Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 30-01-2018   Direito de Autor e Direitos Conexos. Providência cautelar. Sanção pecuniária compulsória.
A providência cautelar prevista no art. 210°-G do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos pode ter lugar:
1ª- Sempre que haja violação dos direitos de autor ou dos direitos conexos;
2ª- Quando haja fundado receio de que outrem calesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos.
São pressupostos essenciais desta providência, a titularidade de um direito de autor ou direito conexo; a violação efectiva do direito ou a sua violação iminente, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável.
Nesta providência pode ser decretada, mesmo oficiosamente, uma sanção pecuniária compulsória, em ordem a assegurar a execução da mesma.
A sanção pecuniária compulsória funciona como meio de coerção, destinado, fundamentalmente, a compelir o devedor à realização da prestação devida.
Proc. 335/17.3YHLSB.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Pedro Brighton - Teresa Jesus Henriques - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação
Processo n° 335/17.3 YHLSB.L1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I - Relatório
1) G... - Produtos de Higiene e Limpeza, Lda, instaurou o presente procedimento cautelar nos termos do art° 210°-G do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), contra N..., Lda e J..., pedindo :
-Que lhe seja reconhecido o direito de fabricar e comercializar molas para a roupa, em conformidade com o registo internacional n° 002590778-001, em vigor.
-Que os requeridos sejam notificados para se absterem de contactar, por qualquer meio, os clientes da requerente com o intuito de os impedir ou intimar a comercializar molas para a roupa fabricadas pela requerente em conformidade com o referido registo.
Para fundamentar tal pretensão alega, em resumo, que foi contactada pelos requeridos no sentido de cessar a produção e comercialização das molas de roupa. Em face de tal, solicitou um exame aos desenhos das molas em questão a uma empresa da especialidade, a qual deu parecer no sentido de existirem diferenças estéticas entre ambos os modelos. Devido à actuação dos requeridos, está a ter prejuízos financeiros.
2) Citados os requeridos, vieram os mesmos deduzir oposição, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Em sede de excepção alegaram que o requerido J... é parte ilegítima, pois transmitiu à requerida N..., Lda a titularidade do seu direito, em 23/3/2017, isto é, antes da instauração do presente procedimento cautelar.
Em impugnação afirmam que é a requerente que viola o direito dos requeridos. Mais refere que se encontra pendente junto do EUIPO (Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia) um pedido de declaração de invalidade do modelo da requerente, n° 002590778-001.
3) Foi de imediato proferida decisão a decretar a providência requerida, nos seguintes termos :
Por todo o exposto, julga-se procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, determina-se:
a) A imposição a ambos os requeridos da obrigação de imediatamente se absterem de, sob qualquer forma, contactarem quaisquer agentes económicos, clientes ou não da requerente, no sentido de os intimidar ou os impedir de adquirirem, fabricarem ou comercializarem molas de roupa da requerente, cujo desenho comunitário se encontra registado sob o n° 002590778-001 e enquanto esse registo perdurar; e
b) A condenação dos requeridos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 6300,00 (trezentos euros) por cada dia ou acto de incumprimento da obrigação imposta na alínea a).
Condenam-se os requeridos nas custas processuais nos termos do disposto no art° 527°, 1, do CPC.
Valor: 630.000,01, atento o facto de estarem em causa direitos imateriais, cfr. art. 303°, 1, e 306° do CPC.
Registe e notifique.
4) Inconformados com tal decisão, dela apelaram os requeridos, apresentando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões :
1 A sentença proferida não pode manter-se, impondo-se a sua revogação, nos termos constantes do presente recurso, tanto mais que a fundamentação aí vertida não só se encontra descontextualizada, como constitui uma manifesta violação dos preceitos aplicáveis.
II. Os Recorrentes entendem que o Recorrente J... é parte ilegítima nos presentes autos, tendo por referência o pedido efectuado pela Recorrida e o disposto no artigo 30° do Código de Processo Civil.
III. A Recorrida na petição inicial alegou que o Recorrente J... é o titular do registo do Modelo Industrial Nacional n° 19704, referente a Mola para Roupa.
IV À data da propositura do procedimento cautelar, o Recorrente J... havia já transmitido a titularidade do registo do Modelo Industrial n° 19704 para a Recorrente N..., mais concretamente, em 23 de Março de 2017, tendo o respectivo averbamento sido publicado no Boletim da Propriedade Industrial n° 2017/04/17, o que operou a transmissão de todos os direitos inerentes a essa titularidade.
V. Com tal transmissão, o Recorrente Jaime de Vilas-Boas de Campos e Castro deixou de ter um interesse directo na cessação do fabrico e comercialização do modelo de mola em causa, uma vez que já não é o titular de tal registo, mas sim a Recorrente N..., razão pela qual não se pode considerar sujeito da relação material controvertida.
VI. A partir de tal data, o Recorrente J... deixou de fazer qualquer tipo de comunicação às entidades que, eventualmente, produzissem e fabricassem molas para roupa em manifesta violação do Modelo Industrial Nacional n° 19704, da titularidade da Recorrente N....
VII Impõe-se reconhecer como provada a invocada excepção de ilegitimidade, e em consequência, deve ser ordenada a revogação da sentença na parte em que considerou o Recorrente como parte legítima, absolvendo-o da instância, com todas as consequências legais.
Sem prejuízo,
VIII Existe causa prejudicial que obsta a que o tribunal a quo se possa pronunciar sobre o pedido formulado pela Recorrente, na medida em que se encontra pendente um pedido de invalidade do registo do Desenho Comunitário n° 002590778-001.
IX Para fundamentar o seu direito a Recorrida arroga-se titular de um registo de desenho comunitário, designadamente o registo do Desenho Comunitário n° 002590778-001.
X Tal pedido de registo não se encontra sujeito a qualquer exame prévio oficial de fundo quanto aos requisitos de novidade e do carácter singular, uma vez que o EUIPO apenas se limita a verificar se o desenho corresponde à definição de produto prevista no artigo 3° alínea a) do Regulamento CE n° 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, e se o mesmo é contrário à ordem pública e aos bons costumes, nos termos do artigo 47°, n° 1 do Regulamento CE n° 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001.
XI. É manifesto que, em violação dos requisitos de novidade e do carácter singular, foi concedido o registo de desenho à Recorrida, uma vez que cumpria os requisitos formais acima enunciados, sem qualquer exame prévio.
XII Encontra-se pendente no EUIPO o pedido de nulidade do registo do Desenho Comunitário n° 002590778-001, nos termos do artigo 24° do Regulamento CE n° 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, por violação do carácter singular e novidade do desenho registado, concretamente, do registo de Modelo Industrial Nacional n° 19704, titulado pela Recorrente N... .
XIII O pedido de nulidade apresentado junto do EUIPO deu entrada em 9 de Fevereiro de 2017, ou seja, em momento anterior à data da entrada do presente Procedimento Cautelar (2017.08.11), conforme resulta do facto provado n° 5 da sentença ora recorrida.
XIV. Enquanto não houver pronúncia definitiva e transitada em julgado por parte do EUIPO sobre o pedido de nulidade apresentado pelo Recorrente J..., não se encontra o Tribunal a quo em condições de apreciar o peticionado no presente procedimento cautelar, tanto mais que se considera que um desenho ou modelo comunitário declarado nulo não produziu, desde o início, os efeitos previstos no presente regulamento (cfr. artigo 26°, n° 1 do Regulamento CE 6/2002 do Conselho de 12 de Dezembro de 2001).
XV. Os Recorrentes entendem que existe séria probabilidade de tal registo ser declarado nulo, tanto mais que foi concedido em manifesta violação dos requisitos legais comunitários.
XVI. Desta forma, não se alcança em que facto concreto se alicerça o Tribunal para afirmar, sem mais, que a Recorrida comercializa licitamente o seu modelo de mola de roupa.
XVII Considerando a validade e eficácia, em território nacional e comunitário, do registo de Modelo Industrial n° 19704 titulado pela Recorrente N... , e encontrando-se o registo de que a Recorrida se arroga ser titular com um pedido de nulidade pendente, não deixa de causar estranheza aos Recorrentes que se afirme que a Recorrida se encontra licitamente a produzir o modelo de mola para roupa.
XVIII Enquanto o EUIPO não se pronunciar sobre o pedido de nulidade apresentado pelo Recorrente J..., o Tribunal a quo não pode nem deve pronunciar-se sobre o mérito dos presentes autos.
XIX A decisão sobre tal pedido de nulidade constitui uma questão prévia face ao objecto dos presentes autos, sob pena de, como efectivamente aconteceu, se reconhecer um direito que pode, com toda a probabilidade, vir a ser considerado ilegítimo e desprovido de protecção ante a nulidade do registo.
XX É despropositada a conclusão do Tribunal a quio de que não deve ser ordenada a suspensão por tal ser proibido pelo artigo 272°, n°2 do Código de Processo Civil.
XXI. É manifesto que o pedido de nulidade não foi apresentado unicamente para se obter a suspensão, uma vez que foi apresentado em data anterior ao da entrada do procedimento cautelar.
XXII. Não se admite, igualmente, que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
XXIII. A decisão desta causa está dependente da decisão que vier a ser proferida pelo EUIPO, pelo que deve ser ordenada a revogação da sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de suspensão dos autos por existência de causa prejudicial, ordenando-se a sua suspensão até efectiva decisão do pedido de nulidade pendente no EUIPO, com todas as consequências legais.
XXIV. A matéria apurada não permite concluir pela verificação dos requisitos da providência cautelar requerida: a titularidade de um direito de propriedade industrial, a violação efectiva do direito ou violação eminente e que, tal lesão seja susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável, e que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
XXV Resulta claro para os ora Recorrentes, a falta de verificação do requisito inicial e essencial, isto é, a titularidade do direito, tanto mais que o registo do Desenho de que a Recorrida se arroga de titular está impugnado.
XXVI Assim sendo, e tendo em conta as consequências da declaração da invalidade de tal registo, na opinião dos Recorrentes, a Recorrida não demonstra, de forma alguma, ser titular de qualquer direito que lhe permita a produção e comercialização das molas de roupa.
XXVII. A dúvida da titularidade do direito é levantada pela própria Recorrida na medida em que peticiona ser reconhecido o direito da requerente fabricar e comercializar molas para a roupa em conformidade com o registo Internacional 002590778-001 .
XXVIII. Os Recorrentes não concordam com a decisão ora recorrida na parte em que refere que os dois modelos podem coexistir no mesmo mercado, não existindo qualquer violação efectiva de qualquer desses direitos .
XXIX O Meritíssimo Juiz a quo limita-se a extrair conclusões com base na existência de dois registos, sendo certo que, nem sequer se dá ao trabalho de confrontar os desenhos propriamente ditos, tendo por referência os princípios de novidade e de singularidade.
XXX Caso o tivesse feito, certamente concluiria que resulta claramente que o Desenho Comunitário de que a Recorrida se arroga titular mais não é do que uma cópia da mola de roupa produzida pela Recorrente N... , apenas diferindo em pormenores sem importância, e bem assim, que a Recorrida copiou o Modelo Industrial Nacional n° 19704 e, nessa medida, agiu em desrespeito pela Lei e por esse Modelo Industrial registado em 20 de Maio de 1987.
XXXI. A Recorrida bem sabia que a procedência do pedido que fez se bastaria pela análise dos requisitos formais e não dos requisitos substanciais, e, sabendo do registo dos aqui Recorrentes, era exactamente isso que pretendia, com manifesta má-fé na forma como usou os meios ao dispor...
XXXII. O registo de que a Recorrente N... é titular foi requerido em 20 de Maio de 1987 e foi concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial em 26 de Abril de 1990 e está em vigor até 26 de Abril de 2021, sendo a Recorrida titular do registo de Desenho Comunitário n° 002590778-001 desde 4 de Dezembro de 2014.
XXXIII. Não restam dúvidas de que o registo efectuado em primeiro lugar é o da Recorrente N... , pelo que é a esta que deve ser conferida a protecção decorrente de tal registo, caso contrário não se justificaria a existência de um tal registo ou, até mesmo, o pagamento das taxas devidas pela sua manutenção.
XXXIV. O facto de a Recorrida afirmar que se encontra há já vários anos a produzir e comercializar as molas para roupa correspondentes ao registo internacional que se arroga de titular permite concluir que apenas procedeu ao registo das molas em 2014 como meio de, ilegitimamente, se arrogar a um direito que não lhe pertence, e que há vários anos se encontra a violar o direito, primeiro do Requerido J..., e, quando este transmitiu a titularidade de tal registo, da Recorrente N....
XXXV. Tal registo não cumpre o requisito da novidade, no entendimento doutrinário e jurisprudencial conhecido.
XXXVI O modelo da Recorrida não tem nenhuma característica de originalidade, limitando-se a copiar o Modelo Industrial da Recorrente N... , sem qualquer factor de inovação, nada trazendo de novo ao mercado, ou seja, as molas produzidas pela Recorrida e pela Recorrente N... são idênticas na sua aparência, têm as mesmas funções e funcionalidades, não sendo destrinçáveis pelos consumidores informados.
XXXVII. A actuação dos Recorrentes visou a protecção do seu direito, tal como preconizado nos artigos 199° e 203° do Código da Propriedade Industrial, designadamente, visou a proibição de utilização de terceiros de utilizarem o desenho de que eram titulares.
XXXVIII. A titularidade do registo por parte da Recorrente N... confere-lhe o direito de proibir a utilização por terceiros sem o seu consentimento do desenho objecto do registo.
XXXIX A sentença ora colocada em crise legitimou uma violação do direito da Recorrente N..., ao arrepio do disposto do artigo 203° do Código de Propriedade Industrial, e, bem assim, do direito de exclusividade que a Recorrente N... goza em virtude do registo.
XL. Não se configura, igualmente, qualquer situação de concorrência desleal, tanto mais que os Recorrentes, actuaram com o intuito de impedir uma violação ao seu direito, violação essa que a própria Recorrida afirmou, no seu articulado, se encontrar a efectuar há já vários anos.
XLI. A Recorrida escuda-se num direito adquirido por um registo de desenho comunitário, de 2014, quando tem conhecimento, desde 1997 que viola o direito dos Recorrentes, ou seja, o direito que a Recorrida se arroga titular apenas serve para induzir em erro clientes e outros agentes económicos que actuam no mercado, e, molas de roupa que violavam o registo de Desenho Nacional conseguindo, até induzir em erro o Tribunal a quo ...
XLII Nas suas comunicações, os Recorrentes alertaram os vários agentes económicos que produziam e comercializavam as molas de roupa que violavam o registo de Desenho Nacional n° 19704 que tal actuação violava os direitos dos Recorrentes.
XLIII. Igualmente não está demonstrada a violação efectiva de um direito, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável, tanto mais que nada de concreto alega a Recorrida quanto à lesão grave e dificilmente reparável, a não ser um alegado incumprimento de um contrato promessa celebrado com a sociedade Aprezzo .
XLIV. Facto concreto é que tal adiamento não foi, nem é responsabilidade dos Recorrentes, pois é totalmente desconhecido dos autos o teor do contrato promessa, bem como a efectiva celebração, ou não, do contrato prometido.
XLV. A Recorrida apenas se limita a efectuar, na Petição Inicial, uma descrição básica da sua actividade, não apontando, em momento algum, um concreto prejuízo, nem a eminência de tal concreto prejuízo.
XLVI. A Recorrida apenas, e tão-só, indica que os clientes estão a anular as encomendas pendentes e a devolver molas que já haviam sido vendidas, no entanto, não foi feita, desde logo, qualquer prova da suposta paralisação da sua produção, muito menos das alegadas devoluções e anulações de encomendas, tanto mais que apenas foi junto aos autos uma nota de crédito, da qual, naturalmente, não se pode extrair qualquer anulação de encomenda ou devolução de produtos comercializados, que tal situação se generalizou para todos os parceiros comerciais da Recorrida, nem que tenha origem nos factos invocados pela Recorrida.
XLVII. Facto concreto é que a Recorrida não alegou, nem demonstrou factos concretos que permitam concluir pelos danos que pretende evitar, antes se limitando a alegar genericamente factos vagos e infundados, contrariados pelos documentos juntos aos autos que demonstram o aumento do volume de vendas da Requerida desde 2012.
XLVIII. Não ficou, igualmente, demonstrado que o prejuízo resultante da providência seja inferior ao dano que com ela se pretende evitar.
XLIX Na área industrial, a Recorrente N... dedica-se à produção, entre outros bens de consumo, de molas de roupa, tendo apostado, além da inovação e desenvolvimento das mesmas, na sua protecção legal, beneficiando, assim, da protecção exclusiva decorrente da concessão do registo do Modelo Industrial n° 19704.
L. A vulgarização dos produtos e a sua depreciação pela cópia de forma e design próprios, causa prejuízos sérios à Recorrente N... .
LI. A violação por parte da Recorrida do direito da Recorrente, aliás permitida e admitida pelo Tribunal a quo, que com o teor da sentença conferiu legitimidade a tal violação, causa prejuízos sérios à Recorrente, que investiu muito dinheiro na inovação e na protecção legal dos seus produtos.
LII. A sentença proferida, impede a Recorrente N... de gozar da protecção legal conferida pelo Registo de Modelo Nacional n° 19704, nomeadamente ao determinar a imposição a ambos os requeridos da obrigação de imediatamente se absterem de, sob qualquer forma, contactarem quaisquer agentes económicos, clientes ou não da requerente, no sentido de os intimidar ou os impedir de adquirirem, fabricarem ou comercializarem molas de roupa da requerente, cujo desenho comunitário se encontra registado sob o n° 002590778-001 e enquanto esse registo perdurar,
LIII Se a Recorrente se vê impedida de assegurar a exclusividade do seu direito, e, assim, impedir terceiros de o violarem, é notório que o seu direito, fruto do registo de que é titular, se vê assim, esvaziado, de conteúdo, pelo que é notório que o prejuízo que advém do decretamento de tal providência manifestamente superior ao dano ao direito que se visa proteger.
LIV. Finalmente, dir-se-á que a sanção pecuniária compulsória aplicada oficiosamente pelo Tribunal a quo, para além de indevida, em função do exposto no presente articulado, é manifestamente exagerada e desproporcional em função do alegado direito que se pretende acautelar.
LV. Em conclusão: deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência:
a. Ser julgada procedente, por provada, a excepção de ilegitimidade do Recorrente Jaime de Vilas-Boas de Campos e Castro e, em consequência, o mesmo absolvido da instância com todas as consequências legais; e
b. Ser julgado procedente o pedido de suspensão dos autos por existência de causa prejudicial.
Sem prescindir. Caso assim não se entenda,
c. Ser julgado improcedente o presente procedimento cautelar, por não se encontrarem cumpridos os requisitos para o seu decretamento, absolvendo-se os Recorrentes do pedido com todas as consequências legais.
Termos em que o recurso deve merecer provimento.
Assim se fará, como sempre! inteira e sã Justiça .
5- A requerente apresentou contra-alegações, indicando as seguintes conclusões :
1 - Ao julgar-se na sentença recorrida improcedente a excepção da invocada ilegitimidade do requerido, decidiu-se em conformidade com o direito - art° 30° do CPC.
2 - O mesmo acontecendo relativamente à improcedência da suscitada existência de causa prejudicial, por se ter decidido em conformidade com o disposto no art° 92° do CPC e 272°n°2 do CPC.
3 - A requerente louva-se na fundamentação de Direito que consta da sentença recorrida que não merece qualquer reparo e/ou censura, encontrando-se verificados todos os requisitos para a procedência da presente providência cautelar, como muito bem foi decidido.
4 - A requerente é titular de um direito de propriedade industrial (art° 203, 1 CPI) que os requeridos confessadamente violaram - falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes.
5 - Violação esta que constitui evidente acto de concorrência desleal em conformidade com as disposições legais citadas na sentença recorrida.
6 - Pelo que a presente providência cautelar visa proibir a continuação daquela violação.
7 - A condenação dos requeridos ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, é legal e visa acautelar a continuação da prática dos atos de concorrência desleal.
8 - Encontrando-se fixada em conformidade com critérios de razoabilidade.
Termos em que, pelas razões aduzidas, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se na íntegra e pelos seus fundamentos a sentença recorrida, como é de inteira Justiça .

II - Fundamentação
a) A matéria de facto dada como provada em la instância foi a seguinte :
1- A requerente é titular do registo de modelo industrial comunitário n° 002590778-001, cujo pedido de registo foi efectuado em 4/12/2014.
2- O requerido J... pediu, em 20/5/1987, o registo nacional do modelo industrial de mola de roupa n° 19704.
3- Esse pedido foi concedido e registado em 26/4/1990.
4- O registo nacional do modelo industrial n° 19704 encontra-se em nome de N..., Lda, tendo-lhe sido transmitido em 23/3/2017 (cf. doc. de fls. 99 v° e 100).
5- Em 9/2/2017 o requerido J... pediu, junto do EUIPO, a declaração da invalidade do registo do desenho/modelo da requerente, com o n° 002590778-001.
6- Os requeridos têm interpelado diversas entidades que fabricam e comercializam as molas de roupa da requerente no sentido de procederem à retirada desses produtos do mercado, como sejam Modelo Continente - Hipermercados, S.A., Jumbo - Auchan Portugal Hipermercados, S.A. e Aprezzo, por esta comercializar molas de roupa em violação de um direito seu.
b) Como resulta do disposto nos art°s. 635° n° 4 e 639° n° 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação dos recorrentes, as questões em recurso consiste em determinar :
-Se o recorrente é parte legítima.
-Se deve ser determinada a suspensão da instância.
-Se estão preenchidos os requisitos necessários ao decretamento do procedimento cautelar.
c) Vejamos a questão da legitimidade do recorrente.
Alega o recorrente que é parte ilegítima, pois já não é titular do registo do Modelo Industrial Nacional n° 19704 (referente a Mola para a Roupa), tendo transmitido a titularidade desse direito à recorrente, em 23/3/2017.
Ora, no nosso ordenamento jurídico, a questão da legitimidade das partes é um pressuposto processual, entendendo-se, no que diz respeito à parte passiva, que esta terá legitimidade se tiver interesse directo em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo que lhes advenha da procedência da acção. E esclarece o art° 30 n° 3 do Código de Processo Civil, que serão partes legítimas os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor
Ou seja, entende-se que a legitimidade é um pressuposto processual, que não se confunde com a questão da titularidade do direito, sendo de salientar que tal pressuposto afere-se tendo em atenção a relação processual estabelecida em juízo pelas partes. Ora, sendo essa relação definida pelo autor ao formular o seu pedido, fundamentando-se para tanto na respectiva causa de pedir, e estabelecendo assim o objecto inicial do processo, será esta a realidade aferidora da legitimidade das partes.
Como se salientava no já longínquo Acórdão do S.T.J. de 30/3/1978, in B.M.J. n° 275, pg. 163, saber se o autor tem ou não o direito de pedir o que pediu e se o réu tem a correlativa obrigação, constitui o fundo do litígio : o problema da legitimidade é, pois, essencialmente uma questão de posição das partes em relação à lide, ao tema que o tribunal é chamado a resolver (isto é, que o autor chamou o tribunal a resolver) - e assim, como pressuposto processual situa-se em plano anterior ao do mérito da causa.
Vejamos então o resultado de tudo quanto ficou dito para a resolução do caso sub judice.
A recorrida refere na petição inicial que o recorrente é sócio da recorrida ; mais afirma que ambos os recorrentes têm pressionado os clientes da apelada para não adquirirem o produto por aquela comercializado.
Deste modo, e pese embora o apelante já não seja o titular do modelo em causa, a verdade é que, até pela sua qualidade de sócio da recorrente, tem interesse em que a recorrida cesse o fabrico e a comercialização do modelo de mola que se encontra registado. E igualmente tem interesse em contraditar, por exemplo, o facto de que tem exercido pressões junto de clientes da apelada.
Aliás, saliente-se que se encontra pendente junto do EUIPO (Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia) um pedido de declaração de invalidade do modelo da recorrida, n° 002590778-001, tendo o pedido em causa sido apresentado pelo apelante junto daquela instituição.
Daqui resulta manifesto que, tal como a recorrida formulou a sua pretensão, há que concluir que o recorrente tem interesse directo em contradizer.
Assim sendo, e porque o recorrente é parte legítima, teremos de concluir que o recurso, nesta parte, terá de improceder.
d) Passemos à segunda questão, isto é, saber se deve ser determinada a suspensão da instância.
Referem os recorrentes que se encontra pendente no EUIPO (Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia) um pedido de nulidade do registo do Desenho Comunitário n° 002590778-001, nos termos do artigo 24° do Regulamento CE n° 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, por violação do carácter singular e novidade do desenho registado, concretamente, do registo de Modelo Industrial Nacional n° 19704, titulado pela Recorrente.
Esse pedido deu entrada em 9/2/2017, ou seja, em momento anterior à data de entrada do presente Procedimento Cautelar (11/8/2017).
Defendem os apelantes que, enquanto não houver pronúncia definitiva e transitada em julgado por parte do EUIPO sobre o pedido de nulidade apresentado pelo recorrente, não se encontra o Tribunal em condições de apreciar o peticionado no presente procedimento cautelar.
Ora, dispõe o art° 92° n° 1 do Código de Processo Civil que se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
Por sua ver, o art° 272° do Código de Processo Civil estabelece no seu n° 1 que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. E acrescenta o n° 2 do mesmo normativo que, não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Em face destes preceitos, não divergimos da solução apontada pelo Tribunal a quo, que referiu, acertadamente, que o objecto do procedimento cautelar em apreço não depende da decisão que vier a ser proferida pelo EUIPO. É que neste momento os dois modelos de mola de roupa estão registados e, é lícito a qualquer das partes comercializá-los e fabricá-los, enquanto tal decisão não transitar em julgado.
Se o Tribunal viesse a suspender estes autos e mais tarde o pedido de nulidade apresentado pelo recorrente viesse a ser julgado improcedente, o prejuízo daí decorrente superaria as vantagens da suspensão, já que a apelada comercializa licitamente (até decisão em contrário) o seu modelo de mola de roupa, e poderia vir a ser gravemente prejudicada com a manutenção da comprovada pressão (durante um período de tempo imprevisível) dos recorrentes junto dos clientes da apelada para não lhe adquirirem o produto.
Assim, bem andou o Tribunal a quo ao não ordenar a suspensão da instância, motivo pelo qual o recurso, nesta parcela, terá de improceder.
e) Vejamos, por fim, se estão preenchidos os requisitos necessários ao decretamento do procedimento cautelar.
O art° 210°-G do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) estatui :
1 - Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem calesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do requerente, decretar as providências adequadas a:
a) Inibir qualquer violação iminente; ou
b) Proibir a continuação da violação.
2 - O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular de direito de autor ou de direitos conexos, ou que está autorizado a utilizá-los, e que se verifica ou está iminente uma violação.
3 - As providências previstas no n° 1 podem também ser decretadas contra qualquer intermediário cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direito de autor ou direitos conexos, nos termos do artigo 227°.
4 - Pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar uma sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar a execução das providências previstas no n° 1.
5 - Ao presente artigo é aplicável o disposto nos artigos 210°-C a 210°-E.
6 - A pedido da parte requerida, as providências decretadas a que se refere o n° 1 podem, no prazo de 10 dias, ser substituídas por caução, sempre que esta, ouvido o requerente, se mostre adequada a assegurar a indemnização do titular.
7 - Na determinação das providências previstas neste artigo, deve o tribunal atender à natureza do direito de autor ou dos direitos conexos, salvaguardando nomeadamente a possibilidade de o titular continuar a explorar, sem qualquer restrição, os seus direitos.
Por sua vez, o art° 211°-B do mesmo diploma legal, prevê que em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente título, são subsidiariamente aplicáveis outras medidas e procedimentos previstos na lei, nomeadamente no Código de Processo Civil.
Do cotejo destas disposições legais, resulta, sem dúvida, um procedimento cautelar específico para os casos de violação de Direitos de Autor e de Direitos Conexos, a que acresce o regime dos procedimentos cautelares comuns previstos nos art°s. 362° e ss. do Código de Processo Civil.
Assim, a providência cautelar aqui em apreço pode ter lugar em duas situações distintas :
1ª - Sempre que haja violação dos direitos de autor ou dos direitos conexos ;
2ª - Quando haja fundado receio de que outrem calesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos.
No primeiro caso, o Tribunal decreta as providências adequadas a proibir a continuação da violação.
No segundo caso, tomará essas providências em ordem a inibir qualquer violação iminente (neste sentido cf. Menezes Leitão, in Direito de Autor, 2011, pg. 286).
Em ambos os casos pode ser decretada uma sanção pecuniária compulsória, em ordem a assegurar a execução das referidas providências.
São, pois pressupostos essenciais da providência, a titularidade de um direito de autor ou direito conexo , a violação efectiva do direito ou a sua violação iminente, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável.
Basta, pois, a mera violação objectiva do direito do requerente, presumindo o legislador que existindo um direito de autor reconhecido, a simples violação efectiva desse direito acarreta prejuízos ao seu titular.
f) Vejamos, então, o caso concreto.
Verifica-se que a recorrida é titular do direito que invoca, tendo a seu favor o registo de modelo industrial comunitário n° 002590778-001, cujo pedido de registo foi efectuado em 4/12/2014.
Por sua vez o recorrente J... tem a seu favor o registo nacional do modelo industrial de mola de roupa n° 19704, registado em 26/4/1990 (sendo que este foi transmitido, em 23/3/2017, para a recorrente N..., Lda).
Ora, de acordo com o disposto no art° 203° n° 1 do Código da Propriedade Industrial, o registo de um desenho ou modelo confere ao seu titular o direito exclusivo de o utilizar e de proibir a sua utilização por terceiros sem o seu consentimento.
In casu temos em juízo dois titulares de registo de um desenho/modelo de mola de roupa.
É certo que em 9/2/2017 o recorrente J... pediu, junto do EUIPO (Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia), a declaração da invalidade do registo do desenho/modelo da apelada.
No entanto, enquanto não for declarada a invalidade do direito registado da recorrida (se o for), o mesmo subsistirá, pelo que o seu modelo de molas de roupa poderá ser vendido no mercado.
Está, pois, preenchido o primeiro pressuposto para a procedência do procedimento cautelar, por ter a recorrida o direito de que se arroga, não cabendo nesta sede fazer uma análise pormenorizada das semelhanças ou diferenças dos dois produtos em confronto (sendo certo que neste tipo de processos não é necessário, pois, que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero fumus boni juris, ou seja, que o direito se apresente como verosímil).
g) Vejamos, agora, se ocorreu a violação desse mesmo direito.
Entendeu o Tribunal a quo que estamos perante uma situação de concorrência desleal, uma vez que os apelantes têm interpelado diversas entidades que fabricam e comercializam as molas de roupa da recorrida no sentido de procederem à retirada desses produtos do mercado (como, por exemplo, Modelo Continente - Hipermercados, S.A., Jumbo - Auchan Portugal Hipermercados, S.A. e Aprezzo), por esta, segundo a sua versão, comercializar molas de roupa em violação de um direito seu.
A respeito da concorrência desleal, o art° 317° do Código da Propriedade Industrial estatui que constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, enunciando de seguida, de forma não taxativa, actos que a constituem.
A enunciação de actos susceptíveis de integrar o conceito de concorrência desleal é, como referimos, meramente exemplificativa.
A propósito deste conceito refere Carlos Olavo (in Propriedade Industrial, Vol. I, 2a ed., pgs. 252 e 253) que acto de concorrência é aquele acto susceptível de, no desenvolvimento de uma actividade económica, prejudicar outro agente económico, prejuízo esse que se consubstancia num desvio da respetiva clientela, efectiva ou potencial.
E prossegue : Quando tal se verifica em termos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, dá-se um acto de concorrência desleal.
Define Carlos Olavo que constituem concorrência desleal os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela. Assenta, assim, a concorrência desleal na idoneidade para reduzir, ou mesmo suprimir, a clientela alheia, real ou possível, com vista à criação e expansão, directa ou indirectamente, de uma clientela própria.
Mais acrescenta : Note-se que a referência a actos não pode fazer esquecer que, muitas vezes, a concorrência desleal concretiza-se, não através de um acto, mas através de uma pluralidade de actuações, algumas de per si lícitas, cuja ilicitude decorre do conjunto em que se integram.
Ora, in casu apurou-se que os recorrentes têm interpelado diversas entidades que fabricam e comercializam as molas de roupa da recorrida no sentido de procederem à retirada desses produtos do mercado (como, por exemplo, Modelo Continente - Hipermercados, S.A., Jumbo - Auchan Portugal Hipermercados, S.A. e Aprezzo). Alegam aqueles, junto de tais entidades, que a apelada comercializa molas de roupa em violação de um direito seu.
É medianamente evidente que, ao pressionarem os clientes da apelada para não lhe adquirirem o produto em causa (ainda para mais invocando um direito que, por ora, ainda não se encontra definitivamente fixado), estão os recorrentes a praticar um acto de concorrência desleal, tal como o mesmo acima se encontra definido, sendo óbvio que esse acto é susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável (designadamente através da perda de clientes da recorrida).
Assim sendo, não merece censura a Sentença recorrida quando conclui pela verificação do segundo requisito necessário ao decretamento do procedimento cautelar.
h) Por fim, vejamos se os recorrentes deviam ser condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
Lançou o Tribunal a quo mão do disposto no art° 210°-G n° 4 do CDADC, segundo o qual pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar uma sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar a execução das providências previstas no n° 1.
Não tendo havido pedido nesse sentido por parte da recorrida, entendeu o Tribunal fixar essa sanção oficiosamente, condenando os apelantes no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 300 ê diários, até cumprimento da obrigação que lhes foi imposta no procedimento cautelar.
O art° 829°-A do Código Civil regula, no plano substantivo, a sanção pecuniária compulsória, prevendo a sua aplicação nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, determinando-se o pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
A sanção pecuniária compulsória será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar, destinando-se o respectivo montante, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
A sanção pecuniária compulsória é a condenação pecuniária decretada pelo juiz para constranger e determinar o devedor recalcitrante a cumprir a sua obrigação. É, pois, um meio de constrangimento judicial que exerce pressão sobra a vontade lassa do devedor, apto para triunfar da sua resistência e para determiná-lo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob a ameaça ou compulsão de uma adequada sanção pecuniária, distinta e independente da indemnização, susceptível de acarretar-lhe elevados prejuízos. É, assim, um meio indirecto de constrangimento decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à injunção judicial (cf. Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pgs. 355 e 393).
Ou, como se salienta no Acórdão da Relação de Lisboa de 19/7/2010 (consultado na internet em www.dgsi.pt), a sanção pecuniária compulsória funciona como meio de coerção, destinado, fundamentalmente, a compelir o devedor à realização da prestação devida.
No caso em apreço mostram-se preenchidos todos os requisitos para que aos recorrentes seja imposta tal sanção, a fim de evitar a continuação da prática dos actos de concorrência desleal, nomeadamente a pressão que têm exercido sobre os clientes da recorrida para que os mesmos não lhe adquiram as molas de roupa em causa.
E quanto ao montante da sanção ?
Na sua fixação deve atender-se a critérios de razoabilidade, como determina o já citado art° 829°-A do Código Civil, no seu n° 2.
Calvão da Silva (in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pg. 420), refere : Como o escopo da sanção pecuniária compulsória não é o de reparar os danos causados pela falta de cumprimento pontual mas o de dobrar ou vergar a vontade do devedor rebelde, o seu montante será fixado sem relação alguma com o dano sofrido pelo credor.
Verifica-se, pois, que o legislador reconhece ao juiz ampla liberdade na fixação do montante ou taxa da sanção pecuniária compulsória, já que deve nortear-se por critérios de razoabilidade. Isto é, o montante não deve ser exagerado, nem insuficiente, mas adequado à desejada eficácia da sanção na realização dos objectivos que lhe são próprios : o cumprimento da obrigação e a obediência ao Tribunal.
Por isso, que há que atender, designadamente, à capacidade de resistência do devedor, em ordem a vencê-la e a levá-lo a preferir o cumprimento.
Assim, considerando os aludidos critérios de razoabilidade e o facto de se tratar de um mecanismo destinado a compelir o cumprimento da medida decretada, afigura-se-nos ajustado fixar em 200 E o montante diário de tal sanção.
Assim sendo, nesta parte o recurso procede parcialmente (já que os recorrentes defendiam, em primeira linha, a não aplicação da sanção).
i) Resumindo : No essencial a apelação improcede, apenas sendo atendida no que diz respeito à redução do montante diário da sanção pecuniária compulsória.
j) Sumário :
I- A providência cautelar prevista no art° 210°-G do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos pode ter lugar :
1ª- Sempre que haja violação dos direitos de autor ou dos direitos conexos ;
2ª- Quando haja fundado receio de que outrem calesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos.
II- São pressupostos essenciais desta providência, a titularidade de um direito de autor ou direito conexo ; a violação efectiva do direito ou a sua violação iminente, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável.
III- Nesta providência pode ser decretada, mesmo oficiosamente, uma sanção pecuniária compulsória, em ordem a assegurar a execução da mesma.
IV- A sanção pecuniária compulsória funciona como meio de coerção, destinado, fundamentalmente, a compelir o devedor à realização da prestação devida.

III - Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, nessa medida :
1°- Altera-se a condenação dos apelantes no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, que passará a ser de 200 € por cada dia ou acto de incumprimento da obrigação imposta.
2°- No mais, confirma-se a decisão recorrida.
Custas : Pelos recorrentes (artigo 527° do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 30 de Janeiro de 2018
Pedro Brighton
Teresa Sousa Henriques
Isabel Fonseca