I - Uma decisão meramente provisória, passível de alteração a todo o tempo, conforme as novas informações e outras vicissitudes conhecidas nos autos, não comporta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa.
II - Havendo os acontecimento posteriores levado a concluir que o regime de visitas provisoriamente determinado (as visitas do pai à menor em determinada instituição e com a presença de um técnico da confiança da menor) causava perturbação para a menor e perigava o seu bem estar e equilíbrio, tendo sido inclusivamente suspenso para a realização de novas diligências periciais, não há fundamento para modificar a decisão provisória com fundamento em que as ditas visitas do pai deveriam decorrer de forma livre e incondicional (reforçando portanto esse perigo )
Proc. 3084/08.0TBSXL-S.L1 7ª Secção
Desembargadores: Luís Espírito Santo - Gouveia Barros - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).
I - RELATÓRIO.
No âmbito da regulação de responsabilidades parentais da menor E..., nascida a 17 de Outubro de 2007, filha de C... e M..., foi proferida decisão provisória, ao abrigo do artigo 157° da OTM, datada de 28 de Setembro de 2015, nos seguintes termos:
(...) Nos termos do disposto no artigo 157° da OTM, atento o supra vertido, bem como nos relatórios do INML e EMAT, cujo teor se dá por aqui reproduzido e atento o vertido nos apensos R, Q, e K, decide este Tribunal provisoriamente nos seguintes termos:
- A menor contactará com o pai pelo menos uma vez por semana, sendo para o efeito transportada pela mãe à EMAT de Almada e aí sendo buscada pela mesma após ter decorrido o período de contacto tido pela EMAT como conveniente, entre pai e filha, com início na próxima semana.
- A EMAT enviará relatório a estes autos informando do decurso e avaliação de tais contactos.
- Envie-se à mesma cópia do relatório de fls. 210 a 216 do apenso Q e dos relatórios de fls. 243 a 253, 257 a 273 e 276 a 283 do apenso R, mas solicitando que tal EMAT dê cumprimento ao sugerido nestes últimos relatórios pelo INML.
Atento o supra, por se afigurar a este Tribunal que poderá ser encontrada solução que melhor acautele os interesses da menor, decorrente da avaliação e das diligências supra ordenadas, declaro interrompida a presente tentativa de conciliação prévia a julgamento, a qual se retomará, com eventual marcação de nova data, decorrido um mês sobre o dia de hoje e junta a avaliação ora solicitada à EMA T. .
(cfr. fls. 72 a 73)
Apresentou o pai da menor recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 134).
Juntas as competentes alegações, a fls. 122 a 133, formulou o apelante as seguintes conclusões:
A - O presente recurso tem por objecto a decisão provisória na parte em que alterou o regime de visitas anteriormente fixado judicialmente, decidindo que A menor contactará com o pai pelo menos uma vez por semana, sendo para o efeito transportada pela mãe à EMAT de Almada e aí sendo buscada pela mesma após ter decorrido o período de contacto tido pela EMAT como conveniente, entre pai e filha, com inicio na próxima semana, fls.291 e s.s. do Apenso R, e a fls.261 e s.s. do Apenso Q .
B - O presente recurso versa sobre a matéria de Direito.
C - A douta sentença recorrida é nula, pois uma decisão provisória proferida no âmbito de uma providência tutelar cível, deve ser fundamentada, sendo lhes aplicáveis as disposições que constam nos art.s 292° a 295° do C.P.C. , por força do art.° 986 n.°1 do referido diploma legal, assim decidiu o T.R.C. no Acordão proferido em 15/02/2013, Processo 718/11.2. TMCBR-A.C1. O que não se verificou in casu.
Da leitura atenta e exaustiva da decisão que se recorre, em momento algum, se percebe, se diz ou são avançados argumentos justificativos daquela decisão, nada encontramos de suporte que possa limitar o direito de convívio da menor e do seu progenitor. Ora, tal ausência de argumentos, conduz necessariamente à nulidade da decisão proferida.
D- Mormente, o Direito de os Filhos / Pais conviverem livremente com os Pais / Filhos é um direito fundamental , a que se refere o art. 36.° n.°5 e art.° 27 n.°1 da CRP.
Ora, as restrições aos Direitos, Liberdades e Garantias não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, art.°18 n.°3 da C.R.P.;
E- Consequentemente, o Direito de os Filhos / Pais conviverem livremente com os Pais / Filhos apenas podem ser objecto de restrições, nas seguintes circunstâncias:
a)os progenitores não cumpram os seus deveres fundamentais para com os Filhos art.° 36 n.°6 da CRP;
b) os filhos fiquem sujeitos a medidas de protecção, assistência ou educação, alínea e) do n.° 3 do Art.°27 CRP)
Circunstâncias essas, que não se verificam no caso sub judice, pelo que a decisão provisória proferida é ilegal, por violação constitucional dos citados preceitos legais.
F-Acresce que, decorre da lei, dos regulamentos da União Europeia e das convenções internacionais vinculantes do Estado Português que a limitação ou negação do direito de convívio da criança com o progenitor não guardião só pode verificar-se num quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito referido, assim afirmou o T.R. P. no Acordão proferido em 14-01-2014 , Processo 21/05.7TBULP-AP1.
G- Tal decisão, impondo que as visitas do Pai sejam condicionadas à agenda da EMAT, na presença de terceiros e estranhos a ambos, menor e pai, impedindo que o convívio entre ambos se verifique de forma natural, no ambiente/lar do progenitor do guardião, impedindo ainda que a menor convive com a restante família paterna, assenta na ideia que o Pai, ora recorrente, é um individuo que coloca em risco a menor.
H- Compulsados os autos, contrariamente à ideia que tem vindo a ser vinculada e promovida pela Mãe, não resulta dos documentos probatórios já juntos aos autos, que o Recorrente seja perigoso e/ou que coloque a sua filha E... em perigo.
I- Não impende sobre o Recorrente qualquer condenação judicial , nem corre nenhum processo de natureza criminal que justifique uma limitação do direito de convívio entre a menor e o Pai.
J- Também não existe nenhum processo de promoção e protecção, nem de sinalização, que justifique uma limitação ao direito constitucional Filhos / Pais conviverem livremente com os Pais / Filhos , a que se refere o art. 36.° n.°5 e art.° 27 n.°1 da CRP.
L.- Pelo que neste contexto, não podia ter sido proferida a decisão provisória que veio a limitar o direito de convívio entre a menor E... e o seu progenitor, ora Recorrente, por um lado porque não foi a douta decisão devidamente fundamentada, como se impunha, e por lado, porque já existia nos autos elementos probatórios para decidir de forma inversa.
M- O que resulta evidente do relatório de perícia do Recorrente, é que este se encontra fortemente investido na relação parental com a sua filha menor.
N- Da analise critica dos relatórios de perícia junto aos autos, somos forçados a concluir que se por um lado não existem razões para se verificar o afastamento da menor do Pai, por outro, conclui-se que deve, com
urgência máxima; ser o convívio entre pai e filha rapidamente restabelecido.
O- Se a douta decisão recorrida, tivesse atendido aos relatórios periciais no superior interesse da menor não teria ocorrido uma limitação do direito de convívio da menor com o pai, e impedindo-se de se verificar um quadro de alienação parental, que se afigura verificar-se in casu.
P- No âmbito do Relatório Pericial Psicológico da E..., datado de 9 de Setembro de 2015, a fls.243 a 253 dos autos do Apenso R , resulta:
a. A E... desconhece a idade e profissão do Progenitor - página 4;
b. A E... reside com a Progenitora e com os Avós Maternos - página 4;
c. Por vontade da Progenitora, um amigo seu - A..., polícia, acompanhou a E... na primeira secção de avaliação, com o propósito de a Filha se sentir mais segura no INML. Questionada se sentiu algum tipo de perigo, a E... respondeu de forma negativa - página 4;
d. Questionada, a E... disse que não tem estado com o Progenitor, devido ao facto de a Progenitora se ter sentido preocupada por o Progenitor a ter lE...do para o Algarve e não a ter entregado na data prevista - página 4;
e. A E... mostrou-se receptiva e não revelou sinais de resistência sobre a realização das sessões conjuntas com o Progenitor no INML - página 4;
f. Apesar de ter demonstrado alguma resistência inicial face à surpresa de ter ficado a saber naquele momento que se ia reencontrar com o Progenitor, posteriormente a E... afirmou que desejava acompanhar a Perita até à sala onde o Progenitor a aguardava. Ao ver o Progenitor, a E... abriu os braços e correu para o Progenitor, abraçando-o de forma totalmente espontânea e intensa. Mostrou-se desde logo muito descontraída, riu, deu gargalhadas, deu a mão ao Progenitor e acompanhou-o até à sala lúdica - páginas 4 e 5;
g. Aquando do reencontro com a E..., o Progenitor denotou sempre elevado envolvimento e meigo com a Filha - página 5;
h. Aquando do reencontro, a E... e o Progenitor reagiram bem ao toque físico, à proximidade física e mantiveram uma interacção bastante harmónica, fluída e recíproca. A E... manteve-se sempre muito descontraída, faladora e espontânea - página 5;
i. Enquanto visionava alguns vídeos, de quando era mais nova a brincar com a Irmã, a E... sentou-se ao colo do Progenitor e assistiu aos vídeos com entusiasmo, riu e mostrou-se muito contente. Mantendo-se ambos espontâneos e carinhosos, abraçando-se mutuamente - página 5;
j. Confrontada com o facto de a Perita ter que se ausentar e a deixar sozinha com o Progenitor, a E... não evidenciou qualquer tipo de ansiedade e permaneceu junto do Progenitor a desenhar - página 5;
k. Durante a 1.a secção conjunta, o Progenitor elogiou verbalmente a Filha, enquanto a E... retribuía com sorrisos - página 5;
1. Questionada sobre a hipótese de ser agendada uma 2.a secção conjunta, a E... respondeu imediatamente que sim - página 5;
m. Durante o período que ficaram sem conviver - quase 2 anos, a E... não tirou do tornozelo uma pulseira que o Progenitor lhe tinha oferecido em verão de 2013 - página 5;
n. No final do 1.° encontro, a E... e o Progenitor despediram-se de forma extremamente carinhosa - página 5;
o. Posteriormente, e a sós com a Perita, a E... afirmou ter gostado de estar com o Progenitor e que gostava de voltar a estar com o Progenitor - página 5;
p. Passado um mês, aquando da segunda secção conjunta com o Progenitor, ainda a sós com a Perita, a E... disse ter gostado muito de brincar com o Progenitor, que pensava que o Progenitor já estava curado e que já não sentia medo em estar com o Progenitor - página 5;
q. No início do 2.° encontro, por sua iniciativa, a E... fez uma surpresa ao Progenitor, pregando-lhe um susto. Ao se voltarem a reencontrar ao fim de um mês, saltou para o colo do Progenitor e deram um grande abraço, enquanto riam - página 6;
r. Durante a 2.a secção conjunta, a E... e o Progenitor tiveram uma interacção recíproca, harmoniosa e tradutora de envolvimento parental - página 6;
s. À semelhança do que tinha ocorrido na 1.a secção conjunta, intencionalmente e para perceber a sua reacção, a Perita disse à E... que se iria ausentar, e questionada se deseja acompanha-la, respondeu que preferia ficar com o Progenitor - página 6;
t. No final da 2.a secção, a E... e o Progenitor despediram-se com um grande abraço e um beijo - página 6;
u. Previamente à 1.a secção conjunta com o Progenitor, e confrontada com o facto de a Perita lhe ter pedido para fazer um desenho sobre a sua Família, a E... disse: foi mesmo o que a mãe disse! Se te mandarem fazer um desenho pensa bem na família que escolhes! - página 7;
v. Ainda sobre o desenho da Família, confrontada com o facto de numa 1.a fase apenas ter desenhado a Progenitora, a E... disse que ainda faltava desenhar o Avô materno, a Avó materna e o Tio materno. Depois de os desenhar disse eu vou só desenhar as pessoas da família da mãe ... porque eu habituei-me à mãe (...) para mim o pai já não é da minha família ... - página 7;
w. Ainda sobre o desenho da Família, incentivada a pensar nas diversas pessoas da sua Família, a E... mostra-se hesitante e pensativa, e acabou por dizer pai .... Posteriormente, escreveu diversos nomes, todos eles relacionados com a Família materna - ',madrinha, filha da madrinha, S..., bisavô A..., tia M…, primo M…, prima, tio Z…. Somente depois, acrescentou alguns dos Membros da Família Paterna: pai; avó R…; tio. Mas sem nunca se ter lembrado de desenhar ou escrever o nome da Irmã - página 7;
x. Questionada sobre como imaginava a reacção da Progenitora ao saber que tinha escrito pai no desenho da Família, e se achava que a Progenitora poderia sentir-se chateada, a E... respondeu - não sei, tenho de esperar para ver - página 7;
y. A E... sente e perceciona ambos os Progenitores como figuras atentas, adequadas, protectoras e securizantes - página 8;
z. Relativamente ao Progenitor, observou-se uma discrepância entre aquilo que foi verbalizado pela E... durante as entrevistas e a avaliação instrumental, bem como com o que foi observado durante as sessões de interacção com o Progenitor - página 9;
aa. A Progenitora instruiu a E... sobre quem deveria representar no desenho da Família - página 9;
bb. Na avaliação projectiva, a E... assume ambos os Progenitores de forma positiva; sem que a Progenitora seja percepcionada como boa e o Progenitor como mau. Ambos os Progenitores são sentidos como protectores e securizantes - página 9;
cc. Nas sessões de interacção com o Progenitor, e apesar de terem ficado privados de qualquer tipo de contacto durante 1 ano e 9 meses, a E... teve uma interacção com o Progenitor muito espontânea, fluida, harmónica, positiva e de grande envolvimento - página 9;
dd. Nas sessões de interacção com a Filha, o Progenitor mostrou-se totalmente adequado e disponível, sendo a sua interacção pautada por envolvimento e comportamentos positivos - página 9;
ee. De acordo com a Progenitora, a E... não revelou qualquer alteração significativa que pudesse ser indicadora de mau estar após as sessões de interacção com o Progenitor - página 10;
ff. A E... foi exposta a comentários depreciativos sobre o Progenitor, interiorizando a ideia que o Progenitor a podia roubar da Progenitora - página 11;
gg. Apesar de a E... ter sido exposta a comentários depreciativos sobre o Progenitor e de referir a Progenitora
como a principal figura afectiva e securizante, também o Progenitor é percepcionado dessa forma - página 11;
Q- No âmbito do Relatório Pericial Psicológico da M..., datado de 9 de Setembro de 2015, na conclusão do Relatório Pericial foi sugerido que o Tribunal deveria sensibilizar a Progenitora para a importância de transmitir à E... uma imagem positiva do pai - página 8;
R- Analisados os relatórios juntos aos autos, é por de mais evidente, a necessidade urgente de restabelecer, o convívio entre a menor e o pai, de forma a que rapidamente os laços parentais sejam retomados e cesse o processo de alienação parental que se afigura se encontrar em curso, com elE...do prejuízo para a menor E... Inês.
S- Sublinhe-se que desde o dia 12 de Setembro de 2013, que a mentir E..., à excepção dos momentos em que privou com o Pai no âmbito de realização das perícias efetuados no autos, e no dia do seu aniversário 17 de Outubro de 2015, que não priva com o progenitor, e demais família paterna.
T -Face ao exposto, conclui-se, que a douta decisão provisória, viola o art.°s 36.° n.°5 e o art.° 27 n.°1 da C.R.P. , carecendo a mesma de fundamentação legal, pelo que consequentemente é nula, por força das disposições que constam nos art.s 292° a 295° do C.P.C. , conjugadas com o art.° 986 n.°1 do referido diploma legal , pelo que deve ser revogada por outra, que de forma célere imponha os contactos da menor E... Inês e o seu progenitor, ora Recorrente, de forma que rapidamente possam ser reestabelecidos os laços parentais entre ambos, sem necessidade da intervenção de terceiros, nem na presença de técnicos.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deve o presente recurso de Apelação merecer provimento e em consequência, ser declarada nula a douta decisão provisoria recorrida devendo ser substituída por outra que retome o anterior regime de visitas fixado entre a menor E... Inês e o seu progenitor, ora Recorrente.
II - FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra e ainda que:
No Relatório Psicológico datado de 16 de Janeiro de 2014 consta que:
(...) (A menor) tem desenvolvimento adequado à sua idade, revelando interesses variados e sintónicos.
Fala da sua vida com tranquilidade, excepto quando se refere ao pai. Sempre que fala deste, o seu semblante modifica-se, fica mais fechada e triste.
Paralelamente, mostra-se ansiosa e inquieta, em especial, quando refere os seus medos. Estes prendem-se com o medo de frequentar lugares públicos, porque imagina que pode cruzar-se com o pai e ele levar-me (sic).
É importante contextualizar esta ansiedade da E....
Em Agosto, o pai ficou com a E... para além do tempo que lhe estava destinado, e para tornar a casa da mãe foi necessário a intervenção judicial e policial.
(...) Penso ser contraproducente as visitas ao pai, até pelo historial referido. A E... não confia no pai, e esta falta de confiança materializou-se com a situação de Verão (...)
No Relatório Pericial Psicológico da menor, elaborado em 9 de Setembro de 2015 e junto a fls. 85, pode ler-se:
A figura materna é descrita de uma forma muito positiva, sem que identifique nesta qualquer aspecto que possa ser melhorado.
Relativamente à figura paterna, observa-se uma discrepância entre aquilo que é verbalizado durante as entrevistas e a avaliação instrumental, e aquilo que é possível observar durante as sessões de interacção. Assim, em entrevista e quando realizada o desenho de família, denota alguma resistência face ao pai, que acusa de não a ter levado para junto da mãe, a quem se alia e, eventualmente, reproduzindo o seu discurso.
Destaca-se ainda o facto de, segundo a E..., a mãe a ter instruído de alguma forma sobre quem deveria representar no desenho de família, o que nos permite colocar a hipótese de estarmos perante um processo de sugestionamento, ainda que subtil, da menor por parte da mãe.
Na situação projectiva, ambas as figuras parentais já surgem de forma positiva, sem que a mãe seja percepcionada como boa e o pai como mau. Ambos são sentidos como protectores e securizantes.
(...) Apesar de a menor referir a mãe como principal figura afectiva e securizante, também o pai parece ser percepcionado dessa forma. No entanto, e tendo em conta os comentários depreciativos a que a menos terá sido exposta no passado, interiorizando a ideia de que o pai a pode roubar da mãe, é fundamental que o processo de reaproximação da menor ao pai possa ser feito de forma gradual, de modo a consolidar este sentimento de segurança.
Assim, sugerimos que a menor retome os contactos com o pai com uma frequência elevada (uma a duas vezes por semana), por um período de tempo extenso (várias horas, o que lhes permita interagir em diversos contextos funcionais - por exemplo, uma refeição, passeio, actividades de lazer/culturais, mas numa primeira fase (com uma duração que não deve exceder os três meses), num ambiente que E... sinta como seguro (por exemplo, na companhia de uma terceira pessoa de confiança (neutra, sem qualquer tipo de aliança à figura materna ou paterna, e a decidir pelo tribunal de entre um conjunto de pessoas que ambos os pais possam sugerir). Numa segunda fase, e dependendo da forma como estas interacções decorrerem, os contactos poderão voltar a ocorrer de forma mais natural, sem a supervisão de terceiros, inicialmente sem pernoita, e, posteriormente, numa terceira fase, com pernoita (retomando um regime de convívio que seja adequado em função da idade da criança).
Sugere-se, tendo em conta o contexto de conflitualidade existente entre os progenitores, que estas primeiras fases de reaproximação possam ser mediadas por uma equipa de intervenção especializada (por exemplo, um Ponto de Encontro Familiar, Associação Passo a Passo, Movimento de Defesa da Vida, ou uma equipa da Segurança Social) .
Na sua comunicação de 24 de Agosto de 2016, refere o Movimento de Defesa da Vida (a fls. 473 a 480):
A E... chega sempre muito ansiosa e, quando na sala sozinha com a técnica, nos momentos anteriores à chegada do pai, não consegue conter as lágrimas e chora pedindo sempre para não ter que vir todas as semanas. Refere-se sempre ao medo que tem do decurso dos acontecimentos no futuro, nas palavras da própria: Eu não quero vir todas as semanas, é muito, estou sempre nervosa a pensar quando é que chega o dia de vir. Quando sei que tenho que vir parece que fico como quando tenho febre e não consigo dormir, fico com dores de barriga, tenho medo (sic). Questionada sobre a razão do medo que diz sentir refere. Eu não consigo dizer ao pai que não quero mais vir porque ele zanga-se e depois eu não sei o que acontece, eu queria que ele soubesse que eu não quero ir para casa dele nem quero sair com ele mas não consigo dizer, tenho medo do que ele pode fazer, pode levar-me e eu nunca mais vejo a mãe (sic) Acrescenta Eu só queria ficar com a minha mãe e depois se eu quisesse ia ver o pai mais agora não, quando fosse mais crescida só (sic).
(...) a todos os momentos, anteriores à chegada do pai, esta postura da E... foi semelhante tendo inclusivamente sido possível observar o aumento da intensidade da desregulação emocional da E... de uma visita para a outra. Importa referir que assim que a E... sente o pai entrar nas nossas instalações a sua postura fisica fica mais rígida, endireita-se na cadeira, limpa as lágrimas ao mesmo tempo que tenta esboçar um sorriso e pergunta, visivelmente ansiosa: Nota-se que eu estive a chorar? Achas que o pai vai perceber?.
(...) No final das visitas, e já na ausência do pai, a E... volta sempre a pedir para não ter que vir tantas vezes, fica visivelmente aliviada com o fim da visita e pede rapidamente para ligar à mãe para que esta a venha buscar (...)
(...) Daquilo que nos foi possível recolher junto da psicóloga que acompanha a E..., esta expressou igualmente, em consulta, o seu desconforto e a ansiedade com que vivência esta situação e voltou a referir como principal medo o de estar sozinha o pai ou ter que estar em casa do mesmo. A psicóloga concorda que a E... deve continuar a beneficiar de acompanhamento psicológico e com a necessidade de que esta reaproximação ocorra num espaço que a E... identifique como seguro.
Face ao exposto, não creio estarem reunidas as condições para que os convívios entre o pai e a E... ocorram de outra forma que não supervisionados por um técnico. Importa ainda referir que nos parece importante que a avaliação efectuada quer à E..., quer aos progenitores, possa ser repetida por forma a perceber, quer o estado actual da situação, quer a esclarecer quaisquer dúvidas que possam ter surgido e tranquilizar ambas as partes, em especial a mãe (...) .
Na sua comunicação de 15 de Setembro de 2016, refere o Movimento de Defesa da Vida (a fls. 486):
(...) No dia 25 de Agosto, apesar da desregulação emocional inicial da E..., que já vem sido descrita em informações anteriores, a visita, já na presença do pai, decorreu de forma positiva e a E... pareceu inclusivamente mais descontraída e investida nas actividades com o pai. No final da visita, a E... ficou muito angustiada quando, já sozinha com a técnica, percebeu que apesar da interrupção no início do mês de Setembro, as visitas iriam continuar como até à data, nas nossas instalações e, a chorar, referiu Eu pensava que esta era a última porque depois começo a escola, eu não quero vir mais. Quero ter uma vida descansada, não quero vir aqui todas as semanas, não quero que me obriguem, por favor (sic).
Já na visita do passado dia 12 de Setembro a E... vem cabisbaixa e no momento em que entra na sala com a técnica começa a chorar pedindo novamente para não ser obrigada a manter estes momentos de convívio com o pai. Nas palavras da própria: eu já não aguento, não quero vir mais, já chega. Eu sei que agora é aqui mas depois vão dizer que eu tenho que ir para casa dele e eu não quero mas não lhe consigo dizer, tenho medo (...).
Por decisão proferida em 30 de Setembro de 2016 foi ordenada a suspensão do regime provisório fixado em 28 de Setembro de 2015, como forma de salvaguardar esse mesmo bem estar e equilíbrio da menor, tendo sido determinada a realização de novas diligências periciais ( em especial, avaliação psicológica da menor).
Do mesmo consta que: O direito de visitas é uma das questões fundamentais a fixar no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, pois, acima de tudo, o legislador quis garantir à criança um convívio e contacto permanente com os progenitores, no sentido de serem ambos parte cativa na sua educação, interessados no seu crescimento físico e psicológico, e no acompanhamento do seu desenvolvimento integral (...)
Isto, independentemente de existir um progenitor deslocado, ou não residindo com o menor e dos cuidados e tarefas quotidianas serem preconizadas pelo progenitor com quem o menor reside, porque ambos assumem como sua a tarefa de dar felicidade ao menor, pois isso - era e é - o essencial ao seu desenvolvimento.
Acontece que este direito é um direito do menor e não do progenitor, na verdade o mesmo é fixado visando o seu bem estar e crescimento saudável.
Ora, da análise dos autos resulta que a menor tem evidenciado sofrimento com a realização de tais visitas, revelando sintomatologia fisica, mas também ao nível emocional.
O seu estado de perturbação decorrente de tais visitas e que - neste momento, não resulta ainda clarificado - demonstra que tais visitas não são, por ora, benéficas para a menor (...).
III - QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
Decisão provisória nos termos do artigo 157° da OTM. Visitas do pai à menor.
Passemos à sua análise:
A decisão recorrida, no contexto temporal e no circunstancialismo concreto em que foi proferida, não merece a menor censura, sendo de manter.
A sua justificação factual e legal é absolutamente clara e suficiente, não merecendo a menor dúvida, nem padecendo de qualquer vício de nulidade - em especial aquele que o ora apelante lhe aponta (o do artigo 615°, n° 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Aí se referiu que atento o supra vertido, bem como nos relatórios do INML e EMAT, cujo teor se dá por aqui reproduzido e atento o vertido nos apensos R, Q, e K, (...) decide este Tribunal provisoriamente nos seguintes termos:
- A menor contactará com o pai pelo menos uma vez por semana, sendo para o efeito transportada pela mãe à EMAT de Almada e aí sendo buscada pela mesma após ter decorrido o período de contacto tido pela EMAT como conveniente, entre pai e filha, com início na próxima semana.
Ora, do Relatório Pericial Psicológico da menor, elaborado em 9 de Setembro de 2015 e junto a fls. 85, consta que:
(...) sugerimos que a menor retome os contactos com o pai com uma frequência elevada (unia a duas vezes por semana), por um período de tempo extenso (várias horas, o que lhes permita interagir em diversos contextos funcionais - por exemplo, uma refeição, passeio, actividades de lazer/culturais, mas numa primeira fase (com uma duração que não deve exceder os três meses), num ambiente que E... sinta como seguro (por exemplo, na companhia de uma terceira pessoa de confiança (neutra, sem qualquer tipo de aliança à figura materna ou paterna, e a decidir pelo tribunal de entre um conjunto de pessoas que ambos os pais possam sugerir). Numa segunda fase, e dependendo da forma como estas interacções decorrerem, os contactos poderão voltar a ocorrer de forma mais natural, sem a supervisão de terceiros, inicialmente sem pernoita, e, posteriormente, numa terceira fase, com pernoita (retomando um regime de convívio que seja adequado em função da idade da criança).
Sugere-se, tendo em conta o contexto de conflitualidade existente entre os progenitores, que estas primeiras fases de reaproximação possam ser mediadas por uma equipa de intervenção especializada (por exemplo, um Ponto de Encontro Familiar, Associação Passo a Passo, Movimento de Defesa da Vida, ou uma equipa da Segurança Social) .
Foi basicamente o que o Tribunal a quo fez - e bem.
Ou seja, foi adoptado em 1a instância, avisa e prudentemente, o procedimento aconselhado pelos técnicos especializados que elaboraram o dito Relatório Pericial Psicológico da menor, no sentido da
reaproximação entre a menor e o pai ser gradual, num ambiente seguro para a E... Inês, na companhia de uma terceira pessoa de sua confiança.
Não assiste, assim, qualquer razão ou fundamento para o argumentário do recorrente em sentido oposto - que olvida aquele mesmo parecer e essa necessidade de reaproximação gradual imposta no interesse do bem estar da menor, sua filha.
Tomando-se, ainda, em consideração de se trata de uma decisão meramente provisória, passível de alteração a todo o tempo, conforme as novas informações e outras vicissitudes conhecidas nos autos, não se verifica, naturalmente, um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa, como é óbvio.
Os autos dão suficiente notícia dos perigos para o bem estar e equilíbrio da menor resultantes do incondicional e imediato contacto com o pai, ora apelante, após o período de inexistência de visitas, bem como o sofrimento que produziram na E....
Estas circunstâncias levaram mesmo o juiz a quo, através do despacho proferido em 30 de Setembro de 2016, a suspender inclusive este regime provisório, como forma de salvaguardar esse mesmo bem estar e equilíbrio da menor.
Ou seja, os próprios acontecimentos supervenientes vieram confirmar, sem qualquer dúvida, que não assiste razão ao recorrente quando se insurge contra o regime transitório estabelecido na citada decisão cautelar.
Logo, impõe-se manter a decisão provisória em causa, sem prejuízo dos efeitos do posterior despacho de suspensão e da possibilidade de a mesma vir a ser alterada por nova decisão, após serem devidamente analisados os exames especializados que foram ordenados pelo tribunal a quo.
Pelo que se julga totalmente improcedente o recurso apresentado.
O que se decide sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos, considerando-se nesta medida prejudicado o conhecimento da restante matéria constante da presente apelação.
IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, sem prejuízo dos efeitos da decisão de suspensão da decisão cautelar, ordenada através do despacho proferido em 30 de Setembro de 2016.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 21-03-2017
Luís espirito Santo
Gouveia Barros
Conceição Saavedra
V - Sumário elaborado nos termos do artigo 663°, n° 7, do Cod. Proc. Civil.
I - Uma decisão meramente provisória, passível de alteração a todo o tempo, conforme as novas informações e outras vicissitudes conhecidas nos autos, não comporta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa.
II - Havendo os acontecimento posteriores levado a concluir que o regime de visitas provisoriamente determinado (as visitas do pai à menor em determinada instituição e com a presença de um técnico da confiança da menor) causava perturbação para a menor e perigava o seu bem estar e equilíbrio, tendo sido inclusivamente suspenso para a realização de novas diligências periciais, não há fundamento para modificar a decisão provisória com fundamento em que as ditas visitas do pai deveriam decorrer de forma livre e incondicional (reforçando portanto esse perigo para a menor), sem prejuízo da manutenção dos efeitos da posterior suspensão dessa decisão provisória.
O relator
Luís Espírito Santo