Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 22-02-2018   Tribunal competente para os processos de declaração de insolvência quando não exista tribunal de comércio.
O juízo local cível é materialmente competente para o conhecimento de processos de insolvência independentemente do valor.
Proc. 1045/17.7T8PDL.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Mário Silva - Ferreira de Almeida - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Apelação
Processo n° 1045/17.7T8PDI.L1
Acordam na 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa 1. RELATÓRIO:
A C..., S.A. veio requerer no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de Competência Especializada Central Cível de Ponta Delgada a declaração de insolvência da T...- Sociedade Unipessoal, Ld.°, indicando como valor da causa €408.411, 20.
Foi proferido despacho que julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, e, assim, declinada a competência material deste tribunal para o conhecimento dos presentes autos, e consequentemente, indeferido liminarmente o pedido de declaração de insolvência.
A C... interpôs recurso deste despacho, com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso interposto pela C..., S.A., Requerente agora Apelante, tem por objeto a Sentença de indeferimento liminar da insolvência e que julgou o juízo central cível de Ponta Delgada incompetente, em razão da matéria, para conhecimento do Requerimento de Insolvência apresentado, julgando, verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, indeferindo liminarmente o pedido de insolvência.
B. Entendeu o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, sucintamente, nos termos conjugados do disposto na alínea a) do n.° 1 e n.° 2 do artigo 117º e artigo 128º n.° 1 da Lei n.° 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário - em diante LOSJ), que apenas compete aos juízos centrais cíveis o conhecimento das ações cíveis de processo comum de valor superior a €50.000,00.
A ora Apelante não pode concordar com tal entendimento,
C. Não gera qualquer dúvida que nos termos do disposto no artigo 128º n.° 1 al. a) da LOSJ é da competência dos juízos de comércio - um juízo de competência especializada - a preparação dos processos de insolvência;
D. Na ausência de tal Juízo especializado de comércio, o legislador determinou no n.° 2 do artigo 1172 da LOSJ que: Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos., referindo quanto ao número anterior e para o caso em apreço, a alínea a) do n.2 1 a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00; atribuindo ao juízo de competência especializada central cível tal competência.
E. E na ausência deste e como competência residual, será então competente o juízo local cível, como resulta do n.º 1 do artigo 130º da LOSJ.
F. É nosso entendimento que o legislador não queria fazer qualquer destrinça quanto à forma de processo para atribuir aos juízos centrais cíveis competência para todos os processos elencados no artigo 128º da LOSJ; não pretendendo, por conseguinte, incluir na sua competência tão só as ações cíveis de processo comum.
G. Ora caso fosse pretensão do legislador, como entende a decisão recorrida, que o artigo 117º n.º 2 conjugado com a alínea a) do n.º 1 limitasse a competência do juízo central cível a ações cíveis de processo comum, então não carecia aquele de legislar este n.º 2,
H. porquanto pela própria norma do n.° 1 alínea a) do 117º, já seriam da competência do juízo central cível tais ações, por entrarem precisamente na definição que daquela norma consta, pois independentemente da matéria, face à ausência de juízo de comércio, as ações (no conceito restrito da palavra) elencadas no 128º - porque ações declarativas de processo comum - entrariam nos termos desta alínea na competência dos juízos centrais cíveis.
1. E da mesma forma, pela lógica utilizada na decisão de que se recorre, os restantes processos já seriam da competência (residual) dos juízos locais cíveis;
J. Reproduzindo o que doutamente segue explanado no Acórdão proferida por esta mesma Relação a 30 de junho de 2015, processo n.2 431/15.1T8PDL.L1-7, disponível em www.dgsi.pt:
i. Aportamos, assim, à conclusão, verosímil e razoável, de que o propósito do legislador ao criar o n.° 2, do art.º 117.º, não foi dizer o mesmo que já diria sem ele, mas dizer algo diferente, ou seja, que a secção cível da instância central, na ausência de criação da secção de comércio, tem competência para todas as ações do art.º 128.°, sejam ações comuns ou processos especiais, quando o seu valor seja superior a € 50.000,00.
K. A Apelante não pretende reproduzir exaustivamente o que segue em diversos Acórdãos proferidas por esta Relação e que vão precisamente ao encontro da sua pretensão, mas não pode deixar de pelo menos enumerar alguns, indicando-os por ordem cronológica e que, sem exceção, entendem atribuir ao juízo central cível competência para todas as ações a que se reporta o artigo 128.º da LOSJ de valor superior a € 50.000,00:
Acórdão de 19-03-2015 proferido no âmbito do processo n.º 1016-14.5T8PDL.L1-6; 0 Acórdão de 26-03-2015 proferido no âmbito do processo n.º 702-14.4T8PDL.L1-8; 13 Acórdão de 7-04-2016 proferido no âmbito do processo n.° 35/16.1T8PDL.L1-2; 0 Acórdão de 12-04.2016 proferido no âmbito do processo n.º 507/15.5T8RGR.L1-7 Cl Acórdão de 28-04-2016 proferido no âmbito do processo n.º 506/15.7T8RGR.L1-8 Cl Acórdão de 2-06-2016 proferido no âmbito do processo n.º 2210/15.7T8PDL. L1.-2 El Acórdão de 10-10-2016 proferido no âmbito do processo n.º 2245/16.2T8PDL.L1.-2 Todos disponíveis em www.dgsi.pt
L. Em suma, entende a Apelante, perante a ausência de Secção de Comércio, que o Juízo Central Cível de Ponta Delgada é competente para conhecer do processo de insolvência em causa, cujo valor é superior a €50.000,00, conforme decorre da interpretação conjugada dos artigos 117º n.º 1 e 2 e artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
M. Termos em que a decisão proferida violou o nº 2 do artigo 117º e artigo 128º ambos do CIRE
Por todo o supra exposto, requer-se a V.Ex.as se dignem dar provimento ao presente Recurso, revogando-se assim a Sentença recorrida e em consequência substituído por outra que entenda o Juízo Central Cível de Ponta Delgada como competente para conhecer do processo de insolvência em causa, seguindo este os seus termos
Este recurso foi admitido, como sendo de apelação com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. OBJETO DO RECURSO: O objeto do recurso afere-se segundo o conteúdo das conclusões de alegação formuladas pela Recorrente, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente- artigos 635º, n° 4 e 639º, nº 1 do CPC.
Questão a decidir neste recurso: qual o tribunal competente para conhecer da presente ação cível: juízo cível central ou juízo cível local.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Consideram-se assentes os seguintes factos:
1. A C..., S.A. veio requerer no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de Competência Especializada Central Cível de Ponta Delgada a declaração de insolvência da T...- Sociedade Unipessoal, Lda, indicando como valor da causa €408.411,20.
2. Com a data de 17.10.2017 foi proferido o seguinte despacho:
Da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria - indeferimento do pedido de declaração de insolvência
O presente despacho expressa o entendimento dos Juízes 2 e 3 do Juízo Central Cível de Ponta Delgada.
Não desconhecemos, todavia, as decisões que têm vindo a ser proferidas em sede recursiva ou em sede de conflitos negativos de competência e que têm vindo a confirmar a posição sufragada por alguns (que não todos) os Colegas dos Juízos Locais Cíveis de Ponta Delgada e da Ribeira Grande (a Requerente, na resposta que antecede, faz menção a algumas decisões).
Mas o nosso entendimento tem vindo a ser confirmado, embora não de forma unânime mas com um considerável e relevante assento jurisprudencial, tanto mais porque emana de diferentes secções cíveis do Tribunal da Relação de Lisboa: Ac. TRL de 19.03.2015 (processo n° 1016/14.5T8PDL, relatado pela Ex.ma Senhora Juiz Desembargadora Maria Manuela B. Santos G. Gomes); Ac. TRL de 23.04.2015 (processo n° 660/15.8T8PDL, relatado pelo Ex.mo Senhor Desembargador Tomé Ramião); Ac. TRL de 28.04.2015 (processo nº 658/15.6T8PDL, relatado pela Ex.ma Senhora Juiz Desembargadora Maria Adelaide Domingos); Ac. TRL de 19.05.2015 (processo nº 425/15.7T8PDL, relatado pela Ex.ma Senhora Juiz Desembargadora Maria da Conceição Saavedra) e Ac. TRL de 31.08.2015 (processo nº 1798/15.7T8PDL, relatado pela Ex.ma Senhora Juiz Desembargadora Ondina Carmo Alves) que, bem assim, faz uma referência doutrinária (defendendo esta posição) a António A. Vieira Cura, Curso de Organização Judiciária, 22 Ed., p. 213 e 222. Todos se pronunciaram pela competência da Instância Local Cível (agora Juízo Local Cível) para o conhecimento de quaisquer processos de insolvência em razão da matéria, portanto, independentemente do valor, indo ao encontro, pois, da solução por nós preconizada e cujos fundamentos infra mantêm toda a atualidade.
Julgamos que a questão só ficará definitivamente resolvida mediante uma clara e escorreita intervenção do legislador (mau grado não ter sido objeto da Lei nº 40-A/2016, de 22 de dezembro) ou do nosso mais alto Tribunal em sede de uniformização de jurisprudência.
O presente processo de insolvência foi distribuído a este Juízo Central por indicação da Requerente, face ao valor da causa, em razão do n9 2 do art.° 117º da Lei 62/2013, de 26 de agosto (em diante LOSJ).
Conforme anunciámos, não podemos concordar com este entendimento.
Eis o quadro legal que, a nosso ver, importa para o caso: arts. 37º nº 1, 38º nº 1, 39º, 40ºnºs1e2,41º,79º, 80ºnºs1a5,117ºnºs1a3,123ºnº4,124ºnº5e6e128ºnºs1a3, todos da LOSJ; e arts. 64º al. a), 66º nº 1 al. a), nº 2 als. c) e e) e 104º nº 1, todos do DL 49/2014, de 27 de março (em diante RLOSJ).
Percorrido o quadro legal que enquadra a questão aqui em apreço, nota-se (sendo até primário afirmá-lo) que a realidade de hoje, no que toca à organização judiciária – artºs.79º a 81º da LOSJ -, é muito distinta da que vigorava antes de 01.09.2014.
Hoje, circunscrevendo a questão à Região Autónoma dos Açores, a miríade de comarcas de antes está aglutinada numa única comarca – artº.66º da RLOSJ.
Nota-se, também, que a tão propalada (pelo poder político) especialização dos
tribunais não chegou de forma igual a todas as comarcas do país. É certo que essa possibilidade está contemplada na lei – artº.81º da LOSJ - mas, no que toca à comarca dos Açores, não foi implementada de forma integral por se ter excluído da especialização o Juízo do Comércio e o Juízo de Execução - als.f) e g) do nº.2 do artº.81º da LOSJ - como claramente o revela o artº.66º, nº.1 da RLOSJ que as não criou...e é daqui que surge a questão que se analisa e que o legislador resolveu mas de forma menos óbvia, digamos assim, circunstância que, como nos revela a história das reformas anteriores, é aproveitada por muitos operadores para confundirem o desiderato reformista.
Como se referiu, se tivesse sido criado o Juízo do Comércio todos saberíamos que a competência para o conhecimento destes autos lhe caberia, como bem o aponta o artº.128º, nº.1, al. a) da LOSJ...assim como lhe caberia o conhecimento de todos os demais autos que se mostram elencados em tal norma, o que equivale a dizer que a competência é-lhe atribuída em razão exclusiva da matéria com clara irrelevância para o valor da causa.
Resulta da lei – artºs.37º, 38º, 39º, 40º e 41º, todos da LOSJ - que a competência dos tribunais judiciais, para o que aqui importa, se reparte entre si segundo a matéria e o valor; que (a competência) se fixa no momento da propositura da ação mas com a possibilidade de se alterar de acordo com as imposições legais e também quando ocorrer extinção do órgão a que a causa estava afeta ou lhe seja atribuída a competência que antes lhe faltava; só nos casos previstos na lei é que uma causa se pode deslocar para outro tribunal; que os tribunais judiciais têm competência residual e que, no que toca às ações declarativas cíveis de processo comum, a competência entres os Juízos Locais e Centrais em matéria cível se faz em razão do valor.
No que toca ao Juízo Central Cível a competência está fixada e limitada nos termos do art°.117º da LOSJ e podemos, para o que aqui interessa, circunscrevê-la à preparação e julgamento das ações cíveis de processo comum de valor superior a €50.000,00 - nº.1, al. a) da noma referida.
Cabe aqui e agora assinalar a primeira e fundamental diferença quanto aos critérios d atribuição da competência aos Juízos Centrais Cíveis e aos Juízos do Comércio: aos primeiros é feita pelo binómio matéria (preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum; exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível as competências previstas no CPC, em circunscrições não abrangidas pela competência de outra secção ou tribunal; preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência; e exercer as demais competências conferidas por lei) e valor da causa (desde que superior a €50.000,00) ao passo que aos segundos é feita apenas pela matéria (toda a elencada no art°.128º da LOSJ).
Em jeito de resumo, aos Juízos do Comércio cabe conhecer de todos os processos e ações que incorporem matéria comercial independentemente do valor que esteja em causa, ao passo que aos Juízos Centrais Cíveis a sua competência é limitada às ações declarativas cíveis de processo comum com valor superior a €50.000,00; às ações executivas também de valor superior ao apontado e às providências cautelares a que correspondam as ações declarativas em primeiro lugar referidas.
O legislador poderia ter feito outra opção...mas não o fez!
E certamente não o fez por razões ponderosas relacionadas com a racional distribuição do serviço e, também, com a desnecessidade de intervenção de juiz mais experiente no julgamento de causas que não aquelas que especificou – artº.183º, nº.1 da LOSJ.
Como sabemos, estão arquitetadas no CPC uma miríade de ações - especiais - que versam matéria cível e que assumem, em muitas ocasiões, valores muito acima dos €50.000,00 e, mesmo assim, o legislador entendeu subtrair o seu conhecimento aos Juízos Centrais Cíveis, entregando tal tarefa aos Juízos Locais. Limitou, pois, a competência dos primeiros em razão da matéria...uma vez que o valor, neste particular, não assume relevância (nota clara desta opção está no artº.41º da LOSJ).
Já não preconizou o legislador solução igual para os Juízos do Comércio, uma vez que a estes cabe, independentemente do valor, conhecer de todos os processos e ações que versem matéria comercial – artº.128º da LOSJ.
Se assim é, cabe agora interpretar o que o legislador pretendeu ao fixar a regra a que alude o nº.2 do artº.117º da LOSJ.
Para tanto, há que chamar à colação o que decorre do artº.9º do Código Civil: nº.1 -A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada; nº.2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; nº.3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ora, pegando na letra da lei – nº.2 do artº.117º da LOSJ -, vemos claramente que o legislador (podendo usar qualquer vocábulo, na verdade) exprimiu o seu pensamento em termos adequados ao que visava pela expressão ações...e não procedimentos, processos ou qualquer outra que pudesse contrariar a estreiteza da via que abriu na direção do Juízo Central Cível fixada no n°-.1 do mesmo preceito.
O legislador sabia muito bem...porque o escreveu...que o Juízo do Comércio tinha competência para conhecer mais do que as ações declarativas de processo comum que por lá pululam...tinha competência para conhecer tudo e sem qualquer limite de valor (competência fixada exclusivamente em razão da matéria).
Legitimamente cabe agora perguntar se (com o nº.2 do artº.117º da LOSJ) o legislador quis entregar aos Juízos Centrais Cíveis onde não haja Juízo do Comércio a competência que caberia a este último na sua totalidade (nomeadamente a material) ou só relativamente às ações da sua competência (ações declarativas cíveis de processo comum com valor superior a €50.000,00; às ações executivas também de valor superior ao apontado e às providências cautelares a que correspondam as ações declarativas em primeiro lugar referidas)? A resposta parece não oferecer dúvidas e para tanto basta olharmos de forma mais cuidada para a lei, lendo-a de forma integrada e devidamente contextualizada. O n°2 do artº.117º da LOSJ preconiza sem qualquer dúvida um alargamento da competência dos Juízos Centrais Cíveis onde não haja Juízo do Comércio...mas na atribuição dessa competência não abandona o critério que fixou e que se concretiza no binómio matéria e valor (artºs.40º, nº.2 e 41º da LOSJ)...e por isso faz referência expressa ao nº.1 do mesmo preceito.
A lei – nº.2 do art°.117º da LOSJ - não refere que a competência do Juízo do Comércio - fixada no artº.128º da LOSJ - passa, toda, para o Juízo Central Cível desde que o valor da causa, independentemente da sua forma processual, seja superior a €50.000,00...o que seria fácil de dizer se essa fosse a solução preconizada...o que se diz, com todas as letras, é que a competência das do Juízo Central Cível fixada nos termos do nº.1 é alargada no sentido de nela se incluírem, em razão da matéria, para além do mais, as ações declarativas de processo comum de valor superior a €50.000,00.
A interpretação feita sem se contextualizar o teor do nº.2 face ao que se afirma no nº.1 do art.117º da LOSJ seria derrogar a barreira da competência em razão da matéria fixada para o Juízo Central Cível que se limita às hipóteses, constituídas em numerus clausus, identificadas no nº.1 do artº.117º da LOSJ....é que inquestionavelmente as insolvências e PER não são, em termos dogmáticos, ações declarativas de processo comum mas sim processos especiais e assim mesmo foram designados expressamente pelo legislador que no artº.128º, nº.1, al. a) da LOSJ assim os apelida.
Não se trata de qualquer ingenuidade do legislador mas antes de opção clara e rigorosa em termos dogmáticos.
Outra interpretação deixaria entrar pela janela o que se vedou pela porta e com isso fazer tábua rasa do binómio matéria e valor que determina a sua competência...não existe na letra da lei a mínima referência a tal hipótese, razão pela qual não pode qualquer intérprete, por esta via, chegar a qualquer pensamento legislativo nesse sentido – artº.9º, nº.2 do CC.
Por outro lado, a defesa da tese contrária pressuporia, a nosso ver, que a norma contida no nº.2 do artº.117º da LOSJ - nesse sentido interpretativo - tivesse sido colocada em número autónomo do art.º 128º: com efeito, se neste preceito fosse feita referência à competência do Juízo Central Cível nas comarcas onde não houvesse Juízo do Comércio, estaria definida -com toda a clareza - a extensão de competência. Mas não: a inserção sistemática da norma reforça que, necessariamente, não pode ser interpretada desligada da al. a) do n° 1 do mesmo artigo (não aceitamos por isso a argumentação de João Miguel Ramos, em Sistema Judiciário Anotado, AAFDL Editora, 2017, 22 Ed., p. 348-350, em especial na parte em que, de forma simplista, refere, contra este argumento, que o n° 2 do artigo está manifestamente deslocado).
A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, de conhecimento oficioso, e implica o indeferimento do pedido de declaração de insolvência em despacho liminar e respetiva publicação - arts. 65º, 96º al. a), 97º n° 1 e 99º nº 1, todos do CPC, e 27º n° 1 al. a) e 2 do CIRE.
Em face do exposto, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria e, assim, declino a competência material deste tribunal para o conhecimento dos presentes autos, e, concomitantemente, indefiro liminarmente o pedido de declaração de insolvência.
Publique.
Notifique.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
O requerimento de declaração de insolvência deu entrada em 12 de abril de 2017, portanto na plena vigência da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto/Lei de Organização do Sistema Judiciário (com as alteração introduzida pela Lei n2 40-A/2016 de 22 de dezembro).
De acordo com o disposto no artigo 117º, n.º 1, da LOSJ:
Compete aos juízos centrais cíveis:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) € 50 000;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50.000, as competências previstas no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de outra secção ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei..
Mais se estabelecendo, no n.° 2 do mesmo artigo, que Nas comarcas onde não haja secção de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a essas secções..
E, no n.° 3: São aos juízos centrais cíveis os processos pendentes em que se verifique alteração do valor suscetível de determinar a sua competência..
Por outro lado, define-se no artigo 128º, n.º 1, da LOSJ, que Compete aos juízos de comércio preparar e julgar: a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização
Finalmente, dispõe-se, quanto à Instância Local, no artigo 130º:
1- Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na área da respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada;
(...)
f) Exercer as demais competências conferidas por lei.
Por seu turno, o Regulamento da Organização do Sistema Judiciário e Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais/Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março (com alteração introduzida pela Lei nº (DL n.º 86/2016, de 27/12), criou, no seu artigo 64º, alínea a), o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, não tendo integrado naquele, em desdobramento, uma secção de comércio, como se retira do artigo 66º, do mesmo Decreto-Lei.
Este artigo reporta-se ao desdobramento do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores e regulamenta o disposto no artigo 81º da LOSJ, segundo o qual os tribunais de comarca se desdobram em juízos de competência especializada, de competência genérica e de proximidade.
Densifica aquele desdobramento, em quadro de especificidade da Região Autónoma onde se situa, de harmonia com o disposto no referido artigo 81º da LOSJ.
A doutrina e a jurisprudência não têm sido uniformes, no que respeita à competência para a preparação e julgamento dos processos de insolvência onde não haja juízo de comércio.
Assim, podem-se resumir a duas as interpretações principais avançadas pela doutrina e jurisprudência.
Existe uma tese que sustenta que essa competência pertence aos juízos locais cíveis e uma outra que defende que a mesma pertence aos juízos centrais cíveis.
A favor da primeira tese, podem invocar-se as seguintes posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais:
António Alberto Vieira Cura considera que Relativamente à competência das secções cíveis prevista no n.° 2 do art.º 117.° da LOSJ, para a preparação e julgamento de ações atribuídas (pelo art.° 128.°) às secções de comércio, nas comarcas em cujo tribunal não exista secção especializada nessa matéria - ou na parte de alguma delas em que a secção de comércio não seja territorialmente competente -, importa ter presente que ela apenas existe quanto às ações que se reconduzam ao disposto no n.° 1 do art.° 117.º, uma vez que o n.º 2 deste artigo estabelece que (na mencionada hipótese) «o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a essas secções», fazendo uma remissão global para aquele preceito.
Assim, às secções cíveis caberá a preparação e julgamento das ações declarativas de processo comum previstas no n.º 1 do art.= 128.º - como as de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade (al. b)) e as de anulação (ou de declaração de nulidade) de deliberações sociais (al. d)) -, quando o seu valor exceda € 50.000 (e os procedimentos cautelares que, em regra, dependem delas, como o de suspensão das deliberações sociais nulas ou anuláveis - al. d)), mas não as de processo especial- como os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização (al. a), e as ações relativas ao exercício de direitos sociais (ai. c)), a que correspondem)), os processos especiais previstos nos arts. 1048.º a 1071.º do novo C.P. Civil.
Salvador da Costa e Luís Lameiras em anotação ao art.º 117º da LOSJ escreveram prevê o nº 2 as comarcas onde não haja juízo de comércio, e estatui que o disposto no número anterior é extensivo às ações que lhe competiriam se ele existisse.
Versa sobre a inexistência, na circunscrição comarcã, de juízo de comércio. Nesse caso, ao juízo central cível compete, residualmente, conhecer das causas de processo comum relativas à matéria de comércio de valor processual superior a €50.000.
Assim, a competência dos juízos centrais cíveis estende-se às ações declarativas de processo comum que deveriam ser tramitadas pelos juízos de comércio, se existissem, ou seja, às mencionadas do artigo 128º, nº 1, alíneas b) e d) de valor superior a €50.000.
A referida competência envolve os procedimentos cautelares correspondentes às mencionadas ações.
Outrora, considerou-se que a referida extensão de competência abrangia os processos de insolvência, incluindo os planos especiais de revitalização, as ações de resolução de contratos de compra e venda, bem como os incidentes relativos à exoneração do passivo restante e o concurso de credores.
Respondendo o que se entendeu, visto que o processo de insolvência é um processo especial e a competência dos juízos centrais cíveis depende de o valor da causa ser superior a €50.000 e de à mesma corresponder o processo comum, concluímos agora que, nesse caso, os processos de insolvência, ainda que de valor superior a €50.000, se inscrevem na competência dos juízos locais de competência cível ou nos juízos de competência genérica.
Em suma, como o processo de insolvência é de natureza especial, a competência para dele conhecer, na falta de juízo central e comércio, não se inscreve nos juízos centrais cíveis.
Por se tratar de ações com processo especial, a competência dos juízos centrais cíveis também não se estende às ações previstas nas alíneas c), e), f), h) e i) do referido artigo 128º.
Alexandre Soveral Martins Quanto à competência em razão da matéria, e de acordo com a LOTSJ, havendo secção de comércio na instância central, competirá àquela preparar e julgar os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização (art. 128º, 1, a) da LOSJ).
Se não existir secção de comércio ou, se ela não abranger toda a comarca quanto à área por ela não abrangida, a competência parece caber às seções de competência genérica das instituições locais. Com efeito, lê-se no art.° 130º, 1, a) da LOSJ que é às seções de competência genérica que compete Preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central ou tribunal de competência territorial alargada. E não parece de recorrer aqui ao disposto no art.° 117º, 2, LOSJ que considera o nº 1 extensivo às ações nas comarcas onde não haja seção de comércio às ações que caibam a essas seções. Com efeito, essa aplicação do art.º 117º, 1 LOSJ, parece só fazer sentido quanto à preparação e julgamento de ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000, ao exercício, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000, das competências previstas no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de outra seção ou tribunal, à preparação e julgamento dos procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência e ao exercício das demais competências conferidas por lei. Ao considerar que o regime do nº 1 é extensivo às ações que caibam às seções de comércio a LOSJ não está a mandar aplicar o n° 1 a todos os processos e ações previstos no art.° 128º.
• Acórdão de Tribunal de Relação de Évora, de 15-01-2015, relator Mário Serrano, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: É da competência da Instância Local (secção cível) do Tribunal da Comarca - e não da sua Instância Central - a tramitação dos processos de insolvência, seja qual for o seu valor.
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12-03-2015, relator Sílvio Sousa, www.dgsi.pt com o seguinte sumário: Em matéria de competência para preparar e julgar processos de insolvência, a atual organização do sistema judiciário não inovou; assim, estes processos, instaurados, aquando da vigência da anterior organização judiciária, nos juízos cíveis, por inexistência de tribunal de comércio, devem transitar, em consequência da organização vigente, para a instância local (secção cível), se na comarca não existir secção de comércio.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-03-2015, relatora Maria Manuela Gomes, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: Nos tribunais de comarca onde não existe secção de comércio, a competência para o processo de insolvência pertence à secção cível da instância local.
 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 30-01-2016, relator António Ribeiro Cardoso, www.dgsi.pt., com o seguinte sumário: É da competência da Instância Local (secção cível) do Tribunal da Comarca - e não da sua Instância Central - a tramitação dos processos de insolvência, seja qual for o seu valor.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-06-2017, relatora Ondina Carmo Alves, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário No âmbito da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26/08 (LOSJ), regulamentada pelo Decreto-Lei nº 49/2014, de 27/03 (RLOSL) nas comarcas onde não foram criadas Secções de Comércio, como é o caso da Comarca dos Açores, é da competência da Instância Local, e não da Instância Central, a tramitação dos processos de insolvência, independentemente do valor da causa, por força do disposto no artigo 117º, nºs 1 e 2 da LOSJ e atenta a competência residual da Instância Local
Quanto à segunda tese:
-J. F. Salazar Casanova se não for criada no tribunal de instância central uma secção de comércio, a lei prescreve (art.º 117.º/2) que para as causas que deviam correr na secção de comércio, se existisse, é extensivo o disposto no art.º 117.º/1 que visa a competência da instância cível central. A secção cível estende a sua competência em razão da matéria para as causas que se deveriam tramitar na secção de comércio se esta existisse.
-João Miguel Barros os juízos centrais cíveis têm competências residuais, definidas pela positiva no nº 1, aI. d), e que são aquelas que expressamente este artigo prevê, ou seja, as demais competências que lhe sejam conferidas por lei.
Uma primeira nota: essas competências residuais estão no lugar errado; deveriam estar inseridas, antes, nos artigos que tratam, respetivamente, dos juízos de comércio (art. 128º) e dos juízos de execução (art.º 129º), e servirem de reenvio excecional para o caso de não estarem instaladas nas comarcas esses juízos especializados.
A LOSTJ prevê unicamente duas situações:
-nas ações executivas de natureza cível de valor superior a 50.000 euros, mas apenas nas circunscrições não abrangidas pela competência de outro juízo ou tribunal (nº 1, al. b). É o caso de 8 comarcas: Açores, Beja, Bragança, castelo Branco, Guarda, Madeira (em relação ao município de Porto Santo, não abrangido pelo juízo instalado no Funchal), Portalegre e Viana do Castelo.
-nas ações que caibam nas competências dos juízos de comércio nas comarcas em que esses juízos não existam (nº 2). E o caso de 9 comarcas: Açores, Beja, Bragança, Évora, Guarda, Madeira (em relação ao município de Porto Santo), não abrangido pelo juízo instalado no Funchal), Portalegre, Viana do Castelo e Vila Real.
Deve realçar-se que, não obstante, não caberem nas competências próprias dos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento de ações a que não corresponda processo especial ou processos de jurisdição voluntária, tal não pode levar a concluir, sem mais, que a competência para esse tipo de processos esteja totalmente excluída.
Desde logo, porque os juízos centrais cíveis têm competência residual para as demais (competências) que lhe foram conferidas por lei (art.º 19, al. d)). E aqui cabem, sem que se discrimine nenhuma, todas as que a lei entenda conferir os juízos centrais cíveis, não parecendo ser correto aplicar os três critérios definidores da sua competência própria) (matéria, forma de processo e valor da ação) como elemento interpretativo de exclusão.
-Bruno Bom Ferreira conclui que: nas comarcas onde não haja secção de comércio, todas as ações de valor superior a €50.000,00 atribuídas à competência dessas seções no art.º 128º, sejam elas de processo comum ou especial, passam a ser da competência das seções cíveis da instância central.
• Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1-12-2014, relator Orlando Nascimento, www.dgsi.pt., com o seguinte sumário: O nº 2 do art.º 117º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, ao atribuir à instância central as ações a que se reporta o nº 1 do mesmo preceito e que caibam às seções de comércio, deve ser interpretado no sentido de atribuir à instância central as ações a que se reporta o art.º 128º da mesma lei, que tenham valor superior a €50.000,00.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-03-2015, relatora Catarina Manso, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário nas comarcas onde não existam secções especializadas, pertence às secções cíveis da instância central a competência para as ações nas quais seriam competentes as secções de comércio.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3-06-2015, relator Orlando Nascimento, www.dgsi.pt com o seguinte sumário: 1. A interpretação do n.º 2, do art.º 117.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, no sentido de atribuir à secção cível da instância central a competência para as ações declarativas cíveis de processo comum, de valor superior a € 50.000,00, lançando na competência da instância local todos os restantes processos enumerados no art.º 128.º da mesma Lei, inutiliza esse preceito, tornando-o dispensável, na medida em que conduz ao mesmo resultado interpretativo que já resultava do disposto nos art.ºs117.º,n.º1,al.a)e130.º,n.º1,al.a) e n.º2,da lei n.º 62/2013.
2. Tendo em atenção os dois comandos imperativos do n.º 3, do art.º 9.º do C. Civil - (1) soluções mais acertadas e (2) pensamento expresso em termos adequados - essa interpretação tem de ser liminarmente rejeitada, devendo o intérprete procurar uma outra que confira conteúdo útil à norma a interpretar.
3. Atenta a diferença de critérios adotados na delimitação da competência pelo art.º 117.º (secções cíveis) e pelo art.º 128.º (secções de comércio) - a al. a), do n.º 1, do art.º 117.º delimita a competência das secções cíveis pela forma/tipo de processo - ações declarativas cíveis de processo comum - e pelo seu valor - superior a € 50.000 - e o art.º 128.º delimita a competência das secções de comércio pela matéria (comércio) e pelas formas processuais que lhes correspondem, independentemente do valor - e a necessidade de harmonização do disposto nos três preceitos, a saber, o n.° 2 do art.° 117.º, o art.º 128.º e o n.º 1, do art.° 117.º, o denominador comum a todos eles pressupõe o abandono da forma de processo, constante do n.º 1, do artº 117.º, mas não constante do art.º 128.º, e a aceitação do critério do valor, consagrado no n.° 1, do art.º 117.° e transversal a todos os processos identificados no art.° 128.°.
4. Assim, o desiderato prosseguido pelo legislador com o n.° 2, do art.° 117.°, da lei n.º 62/2013, não foi dizer o mesmo que já diria sem ele, mas dizer algo diferente, devendo o mesmo ser interpretado no sentido de que a secção cível da instância central, na ausência de criação da secção de comércio, tem competência para todas as ações do art.° 128.º, sejam ações comuns ou processos especiais, quando o seu valor seja superior a € 50.000,00.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-06-2015, relator Orlando Nascimento, www.dgsi.pt., com o seguinte sumário que o n.° 2, do art.° 117.º, da lei n.° 62/2013, deverá ser interpretado no sentido de que a secção cível da instância central, na ausência de criação da secção de comércio, tem competência para todas as ações do art.° 128.º, sejam ações comuns ou processos especiais, quando o seu valor seja superior a € 50.000,00..
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-04-2016, relator Ezaguy Martins, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário É da competência da secção cível da instância central, nas comarcas que não sejam servidas por secção de comércio, a preparação e julgamento dos processos de insolvência com valor superior a € 50.000,00.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-04-2016, relatora Dina Monteiro, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: Nas comarcas em que não se encontrem instaladas as secções especializadas de comércio, a preparação e julgamento das ações que versem essa matéria - no caso, as do artigo 128.º da LOSJ - são da competência das secções cíveis da instância central, por imperativo do disposto no n.º 2 do artigo 117.º, da LOSJ e tendo presente o n.º 1, alínea d) desse mesmo preceito.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-04-2016, relatora Maria Alexandrina Branquinho, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: O n.º 2 do art.º 117.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, ao atribuir à instância central competência para as ações que seriam da competência das seções de comércio, se tivessem sido instaladas, remetendo para o disposto no seu n.º 1, deve ser interpretado no sentido de atribuir à instância central a competência para todas as ações a que se reporta o art.º 128.º da mesma lei, que tenham valor superior a € 50.000,00.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2-06-2016, relator Ezaguy Martins, www.dgsi.pt, com o seguinte sumário É da competência da secção cível da instância central, nas comarcas que não sejam servidas por secção de comércio, a preparação e julgamento dos processos de insolvência com valor superior a € 50.000,00.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-10-2016, relator Ezaguy Martins, www.dgsLpt, com o seguinte sumário: É da competência da secção cível da instância central, nas comarcas que não sejam servidas por secção de comércio, a preparação e julgamento dos processos de insolvência com valor superior a € 50.000,00.
Trata-se pois de um problema de interpretação da lei.
Dispõe o art.º 9º do Código Civil:
1 -A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Conforme A. Santo Justo A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios, que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros, a que seguidamente se recorre, constituem os elementos correntemente denominados lógicos (histórico, racional e teleológico), que permitem obter o sentido profundo, o espírito ou alma da lei.
Importa acentuar que todos estes elementos se integram no ato unitário que é a interpretação; por isso, não há uma interpretação gramatical outra lógica (histórica, racional ou teleológica), mas elementos gramatical e lógicos duma única interpretação.
O elemento literal, também dito gramatical, são as palavras em que a lei se exprime. Constitui o ponto de partida da interpretação jurídica e desempenha duas funções:
a) Negativa (ou de exclusão): afasta a interpretação que não tenha uma base de apoio na letra da lei, ainda que mínima. É a teoria da alusão.
b) Positiva (ou de seleção): privilegia sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. Em relação ao primeiro, dever-se-á ter presente a suposição de que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento e, por isso, serviu-se do vocabulário jurídico adequado. Quando ao segundo, ocorre em matérias técnicas, onde assume um sentido próprio ou peculiar. E sobre o último, que é o sentido comummente entendido, dir-se-á que o legislador se dirige a todos os cidadãos e é necessário que o entendam.
Elemento histórico: este elemento atende à génese da lei e é constituído por:
1. Trabalhos preparatórios;
2. Precedentes normativos;
3. Occasio legis: circunstancialismo jurídico-social que rodeou a feitura da lei, que o intérprete não deve desconsiderar.
Elemento sistemático
Na base deste elemento está a ideia de que a ordem jurídica tem uma unidade e coerência jurídico-sistemática, pelo que a compreensão duma norma jurídica postula a regulação das normas afins ou paralelas.
Com efeito, as normas jurídicas relacionam-se por:
1. Subordinação: é a relação entre uma norma e os princípios gerais do sistema jurídico, cujo conhecimento auxilia o seu esclarecimento;
2. Conexão: é a relação entre normas contíguas que formam o contexto da noma;
3. Analógica: é a relação entre preceitos semelhantes que integram outros institutos.
As normas contíguas chamam-se lugares paralelos.
O nosso Código Civil reconhece igualmente a necessidade do elemento sistemático, quando refere a unidade do sistema jurídico.
Elemento racional ou teleológico
Este elemento constitui a ratio legis, ou seja, a razão-de-ser, o fim ou objetivo prático que a lei propõe se propõe atingir. A ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina e, sendo o intérprete um colaborador do legislador, a sua importância é fundamental.
O Código Civil português acolheu também este elemento ao determinar que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais apertadas.
Cotejando a letra com o espírito da lei é possível, segundo a sua conceção tradicional, realizar as seguintes espécies de interpretação da lei: declarativa, extensiva, restritiva, enunciativa e ab-rogante.
Interpretação declarativa é aquela em que o espírito da lei, determinado por elementos lógicos, coincide perfeitamente com o significado das suas palavras.
Interpretação extensiva verifica-se quando o intérprete, observando uma desarmonia entre o significado literal e o espírito da lei, corrige aquele para, deste modo, obedecer à mens ou voluntas legis. O legislador disse menos do que queria (minus dixit quam voluit) e, por isso, o sentido literal é estendido até coincidir com o espírito da lei.
Interpretação restritiva cumpre a função oposta à da interpretação extensiva: perante um sentido literal que, sendo demasiado amplo, não corresponde ao espírito da lei fornecido pelos elementos lógicos, o intérprete restringe, encurta, o significado das palavras da lei para colocar a expressão em harmonia com o seu espírito. O legislador foi traído pelas palavras e disse mais do que quis dizer (potius dixit quam voluit).
Interpretação ab-rogante: é a interpretação em que, concluindo, haver uma contradição insanável entre o significado literal e o espírito da lei, o intérprete limita-se a reconhecer que a fonte jurídica não apresenta nenhuma norma jurídica.
Interpretação enunciativa: é a interpretação já não duma fonte do direito, mas duma norma jurídica e traduz-se no desenvolvimento ou exploração das suas virtualidades através do raciocínio e da intuição.
Esta interpretação pode conduzir-nos aos seguintes resultados, que habitualmente se exprimem nas seguintes regras:
1. A lei que permite o mais permite o menos (argumento a maiori ad minus);
2. A lei que proíbe o menos também proíbe o mais (argumento a minori ad maius);
3. A lei que distingue um caso excecional pressupõe uma disposição contrária para os casos não excecionais ou comuns (argumento a contrario sensu). A aplicação deste argumento é muito delicada e limitada: importa determinar, com segurança, se a norma interpretada é excecional.
Salvo o devido respeito pela posição contrária, aderimos à primeira posição acima indicada, porque entendemos que não é possível cotejando a letra da lei com o espirito da lei, mesmo fazendo apelo da interpretação extensiva, corrigir o disposto nos n2s 2 e 1 do art.2.1172 da LOSJ de forma a incluir na competência dos juízos centrais civis os processos de insolvência, dada a sua natureza especial.
Em suma, o despacho recorrido quando julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, decidiu de forma acertada, dado que a competência para conhecer da presente ação é dos juízos locais cíveis.
V. DECISÃO:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a presente apelação, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo Apelante- artigo 527° do CPC.
Notifique
Lisboa, 22 de fevereiro de 2018
(Mário Rodrigues da Silva)
(A. Ferreira de Almeida)
(Catarina Manso)