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 - ACRL de 05-03-2024   Revogação da suspensão de pena
Revogada uma suspensão de pena, não pode o tribunal decretar de imediato o cumprimento da pena de prisão, sem mais; Tratando-se de prisão até 2 anos, tem de considerar primeiro a possibilidade de a pena ser cumprida no domicílio, com recurso a meios electrónicos.
Como não se fez esse raciocínio, caiu-se em nulidade, por omissão de pronúncia.
Proc. 264/19.6GDALM 5ª Secção
Desembargadores:  Carla Francisco - Rosa Ribeiro Coelho - Luísa Maria R. Oliveira Alvoeiro -
Sumário elaborado por Carolina Costa
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Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1– Relatório
No processo nº 264/19.6GDALM do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 1, foi proferida decisão, datada de 26/05/2023, na qual se revogou a suspensão da execução da pena de 10 (dez) meses de prisão aplicada a AAA, nos termos do art.º 56º, nº 1, al. a) do Cód. Penal, e se determinou o seu cumprimento efectivo em meio prisional.

Inconformado com a decisão condenatória, veio AAA interpor recurso, pretendendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que prorrogue por mais um ano o período da suspensão da execução da pena em que foi condenado, com sujeição a regime de prova e condicionado à frequência da formação anteriormente imposta, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
“ a) O presente recurso emerge da discordância em relação ao despacho tirado nos autos em 26.05.2023, que revogou a suspensão da execução da pena de 10 meses de prisão em que o recorrente foi condenado nos autos, que vigorava por um período de um ano, com regime de prova, condicionada à frequência de curso de prevenção rodoviária.
b) Com efeito, na sequência da sentença tirada nos autos em 08.05.2019, transitada em julgado em 07.06.2019, a DGRSP veio a informar que o arguido não compareceu à reunião agendada na convocatória que lhe foi remetida para o feito, e que a carta que lhe foi enviada fora devolvida com indicação “encerrado sem receptáculo postal”, não tendo conseguido estabelecer contacto telefónico com ele.
c) O tribunal a quo veio a realizar audição de condenado, sem que tenha sido possível assegurar a comparência do arguido, na sequência da qual, por despacho de 28.09.2021, veio a determinar a prorrogação por um ano do período da suspensão da pena, com as mesmas condições da inicial.
d) Após, veio novamente a DGRSP dar nota de que o arguido não compareceu à convocatória que lhe remeteu, e que nem justificou a sua ausência.
e) Posto isto, em 13.04.2023 veio a realizar-se nova audição de condenado, à qual o arguido compareceu.
f) Ouvido a propósito, o recorrente referiu que se mudou-se para o nº 5 da mesma rua, mantendo contacto próximo, quer com a primitiva morada do TIR, quer com o seu irmão e a sua cunhada que ali residem, tendo sido por isso que confiou na regularidade da caixa postal e que as notificações que lhe fossem remetidas lhe seriam entregues.
g) Mais referiu que ignorava que a caixa postal do nº 16 sofrera avaria, razão pela qual se manteve na ignorância das notificações remetidas que não chegaram ao seu conhecimento.
h) A verdade é que as boas razões que presidiram à decisão tirada em 28.09.2021, de prorrogar o período da suspensão da execução da pena por um ano, mantém-se na sequência a audição de condenado com a presença do arguido de 13.04.2023, que gerou o despacho em crise.
i) Com efeito, não houve qualquer alteração desde decisão de 28.09.2021, que prorrogou o período de suspensão, a não ser a novidade da presença do arguido na audição de 13.04.2023, pois se antes estivera revel, revel continuou explicando agora o porquê dessa revelia.
j) Por isso mesmo, era ainda prudente e aconselhável que se decidisse no mesmo sentido da prorrogação da suspensão, justamente por agora estarem explicadas e terem cessado as razões que impediam o arguido de tomar conhecimento das notificações que antes lhe eram dirigidas, sabendo-se que na génese estava a circunstância da devolução da carta da DGRSP com indicação “encerrado sem receptáculo postal”.
k) É certo que, se por um lado o arguido foi crédulo quanto à confiança que depositou na regularidade da caixa postal e na presença dos seus familiares na morada do TIR, confiando na entrega por parte destes das notificações que lhe fossem dirigidas, por outro foi imprudente por ao longo do tempo não ter conferido a verificação e bondade daqueles pressupostos e, em alternativa, não ter actualizado a morada do TIR para o nº 5 da mesma artéria onde passou a residir.
l) Não obstante esta crença, por um lado, e a imprudência, por outro, que levaram à omissão de comparência do arguido perante a DGRS e o tribunal numa primeira audição, não são susceptíveis de configurar uma violação culposa, grosseira e indesculpável, do dever imposto, pois, bom rigor, o arguido não quis eximir-se ao cumprimento dos deveres que sobre ele impendem.
m) Outrossim, manteve-se na ignorância das convocatórias que lhe foram dirigidas já que, erradamente, confiou que nenhum problema existiria com a recepção das notificações que a propósito lhe fossem dirigidas, sendo imprudente por não ter conferido essa possibilidade. E só!
n) O arguido encontra-se inserido social, familiar e profissionalmente, sendo certo que as finalidades punitivas visadas com a imposição da pena não estão irremediavelmente comprometidas.
o) Destarte, agora que haviam sido estão interiorizadas por parte do arguido e ultrapassadas, por força da sua comparência e prestação de novo TIR, as circunstâncias que levaram a que o mesmo não tenha tomado conhecimento dos agendamentos feitos e comparecido perante a DGRSP e o Tribunal, a melhor apreciação dos factos e interpretação e aplicação do disposto no artº 55º do Código Penal, impunha que se prorrogasse o período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos por mais 1 ano, por forma a que, consciente e como é da sua vontade, o arguido a pudesse cumprir, permanecendo sujeito a regime de prova, bem como à condição de frequentar curso de prevenção rodoviária.
p) Coisa que o tribunal a quo não fez na decisão recorrida, por errada apreciação dos factos e deficiente interpretação e aplicação do disposto no citado artº 55º do Código Penal;
q) Razões pelas quais a decisão recorrida deve ser substituída por acórdão que, fazendo uma correcta apreciação da matéria de facto em presença, e a melhor interpretação e aplicação do disposto no artigo 55º do Código Penal, decida prorrogar por mais um ano o período da suspensão da execução da pena imposta nos autos ao recorrente, com sujeição a regime de prova e condicionada à frequência da formação anteriormente imposta, se outra(s) não for(em) julgada(s) necessária(s) e mais adequada(s).”

O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito
suspensivo.

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido,
pugnando pela manutenção do despacho recorrido e sem formular conclusões.

Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, nos seguintes
termos:
“Inconformado com o despacho judicial que lhe revogou a suspensão da pena de prisão de 10 meses, vem o arguido pedir melhor justiça junto dessa Relação.
Alega deficiências na caixa postal que declarou quando prestou T.I.R. o que impediu o contacto entre a DGRSP e ele próprio, não tendo sido vontade sua furtar-se aos deveres impostos como condição da suspensão da pena então decretada.
Pede a revogação do despacho judicial em causa e a prorrogação da suspensão da execução da pena, a par dos deveres anteriormente fixados.
Ao recurso respondeu o MP junto da primeira instância.
Refazendo o percurso histórico dos autos, esta resposta demonstra a inevitabilidade da revogação da suspensão de quem, firmada a decisão de primeira instância, decididamente virou costas aos deveres que sabia sobre si impenderem, apenas disso se mostrando repeso quando as portas da prisão se lhe abriram.
É de facto inevitável a revogação da suspensão, que, ademais, já beneficiara de uma prorrogação por um ano. Tendo prestado termo de identidade e residência e ficado ciente dos seus deveres, o seu discurso sobre as disfuncionalidades da caixa postal apenas confirmam a sua falta de interesse na resolução da sua situação processual.
Porém, impunha-se ao tribunal a quo a ponderação da possibilidade de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação nos moldes expressamente previstos no art.º 43.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal, o que foi omitido.
Não podia o tribunal a quo, na iminência da revogação da suspensão de uma pena curta, optar de imediato pela execução da pena de 10 meses de prisão em ambiente prisional.
Com as alterações introduzidas no Cód. Penal pela Lei nº 94/2017 de 23/08 o regime agora previsto no artigo 43.º CP passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.
Expressamente se admite, desde então, que revogada a pena não privativa da liberdade (como é o caso da pena de prisão suspensa na sua execução), a pena de prisão não superior a dois anos possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir. Assim, reconhecendo o tribunal a quo estarem verificadas circunstâncias que devem determinar a revogação da suspensão da pena de prisão – como aconteceu neste caso - deve ele ainda pronunciar-se sobre a possibilidade de a pena de prisão aplicada a título principal ser cumprida em regime de permanência na habitação.
Esta opção encontra paralelo no acórdão TRE de 26/01/2021, Proc. n.º 44/16.0GDGDL-A.E1, Relatora Ana Brito, segundo o qual «No caso de ser decidida a revogação da suspensão da pena de prisão inferior a dois anos, é obrigatório proceder à avaliação sobre as concretas exigências de prevenção, reavaliar as condições pessoais e as necessidades de ressocialização do arguido, e decidir se as finalidades da execução da pena de prisão se prosseguem melhor em concreto (se realizam de forma adequada e suficiente) sendo a prisão cumprida no regime de permanência na habitação, nos termos do art.º 43º, nº 1, al. a), do C.P.».
A decisão recorrida não se pronunciou sobre tal questão.
Antes determina o imediato “cumprimento efectivo em meio prisional” da pena de 10 meses de prisão.
Nesta conformidade, o tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, nos termos previstos pelo artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP.
Esta nulidade não pode deixar de ser conhecida, mesmo oficiosamente, pela Relação de Lisboa (Parte relevante do nosso Parecer segue de muito perto a decisão tirada nesta Relação de Lisboa, na 5.ª secção, proc.º n.º 318/21.9PASNT-A.L1, Sra. relatora Mafalda Sequinho dos Santos).
Neste sentido, a decisão sindicada deve ser revogada e substituída por outra que contemple a possibilidade de a pena de prisão, a revogar, ser cumprida em regime de permanência na habitação.”

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal,
nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.

Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.

2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do
recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do
recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem
prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
À luz destes considerandos, a questão que cumpre decidir consiste em saber se o despacho recorrido deve, ou não, ser substituído por outro que prorrogue o prazo de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente.

3- Fundamentação:
3.1. – Fundamentação de Facto
É a seguinte a decisão recorrida:
“ Por sentença transitada em julgado no dia 07.06.2019, foi AAA condenado na pena única de 10 meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por 1 ano com regime de prova e condicionada à obrigação de frequência de curso de prevenção rodoviária.
A fls. 64 veio a DGRSP informar, no dia 09.09.2019, que o arguido, pese embora tenha sido convocado para o efeito, não compareceu e a carta veio devolvida com indicação encerrado sem receptáculo postal, mais tendo procurado estabelecer contacto telefónico com o arguido, sem sucesso.
Nesse ensejo procurou-se realizar audição de condenado não tendo sido possível assegurar a comparência do arguido.
Por despacho de 28.09.2021 foi determinada a prorrogação por um ano do período da suspensão com as mesmas condições da inicial.
A fls. 186 veio a DGRSP dar nota de que o arguido não compareceu à convocatória nem justificou a sua ausência.
Em 13.04.2023 foi possível a realização de audição de condenado na qual o arguido veio referir que não recebeu qualquer carta julgando que o seu correio não estava avariado e que mudou de residência pensando que não era confiável a alteração para a morada tendo mantido no local onde se encontrava a sua cunhada.
O Ministério Público na sua promoção entende que deve ser revogada a suspensão.
O ilustre Defensor do arguido entende que se deve prorrogar o período da suspensão.
O prazo da suspensão [acrescido da prorrogação] terminou em 07.06.2021.
Ora, cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o art. 55.º do Código Penal que:
Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir
qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º
Desde logo importa verificar que o arguido não cumpriu os deveres impostos, não tendo comparecido junto da DGRSP e tendo mudado de residência sem disso dar conhecimento aos autos, não colaborando de nenhuma forma com o Tribunal nem cumprido com os termos da sua condenação.
O pressuposto material do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, consiste na conclusão, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, por um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do condenado que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão efectiva, se revelem suficientes para afastar o condenado da criminalidade.
A teleologia que se procura alcançar com o instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a de afastar o delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, isto é, a ideia de prevenção especial ou de ressocialização em liberdade.
Alicerçada a esta ideia está a sujeição do condenado a determinados deveres ou regras de conduta que têm em vista a ressocialização do agente.
No entendimento do Tribunal, as finalidades de prevenção especial que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado não foram alcançadas uma vez que o mesmo não cumpriu com os deveres impostos, designadamente não compareceu nos Serviços da DGRSP nem no Tribunal quando notificado.
Ora, tal circunstância inviabiliza por completo o cumprimento do regime de prova, a que a suspensão da execução da pena de prisão estava sujeita, designadamente por não ser possível a elaboração de um plano de reinserção social nem, tampouco, o mesmo ser acompanhado, e vigiado através da DGRSP, por forma a que o Tribunal se encontrasse munido de instrumentos para apurar se as finalidades da pena foram atingidas.
Acresce que o arguido apresentou justificação da sua conduta que não colhe, porquanto o mesmo manteve o TIR, não foi possível o contacto telefónico e em todo este período que o arguido era conhecedor tratar-se de período em que decorria a suspensão da pena alheou-se, por completo, do presente processo.
Ora, nenhuma das medidas previstas no art. 55.º do Código Penal permitem a obtenção de um juízo de prognose favorável face à atitude de omissão por parte do arguido, não sendo já possível proceder a qualquer prorrogação do prazo, não sendo possível ao Tribunal considerar que uma solene advertência [pois que já findou o prazo da suspensão], a exigência de garantias de cumprimento [as quais o arguido não pode dar face ao termo do período da suspensão], a imposição de novas regras de conduta/deveres e/ou a prorrogação do prazo da suspensão [já que foi atingido o prazo máximo] fossem apresentar qualquer possibilidade prática de cumprimento por parte do arguido.
Acresce que tal incumprimento é culposo, porquanto o arguido nunca cuidou de justificar as suas faltas de comparência, não se descortinando qualquer motivo susceptível de as legitimar sendo que aquele estaria ciente das obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência, nunca tendo sequer procurado o Tribunal ou os serviços da DGRSP.
Dispõe o art. 56.º do Código Penal que:
1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.
A revogação da suspensão implica sempre uma dupla realidade complementar, a saber, as características graves ou reiteradas da violação do dever ou regra de conduta, acrescidas do carácter culposo daquele incumprimento, bem como a revelação de que as circunstâncias em que os crimes foram praticados [no período da suspensão] não permitem a verificação de que as finalidades subjacentes à suspensão foram alcançadas por tal meio.
Por outro lado, no seguimento do exposto só se justifica alterar ou revogar a suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, quando houver culpa no incumprimento da obrigação, sendo que, no caso de revogação, essa mesma culpa tem de ser grosseira ou reiterada.
O condenado age com culpa ao violar as condições que foram impostas à suspensão da execução da pena, quando, fundamentalmente, ficar demonstrado: que tinha condições para as cumprir e não o fez, ou então, que se colocou voluntariamente na situação de não as poder cumprir.
O condenado infringe repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, através de condutas sucessivas, por descuido, incúria ou imprevidência, os inobserva, assim revelando uma atitude de indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes da sentença e/ou do plano de reinserção social.
No caso vertente, o incumprimento é grave pois o arguido inviabilizou, na prática, como já supra se mencionou, a execução do regime de prova, condição da suspensão da execução da pena de prisão, e é reiterado - não obstante todas as notificações efectuadas, pela DGRSP e Tribunal não foi possível fazer o arguido comparecer naqueles serviços.
Ora, não se revela possível atribuir ao condenado uma nova oportunidade já que ficou patente que o condenado infringiu de forma grosseira e reiterada a condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão, designadamente de se encontrar submetido a regime de prova e de frequência do programa imposto, não sendo já possível a prorrogação do período da suspensão.
Destarte, forçoso é concluir que a simples ameaça de uma prisão não foi, nem é, suficiente para salvaguardar as finalidades da punição que se fazem sentir no caso dos autos.
Pelo exposto, determino a revogação da suspensão da execução da pena de 10 (dez) meses de prisão aplicada ao condenado AAA, nos termos do art. 56.º, n.º 1, al. a), determinando o seu cumprimento efectivo em meio prisional.
Notifique.”

3.2. – Com interesse para a decisão regista-se também que:
- Por sentença, datada de 8 de Maio de 2019, foi AAA condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º do Cód. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano com regime de prova e condicionada à obrigação de frequentar curso de Prevenção Rodoviária, nos moldes a fixar, ministrar e acompanhar pela DGRSP, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de 10 (dez) meses, nos termos do art.º 69º, nº 1, al. a) do Cód. Penal;
- O arguido foi pessoalmente notificado da sentença, aquando da leitura da mesma;
- A sentença transitou em julgado a 7/06/2019, tendo o período da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado terminado a 7/06/2020;
- No decurso do período da suspensão foi o arguido AAA convocado, por via postal para a morada constante no TIR de fls. 5, para entrevista na DGRSP, a que não compareceu;
- Para o mesmo fim, foi tentado pela DGRSP o contacto telefónico com o arguido, para os números de telemóvel constantes nos registos da DGRSP, sem sucesso;
- Por ausência de contacto com o arguido, não foi possível à DGRSP elaborar o plano de reinserção social para o cumprimento do regime de prova a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada;
- Foram designadas duas datas para a audição do condenado, a qual não se veio a realizar em nenhum dos dias agendados, porque não foi possível a notificação do arguido para a morada constante do TIR, quer por via postal, quer pessoalmente através de OPC;
- Não foi possível apurar o paradeiro do arguido, não obstante as diligências encetadas pelo Tribunal para esse efeito;
- Com data de 28/09/21, foi proferido nos autos o seguinte despacho:
“Por sentença proferida nos presentes autos em 08.05.2019 e transitada em julgado em 07.06.2019, foi o arguido, AAA, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.e.p. pelo artigo 292.º do CP, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova e condicionada à obrigação de frequentar curso de prevenção rodoviária, nos moldes a fixar, ministrar e acompanhar pela DGRSP.
O período de suspensão da execução da pena de prisão terminou em 07.06.2020, sendo que, à data, tal como agora, permanecem por cumprir as condições a que ficou sujeita tal suspensão.
Acerca da falta de cumprimento das condições da suspensão, diz-nos o artigo 55.º do CP que “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.° 5 do artigo 50.°”
Já o artigo 56.° do CP prevê que “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
Face ao exposto, cumpre aquilatar se, in casu, estão reunidos os pressupostos para que, como doutamente promovido pelo Ministério Público, seja determinada a revogação da suspensão de execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado.
Para tal, não se pode, porém, olvidar que a revogação da suspensão de execução da pena de prisão por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado só pode ocorrer se esse incumprimento se ficar a dever a culpa grosseira do mesmo e, bem assim, se o tribunal estiver apto a formular convicção segura no sentido de que o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da execução da prisão já não se afigura viável.
Dito isto, temos que:
. O arguido é natural de Cabo Verde – cfr. fls. 54;
. À data da prestação do TIR, indicou ser residente em Portugal, mais concretamente, na Rua do Chafariz, Cova da Moura, Amadora – cfr. fls. 5;
. Foi pessoalmente notificado da sentença condenatória – cfr. fls. 50;
. Por ofício datado de 09.08.2019, informou a DGRSP que foi enviada convocatória ao arguido para comparecer em entrevista, tendo a respetiva carta sido devolvida com a indicação “encerrado; sem recetáculo postal”, não se revelando possível contactá-lo com recurso aos números de telemóvel constantes do processo – cfr. fls. 64;
. Tentada a notificação pessoal do arguido a fim de se pronunciar sobre o teor da informação prestada pela DGRSP nos termos supra expostos, não se logrou apurar o respetivo paradeiro, nada tendo, por conseguinte, sido comunicado aos autos;
. Por duas vezes foi designada data para audição de condenado, não tendo, porém, sido possível realizar tal diligência porquanto o paradeiro do arguido permanecia – e permanece – desconhecido, sem prejuízo das várias diligências, entretanto, encetadas no sentido de o apurar;
. Notificada a ilustre defensora do arguido – bem como o mesmo, ainda que sem sucesso – para se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público de revogação da suspensão de execução da pena de prisão, pugnou a mesma pela prorrogação do período da suspensão;
. Do certificado de registo criminal do arguido, a fls. 147 e ss., não constam condenações posteriores àquela sofrida nestes autos.
Identificada, nos termos acima expostos, a situação fática em apreço nos presentes autos, verifica-se não ser unânime a jurisprudência quanto ao melhor tratamento a conferir à mesma, ou seja, quando, como sucede in casu, o condenado, convocado para comparecer pelos serviços competentes para elaboração do plano de reinserção social, não compareceu, nem justificou a falta, mantendo-se desconhecido o seu paradeiro e deixando (ao que tudo indica) de residir na morada indicada no TIR, sem comunicar ao tribunal a sua nova morada.
Afigura-se-nos, contudo, existir unanimidade de entendimento quanto aos seguintes aspetos: i) a preferência do legislador por penas não detentivas e a sua “cruzada” contra as penas de prisão, sobretudo, as de curta duração; ii) a culpa, mormente, grosseira, não se presume; iii) como já foi referido supra, a revogação da suspensão de execução de uma pena de prisão deve cingir-se aos casos em que se imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que havia fundamentado a suspensão.
Ora, objetivamente, os elementos dos autos apenas nos dizem que o arguido impossibilitou a sua audição, quer junto da DGRSP, quer junto deste tribunal.
Não se nega que esta conduta do arguido revela incúria/negligência, desde logo, ao não informar no processo a sua (possível) alteração da sua morada.
Contudo, tal é insuficiente para se concluir por uma culpa grosseira, a qual, como já se referiu, não se pode presumir, devendo resultar de factos ou elementos concretos.
Com efeito, a decisão pela revogação da suspensão de execução de uma curta pena de prisão – como aquela, de 10 meses, aplicada no caso sub judice – implica que o tribunal esteja ciente do que levou o arguido a eximir-se dos seus deveres, assim como da sua atual situação, designadamente, saber se está integrado social, familiar e profissionalmente.
Só assim será possível concluir pela existência de culpa no incumprimento, em específico, de culpa grosseira.
Doutra parte, a suspensão da pena foi decretada em função de razões de prevenção e, bem assim, porque foi feito um juízo de prognose positiva nesse sentido.
Por conseguinte, entende-se que a revogação só seria justificável se o tribunal, fundamentadamente, concluísse já não se verificar o juízo de prognose (favorável) que estivera na base da suspensão da execução da prisão.
Sucede que os elementos processuais existentes não permitem formular, com o devido grau de certeza, esse juízo; juízo este que, presentemente, atenta a inexistência, no certificado criminal do arguido, de condenações posteriores àquela aqui ocorrida, no pretérito ano de 2019, abonam a seu favor, corroborando a expectativa – na qual, em parte, se fundou a decisão de suspender a execução da pena de prisão – de que o arguido não voltaria a praticar crimes.
Termos em que, atentas as considerações acima expendidas e, bem assim, atento o disposto no artigo 55.º, alínea d) do CPP, decide-se prorrogar o período de suspensão da execução da pena de prisão por mais 1 (um) ano, permanecendo o condenado sujeito a regime de prova, bem como à condição de frequentar curso de prevenção rodoviária.
Notifique, incluindo à DGRSP, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495.º, n.º 4 do CPP.

A fim de se apurar o atual paradeiro do arguido:
. Solicite à Polícia Judiciária cópia da ficha biográfica do arguido, bem como informação sobre o seu atual paradeiro;
. Averigue-se, recorrendo às bases de dados disponíveis, se o arguido se encontra detido em algum estabelecimento prisional;
. Averigue-se, nas bases de dados, se o arguido está inscrito na Segurança Social e, em caso afirmativo, qual a morada que consta naqueles serviços;
. Solicite-se, também, aos Comandos Gerais da G.N.R. e P.S.P. informação sobre o paradeiro do arguido.
. Solicite-se ao SEF informação sobre o paradeiro do arguido.
. Oficie os serviços competentes da República de Cabo Verde, país de onde é natural o arguido, a fim de informarem qual o atual paradeiro do mesmo.(...)”;
- A 2/11/2021 a DGRSP informou que não procedeu à elaboração do plano de reinserção social, necessário ao cumprimento do regime de prova a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão, porque, apesar de convocado para se apresentar na entrevista agendada para 25/10/2021, o condenado não compareceu, nem justificou a sua falta;
- A 13/04/2023 AAA compareceu em Tribunal, onde foi ouvido sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, tendo declarado, em síntese que:
. não fez formação porque não recebeu carta;
. pensou que correio estava bom e não estava;
. O TIR era da morada do irmão;
. pede desculpa, o correio estava avariado e não sabia;
. saiu de casa, se recebeu alguma notificação ou se procederam a depósito de alguma carta, não lhe entregaram nada;
. se a carta foi depositada em 3/10/2022, talvez tenha recebido, mas na sua mão não entregaram, não deu conta disso, não sabe o que aconteceu, a sua cunhada diz que o correio estava estragado, mas não sabe por causa do quê;
. sabia que tinha regime de prova, mas não recebeu carta, não fez nada relativamente a isso porque estava à espera;
. sabia que tinha pena de 10 meses de prisão suspensa e não se preocupou porque não sabia que o correio estava estragado;
. se carta foi posta no correio e não devolvida, também não a mandaram para ele;
. está há 2 ou 3 anos a morar no n.º 5 e deixou de estar no n.º 16;
. tinha 5 dias para alterar a residência indicada para efeitos de TIR e não o fez porque pensou que o n.º 16 era confiável;
. ainda pretende cumprir o plano e pede desculpa;
- AAA prestou novo TIR, com data de 13/04/2023, onde declarou residir na Rua do Chafariz Nº 5, Cova da Moura, 2610-242 Amadora;
- O prazo da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, acrescido da prorrogação, terminou a 7/06/2021.

3.3.- Mérito do recurso
Nos presentes autos vem AAA recorrer da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, pretendendo a prorrogação da suspensão por mais um ano, com sujeição a regime de prova e à frequência do curso de prevenção rodoviária impostos na sentença condenatória.
Alega, para tanto, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação dos factos e uma deficiente interpretação e aplicação do disposto no art.º 55º do Cód. Penal.
Vejamos se lhe assiste razão.
O instituto da suspensão da execução da pena de prisão tem por finalidade a socialização do delinquente em liberdade.
É pressuposto material da sua aplicação que o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mediante um prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do delinquente.
Com efeito, subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida (cf., neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2ª reimpressão, 2009, pág. 342 e 343).
No que concerne à falta de cumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o art.º 55º do Cód. Penal que:
“Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.” (sublinhados nossos)
Por seu turno o art.º 56º do mesmo diploma, relativamente à revogação da suspensão, prevê que:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2- A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.” (sublinhados nossos)
O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é, assim, exclusivamente preventivo, cabendo ao Tribunal ponderar, por referência ao momento em que o faz, se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente comprometidas em face da conduta posterior do condenado.
Refere Paulo Pinto de Albuquerque, in “ Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 5ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2022, pág.
353, quanto ao incumprimento do regime de prova, que: “A infração repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num ato isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória ou do plano de reinserção social (acórdão TRL, de 9.4.2013, in CJ, XXXVIII, 2, 150).”
Verifica-se, pois, que a revogação da suspensão da execução da pena não é um efeito automático da condenação pela prática de crime no período da suspensão ou do não cumprimento dos deveres ou regras de conduta e do plano de reinserção social, sendo sempre necessário avaliar se o comportamento posterior do condenado demonstrou, de forma irremediável, que as finalidades preventivas que estavam na base da suspensão não puderam ser alcançadas, sendo a decisão de revogação a última ratio, uma vez esgotadas as alternativas previstas no art.º 55º do Cód. Penal.
Ora, do texto da lei decorre, desde logo, que só é possível lançar mão das medidas previstas no art.º 55º do Cód. Penal “durante o período da suspensão”, situação que já não ocorre no caso em apreço, pois tal período cessou a 7/06/2021, não sendo possível prorrogar o que já não existe.
Por outro lado, prevê-se no art.º 56º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ocorrer se se concluir que o condenado infringiu grosseiramente ou de forma reiterada os deveres a que estava obrigado ou o plano de reinserção social.
Verifica-se, assim, que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado só deve ocorrer perante um incumprimento grosseiro e se, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, se concluir que já não é possível manter o juízo de prognose favorável, relativamente ao comportamento do condenado, que esteve na base da suspensão da execução da pena de da prisão.
Age com culpa o condenado que tiver as condições necessárias para o cumprimento dos deveres a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão, e não o fizer, ou aquele que se colocar voluntariamente na situação de não os poder cumprir.
Infringe repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos o condenado que, através de condutas sucessivas, por descuido, incúria ou imprevidência, não os observa, revelando uma atitude de indiferença pelas obrigações decorrentes da sentença condenatória.
No caso dos autos, a factualidade apurada revela que o recorrente incumpriu, reiterada e voluntariamente, os deveres que lhe foram impostos com vista à sua ressocialização em liberdade, pois, não obstante as várias convocatórias e notificações efetuadas pela DGRSP e pelo Tribunal, não compareceu às diligências agendadas para a sua audição, nem justificou as suas faltas de comparência, sobretudo porque mudou de residência sem disso dar conhecimento ao Tribunal.
Prevê-se no art.º 196º do Cód. Proc. Penal, a propósito do termo de identidade e residência, que:
“1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.(...).”(sublinhados nossos)
O Termo de Identidade e Residência constitui, assim, uma medida de coação de natureza obrigatória, que visa assegurar a possibilidade de comunicação, de forma permanente e sempre que necessário, dos serviços de justiça com o arguido, bem como assegurar a comparência do mesmo nas ulteriores fases do processo, permitindo-se a utilização de notificação por via postal simples desde que efectuada para a morada indicada pelo arguido, na qual o mesmo se comprometeu a receber as notificações.
No caso dos autos, o recorrente prestou TIR, tendo ficado ciente das obrigações decorrentes do mesmo, e esteve presente na leitura da sentença condenatória, tendo ficando igualmente ciente da pena que lhe foi aplicada e das consequências advenientes da falta de cumprimento dos deveres inerentes à suspensão da sua execução.
Constata-se, assim, que as desculpas aventadas pelo recorrente para o não recebimento das cartas de notificação que lhe foram enviadas pela DGRSP e pelo Tribunal não colhem, porquanto era sua obrigação saber que tinha que comunicar qualquer mudança de residência, tanto mais quanto é certo que sabia que havia sido condenado no cumprimento de uma pena de prisão, sob condição do cumprimento de deveres que implicavam o contacto com o Tribunal e com a DGRSP.
O recorrente sabia que tinha uma pena de prisão para cumprir, suspensa na sua execução, mas desinteressou-se do cumprimento dos deveres inerentes a essa suspensão, numa atitude de inércia, irresponsabilidade e inconsciência, que não se compreende, nem se consegue desculpar.
Ao não colaborar com as instituições judiciais e ao não comunicar a sua alteração de morada, o recorrente colocou-se voluntariamente em situação de incumprimento, facto que torna o seu incumprimento grave e não desculpável (
cf., neste sentido, entre outros, os acórdãos do TRG datado de 25/11/2019, proferido no processo nº 485/12.2TAVRL.G1, em que foi relatora Maria José Matos, do TRG datado de 27/01/2020, proferido no processo nº 245/05.7TAVRL.G1, em que foi relator António Teixeira, do TRP de 10/10/2018, proferido no processo processo nº 165/15.7PFVNG-B.P1,
em que foi relatora Elsa Paixão, todos in www.dgsi.pt).
Com este seu procedimento, foi o recorrente quem inviabilizou, por completo, o cumprimento do regime de prova a que a suspensão da execução da pena de prisão estava sujeita, tornando impossível a elaboração de um plano individual de reinserção social, bem como o acompanhamento e a vigilância do mesmo por parte da DGRSP.
Em face disto, deixou de ser possível manter um juízo de prognose favorável relativamente à reinserção do recorrente, por via da aplicação de qualquer uma das medidas previstas no art.º 55º do Cód. Penal.
Vem agora o recorrente pedir a este Tribunal de recurso um novo voto de confiança em que, sob nova ameaça de cumprimento efectivo da pena de prisão em que foi condenado, irá emendar os seus comportamentos e tornar-se uma pessoa responsável e cumpridora das normas de vivência em sociedade e, sobretudo, manter-se afastado da prática de novos ilícitos criminais.
Sucede, porém, que o mesmo já esgotou todas as hipóteses que tinha para obter o pretendido voto de confiança pois, datando o trânsito em julgado da sentença condenatória de 7/06/2019, decorreu já tempo suficiente para ter cumprido os deveres inerentes à suspensão da execução da pena, tempo que o recorrente não aproveitou.
Fica igualmente demonstrado que o recorrente não interiorizou o desvalor da sua conduta, frustrando as expectativas que o Tribunal nele havia depositado e demonstrando falta de preparação para assumir um comportamento conforme ao direito.
Em face do exposto, impõe-se concluir que a simples ameaça de uma prisão já não é suficiente para salvaguardar as finalidades da punição que se fazem sentir no caso dos autos.
Uma nova suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente daria à comunidade um sinal de que as penas de prisão suspensas na sua execução são inconsequentes e que o seu incumprimento não determina qualquer reacção por parte do Tribunal, o que não se pode admitir.
Uma vez que o despacho recorrido se encontra devidamente fundamentado, apresentando uma exposição concisa e completa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, considera-se que o mesmo não fez uma errada apreciação dos factos, nem violou o disposto no art.º 55º do Cód. Penal, como alegado pelo recorrente.
Mostrando-se verificado o circunstancialismo previsto no art.º 56º, nº 1, al. a) do Cód. Penal, é de manter a decisão recorrida na parte em que procedeu à revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, improcedendo, neste tocante, o recurso.
Sucede, porém, que sendo de 10 meses de prisão a pena aplicada ao recorrente, deveria o Tribunal a quo, na iminência da revogação da sua suspensão, ter ponderado a possibilidade de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, em conformidade com o disposto no art.º 43.º, nº 1, al. c) do Cód. Penal, em vez de optar de imediato pela execução da pena em ambiente prisional.
Não obstante a existência de alguma jurisprudência em sentido contrário, consideramos ser admissível a aplicação do regime de permanência na habitação, na sequência da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Na verdade, o art.º 56º, nº 2 do Cód. Penal refere que “a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença”, parecendo daí resultar que a revogação da pena de substituição imposta ao arguido determinaria automaticamente o cumprimento da pena principal, ou seja, o cumprimento da pena de prisão efectiva.
No entanto, resulta do art.º 43º, nº 1, al. c) do Cód. Penal que o regime de permanência na habitação é não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão, a qual pode ser executada em casa ou dentro dos muros da prisão, e tem como pressuposto material a sua adequação às finalidades da execução da pena de prisão, sendo a escolha deste regime determinada exclusivamente por considerações de natureza preventiva especial, ou seja, de reintegração social do recluso (cf. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in “ Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ”, 5ª edição atualizada, UCP, págs. 316 a 318).
A aplicação do regime de permanência na habitação está sujeita ao preenchimento de determinados pressupostos.
Por um lado, é pressuposto material de aplicação desta pena a apreciação e determinação pelo Tribunal de que a mesma realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Por outro, são pressupostos formais da sua aplicação, a condenação do arguido numa pena de prisão em medida não superior a dois anos e a prestação de consentimento por parte do arguido para a sua execução, em conformidade também com o disposto nos art.ºs 1º, alínea b), 2º, nº 1 e 4º da Lei nº 33/01, de 2/09.
A opção pelo cumprimento da pena de prisão em meio prisional ou em regime de permanência na habitação depende unicamente de considerações ligadas à necessidade e proporcionalidade das restrições dos direitos em contraponto com as exigências de prevenção verificadas no caso concreto.
Em matéria de execução da pena de prisão, importa ter em conta as seguintes opções politico-criminais:
- a execução da pena de prisão deve ter como objectivo a socialização do condenado, competindo ao Estado proporcionar as condições necessárias para que aquele conduza a sua vida de modo socialmente responsável, através de uma dinâmica progressiva de preparação para a liberdade; e
- atento o princípio constitucional da proporcionalidade das restrições dos direitos, a execução da pena de prisão deve ser o menos restritiva possível da liberdade, surgindo a privação total desta como última ratio da política criminal, conforme previsto no art.º 27º da CRP.
Daí que o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, salvaguardadas as finalidades preventivo-especiais de reintegração e de prevenção geral positiva, cumpra melhor do que a execução em meio prisional aquelas opções de política criminal.
Assim sendo, reconhecendo o Tribunal a quo estarem verificadas as circunstâncias que devem determinar a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao recorrente, deveria o mesmo ter-se ainda pronunciado sobre a possibilidade de a pena de prisão aplicada a título principal ser cumprida em regime de permanência na habitação.
Neste sentido decidiu o acórdão do TRE datado de 26/01/2021, proferido no processo nº 44/16.0GDGDL-A.E1, em que foi relatora Ana Brito, in
www.dgsi.pt, onde de se pode ler que: “No caso de ser decidida a revogação da suspensão da pena de prisão inferior a dois anos, é obrigatório proceder à avaliação sobre as concretas exigências de prevenção, reavaliar as condições pessoais e as necessidades de ressocialização do arguido, e decidir se as finalidades da execução da pena de prisão se prosseguem melhor em concreto (se realizam de forma adequada e suficiente) sendo a prisão cumprida no regime de permanência na habitação, nos termos do artº 43º, nº 1, al. a), do C.P..” ( cf., no mesmo sentido, vejam-se também os Acórdãos do TRE, datado de 21/01/2020, proferido no Processo nº 164/15.9GBSSB-B.E1, em que foi relatora Beatriz Marques Borges, do TRP, datado de 31/05/2023, proferido no processo nº 169/20.8GFPRT.P1, em que foi relatora Liliana de Páris Dias, e do TRC datado de 22/11/2017, proferido no processo nº 55/16.6GDLRA.C1, em que foi relatora Brizida Martins, in www.dgsi.pt).
Sucede que a decisão recorrida não se pronunciou sobre esta questão, tendo determinado o imediato “cumprimento efectivo em meio prisional” da pena de 10 meses de prisão aplicada ao recorrente.
Verifica-se, assim, que o Tribunal a quo incorreu numa omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, nos termos previstos pelo art.º 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal.
Esta é uma nulidade que não pode deixar de ser conhecida, mesmo oficiosamente, por este Tribunal da Relação ( cf. neste sentido, o Acórdão deste TRL e secção, datado de 28/11/23, proferido no processo nº 318/21.9PASNT-A.L1, em que foi relatora Mafalda Sequinho dos Santos).
Uma vez que, não foram consignados na decisão recorrida factos que permitam avaliar as condições de vida do arguido e a real possibilidade de a pena em que foi condenado ser cumprida em regime de permanência na habitação, não é possível este Tribunal de recurso suprir a nulidade que afeta aquela decisão, devendo o processo ser devolvido ao Tribunal recorrido, a fim de, recolhidos os elementos de facto reputados necessários, proferir decisão que aprecie aquela possibilidade.
Em face do exposto, deve a decisão recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que contemple a possibilidade de a pena de prisão aplicada ao recorrente ser, ou não, cumprida em regime de permanência na habitação, procedendo parcialmente o presente recurso, ainda que por razões distintas das invocadas.

4. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AAA, e, em consequência, revogam a decisão recorrida apenas na parte em que se determinou o imediato cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada em estabelecimento prisional, devendo, nesta parte, ser substituída por outra que aprecie a possibilidade de a pena de prisão aplicada a título principal ser cumprida em regime de permanência na habitação, nos termos previstos no art.º 43º, nº 1, alínea c) do Cód. Penal.
Sem custas.
Lisboa, 5 de Março de 2024
(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)
Carla Francisco
(Relatora)
Rui Coelho
Luísa Oliveira Alvoeiro
(Adjuntos)