem preenchidos os requisitos legais - cfr. ainda o art° 619°, n° 1, do Cód. Civil.
Tais requisitos estão determinados no art° 406°, n° 1, do mesmo código, onde se refere que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do devedor.
São assim dois os requisitos legais da decretação do arresto: a existência de um crédito a favor do requerente; e a verificação de um receio justificado de perda da garantia patrimonial desse mesmo crédito.
É certo que, quanto ao primeiro dos requisitos referidos, o grau de certeza necessário para que se considere que o requerente demonstrou a existência do seu crédito não é idêntico ao grau de certeza necessário para convencer o julgador da existência do mesmo em sede de decisão final. Na verdade, atento o carácter célere do procedimento cautelar, decorrente da sua finalidade de composição provisória de interesses em litígio, não se poderia exigir a demonstração inequívoca do direito do requerido.
Para se considerar que o requerente é titular de um crédito basta que se verifique o fumus boni iuris, isto é, a prova sumária de um direito ameaçado, ou seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do direito alegado - assim os Acs. do STJ, de 24-05-83, BMJ, 327, 613; 23-01-86, BMJ, 353, 326.
Recorde-se, como acima referido, que nos termos do citado art° 408°, do CPC, examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.
A matéria constante da acusação, que acima se considerou suficientemente indiciada, é suficiente para indiciar a existência do crédito assim como para justificar o invocado receio ao que acresce nos termos alegados e suportados documentalmente, que os arguidos vêm dissipando património que transferem para a titularidade de terceiros. (...)
Para fundamentar o arresto de bens do recorrente BMM... pelo mecanismo da perda ampliada de bens com fundamento no disposto nos arts. 1°, n° 1 al. f), i) e j), 7°, 8° e 12°, todos da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, disse o Tribunal a quo que:
Mais requereu o Ministério Público a Perda Ampliada de Bens a Favor do Estado, ao abrigo dos artigos 1°, n° 1, alíneas t), i) e j), 7°, 8° e 12° da Lei n° 5/2002, de 11 de Janeiro, deduzindo a respectiva liquidação do património incongruente e o arresto dos bens nos termos do artigo 10° do mesmo diploma legal, contra os arguidos:
(...) 5. BMM..., (...), a quem em acusação deduzida imputou a prática 21 crimes de material de jogo (p. e p. pelo art. 115° da Lei n° 422/89, de 2/12), dois crimes de jogo fraudulento (p. e p. pelo art. 113° da Lei n° 422/89, de 2/12), um crime de favorecimento pessoal (p. e p. pelo art. 367°, n° 1 do C.P.), quatro crimes de fraude fiscal qualificada (p. e p. pelo art. 103°, n° 1, al. b), e n° 3, e 104°, n°2, al. b) todos do R.G.I.T.) e de um crime de branqueamento (p. e p. pelo art. 368°-A, n° 1 e n° 2 do C.P.).
Tendo o presente arresto fundamento diversos daquele que já foi apreciado importa aferir dos respectivos fundamentos,
Fundamentação
A fundamentação de facto a considerar é a mesma que acima ficou já mencionada.
Como decorre do disposto no art° 10°, n° 2, da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, o arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n° 1 do artigo 221° do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime, sendo que em tudo
o que não contrariar o disposto na citada lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal.
Por sua vez, o n° 1, do art° 228°, do CPP, ao regular os termos do arresto preventivo, estabelece como lei reguladora subsidiária, aquela que é prevista para o arresto nos termos da lei de processo civil.
Assim, também neste caso, não há lugar a contraditório prévio, tal como previsto no art° 408°, n° 1, do CPC, importando desde já analisar os fundamento invocados e proferir decisão.
Contra os arguidos acima elencados foi deduzida acusação para onde remeto integralmente.
Os elementos de prova acima elencados, também já analisados na decisão que decretou as medidas de coação a que se encontram sujeitos os arguidos, indiciam fortemente a prática pelos mesmos dos crimes que lhes são imputados.
O Ministério Público procedeu ainda à liquidação do património dos arguidos, nos seguintes termos: (...)
- o património a ser declarado perdido a favor do Estado do arguido BMM... ascende ao montante de € 656.520,66 indicado de presumível vantagem de atividade criminosa (seiscentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e vinte euros e sessenta e seis cêntimos). (€ 652.408,46 + 4.112,20).
Conforme já exposto no Ac. TRP de 11-06-2014 A perda de bens determinada pelo art. 7°, n° 1, da Lei n° 5/2012, de 11 de Janeiro, não incide propriamente sobre bens determinados, mas sobre o valor correspondente à diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
Foi esta a demonstração resultante da liquidação efectuada com base no quadro anexo elaborado de acordo com a documentação junta aos autos, pelo que a declaração de perda de bens haverá de incidir, com grande probabilidade sobre os referidos valores, importando acautelar a respectiva efectivação.
Estando fortemente indiciada a prática de crime de catálogo a que se refere a citada lei
e sendo a liquidação igualmente fundamentada e fortemente indiciada, impõe-se a procedência do requerido arresto.
(...) Pelo exposto decreto o arresto de bens dos arguidos que sejam suficientes para garantir o pagamento das quantias acima indicadas: (...)
Notificado deste despacho veio o requerido, ora recorrente, apresentar oposição dizendo que tal oposição era deduzida ao arresto preventivo preceituado no art. 228° do Cód. Proc. Penal e feita nos termos do disposto no art. 372°, n° 1, alínea b) do Cód. Proc. Civil (cfr. fls. 455 verso dos autos).
Pelo que, e desde logo, não deduziu o ora recorrente BMM... oposição ao arresto de bens ordenado ao abrigo do mecanismo da perda ampliada de bens, com fundamento no disposto nos arts. 1°, n° 1 al. f), i) e j), 7°, 8° e 12°, todos da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro (nem o despacho recorrido se pronunciou sobre a oposição ao arresto nestes termos, sendo por isso incompreensível a conclusão E. do recurso apresentado).
E para deduzir oposição ao arresto preventivo (perda clássica) o ora recorrente BMM... alegou: factos relativos à sua actividade/percurso profissional, as circunstâncias em que foram adquiridos os seus bens (veículos automóveis e imóvel) e factos relativos à origem dos seus rendimentos (incluindo dádivas em dinheiro dos seus sogros e pai); justificou ainda os elementos bancários que constam do processo, impugnando a liquidação efectuada e dizendo que os depósitos regulares efectuados não são provenientes de qualquer actividade ilícita por si levada a cabo. Nega que o Requerente tenha sobre si qualquer direito de crédito uma vez que não ocultou rendimentos à Autoridade Tributária e que inexistem factos que demonstrem de forma séria e credível que tenha pretendido alienar ou sequer ocultar património.
Sobre esta oposição, recaiu o despacho recorrido.
Ora o despacho recorrido indeferiu liminarmente a oposição apresentada afirmando que o arguido/requerido e ora recorrente não alegou factos, nem se propôs produzir meios de prova, não tidos em conta pelo tribunal e que pudessem afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
Dispõe o n° 1 do art. 372° do Cód. Proc. Civil sob a epígrafe contraditório subsequente ao decretamento da providência (normativo correspondente ao art. 388° do Cód. Proc. Civil de 1961) que quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.° 6 do artigo 366. °: a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.° e 368.º.
Analisando o teor da oposição deduzida pelo recorrente, não podemos deixar de concordar com os termos do despacho recorrido, que aqui damos por reproduzido.
Os requisitos legais da decretação do arresto são a existência de um crédito a favor do requerente e a verificação de um receio justificado de perda da garantia patrimonial desse mesmo crédito — sendo certo que a existência do crédito, para que seja ordenada a providência, se basta com a probabilidade séria da sua existência (fumus boni iuris).
O arresto preventivo a que alude o art. 228° do Cód. Proc. Penal é um meio de garantia patrimonial. Através da utilização deste mecanismo o alegado credor não pretende o arresto de bens que tenham sido adquiridos de forma ilícita, mas o arresto de bens do alegado devedor por forma a garantir a satisfação do seu crédito.
Em causa está a matéria indiciada nos autos — e expressa na acusação de que o arguido BMM..., e outros, exerceram desde 2013 uma actividade de jogo ilícito que lhes permitiu um volume de receitas não compatível com os fluxos financeiros reflectidos nas respectivas declarações fiscais, tendo por consequência perdas de receitas para o Estado.
A oposição ao arresto deduzida, com referência aos anos de 2013 e seguintes, apenas alega algumas (poucas) dádivas recebidas e que a movimentação bancária não provém de actividade ilícita mas da necessidade do arguido de aumentar o seu cash-flow.
Pelo que, como se afirma no despacho recorrido, os factos alegados, ainda que demonstrados, nunca serviriam para inutilizar os fundamentos da decisão de arresto, sendo por isso inútil a produção de prova apresentada.
Assim, não houve violação do dever de audição das provas requeridas porque esse dever não existe se for evidente que a pretensão do apresentante das provas não pode proceder — aliás, a não realização de actos inúteis é um dever que se impõe.
Este entendimento não viola os princípios constitucionais da garantia do direito de defesa e do contraditório com previsão nos arts. 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa, pois que os princípios da garantia do direito de defesa e do contraditório estão sujeitos a utilização dos mecanismos legalmente previstos e nos termos legalmente previstos.
Da nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação...
Alega o recorrente que a decisão recorrida não está devidamente fundamentada e omite a fixação dos factos provados e não provados e a respectiva motivação de facto e de direito, com violação do disposto no art. 379°, n° 1, alíneas a) e c) do Cód. Proc. Penal.
A primeira coisa que urge realçar é que a decisão recorrida não é uma sentença, mas um despacho.
Contudo, qualquer decisão judicial (que não seja de mero expediente) tem que ser fundamentada, como determina o n° 5 do art. 97° do Cód. Proc. Penal.
Tal normativo está em plena consonância com o disposto no n° 1 do art. 205° da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual (a)s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na ler (fundamentação que, como referem Jorge 'Miranda e Rui' Medeiros — Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 70 — tem uma dupla função de carácter subjectivo, de garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários, e uma função de carácter objectivo, de pacificação social, legitimidade e auto-controle das decisões).
Esta exigência de fundamentação bem se compreende, na medida em que as decisões dos Juizes têm que ter na sua base um raciocínio lógico e argumentativo que possa ser entendido pelos destinatários da decisão, sob pena de não se fazer justiça.
Assim, todas as decisões judiciais, quer sejam sentenças quer sejam despachos, têm que ser sempre fundamentadas, de facto e de direito, como exige o art. 97° do Cód. Proc. Penal (cfr. o n° 1 e o n° 5 deste normativo).
No entanto, e em princípio, os despachos não exigem o mesmo grau de fundamentação que é exigido por uma sentença.
Defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 72 e 73) que a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Por isso estabelecem os arts. 374° e 379° do Cód. Proc. Penal requisitos especialmente exigentes, para as sentenças, que não se aplicam aos despachos.
No caso em análise, e ao contrário do que alega o recorrente, não tinha o despacho que proceder à fixação dos factos provados e não provados — e motivar a decisão —pois que se trata de um despacho liminar, que não conhece do mérito do alegado, limitando-se a indeferir o requerido por impossibilidade de procedência da pretensão.
De resto, está o despacho devidamente fundamentado, não existindo qualquer nulidade.
Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.
Lisboa, 26.11.2019 (processado e revisto pela relatora)
(Alda Tomé Casimiro)
(Anabela Simões Cardoso)