I- Em sede de revisão das medidas de Promoção e Protecção a decisão de revisão deve ser fundamentada de facto e de direito, em coerência com o projeto de vida da criança ou jovem.
II- Esta fundamentação de facto impõe que o juiz declare quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradasdos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
III- Não pode, por isso, o despacho que revê medidas de promoção e protecção anteriormente aplicadas limitar-se a consignar, telegraficamente, que a situação da criança ou jovem tem vindo a estabilizar.
IV- Uma decisão desse teor, de índole manifestamente conclusiva, sem factos concretos é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto
Proc. 4143/ 13.2TBCSC-E.L1 1ª Secção
Desembargadores: Rui Vouga - Rosário Gonçalves - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
A …, inconformada com o Despacho proferido em 17 de Março de 2016 - no Processo de Promoção e Protecção que corre termos na Secção de Família e Menores da Instancia Central de cascais da Comarca de Lisboa Oeste, relativamente ao menor … (filho da Requerida ora Recorrente e de …
- que determinou a prorrogação da medida provisória de promoção e protecção do seu filho anteriormente tomada (no dia 29/10/2015), pela qual foi substituida a medida originariamente aplicada (a titulo provisório) à criança em questão (de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe) pela medida de apoio junto de outro familiar 'na pessoa dos avós paternos)-, interpôs recurso de tal decisão (admitido como de Apelação, com subida em separado e com efeito meramente devolutivo: cfr. arts. 644°, 645°, n° 2, 646° e 647°, n° 1, do Novo Código de Processo Civil e art. 124° da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
1 - A decisão em crise foi tomada quase 60 dias após a data em que devia ter sido proferida.
2 - Tal facto conduz à nulidade da mesma.
3 - A decisão recorrida não tem qualquer fundamentação de facto.
4 - Mesmo a mera remissão para factos que determinaram a anterior medida não é admissivel.
5 - Os factos que determinaram a anterior medida não existem, nem podem existir, uma vez que a criança não está entregue à mãe;
6 - A douta sentença não se pronunciou sobre o regime de visitas a fixar à mãe, apenas estabelecendo que seria um terceiro a defini-los.
7 - É óbvio que a retirada do menor da guarda da sua mãe, com quem vive desde que nasceu e que dele cuida bem, sob todos os aspectos, é uma medida que prejudica os interesses do menor, tanto mais que a entrega do mesmo é efectuada a avós que com ele nenhuma relação têm.
8 - O douto Tribunal não notificou a recorrente de qualquer relatório citado na decisão, mesmo após tal lhe ter sido notificado.
9 - Além disso, nunca permitiu que entre a data do conhecimento da apresentação dos relatórios e da decisão fosse cumprido o prazo do contraditório.
10 - a douta sentença violou o disposto nos artigos 4o d), e), f) e j), 370, 62o, no 4, 1170 da Lei no 147/99, os artigos 30, n0 3, 3660, no 1, 5210, 6070, n0 3 e 5, 6150, no 1, al.íneas b) e d), do CPC.
Face ao exposto, deve a douta sentença ser revogada.
Mesmo que não seja revogada a douta sentença, deve este Tribunal superior fixar um regime de visitas da mãe ao menor idêntico ao que o Tribunal antes tinha fixado ao pai.
O progenitor masculino contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação da progenitora feminina e pela confirmação da decisão recorrida, tendo extraída da sua Contra-alegação as seguintes conclusões:
«a) Veio a Recorrente interpor recurso da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, o qual determinou a prorrogação da medida de promoção e protecção do Menor, por mais três meses.
b) A Recorrente vem alegar que o Tribunal a quo não poderia ter decidido de tal forma, por, na sua opinião, considerar que a referida decisão não foi fundamentada, por considerar que os pressupostos invocados na anterior decisão que ordenou a medida provisória já não se verificam e por considerar que o Tribunal não definiu um regime de visitas da mãe.
c) Em 29 de Outubro de 2015, o Tribunal a quo considerou, face aos relatórios e pareceres emitidos pelos peritos que avaliaram a Recorrente, quer pelas entidades que acompanharam o Menor, que a Mãe do Menor não se encontrava em plena capacidade para assegurar a saúde e bem-estar do Menor.
d) A Recorrente, por sua livre iniciativa, impedia o pai de ver o seu filho, incumprindo o regime de visitas que havia sido estabelecido no Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, por ter criado, por diversas vezes, um cenário dantesco à volta do Pai e por ter criado situações desadequadas e impróprias as quais iam contra o interesse e bem-estar do Menor, causando-lhe uma enorme instabilidade.
e) O tribunal a quo decretou que o menor deveria ser de imediato entregue aos avós paternos, que passariam a ter, ainda que provisoriamente, a guarda do neto.
f) Decorrido este período de tempo, a ECJ emitiu um relatório no qual considerou que ainda faltavam elementos essenciais para a definição a médio prazo do projecto de vida do Menor.
g) O Tribunal a quo considerou que a medida provisória que havia sido anteriormente decretada ainda estava a cumprir os respectivos desígnios, no sentido de salvaguardar os interesses do Menor, pelo que decidiu manter a medida provisória de entrega do menor aos avós paternos por mais três meses.
h) Resulta claro que o Tribunal alicerçou a sua decisão nos relatórios e pareceres que foram sendo emitidos desde que o Menor foi entregue aos avós paternos, os quais são unânimes no sentido de que a Mãe ainda não se encontra emocionalmente estável para se poder disponibilizar pela saúde, alimentação, educação e vestuário e, acima de tudo, estabilidade do Menor.
i) Importa referir que, a título de exemplo de que a Recorrente ainda se encontra instável, foi o facto de, após ter tido conhecimento do despacho proferido pelo Tribunal a quo, ter telefonado para a Directora da Escola que o Menor frequenta, aos gritos, ofendendo-a e dizendo que ela era uma das culpadas pelo facto de o Menor não estar com ela.
j) Não se compreende o que pretende a Recorrente quando afirma que a decisão em apreço não estabeleceu qualquer regime de visitas da mãe ao menor.
K) De acordo com o que a Associação Passo a Passo transmitiu quer à Recorrente, quer ao Recorrido, o regime de visitas da Mãe ao Menor passou a ser o seguinte: a partir de 2 de Abril de 2016, as visitas da mae e dos avós maternos ao Menor passam a ser às terças-feiras, das 17h 15 às 18h 15 e aos Sábados, das 10h 30 às 12h, sendo que as visitas aos Sábados passam a ser no exterior, sem a presença de qualquer elemento da Associação.
l) Convém esclarecer o Tribunal que é absolutamente falso que a Recorrente esteja impedida de ver e conviver com o Menor desde 29 de Outubro de 2015.
m) Como bem sabe a Recorrente, desde que o Tribunal decretou a medida provisória de entrega do menor aos avós paternos, a mesma passou a ter um regime de visitas que se traduzia às terças-feiras das 17h 15 às 18h 15 e às sextas-feiras, das 10h às 11h.
n) as visitas em questão foram sempre realizadas nas instalações da Associação Passo a Passo , sendo que esta Instituição poderá comprovar que as mesmas foram sempre escrupulosamente cumpridas, nunca tendo sido negada à Recorrente qualquer visita ao menor, dentro daqueles horários.
o) A partir de 2 de Abril de 2016, as visitas da Mãe ao Menor passaram a ser às terças-feiras, das 17h 15 às 18h 15 e, aos Sábados, das 10h 30 às 12h, tendo as visitas aos Sábados passado a ser no exterior.
p) Importa esclarecer que no dia 2 de Abril de 2016 ocorreu a primeira visita nos novos moldes, sendo que, ao contrário do que havia sido estipulado, apenas apareceu a Mãe do Menor, não tendo estado presentes os avós maternos.
q) Assim sendo, face ao exposto, deverá o presente recurso ser declarado improcedente, por não provado, mantendo assim a decisão proferida pelo Tribunal a quo.»
O MINISTÉRIO PÚBLICO também apresentou contra-alegações, pugando pela manutenção da decisão recorrida e formulando as seguintes conclusões:
«1 - Não corresponde à verdade que a recorrente esteja impedida de ver e conviver com o filho desde o dia 29 de Outubro - tais convívios sempre ocorreram, embora supervisionados, através da intervenção da Associação Passo a Passo.
2 - Tendo, efectivamente, sido excedido o prazo de revisão da medida, previsto no art. 37°, n° 3, da LPCJP, tal circunstância não acarreta a nulidade da decisão de revisão.
3 - A fundamentação da decisão recorrida, sendo escassa e essencialmente remissiva, não é inexistente, pelo que também não está ferida de nulidade, por esta via.
4 - Os factos que fundamentaram a decisão de substituição da medida de apoio junto da mãe pela de apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós paternos, a título provisório, discriminados na decisão em causa, incluem episódios de violência a que a criança assistiu, bem como sujeição da mesma a sucessivos exames clínicos sem fundamento, o que lhe causou grande perturbação e sofrimento emocional, consubstanciando assim uma situação de perigo iminente, determinante da aplicação de medida substitutiva a título provisório (art. 37° da LPCJP).
5 - Tal decisão traduz-se numa intervenção de emergência, em sede de promoção dos direitos e de protecção, a qual não determina a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais (estando a guarda ainda atribuída à mãe).
6 - A não fixação específica do regime de visitas entre a criança e a mãe, determinando que ocorram de acordo com a intervenção da Associação Passo a Passo, respeita a dinâmica desta intervenção, que se revelou muito positiva no restabelecimento de um relacionamento saudável entre mãe e filho, pelo que, prevendo-se fundadamente que tal dinâmica permita aumentar e aprofundar os convívios (como tem vindo a verificar-se), redunda em benefício para a criança e, secundariamente, para a mãe.
7 - A recorrente foi notificada da junção aos autos dos relatórios da Associação Passo a Passo e do INML, imediatamente após a referida junção, pelo que o exercício pleno do princípio do contraditório não foi prejudicado.
8 - A decisão recorrida não violou qualquer preceito legal, pelo que deverá ser mantida.»
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex oficio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n° 1, do C.P.C. de 2013) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n° 3, do C.P.C. de 2013), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n° 4 do mesmo art. 635°) 3 4. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5°, n° 3, do C.P.C. de 2013) - de todas as questões suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608°, n° 2, do C.P.C. de 2013, ex vi do art. 663°, n° 2, do mesmo diploma).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela progenitora ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito às seguintes questões:
a) Se a decisão recorrida é nula, por ter sido tomada quase 60 dias após a data em que devia ter sido proferida;
b) Se a decisão recorrida carece de qualquer fundamentação de facto (já porque a mera remissão para os factos que determinaram a decisão anterior não é admissível, já porque os factos que estiveram por detrás da decisão anterior já se não verificam, uma vez que a criança deixou entretanto de estar entregue à mãe);
c) Se a decisão recorrida omitiu pronúncia sobre o regime de visitas a fixar à mãe, apenas dizendo que seria uma entidade terceira (a Associação Passo a Passo) a definir tal regime;
d) Se a medida anteriormente decretada e mantida no despacho ora recorrido, ao retirar o menor da guarda de sua mãe (com quem vive desde o seu nascimento e que dele cuida adequadamente) e ao entrega-lo à guarda de avós que com ele nenhuma relação mantêm, é contrária aos interesses do menor;
e) Se o tribunal a quo omitiu a notificação à progenitora ora Recorrente de qualquer relatório citado na decisão recorrida e, além disso, não observou o prazo do contraditório entre a junção aos autos dos relatórios e a decisão recorrida.
MATÉRIA DE FACTO
Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para a apreciação do mérito do presente recurso:
1 - Por decisão tomada em 24/09/2015, foi aplicada ao menor …, nascido a 13JULH02012, a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe (ora Apelante).
2 - Por decisão de 29/10/2015, tal medida veio a ser substituída pela de apoio junto de outro familiar, na pessoa dos avós paternos, também a título provisório.
3 - Por decisão de 16/03/2016, esta última medida foi revista e prorrogada, por mais três meses, com a seguinte fundamentação:
«Fls. 603 e ss.: Por decisão de fls. 79 e ss., foi [aplicada] a medida provisória de apoio junto da mãe, obrigando-se esta a zelar pela educação, saúde, alimentação, vestuário e higiene do menor de acordo com o disposto nos arts. 350, no 1 alínea b) e 400 da LPPCJP. Foi decidida a duração de dois meses (tendo sido considerado suficiente para aquilatar se a progenitora fazia um esforço de mudança ou não). Posteriormente, cfr. fls. 263-264, foi tal medida substituída pela de apoio junto de outro familiar, concretamente os avós paternos, ao abrigo do disposto no art. 350, alínea f), 370, 490, e 62o da LPPCJP.
A fls. 603 e ss. foi junto relatório da ECJ do qual resulta que a situação tem vindo a estabilizar, 'faltando ainda elementos essenciais para a definição a médio prazo do projecto de vida desta criança.
Cumpre apreciar e decidir.
As medidas de promoção e protecção visam garantir o bem-estar e desenvolvimento integral das crianças e jovens, sendo que o pressuposto legal para a intervenção judicial é precisamente a verificação de perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem.
A revisão das medidas de promoção e protecção vem regulada nos termos do art. 620 da LPPCJP.
A situação da criança foi apreciada na decisão que substitui a medida provisória.
Decorridos praticamente cinco meses, os pressupostos que determinaram a actual situação da criança verificam-se, mas a medida aplicada ainda está a cumprir os respectivos desígnios, no sentido de salvaguardar os interesses do menor.
Assim e face ao exposto, decide-se manter a medida de promoção e protecção de apoio junto de outro familiar, concretamente os avós paternos, por mais três meses (a contar do dia 29 de Março), ao abrigo do disposto nos arts. 35°, alínea f), 370, 490 e 62° da LPPCJP.
Notifique. (...)
Fls. 625 e ss.:Tomei conhecimento. Atendendo por um lado ao teor do relatório pericial já junto relativamente à progenitora e por outro à gradual evolução da situação em sentido positivo, deverão as visitas da progenitora e dos avós maternos serem realizadas nos termos propostos pela Associação Passo a Passo.»
O MÉRITO DA APELAÇÃO
1) Se a decisão recorrida é nula, por ter sido tomada quase 60 dias após a data em que devia ter sido proferida.
Na tese da ora Apelante, a circunstância de a decisão de 29/10_/2015 - que, a título provisório, substituiu a medida originariamente aplicada ao menor …, em 24/09/2015 (de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe) pela de apoio junto de outro familiar, na pessoa dos avós paternos, não ter sido revista dentro do prazo máximo de três meses fixado no art. 37°, n° 3, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.° 147/99, de 1 de Setembro (alterada pela Lei n.° 31/2003, de 22 de Agosto, e pela Lei n.° 142/2015, de 8 de Setembro), na redacção introduzida por este último diploma - prazo esse que expirou em 29/01/2016 - só o tendo sido em 16/03/2016, consequencia, automaticamente, a nulidade cia decisão ora sob recurso.
Quid juris ?
Desde que a cit. Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo não comina com nulidade a ultrapassagem do aludido prazo trimestral de revisão das medidas de promoção e protecção aplicadas a título cautelar (nos termos do n° 1 do referido art. 37°), tão pouco configurando o excesso desse prazo qualquer uma das nulidades de sentença taxativamente elencadas nas alíneas a) a e) do n° 1 do art. 615° do actual Código de Processo Civil (cujas normas relativas ao processo declarativo comum são subsidiariamente aplicáveis ao processo de promoção e protecção, ex vi do art. 126° da mesma Lei n.° 147/99), óbvio é que o facto de o Despacho de revisão ora recorrido ter sido proferido já depois de escoado o referido prazo trimestral dentro do qual a decisão de substituição da medida de apoio junto dos pais (na pessoa da mãe) pela de apoio junto de outro familiar (na pessoa dos avós paternos) não acarreta a nulidade da decisão de revisão proferida a destempo.
Tanto basta para que o presente recurso tenha de improceder, quanto a esta 1 a questão.
2) Se a decisão recorrida carece de qualquer fundamentação de facto (já porque a mera remissão para os factos que determinaram a decisão anterior não é admissível, já porque os factos que estiveram por detrás da decisão
anterior já se não verificam, uma vez que a criança deixou entretanto de estar entregue à mãe).
É inegável que a decisão ora sob censura, pelo menos ao nível da fundamentação fáctica, omite a discriminação de todos e cada um dos factos que o tribunal considera provados (e não provados), limitando-se a remeter, telegraficamente, para um relatório da Segurança Social junto aos autos a fls. 603 e segs. [do processo principal] - do qual, alegadamente, resultaria que a situação tem vindo a estabilizar, faltando ainda elementos essenciais para a definição a médio prazo do projecto de vida desta criança (sic).
Ora, em sede de revisão das medidas aplicadas, o n° 4 do art. 62° da cit. Lei n° 147/99 (na redacção emergente da referida Lei n° 142/2015) dispõe expressamente que: a decisão de revisão deve ser fundamentada de facto e de direito, em coerência com o projeto de vida da criança ou jovem.
Esta fundamentação de facto impõe, à luz do art. 607°, n° 4, do Novo C.P.C. (aplicável ao processo de promoção e protecção ex vi do art. 126° da mesma Lei n.° 147/99), que o juiz declare quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas
dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Não pode, por isso, o despacho que revê medidas de promoção e protecção anteriormente aplicadas (ainda que apenas a título cautelar) limitar-se a consignar, telegraficamente, que:
A fls. 603 e ss. foi junto relatório da ECJ do qual resulta que a situação tem vindo a estabilizar, faltando ainda elementos essenciais para a definição a médio prazo do projecto de vida desta criança.
Uma proposição deste teor, de índole manifestamente conclusiva, não revela nenhum dos factos concretos (porventura extraíveis do aludido relatório da Segurança Social) que (alegadamente) evidenciam que a situação tem vindo a estabilizar.
O que põe a nu a manifesta nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto (cfr. a al. b) do n° 1 do art. 615° do Novo C.P.C.), de que notoriamente padece a decisão recorrida.
Consequentemente, a presente apelação procede, ao menos quanto a esta questão.
Circunstância que prejudica, necessariamente, o conhecimento das demais questões suscitadas nas Conclusões da sua Alegação pela ora Apelante (art. 608°, n° 2, Ia parte, do actual C.P.C., aplicável às decisões da 2a instância ex vi do art. 666°, n° 1, do mesmo diploma).
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação cem conceder parcial provimento Apelação, anulando a sentença recorrida e ordenando guie a mesma se a substituída, ná tribunal de primeira instância, por outra que supra a nulidade, por falta de fundamentação de facto, de que padece a decisão recorrida.
Custas da Apelação a cargo do Requerido/Apelado.