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 - ACRL de 22-02-2018   Alteração do regime de visitas em sede de recurso da decisão que definiu o regime de visitas num concreto fim de semana.
Se a progenitora/apelante discordava das decisões que fixaram o regime de vistas das menores ao progenitor/apelado, devia tê-las impugnado oportunamente, não podendo obter no recurso a alteração do regime fixado, pois a decisão recorrida apenas teve por finalidade assegurar nesse fim de semana o cumprimento do regime de visitas anteriormente fixado.
Proc. 39/17.7T8MFR-H.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Anabela Calafate - António Manuel dos Santos - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Proc. 39/ 17.7T8MFR-H.L1
Sumário
I - Os recursos destinam-se a reapreciar questões decididas pela instância inferior, sem prejuízo das questões que devam ser oficiosamente conhecidas.
II - Assim, se a progenitora/ apelante discordava das decisões que fixaram o regime de visitas das menores ao progenitor/apelado, devia tê-las impugnado oportunamente, não podendo obter, nesta apelação, a alteração do regime fixado, pois a decisão recorrida apenas teve por finalidade assegurar nesse fim-de-semana o cumprimento do regime de visitas anteriormente fixado.

Nos autos de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (apenso E do Proc. 39/ 17.7T8MFR) referentes às menores T..., nascida em 26/12/2001, e B..., nascida em 10/02/2004, filhas de A... e de C..., foi proferida a seguinte decisão em 13/12/2017:
«Em conformidade com a decisão proferida no dia 6-12-2017, e a proferida a fls. 479 e ss. onde foram ordenadas um conjunto de visitas das crianças ao pai que não têm sido cumpridas, nenhuma delas.
Também não foi cumprida a entrega no dia 7-12-2017 por a autoridade policial não ter chegado a horas à escola, e depois na casa da progenitora ninguém ter atendido.
Foi hoje contactada a escola, que informou a ECJ que na próxima sexta não há atividades escolares educativas, não existindo qualquer prejuízo se as crianças faltarem pelo que o fim de semana com o pai começará assim no dia 14-12-2017.
Atento ainda o teor da decisão provisória aqui proferida, e os fundamentos e resultado da proferida a 6-12-2017, e os fins da mesma na proteção das crianças, o reiterado incumprimento da decisão do tribunal, e considerando que no dia 15-12-2017 não há actividades escolares, sendo a recolha das crianças determinada na decisão supra referida na escola, ao abrigo do disposto no artigo 37° da LPCJP (aprovada pela Lei 147/99, alterada até à Lei n° 142/2015, de 8 de setembro), antecipa-se para o dia 14-12-2017 o início deste fim de semana da visita, que será o primeiro a ser realizada, realizando-se os seguintes nos termos referidos da decisão de fls. 479 e ss.
Para o efeito, a autoridade policial, no cumprimento do mandado que aí está depositado, com o apoio da ECJ, deverá estar na escola por volta das 16:30 horas, para que as crianças sejam confiadas ao pai, atenta a hora de saída das aulas das mesmas, que é pelas 17:15 horas.
A mãe deverá pois entregar ao pai ou a quem ele indicar, no caso necessitar, roupa e demais objetos necessários para elas nos restantes dias do fim de semana. No caso de as crianças não estarem na escola, os mandados deverão ser cumpridos nos demais locais onde as crianças possam estar, em conformidade com o teor da decisão de fls. 479 e ss, com as alterações agora introduzidas, e dos mandados emitidos.
Notifique, sendo a progenitora apenas depois do cumprimento do aqui ordenado. Igualmente estes autos apenas podem ser consultados sem despacho após o cumprimento do agora ordenado, de modo a garantir que a decisão seja cumprida. Remeta por qualquer meio expedito à autoridade policial e à ECJ, para que articulem no cumprimento do aqui ordenado. A autoridade policial deverá ainda comunicar à escola o teor desta decisão, notificando depois de cumpridos os mandados também a progenitora.
Considerando a urgência do caso, e proximidade, antes de mais, cumpra, e após abra de imediato nova conclusão a fim de se apreciar o demais pendente nestes autos.».

Inconformada com esta decisão, apelou a progenitora em 02/01/2018, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1 - As jovens T... e B... que têm 16 e 13 anos, não querem ter visitas com o progenitor.
2 - As mesmas já foram ouvidas em sede da Regulação das Responsabilidades Parentais, sempre insistindo que não querem as visitas e no âmbito do presente processo, onde reiteraram não querer visitas, mais uma vez.
3 - Assim, deve pugnar-se, em prole do bem-estar soberano das menores;
4 - Atente-se, também o artigo 37° da Lei de protecção de menores em risco, onde a medida deve ser aplicar quando exista risco iminente, ou seja, situações de emergência, ora não é este o caso.
5 - Invoca-se, desde já, a nulidade do despacho, por estar enfermado de ilegalidade, não observando o plasmado no artigo 4° da Lei 147/99, alterada pela Lei 141/2015, nomeadamente as al. e), g) i) e j).
6 - Obstando, assim, aos direitos constitucionalmente protegidos, o de adequação, proporcionalidade e da dignidade humana.
Tal obstou ao direito do contraditório sem qualquer fundamentação que a tal justificasse a actuação.
7 - Isto porque, sem qualquer fundamentação, legal em primeira linha e/ou factual em segundo, ou vice-versa, pois não há lei a aplicar a factos inexistentes, o despacho em crise aplica o cumprimento de mandados sem conhecimento prévio da progenitora, impedindo o direito ao contraditório.
8 - Por outro lado, porque as jovens nunca antes estiveram em perigo, agora muito menos, com 13 e 15 anos, num processo que já tramita há mais de 9 anos, onde sempre afirmaram não quererem contactos com o progenitor.
9 - Para tanto, alega alienação parental, estudada há 4 anos, através do ISS, contradizendo-se, de imediato, dizendo que foi um insucesso total.
10 - Neste sentido, vem dizer que está na posse de todos os elementos necessários. Tal não é verdade, hoje são jovens adolescentes, ambas maiores de 12 anos.
11 - Sem conexão com o progenitor, as quais não desejam qualquer convívio, sem uma linha de apoio, ou diligências actuais, susceptíveis de apoio à teoria do Tribunal a quo, conclui pela alienação parental da Recorrente.
12 - E de tão opinativo e fora da realidade, sem factos, torna-se um despacho meramente conclusivo, o que o torna de uma violência extrema para as jovens e para quem tem o pilar estruturante, que é a Recorrente e o seu companheiro.
13 - Sob o título factos indiciados pode ler-se as conclusões do tribunal a quo, apoiando-se em meras hipótese que em nada estão suportadas por factos:
Com o objectivo de afastar as filhas do pai, em 8/ 11/2008, a progenitora apresentou uma participação no CPCJ de Mafra
(...) Perante nós desde 2017, essa estratégia está demonstrada até à exaustão (...)
14 - Pergunta-se, onde é que existe suporte factual para estas brilhantes conclusões? Pois. Não existem.
15 - Tudo para conseguir consubstanciar alienação parental da Recorrente, onde não existe.
16 - Há é indícios de uma alienação Magistral do tribunal a quo.
Alega para tal, que as jovens são manipuladas pela progenitora, que na 1a conferência ainda em sede de Regulação das responsabilidades parentais estas estavam colaborantes, etc.
17 - Não é verdade, pois como consta em acta as mesmas declararam não querer contactos com o progenitor, como antes e até aos dias de hoje.
18 - E, inclusive, foi intentada uma alteração às responsabilidades parentais, entretanto suspensa, por despacho, até decisão nos presentes autos.
Nestes termos requer-se que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarado nulo, revogando-o, suspendendo os convívios até decisão final.

O Ministério Público contra-alegou pugnando pela confirmação da decisão
recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se a decisão recorrida é nula
- se deve ser revogada a decisão recorrida
- se devem ser suspensos os convívios das menores com o progenitor até
decisão final

III - Fundamentação
Segundo a apelante, a decisão recorrida é nula por não ter observado o plasmado no art. 4° al. e), g), i) e j) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei 147/99 de 1/9 e alterada pela Lei 142/2015 de 8/9.
Mas a inobservância dos princípios consagrados nas alíneas e), f) e h) não é causa de nulidade da decisão, por não se enquadrar em nenhuma das situações enunciadas no art. 615° n° 1 do CPC.
Já a inobservância do princípio consagrado na alínea i) pode ser causa de nulidade, por aplicação do preceituado nos art. 3° n° 3 e 195° n° 1 do CPC, se tiver impedido, sem justificação, o exercício do contraditório pela progenitora/ apelante.
Os autos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo têm carácter urgente (cfr art. 102° da citada Lei) e no caso concreto estava em causa efectivar o cumprimento de decisões anteriormente proferidas que ordenaram visitas das crianças, mais concretamente, a entrega das menores ao progenitor no dia 14/12/2017 para com ele passarem o fim-de-semana.
Portanto, a urgência em assegurar que as menores passassem o fim-de-semana com o pai em cumprimento do anteriormente decidido, impôs a não audição prévia da progenitora.
Além disso, verifica-se que o objectivo deste recurso mais não é do que conseguir a alteração do regime de visitas, pois no final das conclusões vem requerido que este Tribunal da Relação decida suspender «os convívios até decisão final».
E na verdade, este recurso não tem qualquer utilidade se dirigido a impedir o cumprimento do que foi ordenado na decisão recorrida, pois esta apenas teve por finalidade o cumprimento do regime de visitas naquele fim-de-semana.
Ora, os recursos destinam-se a reapreciar questões decididas pela instância inferior, sem prejuízo das questões que devam ser oficiosamente conhecidas.
Se o apelante discordava das decisões que fixaram o regime de visitas das menores ao progenitor, devia tê-las impugnado oportunamente, não podendo fazê-lo nesta apelação através do pedido de suspensão das visitas.
Resta dizer que entretanto foi celebrado acordo provisório homologado no passado dia 05/02/2018 conforme expediente enviado a estes autos no dia 14 (fls 114 a 117), em que, além do mais, foi alterado o regime de visitas ao progenitor.

IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018
Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Eduardo Petersen Silva