Dada a especial natureza quer dos mesmos quer da particular regulação da sua tramitação processual, nos autos relativos a incumprimento das responsabilidades parentais, especialmente quando está em causa o pagamento de prestações alimentares devidas a menores, é apenas de 15 dias o prazo para interposição de recurso da decisão que constituiu o IGFSS/FGADM como devedor dessa obrigação.
Proc. 2063/14.7TBVFX 1ª Secção
Desembargadores: Eurico Reis - Ana Grácio - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam, em conferência, os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Nos autos de incumprimento das responsabilidades parentais movidos por … contra …, foi proferida a seguinte decisão, encimada pela conclusão que aqui também se transcreve:
CONCLUSÃO - 14-01-2016, com informação a V.Ex, de que salvo melhor opinião, o recurso de fls. 78 e seguintes é extemporâneo.
(Termo electrónico elaborado por Escrivão Adjunto Maria de Lurdes Morais)
A situação de ausêncla, de qualquer rendimento conhecido inviabiliza cobrança coerciva da pensão de alimentos nos termos do art. 189° OTM.
Impõe-se, pois, verificar se estão reunídos os requisitos dos quais depende a assunção por parte do Estado, por via do Fundo de garantía dos alimentos devidos a menores, da pensão de alimentos.
Nos termos do art. 1.º da lei 75/98, de 19 de Novembro, regulamentada pelo DL 164.99, de 13 de Malo, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor resldewte em território nacional não satisfizer as quantias em divida pelas formas previstas no art. 189.º OTM e o alimentado não tenha rendimento liquído superior ao salário mínimo nacional nem beneficíe nessa medida de rendímentos de outrem. a cuja guarda se encontre, o estado assegura as prestações previstas no diploma até ao ímícío do efectivo cumprimento da obrigação.
As prestações atribuídas são, fixadas pelo tribunal, que atendendo à capacidade económtica do agregado famíliar, ao montante da prestação de alímentos fixada e às necessidades especificas do menor, e não podem. exceder, mensalmente, o montante de 4 UC.
Aa factualídade apurada nos presentes autos resulta que os menores vivem com a mãe.
Do relatório da S S junto aos autos impõe-se concluir que estão verificados os requisitos legais dos quais depende a fixação de uma prestação alimentar a suportar pelo Fundo.
Decisão:
Pelo exposto e ao abrigo dos arts. 1.º e 2.º da Lei 75/98, de 19 Dez. e arts. 3° e 4° do D.L. 164/99, de 13 de Maio, deter-mino que a pensão fixada viestes autos a favor dos menores seja suportada pelo Fundo de garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Notifique a presente decisão ao Mímístérío Público, ao requerente, e ao Instítuto de Gestão Fimamceira da segurança social, nos termos do art. 4° n.º 3 do D.L. 164/99, de 13 de Maio.
Notifique ávida a requerente para fazer a renovação anual da prova de que se mantévm os pressupostos para a manutenção da pensão, nos termos do art. 3°,n.º 6 da Lei 75/98, de 1,9 de Novevubro.
ds. (sic).
Inconformado com essa decisão, o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP/FGADM dela recorreu, rematando as suas alegações com o pedido de que seja ... o presente recurso ... Considerando procedente, com inerentes consequências legais (sic), formulando para tanto a conveniente peça processual que culmina com 20 conclusões.
O recurso deu entrada em Juízo no dia em 08 de fevereiro de 2016 e não foi admitido com os seguintes fundamentos (transcrevendo-se, uma vez mais, a conclusão que encima a decisão reclamada):
CONCLUSÃO - 24-02-2016, com informação a V.Ex, de que salvo melhor opinião, o recurso de fls. 78 e seguintes é extemporâneo.
(Termo electrónico elaborado por Escrivão Adjunto Maria de Lurdes Morais)
veio o Instituo de Gestão Financeira da Segurança Social, IP interpor recurso em 8 de Fevereiro de 2016 da decisão proferida em 20 de janeiro de 2016.
sucede, no entanto, que o recurso foi interposto 21 dias após o recorrente ter sido notificado de tal decisão (cfr. fls. 73), sendo certo que o prazo de que dispunha para o efeito era de 15 días, nos termos do disposto no 32°, n.º 3, do RGPTC.
O recurso é, pois, manifestamente extemporâneo.
Assim., mão admíto o recurso interposto a fls. 78 a 91, por extemporaneídade.
Sem custas pelo incidente uma vez que o recorrewte está isento.
Notifique.
d.s. (sic).
Écontra essa decisão de não admissão do recurso que o mesmo INSTITUTO se insurge, invocando, em síntese, que:
1.º No entendimento do douto Tribunal a quo, no seguimento do não menos douto entender da Escrivão Adjunto Maria de Lurdes Morais é de extemporaneidade - conforme CITIUS nos autos com a v/ referência 127612773 (25 de fevereiro de 2016), a interposição, em 08 de fevereiro de 2016, do recurso, acompanhado da alegação e das competentes conclusões contra a decisão judicial, datada de 14 de janeiro de 2016 - conforme CITIUS nos autos com a v/ referência 127010691 (14 de fevereiro de 2016).
2.° O ora Reclamante desconhece a decisão judicial, datada de 20 de janeiro de 2016, a que o douto Tribunal faz alusão - conforme notificação CITIUS nos autos com a v/ referência 127612773 (25 de fevereiro de 2016).
3.° Apenas conhece, porque notificado da decisão judicial, datada de 14. de janeiro de 2016, apesar de por manifesto erro de escrita ter, aquando do requerimento de interposição de recurso apresentado junto do douto Tribunal a quo, a tal menção ter feito constar.
4.2 Contudo, compulsando os autos constata-se que apenas, até porque na alegação e competentes alegações de recurso apresentadas - conforme CITIUS nos autos com a v/ referência 3151849 (8 de fevereiro de 2016), a menção consta, que a decisão em crise é datada de 14 de janeiro de 2016.
5.° Assim, apesar do douto despacho de que, ora se reclama, fazer menção a decisão proferida em 20 de janeiro de 2016, deve-se ler 14, de janeiro de 2016, considerando o Tribunal a quo que o recurso foi interposto 21 dias após o recorrente ter sido notificado de tal decisão (cfr. fls. 73), sendo certo que o prazo de que dispunha para o efeito era de 15 dias, nos termos do disposto no 32.°, n.° 3, do RGPTC.
6.° Porém, o ora reclamante, Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., não concorda com tal entendimento, pelas razões e fundamentos que a seguir explanarmos.
7.2 Em 08 de fevereiro de 2016, o reclamante apresentou recurso de apelação nos autos de incumprimento das responsabilidades parentais, a correr os seus termos com o n.° 2603/14,7 TBVFX-A, por não se conformar com a sentença judicial, datada de 14, de janeiro de 2016, que, em suma, determina que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegure o pagamento das prestações de alimentos dos menores.
8.° O Reclamante apresentou o requerimento de recurso, alegação e conclusões atempadamente, uma vez que com a notificação do oficio n.° 127010691, datado de 14 de janeiro de 2016, e decorrido o prazo legal de presunção de notificação de três dias, em 18 de janeiro de 2016, inicia-se a contagem do prazo normal para a interposição de recurso, que é de 30 (trinta) dias, isto é, o prazo iniciou-se em 27 de novembro de 2015 e terminou em 16 de fevereiro de 2016.
9.° Em erro de julgamento da matéria de facto o Tribunal a quo decidiu e ao arrepio e em violação dos art.° 248.2 em conjugação com disposto no art.° 249.2 e com o n.° 1 do art.° 251.° e 253.2, bem como o n.° 1 do art.° 638.° do Código de Processo Civil ex vin.° 5 do art.° 3.2 da Lei n.°
75/98, de 19 de novembro alterado pela Lei n.° 66-B/2012 de 31 de dezembro, em interpretação atualista face ao regime dos recursos, após a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil.
10.2 Certo é que face a constatação de que um menor esteja carecido de alimentos, o Estado não lhe garante uma prestação de alimentos a não ser que tal prestação esteja já fixada judicialmente a cargo do devedor de alimentos e estejam verificados os requisitos previstos na Lei n.2 75/98, de 19 de novembro e respetiva regulamentação.
11.2 A obrigação do FGADM consiste apenas em assegurar que os menores recebem os alimentos fixados judicialmente a seu favor.
12.2 É a Lei n.2 75/98, de 19 de Novembro que regula a Garantia cios alimentos devidos a menores e não a Lei n.2 141/2015 de 8 de setembro, que aprova o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, pelo que o prazo de 15 dias constante no artigo 32.2, n.° 1, do RGPTC e no qual o douto despacho fundamenta a rejeição do recurso apresentado não é o aplicável ao caso em concreto.
13.2 O prazo aplicável é o de 30 dias constante no n.° 1 do art.' 638.2 do Código de Processo Civil.
14.2 Assim, o recurso interposto ser considerado tempestivo, conhecendo-se do mesmo, decidindo-se, a final, conforme for de JUSTIÇA. (sie).
Não foram apresentadas contra-alegações.
2. Subidos os autos a este Tribunal Superior, foi proferido em 27/05/2016 o despacho liminar de
relator que ocupa fls. 43 a 47 cujo decreto judicial é o seguinte:
Nesta conformidade e com estes exactos Fundamentos, ao abrigo do disposto no art.° 643° do CPC 2013, indefere-se ao reclamado e confirma-se o decreto judicial de não admissão de recurso proferido em 1' instância em 24 de Fevereiro de 2016, conforme despacho -transcrito no ponto 1 da presente decisão liminar do relator.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
Sem custas, por o reclamante estar isento do pagamento das mesmas.
Notifique..
Novamente inconformado, o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP/FGADM veio, a fls. 52 a 53, requerer que o objecto da reclamação fosse sujeito a Conferência, pretensão que, após ter sido
ouvida a parte contrária, foi admitida, tendo o processo seguido para Vistos.
Cumpre, então, aquilatar, desta vez em Conferência, se o recurso intentado pelo aqui reclamante é ou não extemporâneo.
3. Discussão jurídica da causa.
O recurso intentado pelo reclamante é ou não extemporâneo?
3.1. Ao iniciar a análise do mérito (ou demérito) da presente reclamação, importa deixar claro que, no despacho criticado, o Mmo Juiz a quo cometeu um lapso de escrita pois é evidente e notório que a decisão recorrida foi proferida em 14de janeiro de 2016 e não em 20 de Janeiro de 2026.
Feita esta clarificação e passando ao efectivo escrutínio do objecto material da causa, é aqui impossível deixar de recordar o várias vezes milenar brocardo latino que proclama odiosa restringenda favorabilia amplianda.
O que significa que as limitações ao direito a recorrer - pelo menos uma vez - de uma decisão judicial, por ontologicamente indesejáveis, têm de ser aplicadas restritamente, sendo esta predisposição favorável à ampliação das possibilidades de exercício do direito especialmente adequada quando se depara nos autos uma situação em que está em causa a prestação de alimentos devidos a menor.
Não obstante, essa predisposição tem forçosamente de ceder contra Lei expressa, sendo que esse é efectivamente o caso que aqui se escrutina.
E tudo isto sem sequer fazer apelo - embora tal não seja de todo despiciendo para o apuramento dá vontade reguladora do Legislador (mens légis) para as situações corno aquela que agora está em causa - à circunstância de na data da publicação da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro, uma vez que o CPC em vigor (o aprovado pelo DL n.° 44129, de 28 de Dezembro de 1961, na versão que lhe foi dada pelo DL n.° 315/98, de 20 de Outubro), fixava que, nos recursos de agravo (que era o então estabelecido para situações como a que se depara nestes autos - v. art.° 3° n.° 5 da aludida Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro), as alegações terem de ser apresentadas no prazo de 15 das a contar da not caça o do despacho que admita o recurso, e de, face ao disposto, expressamente e sem qualquer remissão para o regime do recurso e de apresentação de alegações estabelecido no CPC, no art.° 32° n.° 3 do RGPTC aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, ser também de 15 dias o prazo fixado nos processos tutelares cíveis, designadamente o de incumprimento, para interposição de recurso e das respectivas alegações.
E tal não é nem pode ser considerado uma mera coincidência.
Na verdade, independentemente de tudo o mais e dada a evidente específica natureza desse tipo de autos, os processados respeitantes a um incumprimento das responsabilidades parentais são, para todos - mas mesmo todos - os efeitos, um processo urgente (art.° 160° da OTM, norma que actualmente está consubstanciada no art.° 13° da Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, que revogou aquele outro diploma).
Ou será que o reclamante questiona ou duvida que, estando em causa o pagamento de prestações de natureza alimentar fixadas a favor de menor, qualquer demora é idónea para causar prejuízo aos interesses da criança?
E essa aludida evidência é tão notória que não se toma sequer necessária a produção de um despacho judicial a declará-lo (logo, a apresentação de um julgamento individualizado contendo uma fundamentação desse juízo valorativo - a emitir um por cada processo).
Ora, sendo os autos nos quais foi proferida a decisão reclamada, ao longo de toda a sua tramitação, um processo urgente, face ao estatuído no n.° 1 do art.° 638° do CPC 2013, o prazo de interposição de recurso é sempre de 15 dias.
E tanto basta para julgar o pleito que constitui o objecto desta instância de reclamação porque, como em tudo na Vida, é conveniente que na actividade dos Tribunais se ponha em prática um princípio lógico atribuído ao frade franciscano inglês William de Ockham, que viveu no século XIV, que é, por essa razão, conhecido como Navalha de Ockham - mas que é também referenciado como Lex Parsimoniae (Lei da Parcimónia) - e que é enunciado nos seguintes termos entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem (as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade), sendo aqui essas entidades os passos lógicos entre a constatação dos factos e a sua subsunção nos normativos legais reguladores da situação em análise.
E se a questão a dirimir é verdadeiramente simples - o que é o caso - ser sintético e até lacónico, desde que seja afirmado e clarificado tudo o que tem de o ser, é, sem margem para dúvidas, uma virtude e não um defeito, até porque, recorda-se, a prática de actos inúteis, por desnecessários, impertinentes e/ou dilatórios, constitui um comportamento ilícito, proibido e punível por Lei (art°s 130° e 6° n.° 1 do CPC aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, que é o aplicável).
3.2. Mas mesmo que assim se não entendesse, um outro motivo existe para justificar a improcedência da presente reclamação.
De facto, como já antes se enunciou, à data da publicação da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro, o CPC em vigor (o aprovado pelo DL n.° 44129, de 28 de Dezembro de 1961, na versão que lhe foi dada pelo DL n.° 315/98, de 20 de Outubro), fixava que, nos recursos de agravo (que era o então estabelecido para situações como a que se depara nestes autos - v. art.° 3° n.° 5 da aludida Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro) as alegações tinham de ser apresentadas no prazo de 15 das a contar da notificação do despacho que admita o recurso.
O que, insiste-se, constitui uma clara indicação da vontade do Legislador no que tange à regulação da questão que agora se discute nesta instância de reclamação prevista no art.° 643° do CPC 2013, tanto mais que esse não era, de todo, o regime fixado nos art°s 685° e 743° do CPC então vigente para a tramitação do recurso de agravo.
Subsequentemente, com a reforma do regime dos recursos introduzida pelo DL n.° 303/2007, de 24 de Agosto (v., em concreto, o art.° 4° deste diploma), a referência ao recurso de agravo em 1 ' instância passou a considerar-se feita ao recurso de apelação.
Ora, de acordo com o disposto no art.° 691 ° n°s 1 alínea d) e 5 CPC resultante da entrada em vigor desse decreto-lei, por se tratar de decisão que condena no cumprimento de uma obrigação pecuniária, o prazo para interposição e apresentação das alegações continuou a ser o de 15 dias, prazo que se manteve no novo CPC 2013, agora por se tratar de uma decisão proferida depois da decisão final, que aqui é a que fixa a obrigação de alimentos do devedor originário (v. artigos 638° n.° 1 e 644° n.° 2 alínea g) deste último Código que presentemente vigora).
E, repete-se, para culminar todo este percurso, também no RGPTC aprovado pela já citada Lei n.° 141/2015 é de 15 dias o prazo para interposição do recurso e de apresentação de alegações nos processos tutelares cíveis, designadamente o de incumprimento - que, sublinha-se uma vez mais, deixou de ser fixado por remissão para o regime dos recursos no Código de Processo Civil (v. art.° 32° n.° 3).
Perante esta constatação, é realmente de uma enorme temeridade alegar, como fez o apelante - que é um instituto público sujeito ao mais estrito cumprimento do Princípio da Legalidade -, que outro podia ser, que não o de 15 dias, o prazo para interposição de recurso e de apresentação de alegações contra a decisão judicial que constituiu o IGFSS/FGADM como devedor da obrigação de pagamento de prestações alimentares devidas a menores.
E, efectivamente, só a circunstância de o apelante estar isento do pagamento de custas impede a sua bem merecida condenação nos termos previstos nos art°s 531° do CPC 2013 e 10° do RCP.
3.3. Nesta conformidade e com os fundamentos atrás expostos, ao abrigo do disposto no art° 643° do CPC 2013, indefere-se, agora em Conferência, ao reclamado e confirma-se o decreto judicial de não admissão de recurso proferido em la instância em 24 de Fevereiro de 2016, conforme despacho transcrito no ponto 1 do presente acórdão.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação Cógica justificativa, aqui se declara e decreta
Sem custas, por o reclamante estar isento do pagamento das mesmas. Notifique.
Lisboa, 13/09/2016