Os crimes em ambiente escolar de há muito suscitam a especial preocupação do legislador, que já à data dos factos considerava tais crimes de investigação prioritária.
Na verdade, a Lei de Política Criminal em vigor à data dos factos em apreço, a lei n.º 96/2017 de 23 de Agosto, definia os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, considerando no seu art.º 2.º al. l) como sendo de prevenção prioritária a criminalidade em ambiente escolar; e no art.º 3.º al. h) da mesma lei, arvorava em crimes de investigação prioritária a criminalidade violenta em ambiente escolar.
Estas preocupações do legislador não se atenuaram no quadro da Lei de Política Criminal em vigor, vide os art.ºs 4.º al. g) e 5.º al. f) da lei 51/2023.
Em coerência com esta necessidade sentida pelo legislador de proteger de forma reforçada figuras institucionais de referência, como o(s) professor(es), o crime praticado encontra especial qualificação no art.º 132.º n.s 1 e 2, l), CP.
Proc. 1243/19.9PASNT.l1 5ª Secção
Desembargadores: Ana Lúcia Gordinho - Alda Tomé Casimiro - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
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Processo 1243/19.9PASNT.L1
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste
Juízo Local Criminal de Sintra – Juiz 1
Acordam na 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Coletivo n.° 1243/19.9PASNT, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Sintra – Juiz 1, foi decidido, com relevância para a decisão da causa, condenar o arguido AAAA pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, pp. pelos artigos 143.°, n.° 1 e 145.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.
Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido interpor o presente recurso, que restringiu à matéria de direito, concretamente ao segmento da decisão em que o condenou numa pena de prisão efetiva, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“1 – O Recorrente vem recorrer da efetividade da pena em concreto aplicada.
Com efeito,
2 - O Tribunal a quo, ao aplicar à Recorrente a pena de prisão efectiva, violou o
preceituado nos Art. 70° e 71º do Código Penal porquanto o critério de escolha da pena estabelecido impõe ao julgador a preferência pela pena não detentiva desde que esta se mostre adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição prescritas no Art. 40°, n.º 1 do Código Penal, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
3 - Não obstante as suas anteriores condenações, sendo a última pela prática de crime de mesma natureza, o Recorrente rejeita que a pena de prisão efectiva no seu cumprimento seja a única que realize, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição.
4 – E, considera a efetividade da pena de prisão desproporcionada e desadequada, porquanto:
5 - No caso presente, atento à data da prática dos fatos (21/10/2019) e o tempo decorrido até à data do julgamento (cerca de cinco anos), as datas das anteriores condenações (a última com sentença de 3/6/2013 por fatos de 27/7/2010), a ausência da prática de qualquer ilícito criminal após os factos em apreço, e demais circunstâncias pessoais do Recorrente refletidas no relatório Social (nomeadamente a integração familiar e social (tendo cinco filhos menores (entre os 2 e 9 anos de idade) a seu cargo e vivendo de biscates apesar de estar desempregado), o atravessar de uma fase de maior estabilidade comportamental, e a sua evolução psicossocial positiva em relação aos últimos tempos, apesar das vulnerabilidades relacionadas com condições de vida e défice de controlo da impulsividade em momentos de maior tensão), bem como as necessidades de ressocialização e de prevenção da reincidência, o Tribunal a quo deveria ter optado por suspender a pena na sua execução.
Efetivamente,
6 – O Tribunal a quo não deveria ter menosprezado todas as circunstâncias em abono do Recorrente supra referidas, assim como os efeitos da morosidade da justiça, demora esta que originou a dilação temporal de cinco anos entre a comissão dos factos e o julgamento dos mesmos, sendo que, durante este período, o Recorrente não voltou a praticar qualquer ilícito criminal.
7 - Por fim, dentro deste circunstancialismo, o Tribunal a quo deveria ter ponderado os efeitos nefastos que uma pena de prisão efetiva teria na fase atual da vida do Recorrente, o qual já cumpriu pena por todos os crimes que praticou e atravessa nos últimos tempos uma fase de maior estabilidade comportamental, denotando uma evolução psicossocial.
Em consequência,
8 – Tendo em conta todas as circunstâncias favoráveis ao Recorrente e procurando defender a continuidade do seu processo de reinserção e ressocialização, afiguram-se estarem reunidas todas as circunstâncias do Art. 50º do Cód. Penal que permitem ao julgador optar por determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ainda que, subordinando-a ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta destinados a facilitar a sua reintegração na sociedade nos termos do disposto nos Art. 51° e 52° do Código Penal.
9 – Pois, a suspensão da execução da pena de prisão é a medida mais adequada e bastante, de carácter pedagógico e reeducativo que afastará a Recorrente da prática futura de outros crimes do mesmo tipo ou tipo diferente, e simultaneamente é ela que satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial previstas no art. 71º do Código Penal.
Mais,
10 – Caso não seja em concreto aplicável a suspensão da execução da pena de prisão, entende o Recorrente, face ao quantum da pena de prisão aplicada, ser de seguir a lógica do Código Penal no que respeita às penas substitutivas previstas, nomeadamente com opção pela substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade ou pela execução da pena em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sem prejuízo de ausência autorizadas, ainda que sujeitas a regras de conduta.
Nestes termos, e com o mui Douto suprimento de Vs. Ex.as, deve conceder-se provimento ao recurso, modificando-se a decisão do Tribunal a quo, optando-se pela aplicação, in casu, de uma pena de prisão suspensa na sua execução, ou, caso assim não se entenda, de outra pena substitutiva prevista no Código Penal”.
O recurso foi admitido por despacho de 26.06.2024, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Ao recurso apresentado pelo arguido respondeu na 1ª Instância a Digna Magistrado do Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
“1. O recorrente não conformado com a douta sentença no que concerne à pena, entende que a que lhe foi aplicada, de dois anos de prisão efetiva, é desproporcional e desadequada, violando o disposto no artigo 70º e 71º, do Código Penal e deveria a mesma ser suspensa na sua execução ainda que sujeita a obrigações ou executada em regime de permanência na habitação, violando o disposto nos artigos 53º, 55º e 43º, do mesmo preceito legal.
2. Não podemos concordar com o alegado, pois no caso concreto justifica-se a aplicação ao arguido da pena de prisão efetiva, motivo pelo qual aderimos na totalidade à douta sentença recorrida.
3. No que tange à prevenção especial de socialização, considera-se o facto de o arguido ter antecedentes criminais, tendo o mesmo registado no seu CRC, um crime da mesma natureza, seis condenações entre outras de diferente natureza (um crime de condução sem habilitação legal praticado a 16.04.2009; um crime de condução sem habilitação legal praticado a 12.05.2009 (ambos condenado em multa); um crime de roubo na forma tentada, praticado a 11.12.2007 (condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão suspensa); dois crimes de roubo praticados a 02.08.2008 (condenado na pena de 1 ano de prisão suspensa); um crime de condução sem habilitação legal praticado a 01.03.2010 (condenado na pena de 5 meses de prisão suspensa); um crime de ofensa à integridade física praticado a 27.07.2010 (condenado a 16 meses de prisão).
4. O arguido foi condenado anteriormente em penas de multa e essencialmente em penas de prisão suspensas e efetiva, ainda assim, não interiorizou o desvalor das suas condutas, pois voltou a praticar factos dolosos.
5. O facto de se ter deslocado à Escola que o seu irmão frequenta, entrar quando não lhe foi permitido, dirigir-se ao Professor daquele estabelecimento de ensino e, sem tentar saber o que se passava com o seu irmão, agredir de imediato o Professor, parece-nos que reveste enorme gravidade!
6. O arguido em audiência de julgamento rejeitou ter agredido o ofendido, apenas reconhece ter-se deslocado à escola e confirmar a cara do professor ensanguentada, não sabendo indicar o autor das agressões!!
7. Resulta, pois evidente que as penas de prisão suspensa ou qualquer outra não privativa da liberdade, não se mostram de todo adequadas e suficientes para satisfazer as necessidades de prevenção especial e punição que o caso concreto exige, revelando o arguido um grau de culpa elevadíssimo.
8. Depois de aplicada a medida concreta, o Mmº Juiz ponderou a aplicação ao arguido de pena substitutiva da pena de prisão, suspensão ou em regime de permanência na habitação, o que afastou desde logo, a sua substituição, atentos os antecedentes criminais do arguido, revelando a sua personalidade um comportamento de falta de autocrítica e baixa capacidade de lidar com a frustração, optando assim pela prisão efetiva, que subscrevemos.
9. Não poderia desta forma a pena de prisão aplicada ao arguido ser substituída por qualquer outra ou suspensa na sua execução.
10. Nenhuma delas tem no caso concreto o carácter reeducativo e pedagógico que tem a prisão efetiva que lhe foi aplicada.
11. Ora, atento o passado criminal do arguido verifica-se que, pese embora, ter sido condenado em penas de prisão efetiva e prisão suspensa, não foram suficientes para o impedir de voltar à prática de factos ilícitos, não havendo outra que no caso concreto satisfizesse as exigências de prevenção e finalidades da pena, razão pela qual não poderia ser suspensa novamente.
Pelo exposto, estamos de acordo com as razões expendidas pelo Tribunal a quo, pelo que entendemos que a pena de prisão efetiva aplicada ao Recorrente é a única que se mostra adequada, pois não se impunha aqui a suspensão da execução da pena de prisão com obrigações e vigilância eletrónica ou a execução em regime de permanência na habitação, considerando os antecedentes criminais do arguido e ao seu percurso de vida.
Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelo recorrente, quanto às questões alegadas pelo recorrente”.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, foi lavrado parecer pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, nos seguintes termos:
“Na sequência da sua condenação por crime de ofensa à integridade física qualificada na pena de 2 anos, demanda o arguido a Relação de Lisboa, inconformado com a pena efectiva que lhe sobreveio.
Vem pedir a revogação da decisão sindicada, em benefício de uma pena suspensa ou uma pena substitutiva prevista na lei.
Alega em seu favor que o tribunal a quo violou os art.ºs 70.º e 71.º CP ao preterir uma pena não detentiva. Reconhecendo o peso de anteriores condenações, rejeita a ideia de que as finalidades da punição apenas sejam servidas pela pena de prisão, a qual, ademais, é “desproporcionada” e “desadequada”. Por fim, o tribunal recorrido não teria sopesado devidamente os bons predictores que reúne a seu favor.
O MP junto da primeira instância ofereceu condigna resposta ao recurso, defendendo com assertividade e rigor a bondade da pena imposta ao arguido. Pugna pela rejeição do recurso.
Acompanhamos integralmente o bem elaborado parecer da magistrada do MP junto da primeira instância.
Centra-se na medida da pena o recurso subscrito pelo arguido, não sendo contestada a matéria de facto nem outra questão jurídica que não aquela relacionada com a sanção imposta.
A sentença é irrepreensível e traz um sentido de oportuna justiça que a comunidade aguarda por parte dos tribunais.
O facto de o arguido assaltar a escola e agredir o seu Director, não se resume a mera ofensa à integridade física de terceiro.
Não se trata de mera bagarre de rua.
Os crimes em ambiente escolar de há muito suscitam a especial preocupação do legislador, que já à data dos factos considerava tais crimes de investigação prioritária.
Na verdade, a Lei de Política Criminal em vigor à data dos factos em apreço, a lei n.º 96/2017 de 23 de Agosto, definia os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, considerando no seu art.º 2.º al. l) como sendo de prevenção prioritária a criminalidade em ambiente escolar; e no art.º 3.º al. h) da mesma lei, arvorava em crimes de investigação prioritária a criminalidade violenta em ambiente escolar.
Estas preocupações do legislador não se atenuaram no quadro da Lei de Política Criminal em vigor, vide os art.ºs 4.º al. g) e 5.º al. f) da lei 51/2023.
Em coerência com esta necessidade sentida pelo legislador de proteger de forma reforçada figuras institucionais de referência, como o(s) professor(es), o crime praticado encontra especial qualificação no art.º 132.º n.s 1 e 2, l), CP.
É, portanto, de uma gravidade extrema, que interpela toda a comunidade, a desnaturada agressão do arguido, a que se soma o seu percurso conflituoso com a justiça, mantido de há longa data, sem sinal de conversão ou abrandamento.
Note-se, ainda, que o tribunal a quo fez a devida ponderação sobre o regime de permanência na habitação, concluindo pela sua inviabilidade.
Somos assim do parecer de que a sentença recorrida nenhuma censura merece, devendo ser integralmente mantida.”
II. Questões a decidir:
Como é pacificamente entendido tanto na doutrina como na jusrisprudência, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso.
Recurso Penal
Atentas as conclusões apresentadas, no caso em análise a questão a decidir é se a
pena de prisão imposta ao arguido deve ser cumprida em efetividade ou pode ser suspensa ou substituída por trabalho a favor da comunidade ou cumprida em regime de permanência na habitação.
III. Factos relevantes para a apreciação do recurso
Foram julgados provados os seguintes factos:
“1) No dia 21 de Outubro de 2019, pelas 14h50, o arguido AAAA, dirigiu-se à Escola CCCC, sita no …, n.º …, …, concelho de Sintra, sendo que chegado à portaria do referido estabelecimento de ensino, dirigiu-se ao Director daquela escola, BBBB, dizendo-lhe para abrir a porta, caso contrário saltaria.
2)Perante a postura do mesmo, que o procurou acalmar, não abrindo a porta, o arguido saltou o gradeamento da escola, introduzindo-se, dessa forma, no recinto escolar.
3)Acto contínuo, dirigiu-se a BBBB e deu-lhe um soco no lado direito da face, fazendo-lhe um corte e provocando-lhe dores.
4)Em consequência directa e necessária da actuação do arguido, o ofendido sofreu uma ferida iniciso-contusa na região malar direita, com hematoma associado, que teve de ser suturada e edema palpebral, sendo que tais lesões demandaram 10 (dez) dias para a cura, 8 (oito) com afectação grave da capacidade de trabalho profissional e 2 (dois) com afectação grave da capacidade de trabalho geral.
5)Ao agir da forma descrita, agiu o arguido com o propósito concretizado de ofender fisicamente o ofendido, causando-lhe dores e ferimentos, bem sabendo que a sua conduta era adequada a fazê-lo e que, nas circunstâncias de tempo referidas, o mesmo era Director da Escola CCCC e se encontrava no exercício das suas funções.
6)Agiu o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
7)Na sequência da conduta descrita o ofendido foi ainda encaminhado para o Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E onde lhe foram prestados tratamentos médicos e hospitalares no valor de €7,00.
8)O arguido integra o agregado familiar formado pelos pais, irmão, mulher e filhos.
9)O arguido tem mais um filho, Gabriel Santos, com 14 anos, fruto de anterior relação, o qual reside com a mãe.
10) O arguido reside em apartamento camarário com condições de habitabilidade, no valor mensal de €35,00 de renda.
11)O arguido frequentou a escola até ao 4.º ano de escolaridade, altura em que teve de apoiar a mãe e os irmãos na sequência da reclusão do progenitor.
12)O arguido encontra-se desempregado há cerca de um ano e encontra-se inscrito no Centro de Emprego de Sintra, sendo que o último trabalho desempenhado terá sido como mecânico numa oficina da área de residência, sem qualquer vínculo contratual.
13)O arguido recebe o rendimento social de inserção no valor de 814, 93 € mensais, desde Maio de 2023.
14) O arguido recebe o abono referente aos filhos menores no valor de 740, 00 €.
15) Por sentença proferida em 18 de Maio de 2009, transitada em julgado em 8 de Junho de 2009, no âmbito do Processo N.º 181/09.8PTSNT, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Sintra, foi o arguido condenado pela prática, em 16 de Abril de 2009, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de sessenta dias de multa à taxa diária de €6,00, pena declarada extinta em 6 de Junho de 2022.
16)Por sentença proferida em 3 de Junho de 2009, transitada em julgado em 6 de Julho de 2009, no âmbito do Processo N.° 212/09.1PTSNT, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Sintra, foi o arguido condenado pela prática, em 12 de Maio de 2009, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de cento e trinta dias de multa à taxa diária de €5,00, pena declarada extinta em 1 de Abril de 2015.
17)Por sentença proferida em 27 de Outubro de 2009, transitada em julgado em 16 de Novembro de 2009, no âmbito do Processo N.° 2163/07.5PASNT, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Sintra, foi o arguido condenado pela prática, em 11 de Dezembro de 2007, de um crime de roubo na forma tentada, na pena de um ano e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pena declarada extinta em 15 de Fevereiro de 2012.
18)Por sentença proferida em 11 de Março de 2010, transitada em julgado em 15 de Abril de 2010, no âmbito do Processo N.° 1378/08.3PASNT, que correu termos no Juízo Local Criminal de Sintra, foi o arguido condenado pela prática, em 2 de Agosto de 2008, de dois crimes de roubo, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pena declarada extinta em 10 de Janeiro de 2012.
19)Por sentença proferida em 23 de Março de 2010, transitada em julgado em 12 de Abril de 2010, no âmbito do Processo N.° 161/10.0PDCSC, que correu termos no Juízo Local Criminal de Cascais, foi o arguido condenado pela prática, em 1 de Março de 2010, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pena declarada extinta em 6 de Julho de 2011.
20)Por sentença proferida em 3 de Junho de 2013, transitada em julgado em 12 de Março de 2014, no âmbito do Processo N.° 89/10.4GCLMG, que correu termos no Juízo Local Criminal de Lamego, foi o arguido condenado pela prática, em 27 de Julho de 2010, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de dezasseis meses de prisão, pena declarada extinta em 27 de Junho de 2016”.
Como já referido, não foi contestada a qualificação jurídica dos factos nem a pena de 2 anos de prisão imposta, pretendendo o recorrente que a mesma seja suspensa ou substituída por trabalho a favor da comunidade ou em regime de permanência na habitação.
Para determinar a medida da pena o Tribunal a quo deixou consignado:
“O crime de ofensa à integridade física qualificada previsto no artigo 145.° n.° 1 al. a) do Código Penal é um crime punido com pena de prisão até quatro anos.
Verificamos que este crime não comporta pena pecuniária, uma vez que o legislador entendeu que esta não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, estando assim legalmente determinada a natureza da sanção a aplicar tendo em vista as finalidades que se pretendem atingir com a mesma.
Ainda assim, importa não esquecer que as finalidades das penas encontram, actualmente, consagração no artigo 40.° n.° 1 do Código Penal e visam, em primeira linha, a protecção dos bens jurídicos, procurando, numa lógica de prevenção geral, a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e ainda a reintegração do agente na sociedade, em termos de prevenção especial. Acresce o n° 2 do mesmo normativo, como manifestação do princípio “nulla poena sine culpa” que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa: a culpa é por um lado é pressuposto da pena e por outro é o limite inultrapassável de todas, sejam quais forem, as exigências de prevenção.
Cumpre assinalar que no presente caso, as exigências de prevenção geral são significativas na medida em que se reprova a culpa do agente que pratica este crime, sobretudo em meios públicos, o que é altamente reprovável pela comunidade, pelo alvoroço e alarme social que causa.
As finalidades de prevenção especial, revelam-se de carácter elevado, atendendo às circunstâncias concretas em que se desenrolaram os eventos e as lesões sofridas, pese embora o arguido, apesar de inserido familiarmente, possuir antecedentes criminais da mesma natureza. Resulta assim que o crime em apreço apenas é punível com pena de prisão privativa de liberdade, entendendo o legislador que é a única que assegura de forma adequada e suficiente as finalidades da norma.
Chegados ao momento de determinar a concreta medida da pena, impõe-se não olvidar que a necessidade da tutela de bens jurídicos terá que ser encontrada em concreto, segundo as circunstâncias do caso em análise e não em abstracto.
Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, importa atender à culpa do agente e às exigências de prevenção - artigo 71.º n.º 1 e 2 do Código Penal – bem como a todas as circunstâncias que, ainda que não façam parte do crime, deponham a favor ou contra este.
Foram, assim, tidas em consideração as seguintes circunstâncias: o arguido actuou com dolo directo, o qual se mostra de grau elevado; o grau de ilicitude que é elevado, uma vez que tem capacidade para entender a gravidade da sua conduta, pese embora não tenham resultado consequências duradouras para o ofendido, que também não foram em si insignificantes, tendo a potencialidade de ter sido mais graves do que efectivamente foram, se atendermos à fragilidade das zonas do corpo que foram afectadas, sem esquecer a necessidade de tratamento médico. Contra o arguido a futilidade da sua actuação, pois que não foi trazida aos autos qualquer explicação plausível: o arguido referiu ter visto seu irmão ensanguentado, mas nenhuma das testemunhas o confirmou, sendo certo que, a ter ocorrido, bem sabia o arguido que o ofendido não seria o agressor. Regista-se a actuação em impulsividade que, atendendo aos seus antecedentes criminais da mesma natureza, bem
demonstra não se ter tratado de uma situação isolada e contida, tanto mais que, das suas declarações, é manifesta a ausência de remorso e compreensão da gravidade da sua actuação. A seu favor a sua inserção familiar.
Na situação em apreço são ponderosas as razões de prevenção geral, sobretudo dada a frequência com que o crime de ofensas à integridade é cometido e a leviandade com que é encarado. Atentas estas circunstâncias é premente imprimir na consciência do arguido que não lhe é permitido adoptar um qualquer tipo de conduta violenta. Impõe-se assim uma ponderação entre as circunstâncias agravantes e atenuantes que se verificam, sem esquecer a severidade que deve ser efectuada no juízo de censura, atendendo ao crime praticado.
Tudo ponderado, tomando como referências a culpa do agente como limite absoluto da pena, ponderados os mínimos exigíveis pela prevenção dissuasiva e os limites decorrentes da prevenção especial positiva como critério último para determinação da medida óptima da pena. Reitera-se tudo quanto se disse supra face às necessidades de prevenção geral e especial, e assim sendo, entende-se adequado e proporcional fixar ao arguido a pena de dois anos de prisão.
Urge decidir ainda se é possível e politico-criminalmente conveniente a substituição da pena de prisão por uma pena não detentiva (cfr. neste sentido Ac. TRL de 22 de Setembro de 2011, Proc. N.° 33/07.6PDFUN-A.L1.9, in dgsi.pt).
Diga-se que “o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena” (cfr. Ac. STJ de 21.06.2007, in www.dgsi.pt.)
Assim sendo, tem de se considerar a possibilidade da eventual substituição por uma pena suspensa que poderá ser sujeita a regime de prova (art.° 50.° n.° 1 e 2 do Código Penal). Dispõe o artigo 50º, nº 1 do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”. O prazo da suspensão não pode ser inferior a um ano. É uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, pelo que é necessário que, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, se possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição. Sendo a pena de prisão fortemente restritiva de um direito constitucionalmente tutelado – a liberdade individual, de acordo com o artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa - deve funcionar de acordo com uma lógica de última “ratio”. Quanto à pena de prisão ora aplicada mostra-se inviável a sua suspensão, uma vez que nem a aplicação de penas de prisão anteriores, suspensas na execução, dissuadiram o arguido de continuar a delinquir. Ainda que se ponderasse pela aplicação de condições ou a eventual sujeição a um regime de prova, estamos em crer que não assimilaria a ilicitude da sua conduta, pelos motivos já indicados: se a mera ameaça de pena de prisão não foi suficiente anteriormente, dificilmente se crê que cumpriria os pressupostos e condições subjacentes a uma nova suspensão, a uma nova oportunidade, sendo que desperdiçou várias que lhe foram concedidas. Por fim, nada nos autos permite concluir, como bem se viu, que a conduta do arguido foi esporádica e isolada por parte do arguido, pelo que é evidente que a simples ameaça de pena não impedirá, como não impediu, o cometimento deste ilícito caso fosse dada outra oportunidade.
Há ainda que ter presente a moldura do crime em apreço, sendo entendimento dominante na jurisprudência que nos casos de prática de crimes de nas escolas, em meio escolar, contra alunos ou corpo docente - como é o caso dos autos -, o alarme social que provoca e as elevadas exigências de prevenção geral impedem, no caso, que a pena aplicada ao arguido possa ser suspensa na sua execução, pois que além da agressão ao mais alto representante da escola, a situação gera pânico num meio que se pretende ser seguro e calmo para os menores que o frequentam, que não devem ser expostos a este tipo de violência. Pela mesma razão de ideias está afastada, cremos, uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.° n.° 1 do Código Penal).
Poderia ponderar-se a aplicação da pena de prisão num regime de permanência na habitação (artigo 43.° n.° 1 al. a) do Código Penal). Sucede, porém, que o arguido foi anteriormente condenado numa pena de prisão efectiva pela prática de um crime de ofensa à integridade física na sua modalidade simples, ou seja, na sua anterior condenação, foi efectuado o mesmo raciocínio e alcançou-se a conclusão que só a reclusão em estabelecimento prisional seria adequada ao arguido. De modo que, neste momento, tendo o arguido retomado o mesmo ilícito, desta feita na sua forma qualificada, ou seja, em grau de intensidade superior, se é evidente que talvez nem a pena de prisão efectiva possa fazer o arguido reformar o seu comportamento, é manifesto que um regime de permanência na habitação se afigura insuficiente para acautelar as finalidades de punição mas, e sobretudo, de ressocialização e interiorização da ilicitude da sua actuação.
Assim sendo, em face da personalidade do arguido, na ausência de elementos que sinalizem uma vontade de redenção, arrependimento e de actuação isolada, não estamos em crer que episódios semelhantes não ocorram em liberdade; inexistindo qualquer expectativa na alteração positiva da conduta do arguido e não se compadecendo a sociedade com qualquer nova oportunidade que lhe seja dada neste campo, só o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada será adequada e suficiente a assegurar as exigências de prevenção geral e especial, não se procedendo a qualquer substituição da pena de prisão aplicada”.
IV. Do Mérito do Recurso
Não tendo sido contestada a matéria de facto, a qualificação jurídica dos factos e quantum da pena imposta – 2 anos de prisão -, importa apenas analisar e decidir se a pena deve ser cumprida em efetividade.
Comecemos por descrever os critérios gerais da escolha da pena.
Nas palavras de Figueiredo Dias “Afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena, resta determinar como se comportam mutuamente, neste âmbito, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial. É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto. Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. E prevalência, anote-se, a dois níveis diferentes:
Em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração.
Em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v. g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstratamente aplicáveis deve ser a eleita. Neste sentido pode afirmar-se que não existe em abstracto, pelo menos sob forma rígida e em via de princípio, uma «hierarquia legal das penas de substituição»; só em concreto ela se dá isto é, em função das exigências de prevenção especial de socialização que na hipótese se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer.
(...) Mas — qual então o papel da prevenção geral como princípio integrante do critério geral de substituição? Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (...), como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
Nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal, a substituição da pena de prisão não superior a 2 anos pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que o Tribunal concluir, “nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.
O pressuposto formal desta pena de substituição e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade.
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de substituição de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda para o condenado de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas.
Por sua vez, estatui o n.° 1 do artigo 50.° do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.”
De harmonia com o disposto no n.° 5 da mesma disposição, “o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.”
Determina-se, ademais, no n.° 2 do aludido artigo 50.° do Código Penal, que “o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.” Tal regime de prova é, aliás, obrigatório sempre que o condenado não tenha completado, à data do crime, 21 anos de idade ou quando for condenado por um crime previstos nos artigos 163.° a 176.° A, sendo a vítima menor (cf. artigo 53.°, n.° 3 do Código Penal).
Tendo sido aplicada, nos presentes autos, uma pena de prisão inferior a 5 anos, caberá, pois, ao Tribunal ponderar a suspensão de tal pena principal.
Para aferir da verificação dos pressupostos materiais de aplicação da pena de substituição em análise, isto é, para determinar se a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, o Tribunal há de atender, especialmente, às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Como refere Figueiredo Dias: “a finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes (...)decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».”
Exige-se, deste modo, que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido no sentido de que este, previsivelmente, não voltará a cometer crimes da mesma natureza, o mesmo é dizer que se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são adequadas e suficientes na prossecução das finalidades da punição.
No entanto, os pressupostos materiais da aplicação do instituto de suspensão da execução da pena, não se basta pela análise das exigências de prevenção especial – ponderação da personalidade do agente e a sua inserção social – terão, ainda, de ser consideradas as exigências de prevenção geral. Em consequência, para se fazer o juízo de prognose favorável há que fazer uma análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida do agente, a sua conduta anterior e posterior aos factos, e a sua personalidade neles revelada. Se dessa análise se concluir como provável que o agente sentirá a condenação como uma solene advertência e que uma conduta delituosa será suficientemente prevenida com a simples ameaça da prisão e que se mostra viável a sua socialização em liberdade, então estarão reunidos os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, a menos, é claro, que a tal se oponham as necessidades de prevenção geral.
Como se decidiu no Ac. Relação de Coimbra de 29.11.2017 quanto à suspensão da execução da pena de prisão: “No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir)”.
Todavia, como refere Figueiredo Dias a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime; estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
Vejamos, a este passo, se efetivamente o recorrente pode beneficiar deste regime ou da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade.
In casu, verifica-se o pressuposto formal para a substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade, tendo o arguido prestado o seu acordo à mesma.
Atentos os elementos carreados para os autos, entendemos que, pese embora a inserção familiar do arguido – vive com a sua família de origem e constituída -, as elevadas exigências de prevenção geral e especial afastam por completo a substituição da pena imposta por trabalho a favor da comunidade ou mesmo a sua suspensão.
Em relação à prevenção especial, não podemos olvidar os antecedentes criminais do arguido maxime por crimes contra as pessoas. O arguido já sofreu seis condenações criminais e se as três condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal não pesariam de forma determinante contra o arguido, o mesmo não se pode dizer da condenação que sofreu, transitada em julgado em 16.11.2009, pela prática de um crime de roubo tentado, a condenação, transitada em julgado em 15.04.2010, pela prática de dois crimes de roubo e a condenação, transitada em julgado em 12.03.2014, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples. Pelo prática dos crimes de roubo o arguido foi sancionado com penas de prisão suspensas na sua execução que não surtiram o efeito contentor que lhes está (ou devia estar) associada, pois, depois das suspensões aplicadas, o arguido cometeu o crime de ofensa à integridade física simples, sendo sancionado com uma pena de 16 meses de prisão efetiva, que também não o impediu de praticar o crime em apreciação que ocorreu no ano de 2019. Se atentarmos que o arguido foi condenado no ano de 2014, esteve preso e que os factos em apreciação ocorreram em 2019, concluímos que, ao contrário do que defende o recorrente, o hiato de tempo decorrido não nos permite concluir que este foi um caso esporádico na vida do arguido.
Também o facto de só agora estar a ser julgado não tira validade às conclusões acima referidas. Importa ter presente que o Tribunal só julga tendo em consideração os factos dados como provados (que não foram impugnados pelo recorrente) e deles não resulta o que agora se alega na peça recursiva em análise, ou seja, que o arguido está numa fase de maior estabilidade emocional. Nada nos factos provados nos leva a tirar esta conclusão e, consequentemente, esta alegação não estando sedimentada na matéria de facto apurada, não pode ser valorada pelo tribunal.
Como se consignou na sentença em apreciação que tem de ser valorado contra o arguido “a futilidade da sua actuação, pois que não foi trazida aos autos qualquer explicação plausível: o arguido referiu ter visto seu irmão ensanguentado, mas nenhuma das testemunhas o confirmou, sendo certo que, a ter ocorrido, bem sabia o arguido que o ofendido não seria o agressor. Regista-se a actuação em impulsividade que, atendendo aos seus antecedentes criminais da mesma natureza, bem demonstra não se ter tratado de uma situação isolada e contida, tanto mais que, das suas declarações, é manifesta a ausência de remorso e compreensão da gravidade da sua actuação”.
Temos, então de concluir, que são muito elevadas as exigências de prevenção especial, mas também são muito elevadas as exigências de prevenção geral, que, em nossa opinião, sozinhas já podiam levar a não aplicação da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade ou à suspensão da pena.
Com efeito, como se escreve na decisão recorrida, com a qual concordamos na integra, “há ainda que ter presente a moldura do crime em apreço, sendo entendimento dominante na jurisprudência que nos casos de prática de crimes de nas escolas, em meio escolar, contra alunos ou corpo docente - como é o caso dos autos -, o alarme social que provoca e as elevadas exigências de prevenção geral impedem, no caso, que a pena aplicada ao arguido possa ser suspensa na sua execução, pois que além da agressão ao mais alto representante da escola, a situação gera pânico num meio que se pretende ser seguro e calmo para os menores que o frequentam, que não devem ser expostos a este tipo de violência. Pela mesma razão de ideias está afastada, cremos, uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º n.º 1 do Código Penal).”
E como também bem escreveu o Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação “Os crimes em ambiente escolar de há muito suscitam a especial preocupação do legislador, que já à data dos factos considerava tais crimes de investigação prioritária.
Na verdade, a Lei de Política Criminal em vigor à data dos factos em apreço, a lei n.º 96/2017 de 23 de Agosto, definia os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, considerando no seu art.º 2.º al. l) como sendo de prevenção prioritária a criminalidade em ambiente escolar; e no art.º 3.º al. h) da mesma lei, arvorava em crimes de investigação prioritária a criminalidade violenta em ambiente escolar.
Estas preocupações do legislador não se atenuaram no quadro da Lei de Política Criminal em vigor, vide os art.ºs 4.º al. g) e 5.º al. f) da lei 51/2023.
Em coerência com esta necessidade sentida pelo legislador de proteger de forma reforçada figuras institucionais de referência, como o(s) professor(es), o crime praticado encontra especial qualificação no art.º 132.º n.s 1 e 2, l), CP.
É, portanto, de uma gravidade extrema, que interpela toda a comunidade, a desnaturada agressão do arguido, a que se soma o seu percurso conflituoso com a justiça, mantido de há longa data, sem sinal de conversão ou abrandamento”.
Posto isto, concluímos que tantas as exigências de prevenção geral como as de prevenção especial afastam a possibilidade de substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade e também afastam a possibilidade de suspensão da pena.
Por fim, peticionou o recorrente que a pena imposta possa ser cumprida em regime de permanência na habitação.
Nos termos do artigo 43.º do Código Penal: “1. Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos”.
No caso dos autos também entendemos que a pena de prisão imposta ao arguido não deve ser cumprida em regime de permanência na habitação.
Vejamos os motivos.
O arguido já sofreu seis condenações criminais, em penas de multa, penas de prisão suspensas na sua execução e de prisão efetiva e, ainda assim, foi agora condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada numa pena de 2 anos de prisão. O arguido evidencia uma personalidade com grave afastamento das regras sociais e do dever ser e, por isso, não se mostra adequada às finalidades da execução da pena permitir que o mesmo cumpra a sua pena em regime de permanência na habitação.
Como se escreveu no Ac. RP de 19.10.2022 “Ora, se um arguido já sofreu anteriormente sete condenações pela prática de crimes idênticos, tendo-lhe sido aplicadas penas de multa, de prisão substituída por multa, penas de prisão suspensas na sua execução, pena de prisão substituída por trabalho, que veio a ser revogada, não tendo as penas de substituição logrado afastá-lo da prática de novos crimes, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão”.
Cremos, assim, que só uma pena de prisão efetiva fará o arguido parar a senda criminosa e, desta forma, satisfazer eficazmente as exigências de prevenção especial e geral.
Terá, consequentemente e por tudo que fica dito, o recurso de ser julgado improcedente.
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AAAA, confirmando a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s.
Notifique.
Ana Lúcia Gordinho (Relatora)
Alda Tomé Casimiro (1.º Adjunta)
Manuel José Ramos da Fonseca (2.º Adjunto)