Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 06-12-2023   Extinta pelo cumprimento, a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, nos termos do art.º 475 do CPP.
A pena acessória de inibição de conduzir, quando o arguido não seja titular de carta de condução, inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Proc. 115/21.1PEOER-A.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Maria Antónia Rodrigues Andrade - Cristina Almeida e Sousa - -
Sumário elaborado por Paula Costa Pereira
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Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Nos presentes autos de processo abreviado, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo Local Criminal de Oeiras - Juiz 2, NUIPC 115/21.1PEOER, em que é arguido AAA, foi em 6/10/2022, proferido despacho que os autos, aguardassem por um ano e após fosse, solicitada informação atualizada sobre a titularidade de carta de condução do condenado.
Inconformado com o despacho proferido, veio o Ministério Público interpor o presente recurso formulando, após a motivação, as conclusões, que de seguida se transcrevem:
“II - CONCLUSÕES
1. O arguido foi condenado nestes autos pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n..ºs 1 e 2, do DL n..º 2/98, de 03.01, e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n..º 1, e 69.º, n..º 1, al. a), do Código Penal;
2. À data do trânsito em julgado da sentença, o condenado não era possuidor de título válido que o habilitasse a conduzir veículos com motor, situação que se manteve até 05.09.2022, data da última informação obtida junto do IMT;
3. O período, in casu, de 12 meses de proibição de conduzir iniciou-se com o trânsito em julgado da sentença, que ocorreu no dia 01.09.2021.
4. Decorrido aquele período de 12 meses sem que o arguido tivesse obtido, entretanto, habilitação para conduzir, deve a pena acessória respetiva ser declarada extinta pelo cumprimento, nada justificando que os autos aguardem a eventual extinção daquela por efeito da prescrição.
5. O entendimento subjacente ao despacho de que ora se recorre, é violador do disposto no artigo 69..º, n..ºs 2 e 3, do Código Penal, conjugado com os artigos 26..º, do Código da Estrada, e 18..º, n..º 1, alínea e), do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (RHLC) e artigos 500..º, n..ºs 1 e 2, e 475..º, do Código de Processo Penal, pois não é exigível ao condenado que não é portador de título válido proceder à entrega do mesmo para que só assim se possa iniciar o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir;
6. Não é de exigir, também, para que se inicie o cumprimento da pena acessória, que o arguido (não possuidor de título válido) obtenha, entretanto, esse título e o entregue nos termos do disposto naquele artigo 69..º, n..º 3, do Código Penal;
7. Perante a inexistência de título válido para conduzir, não há que aguardar pelo decurso do prazo da extinção da pena, por prescrição, porquanto, se assim fosse, qualquer arguido que não possuísse titulo de condução ficaria impossibilitado de habilitar-se à condução pelo período de prescrição;
8. Face à inexistência de título válido, apenas há que aguardar pelo decurso do prazo de proibição fixado na sentença, contado desde o respectivo trânsito em julgado. Decorrido este deve declarar- se cumprida, e assim extinta, a pena acessória;
Termos em que, concedido provimento ao presente recurso, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que determine a extinção, pelo cumprimento, da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.”

Na primeira instância notificado o arguido nada disse.

Nesta Relação pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer do seguinte teor:
“Inconformado com o despacho da M.ª juiz a quo que lhe nega reconhecer a extinção de pena acessória de inibição de conduzir, recorre o MP ao Tribunal da Relação de Lisboa, em demanda de melhor justiça.
Fá-lo por meio de recurso bem estruturado, expondo o thema decidendum de forma escorreita e clara, apoiando-se em basta e consolidada jurisprudência e propondo a justa composição do diferendo ante Vós exposto.
O signatário acompanha o recurso e pugna igualmente pelo seu vencimento,
O assunto em litígio reside no juízo a tirar sobre o início e termo da pena acessória de inibição de conduzir, quando o arguido não é titular de título de condução válido, ou sendo, vê esse título perder validade no entretanto.
A tese do tribunal a quo redunda na consequência calamitosa para os direitos e garantias do cidadão exposto perante a jurisdição penal, que a seguinte frase, extraída de um dos muitos acórdãos que o recorrente cita – mas encontrada noutros disponíveis na net – revela:
A interpretação do Tribunal a quo resulta, em termos efectivos, que independentemente da concreta pena acessória aplicada, qualquer arguido que não possuísse titulo de condução ficaria impossibilitado de habilitar-se à condução pelo período de quatro anos, o que viola os mais basilares princípios que regem a aplicação da pena, nomeadamente a proporcionalidade, adequação e máxima inultrapassável de que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Efectivamente, a M.ª juiz a quo defende que não estando o arguido inibido titulado a conduzir, haverá então que se aguardar que o mesmo se habilite – o que as normas legais, aliás, impedem – para se iniciar a contagem da execução da pena acessória.
A (cremos) pacífica e unânime jurisprudência, a bondade do recurso do MP e a boa hermenêutica jurídica levarão V.ªs Exas., assim o esperamos, a dar ao recurso o merecido provimento.
Não obstante e como é de costume, a final V.ªs Exas. melhor dirão.”
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos remetidos à conferência -cfr. Artº 419º nº3, al. b) do CPP-.
Cumpre apreciar e decidir.
II– Fundamentação.
Objeto do recurso.
Como se extrai do artº 412.º nº1 do Código de Processo Penal e da Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respetiva motivação, nas quais o mesmo sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo, das questões de conhecimento oficioso, que eventualmente existam.
No caso em apreço, atentas as conclusões apresentadas pelo(s) recorrente(s), a questão a apreciar e decidir, é a seguinte:
. A extinção da pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido, deve ser declarada extinta, pelo cumprimento, após terem decorrido doze meses sobre a data de trânsito em julgado da sentença, ou o cumprimento de tal pena acessória poderá apenas ter início com a obtenção de licença de condução válida e a sua entrega nos autos, ou em alternativa, com a prescrição da pena?
III - A Decisão Recorrida
No decurso do processo suprarreferido em 6/10/2022, foi proferido o seguinte despacho, de que vem, pelo Ministério Público, interposto o presente recurso.
“Tomei conhecimento do expediente que antecede.
Atento o apurado, por ora, não se mostra possível executar o cumprimento da pena acessória aplicada, pelo que, sem prejuízo da promoção de 09/03/2022, determina-se que aguardem os autos, quanto a tal, por 1 ano e, após, solicite informação actualizada sobre a titularidade de carta de condução do condenado.
Mais se determina a extracção de certidão dos presentes autos, relativamente a auto de notícia, acusação, despacho de recebimento, sentença proferida com nota de trânsito em julgado, informação do IMT que antecede e do presente despacho e remeta aos serviços do Ministério Público, junto deste Tribunal, para apuramento da responsabilidade criminal do condenado quanto a um crime de condução sem habilitação legal.”
III. 1-. . A extinção da pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido, deve ser declarada extinta, pelo cumprimento, após terem decorrido doze meses sobre a data de trânsito em julgado da sentença, ou o cumprimento de tal pena acessória poderá apenas ter início com a obtenção de licença de condução válida e a sua entrega nos autos, ou em alternativa, com a prescrição da pena?
Com vista à apreciação do presente recurso, importa ter presente que conforme resulta da tramitação dos autos o arguido o arguido AAA foi condenado pela prática, como autor material de um crime de desobediência simples, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 152.º n.º 3 do Código da Estrada e 358.º n.º 1 al. a) do Código Penal, na pena de 9 (NOVE) MESES DE PRISÃO, suspensa na sua execução pelo período de três anos, COM REGIME DE PROVA (...). Tendo ainda sido condenado na PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUÇÃO DE VEÍCULOS MOTORIZADOS, nos termos preceituados no artigo 69.º n.º 1 al. c) do Código Penal, PELO PERÍODO DE 12 (DOZE) MESES.
Na sentença foi determinado que o arguido procedesse à entrega, no prazo de 10 (dias) após o trânsito em julgado, na Secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, da sua carta de condução, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
Com interesse para a decisão refere o Ministério Público na sua motivação e resulta dos autos que:
Em 08.03.2022, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (abreviadamente, IMT) informou os autos que:
«Com referência ao Ofício supra, para efeitos de cumprimento do douto despacho do Mm.º Juiz de Direito, nesta data foi consultado o Registo Nacional de Condutores (SICC), relativamente aos dados pessoais do arguido AAA, com sinais nos autos, pelo que, quanto ao atual estado da carta de condução L-0000000 emitida a 05-09-2016 cumpre informar V. Ex.ªs:
1. Habilitou o seu titular à condução veículos das Categorias B e B1;
2. A validade inscrita no documento corresponde à data de 03-03-2020;
3. Contudo, nos termos do Regulamento (UE) 2021/267 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2021 e do disposto no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na redação fixada pelo Decreto-Lei n.º 22-A/2021 de 17 de março, que prorroga prazos e estabelece medidas excecionais e temporárias no âmbito da pandemia da doença COVID-19, cf. Anexo, a validade do referido título foi prorrogada do seguinte modo:
a) até 03-10-2020 - prorrogação pelo prazo de 7 (sete) meses - para as
cartas de condução que perderam validade entre 01-02-2020 a 31-08-2020;
b) até 01-07-2021- prorrogação por mais 6 meses, contados do fim do prazo da prorrogação inicial ou até 01-07-2021, consoante a data que for posterior.
Posto o que, na presente data:
• a carta de condução L-0000000 emitida a 05-09-2016 está caducada;
• não foi requerida a revalidação da mesma.
4. A 09.03.2022 o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
«Ofício do IMT que antecede: visto.
Atento o teor da informação ora remetida pelo IMT, constata-se que o condenado já não é titular de carta de condução válida.
Assim, passando a liquidar a pena acessória, temos que o dies aquo será o do trânsito em julgado da sentença condenatória.
A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados foi aplicada ao condenado por um período de 12 meses [cfr. sentença], a sentença transitou em julgado no dia 01.09.2021, pelo que, contabilizado o respetivo prazo, nos termos supra, o mesmo termina no dia 01.09.2022. Caso mereça concordância o cálculo da data para o termo da pena acessória a que ora se procede, promovo que seja o mesmo notificado ao condenado e ao seu Ilustre Defensor, dando ainda conhecimento do mesmo à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e IMT, advertindo-se esta última entidade para que, caso o condenado obtenha entretanto em tal período novo título de condução, seja o mesmo remetido a estes autos».
5. A 10.03.2022, por despacho judicial determinou o tribunal a quo: «Tomei conhecimento do expediente e promoção que antecedem.
Atento o apurado, por ora, não se mostra possível executar o cumprimento da pena acessória aplicada, pelo que, sem prejuízo da promoção que antecede, determina-se que aguardem os autos, quanto a tal, por 5 meses e, após, solicite informação actualizada sobre a titularidade de carta de condução do condenado. Sem prejuízo, comunique à ANSR/IMT nos termos promovidos».
6. A 06.10.2022, por despacho judicial com a referência citius 139273868 (ora em crise), sem prévia vista
ao Ministério Público, determinou o tribunal a quo:
«Tomei conhecimento do expediente que antecede.
Atento o apurado, por ora, não se mostra possível executar o cumprimento da pena acessória aplicada, pelo que, sem prejuízo da promoção de 09/03/2022, determina-se que aguardem os autos, quanto a tal, por 1 ano e, após, solicite informação actualizada sobre a titularidade de carta de condução do condenado. Mais se determina a extracção de certidão dos presentes autos, relativamente a auto de notícia, acusação, despacho de recebimento, sentença proferida com nota de trânsito em julgado, informação do IMT que antecede e do presente despacho e remeta aos serviços do Ministério Público, junto deste Tribunal, para apuramento da responsabilidade criminal do condenado quanto a um crime de condução sem habilitação legal».
Refere o Ministério Público e consta dos autos que, “a carta de condução do ora condenado está caducada, pelo menos, desde 01.07.2021 e, de acordo com as informações solicitadas ao IMT e juntas aos autos, aquele não obteve tal habilitação legal até ao trânsito em julgado da sentença, ocorrido a 01.09.2021 (cfr. informação com a referência Citius n.º 20603454, de 08.03.2022, nem em momento subsequente, concretamente à data do despacho recorrido, cfr. informação obtida junto da base de dados do IMT a 05.09.2022).”
Resulta do disposto no artº 69º do Código Penal que tem como epígrafe “Proibição de conduzir veículos a motor”, que:
2 – A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.
3 – No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenada entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.
Mais resulta do art° 500° do CPP, que tem como epígrafe “Proibição de condução”, que:
1 – A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direção-Geral de Viação.
2 – No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenada entrega na secretaria do Tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.
3 – Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o Tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
4 – A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.
...”
Por sua vez resulta do artº 126º do Código da Estrada que os requisitos exigidos para a obtenção dos títulos de condução são fixados no RHLC.
Do “Regulamento de habilitação legal para conduzir”, Dec. Lei n° 138/2012 de 5/7, resulta do seu art° 18°, que tem como epígrafe “Condições da obtenção de título”,
1 – A obtenção de título de condução está condicionado ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
...
e) Não se encontrar a cumprir sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução determinada por autoridade judicial ou administrativa Portuguesa.”
(...) ”
Da conjugação das normas citadas resulta que o arguido condenado na pena acessória de inibição de conduzir, que não tivesse licença de condução (ou não tivesse licença de condução válida), por não possuir tal licença, não a podia entregar em juízo. Por outro lado, ficava impedido mercê do disposto na al. c) do nº1 do artº 18º do Dec. Lei 138/2012 de 5/7 de a obter, por falta de preenchimento de um dos requisitos para tal.
Considerando as normas citadas e da sua conjugação entende-se que o prazo de cumprimento da PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUÇÃO DE VEÍCULOS MOTORIZADOS, deve iniciar-se na data do trânsito em julgado da sentença, não fazendo sentido, que no caso do condenado não possuir licença que o habilite a conduzir, o cumprimento de tal pena só se inicie com a entrega do licença de condução ou com a obtenção desta, (que como se referiu não pode ocorrer, por força do disposto no artº 18º nº1 al. c) do Dec. Lei 138/2012 de 5/7).
Tal interpretação levaria em termos efetivos à impossibilitado de qualquer arguido, sem titulo valido, por não o poder obter face ao referido e por não o poder entregar por não o ter, ficar impedido de se habilitar a conduzir, até à prescrição da pena.
Tal interpretação levaria a que a pena acessória só se extinguia com a sua prescrição, o que não se mostra ajustado, adequado e proporcional, por ultrapassar a medida da culpa (artº 40º nº2 do CP).
No sentido referido, ver, Paulo Pinto de Albuquerque, na anot. 5, ao artº 500º do CPP, no Comentário do Código Processo Penal à Luz da CRP e CEDH, da Universidade Católica Editora, Lisboa 2007, que “Quando o arguido não possua titulo de condução, a execução da sanção de inibição do direito de conduzir inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória, o que tem a consequência prática de que, durante esse período ele não poderá obter esse titulo (....) Portanto, não sendo o arguido titular de título de condução à data do trânsito em julgado da decisão que aplicou a proibição de conduzir, por aquela ter caducado, a pena acessória impede que ele obtenha um novo título no período da proibição e impõe que ele faça novo exame para obter novo título. Decorrendo o período de proibição de conduzir antes de ser emitido novo título de condução. A pena de proibição extinguiu-se (ac. do TRL, de 31/1.2007, in CJ, XXXII, 135). De igual modo, quando o arguido possua título de condução, a execução da sanção inicia-se com o trânsito da decisão que a aplica, independentemente da entrega ou apreensão do título, que tem natureza meramente instrumental daquela inibição. ....”
Igualmente e no sentido referido ver, entre outros, Ac. Relação de Évora, de 24/112020, processo 357/17.4GBABF-A.E1, in www.dgsi.pt,
“¬ Quando o arguido não possua título de condução, a execução da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor inicia-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória e prolonga-se apenas até ao termo do período fixado, pois durante este período ele não poderá obter o título de condução, nos termos do disposto nos artigos 126.º, do Código da Estrada, e 18.º, n.º 1, al. e), do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (RHLC).
- Também não fará sentido aguardar o decurso do prazo de quatro anos de prescrição da pena acessória para que a mesma seja declarada extinta. Se assim fosse, qualquer arguido que não possuísse titulo de condução ficaria impossibilitado de habilitar-se à condução pelo período de quatro anos, o que viola os mais basilares princípios que regem a aplicação da pena, nomeadamente a proporcionalidade, adequação e máxima inultrapassável de que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.”
Em sentido idêntico refere ainda o mencionado acórdão no seu texto a seguinte jurisprudência:
“- Ac. TRP, de 10.10.2018, no proc. 35/18.7PAESP.P1, com o sumário seguinte: “Estando em causa a proibição de conduzir por um determinado período, faz sentido que o agente não titular da necessária licença cumpra essa proibição, na medida fixada na sentença, ainda que venha a obter tal licença no decurso do prazo fixado para a proibição; mas esta cessa logo que decorra o período respectivo. Isto é, a proibição tem a duração definida na sentença e essa duração, na falta de título válido, inicia-se com o trânsito da sentença condenatória e prolonga-se até ao termo do período fixado, mantendo-se mesmo que o condenado, nesse período, obtenha habilitação legal.”;
- Ac. TRC, de 21-01-2015, proferido no Proc. 42/13.6GCFND.C1, com o sumário seguinte: “I - Se o título de condução já está apreendido, o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados começa a partir do momento em que a sentença que a impôs transita em julgado. II - Nos demais casos - entrega voluntária, e posterior, do título pelo arguido, ou sua apreensão por ordem do tribunal -, o dito cumprimento tem o seu início nas datas de verificação dos dois referidos actos.”;
- Ac. TRL, de 15.01.2019, proc. 217/04.9GDMTJ.L1-5, referindo: “Se é verdade que quem não é possuidor de carta ou licença de condução não a pode entregar, e poderá não ser viável fazer a anotação a que aludem os n.ºs 3 e 5 do art.69.º do Código Penal, ainda assim a sanção acessória de proibição de conduzir ao abrigo deste preceito penal não deve deixar de ser aplicada, tal como aos condutores habilitados com título de condução. A aplicação da inibição de conduzir veículos com motor, que deve ser comunicada à D.G.V. (art.69.º, n.º 4 do Código Penal), não é inútil pelo facto de ser aplicada a quem não possui título de condução. O art.126.º, n.º 1, al. d), do Código da Estrada, estatui que um dos requisitos exigíveis para a obtenção de título de condução é que o condutor Não esteja a cumprir proibição ou inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução. Daqui resulta, por um lado, que quem não é titular de carta condução pode ter sido proibido ou inibido de conduzir ou ter sido sujeito a medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução; por outro, que quem foi sujeito a uma daquelas sanções não poderá conduzir no período de inibição uma vez que não poderá durante ele obter titulo de condução.”;
- Ac. TRC, de 12.04.2018, proferido no proc. 162/16.5GACDN.C1, que entendeu: “Não é de exigir, para que se inicie o cumprimento da pena acessória, que o arguido (não possuidor de titulo válido) obtenha, entretanto, esse título e o entregue nos termos do disposto naquele artº 69º, 3, do CP; e não há que aguardar pelo decurso do prazo da extinção da pena, por prescrição. Face à inexistência de título válido, apenas há que aguardar pelo decurso do
prazo de proibição fixado na sentença, contado desde o respectivo trânsito em julgado. Decorrido este deve declarar-se cumprida também a pena acessória.” (disponíveis em www.dgsi.pt).”
Conforme resulta dos autos a sentença nos autos proferida, transitou em julgado em 1/9/2021, sendo que nem na referida data, nem em 5/9/2022, o arguido possuía licença de condução válida, atentas as informações obtidas junto do IMT.
O prazo de 12 meses sobre a data do transito em julgado da sentença ocorreu em 1/9/2022, pelo que após esta data havia que se considerar extinta pelo cumprimento a referida pena acessória como defende o recorrente.
Em face do exposto o despacho recorrido devia ter declarado extinta a PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUÇÃO DE VEÍCULOS MOTORIZADOS, pelo período de 12 meses, em que o arguido foi condenado, porquanto o mesmo à data do trânsito em julgado da decisão não era possuidor de licença de condução válida e igualmente não possuía licença de condução válida na data em que se completaram 12 meses sobre a data do transito em julgado da decisão, data do termo do período de proibição de condução em que foi condenado.
Face ao exposto, merece provimento o recurso interposto, pelo que deve o despacho recorrido ser na sua primeira parte (segundo paragrafo que se inicia por “Atento o apurado, por ora, ...” revogado e substituído nessa parte por outro, que declare extinta, pelo cumprimento, a PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUÇÃO DE VEÍCULOS MOTORIZADOS, em que o arguido foi condenado nos autos, nos termos do artº 475 do CPP.




Decisão

Face ao exposto acordam os Juízes Desembargadores da 3ª. Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em dar provimento ao recurso, pelo que e consequentemente revoga-se o segundo parágrafo do despacho recorrido, de 6/10/2022, iniciado por “Atento o apurado, por ora, ... “, que nessa parte deve ser substituído por outro, que declare extinta pelo cumprimento, a PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUÇÃO DE VEÍCULOS MOTORIZADOS, nos termos do artº 475 do CPP, em que o arguido foi nos autos condenado.
Sem tributação.
O presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária – cfr. Artº 94º nº2 do CPP-, sendo assinado digitalmente por esta e pelas Mmªs. Juízes Adjuntas.

Lisboa, Tribunal da Relação, 6 de Dezembro de 2023.
Maria Antónia Andrade
-Relatora –
Cristina Almeida e Sousa
-1ª Adjunta –
Filipa Valentim
- 2ª Adjunta