I - Do texto da própria lei, doutrina e jurisprudência maioritárias resulta que o prazo de encerramento do inquérito previsto no artigo 276.° do CPP é um prazo meramente ordenador dos actos do processo. Assim, a ultrapassagem do prazo de encerramento do inquérito apenas confere direito de ser requerida a aceleração processual, o apuramento da responsabilidade disciplinar que, ao caso, couber, e cessação do segredo de justiça, pelo que, em consequência, o excesso dos referidos prazos não produz a inexistência, nulidade ou ineficácia dos actos praticados decorrido os prazos do inquérito.
II - O único prazo legalmente previsto para o procedimento criminal que importa a extinção do direito do Estado perseguir criminalmente as pessoas (singular ou colectivas) é o instituto da prescrição previsto no Código Penal.
III - No que se reporta à tempestividade da declaração da excepcional complexidade do procedimento decorre do n° 4 do art. 215° do CPP que tal declaração pode ter lugar em qualquer uma das fases do processo, durante a primeira instância [na fase de inquérito e de instrução cabe ao Juiz de instrução e na fase de julgamento ao Juiz do julgamento], não se limitando a tempestividade de tal declaração à duração da fase de inquérito. Temos, assim, que a lei processual penal consagra que a declaração seja feita durante a Ia instância, isto é, mesmo após a prolação da sentença / acórdão, mas antes da remessa dos autos ao Tribunal Superior.
Proc. 4993/13.0TDLSB-F.L1 5ª Secção
Desembargadores: Anabela Simões - Cid Geraldo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Tribunal da Relação de Lisboa
5ª Secção
Processo n° 4993/13.0TDLSB-F.L1
Acordam, em conferência, os Juízes da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
1. Nos Autos de Inquérito (Actos jurisdicionais) n° 4993/13.0TDLSB, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa (Juiz 2), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que são arguidos, entre outros, JMA... e FGP..., por despacho de 19 de Julho de 2019, foi declarada a especial complexidade do processo e, consequentemente, elevado o prazo de duração máximo da prisão preventiva, bem como o prazo de encerramento do inquérito, para 12 meses.
2. Inconformados com tal decisão, os mencionados arguidos, JMA... e FGP..., interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) Estes autos de inquérito tiveram origem numa denúncia anónima enviada a várias
entidades, e desde 26-06-2013 que começou a correr a fase de inquérito contra os Recorrentes enquanto gerentes da Escola de Condução SL... e da Escola de Condução D...; b) desde Junho de 2013, que se apurou quem eram os Recorrentes os gerentes da sociedade comercial que explorava as referidas Escolas de Condução;
c) Ora, no caso em apreço, o prazo para o encerramento de inquérito seria de 14 meses (alínea a. do n° 3 do artigo 276° do Cód. Processo Penal), uma vez que não havia arguidos privados da liberdade.
d) quando os arguidos foram detidos fora de flagrante delito, em 28 de Maio de 2019, já tinha decorrido por inteiro o prazo para o M° P° encerrar o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação.
e) Ora, se em sede de direitos disponíveis os prazos para o exercício do direito são de caducidade, mal se compreenderia que em sede de processo penal, em que estão em causa direitos, liberdades e garantias, máxime, o direito fundamental à liberdade, se não entendesse serem de caducidade os prazos para encerramento de inquérito.
j) Concluímos pois, que o prazo de conclusão do inquérito, é um prazo de caducidade.
g) Tratando-se de um prazo de caducidade, não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine expressamente.
h) Conforme previsto no artigo 107° n° 3, do CPP, a prorrogação de tais prazos de inquérito, como de quaisquer outros prazos estabelecidos no código, só pode ter lugar sendo invocado e provado, nos termos previstos nessa norma, justo impedimento, o que o titular do inquérito não fez.
i) E tendo decorrido esse prazo por inteiro, já não pode o M°P° requerer a prorrogação do prazo para finalizar o inquérito através do recurso à declaração de excepcional complexidade prevista no art° 215°, n° 3 do Código do Processo Penal
j) Se o prazo para terminar o inquérito já estava esgotado, a declaração de especial complexidade não tem a virtualidade de renovar um prazo que já decorreu por inteiro.
k) pelo que, e nessa senda, já não era possível ao JIC proferir decisão a declarar o processo de especial complexidade.
i) deverá assim ser revogado o despacho do Mmo JIC que declarou o processo de especial complexidade.
m) Neste sentido se pronunciou este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, por douto Ac. de 09-07-2015, proc. n.° 213/12.2TELSB -F.L1-9, inwww.dgsipt
3. Admitido o recurso com subida imediata, em separado, com efeito meramente devolutivo, respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público pugnando pela sua improcedência e confirmação do decidido.
Formulou as seguintes conclusões na resposta à motivação do recurso interposto:
O presente inquérito, registado neste DIAP em 2.07.2013.
2. A factualidade inicialmente denunciada integrava desde logo a prática, pelo menos, dos crimes de falsificação de documento e crime de corrupção activa e passiva, ilícitos p. e p. pelos arts. 256°, 373° e 374° do Código Penal.
3. Somente em meados de 2018, e em resultado das diligências de investigação, entretanto realizadas, passa a constar dos autos referência às sociedades D..., Escola de Condução e Formação, Lda e S…, Escola de Condução e Formação, Lda., sociedades que apresentam, em termos registais, os arguidos FGP... e JMA..., na qualidade de sócios gerentes.
4. Por despacho judicial proferido em 19.07.2019 (a fls. 5175) foi reconhecida e declarada a especial complexidade do processo, considerando o número de visados já determinado - 381 - não sendo possível sequer a simples audição isolada de cada um deles, mas mostrando-se necessária a análise da respectiva documentação, incluindo a análise informática dos dados dos mesmos, é notória a vastíssima actividade investigatória a realizar, de extensão apreciável, muito para além do possível dentro do prazo normal do inquérito.
5. No caso presente, atenta a data do registo inicial do inquérito (2.07.2013) bem como a criminalidade objecto da presente investigação, o prazo de duração máxima do inquérito é de 14 meses (até 2/9/2014), nos termos do disposto no art. 276°, n° 4 segunda parte, n° 3, al. a) em conjugação com o disposto no art. 215°, n°2, al. d) do Código de Processo Penal
6. Entendemos, porém, que os prazos de inquérito estabelecidos pelo art. 2769 do CPP têm natureza ordenador•a ou disciplinar e,
7. em consequência o excesso dos referidos prazos não produz a inexistência, nulidade ou ineficácia dos actos praticados decorrido os mesmos.
8. A título meramente exemplificativo refere-se, nesta particular questão, o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 22-02-2017 no âmbito do proc. n° 122/13.8TELSB-AG.L1 — 3° secção (Desembargadora Relatara: Maria Elisa Marques).
9. No que se reporta à tempestividade da declaração da excepcional complexidade do procedimento, decorre do n°4 do art. 215° do CPP que tal declaração pode ter lugar em qualquer uma das fases do processo durante a primeira instância, não se limitando a tempestividade de tal declaração à duração da fase de inquérito.
10. Acórdão do STJ proferido em 30.04.2008 no âmbito do proc. n° 08P1504: V- Em qualquer das fases do processo - inquérito, instrução ou julgamento - a excepcional complexidade pode ser declarada pelo juiz oficiosamente e, portanto, também pelo juiz de instrução, nomeadamente no reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou sempre que necessário.
1 I . Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 9.05.2019, no âmbito do processo n° 257/18.0GCMTJ-AV.L1-9 (Desembargador relator: Almeida Cabral), disponível em www.dgsipt:111- A declaração de especial complexidade do procedimento não se reporta exclusivamente à fase de inquérito, nem tem que ser requerida ou determinada naquela fase processual, tendo como objectivo o alargamento dos prazos da prisão preventiva até ao trânsito em julgado da decisão de condenação. O que sucede é que a decisão de conferir ao procedimento aquela especial complexidade na I instância é, normalmente, requerida em inquérito e são referidas, então, as circunstâncias relevantes para a elevação dos prazos da prisão preventiva, logo desde essa primeira fase processual, mas tal não implica que, aquelas circunstâncias deixem de se verificar no final do inquérito, e logo que se deixe de verificar, também, a especial complexidade do procedimento.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, o Ex.° Senhor Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso e subsequente manutenção da decisão recorrida.
5. O objecto do recurso, considerando as conclusões, versa sobre as seguintes
questões:
- Natureza do prazo de duração do inquérito (art.276° do CPP);
- Prazo para a declaração da excepcional complexidade do procedimento (art. 215° n° 4 do CPP).
6. O despacho recorrido é do seguinte teor:
Hl. Excepcional complexidade do processo.
O Ministério Público requereu a declaração de excepcional complexidade do processo
considerando a extensão da prova testemunhal /por declarações a recolher, o número de envolvidos e a
quantidade apreciável de diligências de análise documental e pericial (informática) de investigação decorrentes de tal extensão.
Os arguidos apenas se pronunciaram genericamente referindo que ainda não se justifica o requerimento do Ministério Público ou que a investigação vai ser mal sucedida.
Nos presentes autos investiga-se a prática dos crimes de falsidade informática, corrupção activa e passiva, falsificação de documento, atestado falso, violação segredo de funcionário e associação criminosa, ilícitos p. e p. pelo art. 3° da Lei n° 109/2009 de 15.09 (Lei do Cibercrime), arts. 373° e 374°, 256°, n°1, als. a) e e), 4, 260°, 383° e 299°, em articulação com o disposto no art. 386°, n°1 als. b) e d), todos do Código Penal,
A declaração de excepcional complexidade, para os efeitos previstos nos arts. 276. °, n.°3, b) e c), do Código de Processo Penal, tendo, embora, em conta o número de arguidos ou envolvidos e a actividade deslocalizada da investigação em investigação, não se mostra só por si automaticamente fundamentada por esses elementos genéricos, havendo que considerar as diligências de investigação concretamente necessárias às sua realização (Acórdão do Tribunal da Relação de 4 de Outubro de 2010, proferido no processo n.° 272/11.5TELBB-C.L1-9, integral em www.dqsi.pt), assumindo-se que as mesmas são impossíveis ou absolutamente desrazoáveis de realizar nos prazos normais do inquérito (Acórdão do Tribunal da Relação de 22 de Outubro de 2009. proferido no processo n.° 1965/06.4PCSNT-B.L1-9, integral em www,dasipt).
Tendo em conta tais critérios, considerando o número de visados já determinado - 381 -, não sendo possível sequer a simples audição isolada de cada um deles, mas mostrando-se necessária a análise da respectiva documentação, incluindo a análise informática dos dados dos mesmos, é notória a vastíssima actividade investigatória a realizar, de extensão apreciável, muito para além do possível dentro do prazo normal do inquérito.
Assim, ponderando a quantidade de diligências que se vislumbram necessárias, com reflexo claro na determinação da extensão da actividade criminosa em investigação, ao abrigo do disposto nos arts. 276.°, n. °1 e n. °3, c), 215.0, n.°2, d), n.°3 e n.°4, do Código de Processo Penal - por referência aos termos da promoção do Ministério Público que aqui se sustenta integralmente - declaro a excepcional complexidade dos autos.
Tendo em conta tal declaração o prazo máximo da prisão preventiva passa até ser deduzida a acusação passa a ser de 12 meses desde o seu decretamento (art. 215.0. n.°4. do Código de Processo Penal).
Considerando que os autos se encontram em inquérito e em segredo de justiça apenas o Ministério Público poderá comunicar o prazo do inquérito, como requerido pelo arguido a fls. 4876 e 4877.
Notifique.
7. Apreciação das questões que se suscitam neste recurso:
Invocam os recorrentes a extemporaneidade da decisão de declaração de excepcional complexidade do processo, porquanto foi proferida após o decurso do prazo para encerramento do inquérito.
Conhecendo:
Nos presentes autos investiga-se a prática dos crimes de falsidade informática, corrupção activa e passiva, falsificação de documento, atestado falso, violação segredo de funcionário e associação criminosa, ilícitos p. e p. pelo art. 3° da Lei n° 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime), arts. 373° e 374°, 256°, 1101, als. a) e e), 4, 260°, 383° e 299°, em articulação com o disposto no art. 386°, n°1 als. b) e d), todos do Código Penal.
O presente inquérito foi registado no DIAP em 2.07.2013.
Somente em meados de 2018, e em resultado das diligências de investigação, entretanto, realizadas, passa a constar dos autos referência às sociedades D..., Escola de Condução e Formação, Lda e S..., Escola de Condução e Formação, Lda., sociedades que apresentam, em termos registais, os arguidos, FGP... e JMA..., na qualidade de sócios gerentes.
Sob a epígrafe Prazos de duração máxima do inquérito o art. 276°, n°1, do CPP determina:
1. O Ministério Publico encerra o inquérito, nos prazos máximos de seis meses, se houver
presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de oito meses, se não os houver. (..)
3. O prazo de oito meses referido no n° 1 é elevado:
a) Para 14 meses quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no n° 215°, n°2.
4. Para efeitos do disposto nos números anteriores, o prazo conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou que se tiver verificado a constituição de arguido.
No caso presente, o prazo de duração máxima do inquérito é, assim, atenta a criminalidade objecto da investigação, de 14 meses — art. 276° n° 1, segunda pate, n° 3 al. a) em conjugação com o disposto no art. 215° n° 2 al. d) todos do CPP.
Comecemos, então, em face das questões suscitadas, por tentar compreender qual a natureza do prazo estabelecido pelo art° 276° do CPP.
Defende o recorrente que estamos perante prazo de caducidade, cujo decurso determinará a preclusão da possibilidade de ser deduzida acusação.
Por sua vez, o Digno Magistrado do Ministério Público, na sua resposta, defende que estamos perante prazo meramente ordenador dos actos do inquérito.
Ora, do texto da própria lei, doutrina e jurisprudência maioritárias resulta que o prazo de encerramento do inquérito previsto no artigo 276.° do CPP é um prazo meramente ordenador dos actos do processo.
Com efeito, e como bem se refere no Acórdão do TRC proferido em 26.10.2016 no âmbito do proc. n° 5/13.1IDCTB-B.C1, disponível em www.dgsi.pt: não estamos
perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um direito, mas antes, perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um poder-dever vinculado do titular da acção penal, no caso. Daí poder retirar-se que estamos perante norma programática que mais não pretende do que fixar ao agente titular desse poder funcional um prazo para o encerramento do inquérito, sob pena de eventual responsabilidade disciplinar. Como diz Maia Gonçalves, em anotação a este artigo do CPP, «os prazos máximos de duração do inquérito não são peremptórios, pois não é possível demarcar o tempo e uma investigação. As diligências praticadas para além desses prazos são válidas. Porém, um excesso para além do que é razoável pode desencadear responsabilidade disciplinar e um incidente de aceleração processual.
Assim, a ultrapassagem do prazo de encerramento do inquérito apenas confere direito de ser requerida a aceleração processual, prevista no artigo 108.° do CPP, o apuramento da responsabilidade disciplinar que, ao caso, couber, e cessação do segredo de justiça, nos termos dos nos 6 a 8 do artigo 276.° e artigo 89.°, n.° 6, ambos do CPP, pelo que, em consequência, o excesso dos referidos prazos não produz a inexistência, nulidade ou ineficácia dos actos praticados decorrido os prazos do inquérito, como sustentam os recorrentes.
O único prazo legalmente previsto para o procedimento criminal que importa a extinção do direito do Estado perseguir criminalmente as pessoas (singular ou colectivas) é o instituto da prescrição previsto no Código Penal.
Neste sentido, como bem indicou a Digna Magistrada do Ministério Público, na resposta ao recurso, decidiram, entre outros:
- O Tribunal Constitucional no seu acórdão n° 294/2008, publicado no DR n° 125/2008, Série II, de 2008-07-01, pronunciou-se sobre a questão aqui discutida, nos seguintes termos:
O artigo 276° do CPP determina, na verdade, a fixação de prazos de duração máxima do inquérito, de acordo com a situação do arguido, o tipo legal de crime e a complexidade da respectiva investigação, podendo o Procurador-Geral da República determinar, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, a aplicação do regime de aceleração processual, nos termos do artigo 109°, quando tenham sido ultrapassados esses prazos. Todavia, a única consequência que decorre do incumprimento desses prazos, ou daqueles que forem fixados em aplicação do mecanismo previsto no artigo 109°, é a agora estabelecida no artigo 89°, n.° 6, do CPP, na redacção da Lei n.° 47/2007, de 27 de Agosto (que se entende ser imediatamente aplicável), que se traduz na possibilidade de levantamento
do segredo de justiça, a requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido. (sublinhado nosso)
- O Acórdão do TRC, proferido em 26.10.2016, no âmbito do proc. n° 5/13.1IDCTB-B.C1, a que já acima nos referimos, disponível em www.dgsi.pt., dispõe no referido sumário:
O permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração
de cada uma das fases processuais (cf artigo 108.° do CPP), o legislador está a atribuir aos prazos fixados no artigo 276°, n. °s 1, 2 e 3, do referido diploma, uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial; consequentemente, não detêm tais prazos qualquer natureza preclusiva do poder dever consagrado no n.° 1 daquele normativo.
- O Acórdão do TRL, proferido a 22-02-2017, no âmbito do proc. n°
122/13.8TELSB-AG.L1, refere:
Os prazos máximos de duração do inquérito não são peremptórios, pois não é possível demarcar o tempo e uma investigação. As diligências praticadas para além desses prazos são válidas. Um excesso para além do que é razoável pode desencadear apenas responsabilidade disciplinar e um incidente de aceleração processual.
Não assiste, pois, qualquer razão aos recorrentes.
No que se reporta à tempestividade da declaração da excepcional complexidade do procedimento decorre do n° 4 do art. 215° do CPP que tal declaração pode ter lugar em qualquer uma das fases do processo, durante a primeira instância [na fase de inquérito e de instrução cabe ao Juiz de instrução e na fase de julgamento ao Juiz do julgamento], não se limitando a tempestividade de tal declaração à duração da fase de inquérito.
Temos, assim, que a lei processual penal consagra que a declaração seja feita durante a 1ª instância, isto é, mesmo após a prolação da sentença / acórdão, mas antes da remessa dos autos ao Tribunal Superior.
Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção dos Direitos do Homem, p. 280, pontos 11,12 e 14; 23 ed. actualizada, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2008, em anotação ao disposto no art. 107°, n° 6 do CPP (referente ao procedimento que revelar excepcional complexidade) refere expressamente:
A lei regula o incidente da declaração de excepcional complexidade de modo esparso. Não há
um regime geral que regule a competência, legitimidade, tempestividade e os efeitos da declaração de excepcional complexidade. Mas podem ser deduzidas as seguintes regras da lei:
Só o juiz de primeira instância pode declarar a excepcional complexidade: na fase de inquérito e na de instrução cabe ela ao juiz de instrução; na fase de julgamento cabe ao juiz presidente.
A declaração de complexidade pode ser feita já depois de proferida sentença condenatória (Acórdão do STJ, de 1.7.1993, in BMJ, 429, 627) e pode mesmo ser declarada pelo TR (acórdão do TC
n° 287/2005 na sequência do acórdão do TC n° 686/2004) .
Neste sentido, decidiram, também, entre outros:
- Acórdão do STJ proferido em 30.04.2008 no âmbito do proc. n° 08P1504:
V- Em qualquer das fases do processo - inquérito, instrução ou julgamento - a excepcional complexidade pode ser declarada pelo juiz oficiosamente e, portanto, também pelo juiz de instrução, nomeadamente no reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou sempre que necessário.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 9.05.2019, no âmbito do processo n9 257/18.0GCMTJ-AV.L1-9 (Desembargador relator: Almeida Cabral), disponível em www.dgsi.pt:
IR- A declaração de especial complexidade do procedimento não se reporta exclusivamente à
fase de inquérito, nem tem que ser requerida ou determinada naquela fase processual, tendo como objectivo o alargamento dos prazos da prisão preventiva até ao trânsito em julgado da decisão de condenação. O que sucede é que a decisão de conferir ao procedimento aquela especial complexidade na 1 a instância é, normalmente, requerida em inquérito e são referidas, então, as circunstâncias relevantes para a elevação dos prazos da prisão preventiva, logo desde essa.primeira fase processual, mas tal não implica que, aquelas circunstâncias deixem de se verificar no final do inquérito, e logo que se deixe de verificar, também, a especial complexidade do procedimento.
Pode, desta forma, se concluir que o Mm° Juiz da 1ª instância proferiu, em tempo oportuno, o despacho de que se recorre.
Face ao exposto, não assiste qualquer razão aos recorrentes, mantendo-se o despacho recorrido, por não ter sido violada qualquer das disposições legais invocadas pelos mesmos, termos em que se conclui pela confirmação do decidido e consequente improcedência do recurso.
8. Decisão:
Em conformidade com quanto fica exposto, acordam os Juízes da 5a Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em confirmar a decisão recorrida e julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos JMA... e FGP....
Condena-se cada um dos recorrentes em 4 (quatro) UCs de taxa de justiça.
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Lisboa, 26 de Novembro de 2019
Relatora: Anabela Simões Cardoso
Adjunto: Cid Geraldo