Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 08-02-2018   Exoneração do passivo restante. Decisão de recusa.
I - A decisão de recusa, pelo juiz, da exoneração do passivo restante pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) violação das obrigações impostas ao insolvente como corolário da admissão liminar do pedido de exoneração; b) que essa violação decorra de uma actuação dolosa ou com grave negligência do insolvente; c) verificação de um nexo causal entre a conduta dolosa ou gravemente negligente do insolvente e o dano para a satisfação dos créditos sobre a insolvência (artigos 243° e 244°, n.° 2 do CIRE).
II - Entre os fundamentos da recusa da exoneração continuam a incluir-se as circunstâncias que poderiam ter conduzido ao indeferimento liminar do pedido de exoneração, previstas nas alíneas b) a g) do n.° 1 artigo 238° do CIRE.
III - Cabe ao administrador da insolvência, ao fiduciário e aos credores, sem prejuízo da actuação oficiosa do tribunal, alegar e demonstrar esses requisitos que delimitam negativamente o direito à exoneração do passivo restante, por terem natureza impeditiva do direito, nos termos do artigo 342°, n.° 2, do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator, nos termos do disposto no n.° 7 do art.° 663°, do CPC).
Proc. 5038/11.0TCLRS.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Manuel Rodrigues - Ana Paula Vasques de Carvalho - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
6ª Secção
Processo n.° 5.038/11.0TCLRS.L1 (Recurso de apelação)
Recorrente: J... - Insolvente Recorrida: Massa Insolvente de J...
Relator: Juiz Desembargador Manuel Rodrigues
1a Adjunta: Juíza Desembargadora Ana Paula A. A. Carvalho
2a Adjunta: Juíza Desembargadora Maria Manuela Gomes

I - A decisão de recusa, pelo juiz, da exoneração do passivo restante pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) violação das obrigações impostas ao insolvente como corolário da admissão liminar do pedido de exoneração; b) que essa violação decorra de uma actuação dolosa ou com grave negligência do insolvente; c) verificação de um nexo causal entre a conduta dolosa ou gravemente negligente do insolvente e o dano para a satisfação dos créditos sobre a insolvência (artigos 243° e 244°, n.° 2 do CIRE).
II - Entre os fundamentos da recusa da exoneração continuam a incluir-se as circunstâncias que poderiam ter conduzido ao indeferimento liminar do pedido de exoneração, previstas nas alíneas b) a g) do n.° 1 artigo 238° do CIRE.
III - Cabe ao administrador da insolvência, ao fiduciário e aos credores, sem prejuízo da actuação oficiosa do tribunal, alegar e demonstrar esses requisitos que delimitam negativamente o direito à exoneração do passivo restante, por terem natureza impeditiva do direito, nos termos do artigo 342°, n.° 2, do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator, nos termos do disposto no n.° 7 do art.° 663°, do CPC).

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO:
1. J..., divorciado, contribuinte fiscal n.° 115888543, apresentou-se à insolvência em 16 de Junho de 2011, com pedido de exoneração do passivo restante.
2. Em 20 de Junho de 2011, às 10h38m19s, foi proferida sentença que o declarou insolvente (cf. ref.a Citius 12588325).
3. Posteriormente, em 4 de Outubro de 2011 (cf. ref.a Citius 13052441), veio a ser proferido despacho de encerramento do processo, nos termos conjugados dos artigos 230°, n.° 1, alínea d), 232°, n.° 2 e 233°, n.° 1, do CIRE, por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as demais dívidas.
4. Em 23 de Maio de 2013, foi proferida decisão que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante, nos seguintes termos:
«(...) Em face do exposto, admito o pedido de exoneração do passivo restante, o qual será definitivamente concedido uma vez observadas pelo devedor as condições previstas no art.° 239° do C.I.R.E., durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (art. °237°, al. b) do C.I.R.E.).
Durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período da cessão), o rendimento disponível que o devedor venha a auferir considera-se cedido ao fiduciário infra nomeado, no montante que exceda o valor equivalente uma retribuição mínima garantida e meia, sem prejuízo de futuras actualizações a efectuar em função das alterações de vencimento.
Nomeio fiduciário o Sr. Dr. L..., m. id. nos autos.» (cf. ref.a Citius 16828238).
5. Em 27 de Abril de 2017, o Exmo. Fiduciário, após sucessivas insistências do Tribunal, veio informar ao processo, que no primeiro ano teve dificuldades de contacto com o Insolvente J..., opondo-se este ao depósito da quantia disponível decretada, que a partir do segundo ano e seguintes se mantiveram as mesmas dificuldades de contacto, que aquele não atendia chamadas telefónicas, havendo correspondência devolvida e que, tendo tentado o contacto através da Mandatária, a mesma afirmou que deixara de ter contacto com o Insolvente e que desconhecia o seu paradeiro (cf. ref.' Citius 25562623).
6. Na sequência de despacho proferido em 15 de Maio de 2017 (ref. Citius 133533799) foram ouvidos os Credores e o Insolvente, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 244° do CIRE.
7. O Credor Banco Comercial Português, S.A. requereu a cessação antecipada da exoneração do passivo restante (cf. ref.' Citius 26475447, de 9/07/2017), posição que reiterou nos autos após a resposta do Insolvente (Ref.' Citius 26475447, de 27/07/2017).
8. O Insolvente, por sua vez, através de requerimentos apresentados pela sua Mandatária (ref.as Citius 26140271, 26192893 e 26353723), veio juntar documentos e responder aos requerimentos do Exmo. Fiduciário e do Credor BCP, alegando, em síntese:
i) que as suas dificuldades económicas foram prontamente comunicadas ao Administrador da Insolvência (AI) e Fiduciário, conforme vários e-mails;
ii) que, em contacto com o Fiduciário, acabou por acordar que o valor recebido da penhora e depositado na conta da Massa Insolvente fosse tido em conta e daí descontados mensalmente os € 250,00;
iii) que não cedeu os valores porque não teve disponibilidade financeira para o fazer;
iv) que sempre manteve o número de telemóvel e desconhece qualquer tentativa frustrada de correspondência, admitindo que talvez devesse ter comunicado ao Tribunal a sua impossibilidade de iniciar os pagamentos.
9. Posteriormente, com data de 29/09/2017, foi proferido despacho de recusa da exoneração do passivo restante do Insolvente (ref.' Citius 134323458), nos seguintes termos:
«Nos termos do artigo 243. 0, n.°1, do CIRE, ainda antes de terminado o período de cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se ainda estiver em funções, do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, entre o mais, quando o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239. 0, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
O n.° 3 desta norma estatui que o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; sendo a exoneração recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.
Nos presentes autos, proferiu-se o despacho de deferimento liminar da exoneração do passivo restante em 23/05/2013, devidamente notificado.
Por requerimento, veio o Exmo. Sr. Fiduciário dar conta de várias interpelações do insolvente para o depósito da quantia decretada, relatando que este não atendia chamadas telefónicas e que, tentado o contacto por via da Ilustre Mandatária, esta informou não saber do seu paradeiro; concluindo que nada foi cedido à massa insolvente ao longo do período já decorrido.
O credor Banco Comercial Português, S.A., requereu a cessação antecipada da exoneração do passivo restante.
Por via da sua Mandatária, o Insolvente respondeu, em síntese:
O que as suas dificuldades económicas foram prontamente comunicadas ao Administrador da Insolvência, conforma vários e-mails (o que não comprova, tendo sido juntos apenas dois e-mails, datados de Janeiro de 2014, em que se questiona o Senhor AI sobre a quantia a ser entregue, pese embora despacho expresso do Tribunal sobre essa matéria, não recorrido, e datado de há menos de um ano);
O que, em contacto com o Senhor AI, acabou por acordar que o valor recebido da penhora e depositado na conta da Massa Insolvente fosse tido em conta e daí descontados mensalmente os € 250,00, o que não pode corresponder à verdade, pois que tal procedimento jamais poderia ocorrer sem a autorização expressa do Tribunal;
O que não cedeu os valores porque não teve disponibilidade financeira para o fazer (não consta dos autos qualquer requerimento em que se peticione a alteração do valor da cessão);
O que sempre manteve o número de telemóvel e desconhece qualquer tentativa frustrada de correspondência, admitindo que talvez devesse ter comunicado ao Tribunal a sua impossibilidade de iniciar os pagamentos (o que não fez e o que nunca lhe caberia decidir).
Em face de todo o exposto, que, aliás, sai reforçado pelas declarações de rendimentos que apresenta (e arrogando-se mesmo o Insolvente a apresentar despesas referentes a consumos completamente fora das necessidades básicas, como telecomunicações , no valor de € 95, 00(?), demonstrando ter realizado, de forma voluntária e consciente, a sua própria escala de prioridades financeiras, em violação da obrigação que lhe foi imposta pela Justiça), ao abrigo do disposto nos artigos 243. 0, n,°1, alínea a), n.°3, e 239. 0, n.°4, alínea c), ambos do GIRE, recuso a exoneração do passivo restante do insolvente».
10. Inconformado, o Insolvente recorreu para este Tribunal da Relação, e, alegando, formulou as seguintes conclusões:
«I. Os presentes autos de insolvência foram encerrados por douto despacho de 4.10.2011, transitado em julgado a 20.10.2011, iniciando-se, nessa data, o prazo de cinco anos de cessão do rendimento disponível, nos termos do art.239.° CIRE.
II. Apesar de ter sido indicada na p.i. a pendência contra o insolvente do PROC.136/11.2TCLRS, no mesmo Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures, mas no 3.° Juízo Cível, sendo Exequente BBVA, S.A. e já estando penhorado o valor de 3.170,68€ (três mil cento e setenta euros e sessenta e oito cêntimos), novamente o insolvente informou os autos por requerimento de Novembro de 2011.
III. Na sequência desse requerimento, a 6.1.2012 douto Tribunal a quo ordenou que notifique-se novamente o Sr. Administrador para que dê cumprimento ao disposto no n.°5 do art.° 233.° do CPC, pois o arquivamento dos autos depende, unicamente, desse apenso.
IV. Mas no dia 19.1.2012 tudo estava na mesma e a dita penhora subsistia!
V. E como se não bastasse a penhora indevida de parte da reforma do Insolvente, naqueles autos de execução N.° Proc.136/11.2TCLRS do 3.° Juízo Cível do mesmo Tribunal de Família e Menores, foi também, indevidamente, penhorada e subtraída ao Insolvente pelo Exequente Credor BBVA, a quantia de 673,17€ (seiscentos e setenta e três euros e dezassete cêntimos), relativa ao reembolso de IRS de 2010 que o Insolvente iria receber.
VI. Na sequência deste requerimento do Insolvente, veio a ser ordenada a notificação do Sr. Solicitador de Execução José Castelo Branco no dia 25.1.2012.
VII. Mas em 14.5.2012 mantinha-se a inobservância por parte do Senhor Administrador da Insolvência, por isso voltou a ser notificado: fica deste modo V. Exa. notificado, na qualidade de Administrador Insolvência, relativamente ao processo supra identificado, para em dez dias, dar cumprimento ao disposto no art.° 233°, n° 5 do CIRE, conforme despacho proferido em 04-10-2011.
VIII. E nessa data, o Senhor Administrador da Insolvência não cumprira ainda douto despacho pelo que foi notificado também a 3.7.2012 e depois a 2.10.2012 fica deste modo V. Exa notificado, relativamente ao processo supra identificado, para dar cumprimento ao disposto no n.° 5 do art.° 233° do C.P.C., pois o arquivamento dos autos depende unicamente desse apenso.
IX. A inobservância do Senhor Administrador da Insolvência persistiu, pelo que voltou a ser notificado mais três vezes: 31.10.2012, 2.11.2012 e 12.11.2012!... Um ano depois do despacho ter sido proferido (4.11.2011)!
X. Mas no dia 25.2.2013 o dito despacho ainda não tinha sido cumprido pelo Senhor Administrador de Insolvência, pelo que douto Tribunal a quo notificou-o novamente: Renovo o despacho de fls. 210.
XI. Em 20.3.2013 o Tribunal a quo diretamente expediu a sentença de insolvência para o 2° Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures, do mesmo Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures (1° Juízo Cível)!
XII. No dia 19.4.2013, o Senhor Administrador de Insolvência procedeu, finalmente, à apensação da prestação de contas.
XIII. O pedido de exoneração do passivo restante foi formulado pelo Insolvente logo no art.23 da petição inicial que originou estes autos, mas como não houve decisão sobre o mesmo em 6.5.2013, o insolvente requereu que o Tribunal a quo se decidisse sobre o mesmo.
XIV. Apesar das posições contra de Ilustres Mandatários dos Credores Banco Comercial Português, S.A, Banco Santader Totta S.A e Caixa Geral de Depósitos, S.A., manifestada na assembleia de credores de 22.8.2011 considerou douto despacho judicial que Administrador(a) da insolvência, não deu conta de quaisquer circunstâncias que determinassem o indeferimento liminar daquela pretensão, nos termos do artigo 238° do C.I.R.E. Mas não avançou com qualquer proposta de quantia a ser cedida, por impossibilidade, face aos rendimentos e despesas do insolvente.
XV. Pelo que, a 23.5.2013, o Tribunal a quo deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, nos termos do art.235° do C.I.R.E.
Se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo.
XVI. Resultando que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período da cessão), o rendimento disponível que o devedor venha a auferir considera-se cedido ao fiduciário infra nomeado, no montante que exceda o valor equivalente uma retribuição mínima garantida e meia, sem prejuízo de futuras actualizações a efectuar em função das alterações de vencimento.
XVII. Sucede, porém, que as várias acções executivas que, à data, pendiam sobre o insolvente mantiveram-se não tendo sequer sido apensas a estes autos de insolvência!
XVIII. As execuções a que nos reportamos corriam todas termos no mesmo tribunal que estes autos - Tribunal Judicial e da Comarca de Loures, designação à data, e foram desde logo mencionadas pelo Insolvente na petição inicial!
XIX. Mas no dia 17.7.2013, veio novamente o insolvente informar que corre termos contra o aqui Insolvente, o processo executivo n.° 9205/10.5TCLRS, no 1.° Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures;
XX. E que, devido a essa execução incide sobre a pensão de reforma do Insolvente uma penhora no valor de 360€ que lhe deixa disponível, desde Dezembro de 2012, a quantia mensal de apenas 688,96€ cfr. DOC.1 que se anexa. Vem o Insolvente mui respeitosamente requerer a V. Exa. se digne permitir que este dê cumprimento a douto despacho judicial quando for levantada a penhora no dito processo de execução n.° 9205/10.5TCLRS do 1.° Juízo Cível deste Tribunal.
XXI. Apesar de o tribunal a quo ter conhecimento da existência desta execução logo em 16.6.2011 (na p.i. de apresentação voluntária à insolvência) só no dia 18.7.2013, após o requerimento supra, foi proferido o seguinte despacho: Antes de mais, com nota de URGENTE, oficie ao processo executivo n.° 9205/10.5TCLRS, do 1° Juízo Cível de Loures, a solicitar que informe se já foi proferido despacho sobre os requerimentos apresentados pela Exequente UNICRE (fls. 268-269) e pela Insolvente, ali Executada (fls. 271 e segs.), de que remeterá cópia. Na afirmativa, deverão remeter cópia do despacho proferido.
XXII. Só a 23.7.2013 foi extinta a instância no proc. n.° 9205/10.5TCLRS, do 1° Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Loures, facto notificado ao A.I. a 17.09.2013, com indicação de que se informe o Insolvente.
XXIII. Daqui resulta que, por motivos totalmente alheios ao Insolvente, no período compreendido entre Dezembro de 2012 e Julho de 2013, e por conta do proc. n.° 9205/10.5TCLRS, do 1° Juízo Cível de Loures, em que era Exequente a UNICRE, se retirasse ao Insolvente o valor mensal de 360,00€ (trezentos e sessenta euros);
XXIV. E, nesse período, o insolvente teve disponível apenas 688,96€ - inferior a uma retribuição mínima garantia e meia - no valor global de 2.520,00€ (dois mil quinhentos e vinte euros), que também não aproveitaram à massa insolvente!
XXV. De 1.9.2014 a meados de 2016 não houve qualquer movimentação processual eventualmente devido à entrada em vigor da nova reorganização judiciária e a pública e sobejamente conhecida reestruturação dos Tribunais de Comarca com encerramento de uns, transferência de outros?!...
XXVI. O certo é que, só no dia 24.5.2016, a seis meses de se atingir os cinco anos após o encerramento destes autos, douto Tribunal a quo ordenou a notificação do Senhor Administrador de Insolvência para de imediato, dar cumprimento ao disposto no artigo 240.° do CIRE.
XXVII. Novamente, sem qualquer justificação, o Senhor Administrador de Insolvência voltou a não cumprir imediatamente douto despacho judicial, vindo novamente a ser notificado no mesmo sentido a 22.8.2016Se nos dias 17.11.2016, 28.11.2016 e 26.4.2017, devido à ausência de resposta....
XXVIII. Nesta última notificação, proferiu a Meritíssima Juíza novo despacho: Renovo o despacho que antecede, consignando que, nada sendo dito no prazo de 10 dias, haverá lugar a condenação em multa, remoção imediata do cargo e comunicações legais .
XXIX. Terá sido a advertência de que incorria na possibilidade de vir a ser condenado em multa que o Senhor Administrador de Insolvência veio a responder a douto Tribunal a quo no dia imediatamente seguinte (27.4.2017)?!
XXX. Em resposta, veio o Senhor Administrador de Insolvência dizer em súmula:1. Em Novembro de 2016, por via de e-mail, respondi a este pedido, verificando que o mesmo não foi recebido
XXXI. Mas em que dia de Novembro de 2016 respondera?! Logo após a notificação que lhe fora expedida a 17.11.2016, ou só depois de ter sido novamente notificado por douto tribunal a 28.11.2016?! E porque não deu imediato cumprimento a douto despacho, logo mesmo em 24.5.2016, obrigando douto tribunal a quo a ter de repetir douta notificação no dia 22.8.2016?!
XXXII. Resulta evidente destes autos, que foi sistemática e recorrente a inobservância pelo Senhor Administrador de Insolvência em dar cumprimento a doutos despachos judiciais proferidos pelo Tribunal a quo e em momento algum, senão agora, sob a cominação de pena de multa, o Senhor Administrador de Insolvência se dignou a justificar os repetidos atrasos em responder a douto Tribunal a quo!
XXXIII. Na sua resposta a 27.4.2017 veio o Senhor Administrador de Insolvência limitar-se a afirmar que respondi a este pedido, verificando que o mesmo não foi recebido.
XXXIV. E apenas dava conta de tal facto cinco meses depois?! Só em Abril de 2017! E sob a advertência de que poderia vir a ser condenado em multa pela ausência de resposta? ! ...Inacreditável !
XXXV. Certo é que o Senhor Administrador de Insolvência não juntou ao seu requerimento qualquer prova documental, ou outra, que comprove que o dito e-mail de resposta tenha sido expedido e não recebido por douto tribunal... Como se impunha!
XXXVI. É que o Senhor Administrador de Insolvência alega, mas não prova!
XXXVII. E tal qual a inércia que demonstrou quanto à pendência das execuções contra o Insolvente de Abril de 2011 a Julho de 2013 (afetando dois anos do período de cessão), ainda veio o Senhor Administrador de Insolvência dizer:2. Verificou-se no primeiro ano, dificuldades de contacto com o insolvente, opondo-se ao depósito da quantia disponível decretada.
XXXVIII. Com todo o respeito, é inaceitável a afirmação do Senhor Administrador de Insolvência!
XXXIX. Como bem sabe, não houve qualquer oposição por parte do insolvente, ao depósito da quantia disponível decretada, mas antes total insuficiência económica que lhe permitisse depositar a quantia decretada!
XL. Como se demonstrou, nos anos de 2011, 2012 e 2013, em que o salário mínimo nacional em Portugal era de 485€, e uma retribuição garantida e meia era 727,50€, o insolvente (sobre)viveu com 688,96€ (seiscentos e oitenta e oito euros e noventa e seis euros)!
XLI. Foi sempre conhecida do Senhor Administrador de Insolvência a situação económica do Insolvente, como se percebe dos autos.
XLII. Douta sentença de insolvência determinara que N) Nos termos do disposto no art.° 36°, al. 1) do CIRE, ficam os credores do Insolvente advertidos de que devem comunicar de imediato ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiem;
XLIII. É de lamentar que nada disso tenha sucedido e douto Tribunal a quo tenha permitido que durante dois anos do período da cessão, o Insolvente tivesse sido afetado por uma penhora ilegal, e em valor superior ao decretado!
XLIV. O que, necessariamente, prejudicou, e sem que houvesse qualquer culpa do Insolvente, a massa insolvente!
XLV. A sentença que decretou a insolvência determinava ainda que O) Nos termos do disposto no art.° 36°, al. m) do CIRE, ficam os devedores do Insolvente advertidos de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao insolvente;
XLVI. Ora, como se extrai dos autos, o Insolvente foi o único interveniente diligente e ativo que procurou obter o levantamento da penhora que incompreensivelmente se mantinha e o afetava a si e à massa insolvente, de forma perfeitamente injustificada e escandalosa!
XLVII. Graças aos inúmeros requerimentos entregues nestes autos informando as várias penhoras que sofreu, que conseguiu, no entanto apenas em Julho de 2013 - dois anos depois - que fosse levantada a penhora sobre a sua pensão!
XLVIII. Douta sentença de insolvência previa ainda na alínea P) que: P) Nos termos do disposto no art°. 88°, n° 1 do CIRE, com a presente sentença fica vedada a possibilidade de instauração ou de prosseguimento de qualquer acção executiva que atinja o património do Insolvente, devendo para tal ser enviada certidão da presente sentença a todos os processos pendentes contra si, consultando a Secção de Processos, para esse efeito, e para além do mais, o Registo de Execuções.
XLIX. Mas o que resulta dos autos é uma total inobservância do aí estipulado!
L. E, diga-se, se nunca o insolvente se coibiu de dirigir requerimentos a estes autos, porque não o faria de novo no sentido de que fosse revisto o valor a entregar durante a cessão?!
LI. Como sobejamente já se referiu nos requerimentos anteriores, o insolvente, obteve do Senhor Administrador da Insolvência a concordância de que as quantias indevidamente penhoradas e retiradas ao Insolvente no período de Abril de 2011 (anterior ao encerramento do processo datado de 20.11.2011 e Julho de 2013 - praticamente dois anos do período da cessão) seriam tidas em conta nos meses que se seguissem ao despacho de 23.5.2013, que deferiu liminarmente a exoneração de passivo restante....
LII. E só isso, de facto, foi o que sucedeu e só isso poderia justificar, como justifica, por um lado a ausência de requerimento do insolvente no sentido de ser revisto o valor decretado a entregar durante o período da cessão, como a total ausência de interpelação do Senhor Administrador de Insolvência ao Insolvente no sentido de cumprir com os pagamentos que não estavam a ser feitos...
LIII. O insolvente é, e sempre foi, uma pessoa íntegra, de carácter, diligente e preocupada, por isso sempre arregaçou as mangas e nunca desistiu de pugnar pelo levantamento da penhora indevida que sofreu e que o lesou assim como aos Credores!
LIV. É por isto que o insolvente não poderia estar mais em desacordo com o decidido em douto despacho judicial proferido pelo Tribunal a quo, de que se recorre!
LV. Com o devido respeito douto despacho recorrido peca por injusto, desproporcional e inadequado face à situação pessoal, social e económica do insolvente!
LVI. Considerou douto despacho recorrido que: Por via da sua Mandatária, o Insolvente respondeu, em síntese: o que as suas dificuldades económicas foram prontamente comunicadas ao Administrador da Insolvência, conforma vários e-mails (o que não comprova, tendo sido juntos apenas dois e-mails, datados de Janeiro de 2014, em que se questiona o Senhor AI sobre a quantia a ser entregue, pese embora despacho expresso do Tribunal sobre essa matéria, não recorrido, e datado de há menos de um ano); o que, em contacto com o Senhor AI, acabou por acordar que o valor recebido da penhora e depositado na conta da Massa Insolvente fosse tido em conta e daí descontados mensalmente os € 250,00, o que não pode corresponder à verdade, pois que tal procedimento jamais poderia ocorrer sem a autorização expressa do Tribunal;  que não cedeu os valores porque não teve disponibilidade financeira para o fazer (não consta dos autos qualquer requerimento em que se peticione a alteração do valor da cessão); o que sempre manteve o número de telemóvel e desconhece qualquer tentativa frustrada de correspondência, admitindo que talvez devesse ter comunicado ao Tribunal a sua impossibilidade de iniciar os pagamentos (o que não fez e o que nunca lhe caberia decidir).
LVII. Referindo ainda douta decisão recorrida, sobre o Insolvente, que as suas dificuldades económicas foram prontamente comunicadas ao Administrador da Insolvência, conforme vários e-mails (o que não comprova, tendo sido juntos apenas dois e-mails, datados de Janeiro de 2014, em que se questiona o Senhor AI sobre a quantia a ser entregue, pese embora despacho expresso do Tribunal sobre essa matéria, não recorrido, e datado de há menos de um ano).
LVIII. Ora, disse o Senhor Administrador de Insolvência no seu último requerimento junto ao autos no dia 26.4.2017, que 3. A partir do segundo ano e seguintes, verificou-se dificuldade de contato, não atendendo chamadas telefónicas, havendo correspondência devolvida.
LIX. Tal como quanto ao ponto 1 (em que afirma ter respondido via e-mail verificando que o mesmo não foi recebido) mas não junta quaisquer provas, também neste caso o Senhor Administrador de Insolvência não juntou qualquer documento que comprove o que alega! (fosse um extrato detalhado das alegadas chamadas efetuadas ao Insolvente e não atendidas por este, nem tão pouco a alegada correspondência devolvida, etc.)!
LX. Ficou demonstrado pelos e-mails juntos pelo insolvente que o Senhor Administrador de Insolvência conhecia perfeitamente o seu e-mail, pois já o tinha usado, porque não o contatou por essa via?!
LXI. A verificar-se, como alega, correspondência devolvida, porque não enviou o e-mail? Ou desistiu de contatar com o insolvente!?!
LXII. Contrariamente ao que sucedeu com o Senhor Administrador de Insolvência, o insolvente juntou documentos, como e-mails, além de outros documentos (IRS, despesas mensais), que, salvo melhor opinião, confirmam a existência de contatos entre ambos e a situação do insolvente.
LXIII. Igualmente se mostra provada a anuência do Senhor Administrador de Insolvência quanto às quantias depositadas na conta bancária da massa insolvente na sequência do reembolso das quantias indevidamente penhoradas ao Insolvente....
LXIV. Não obstante o Senhor Administrador de Insolvência afirme que: 4. Contatada a Mandatária, a mesma confirmou que deixou de ter contato com J..., não sabendo onde o mesmo se encontrava e que:
5. Perante o exposto, verifica-se que J..., não cumpriu o estipulado no artigo 239° n.° 4 do CIRE, informando o fiduciário da sua situação -não se entende, francamente, esta resposta!
LXV. Se esta fosse, de facto, a postura do insolvente na pendência da cessão, por que razão o Senhor Administrador de Insolvência não dera conhecimento de tal situação aos autos?!... Nem antes comunicara a alegada falta de colaboração ou de pagamentos por parte do insolvente?!
LXVI. É claro que o insolvente nunca quis prejudicar os Credores e sempre quis cumprir os seus deveres e obrigações para com a massa insolvente.
LXVII. Se assim não fosse, não teria o Insolvente entregue a quantia exigida para a abertura de conta bancária para a massa insolvente, como fez, e sido incansável em promover o levantamento das penhoras ilegais que sofreu, como se demonstrou!
LXVIII. Lamentável é que o Senhor Administrador de Insolvência não tenha esclarecido, como devia, o insolvente de que o mesmo deveria requerer a douto Tribunal a revisão do valor a entregar durante a cessão.
LXIX. É que bem sabia, como admite, o Senhor Administrador de Insolvência que o insolvente não se encontrava já representado por Mandatária, até porque, encerrado que estava o processo de insolvência, tal nem sequer se exigia por lei, já o Senhor Administrador de Insolvência assumia o cargo de fiduciário...
LXX. Porém, nada fez o Senhor Administrador de Insolvência no sentido de obter as quantias devidas a título de cessãoS E porquê?!...
LXXI. Como já se disse, e se reafirma, porque o Senhor Administrador de Insolvência garantiu ao insolvente que o valor de mais de quatro mil euros, depositado na conta bancária da massa insolvente, seria tido em conta nas mensalidades devidas no período da cessão!
LXXII. É que, em parte esses montantes não constituíam rendimentos futuros que o insolvente tinha obrigação de entregar à massa insolvente, mas antes, em boa parte, rendimentos obtidos no passado, alguns anteriores inclusivamente até à insolvência!
LXXIII. Contrariamente ao insolvente, o Senhor Administrador de Insolvência não fez prova, em momento algum, que tivesse interpelado, com ou sem sucesso, o Insolvente a cumprir os pagamentos a que estava obrigado, nos anos de 2014, 2015 e 2016!
LXXIV. E isso, porque, nunca o fez!
LXXV. Pese embora a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo que agora proferiu o despacho de não concessão da exoneração do passivo restante não seja a mesma Magistrada que era a titular do processo quando a 23.5.2013 deferiu liminarmente a exoneração do passivo restante, dada a natural movimentação anual dos Magistrados Judiciais, resulta claro e evidente dos autos que o Senhor Administrador de Insolvência tinha perfeito conhecimento da difícil situação económica do Insolvente.
LXXVI. Tanto assim é que, pode ler-se no dito despacho judicial que: o Administrador(a) da insolvência, não deu conta de quaisquer circunstâncias que determinassem o indeferimento liminar daquela pretensão, nos termos do artigo 238° do C.I.R.E.. realçando: Mas não avançou com qualquer proposta de quantia a ser cedida, por impossibilidade, face aos rendimentos e despesas do insolvente.
LXXVII. Daqui resulta necessariamente que as dificuldades económicas do Insolvente eram reais e do conhecimento do Senhor Administrador de Insolvência!
LXXVIII. Tanto mais que, sabendo este, como sabia, que o insolvente, desde começou a viver maritalmente em 2013, ainda que a penhora da sua pensão viesse a ser levantada, como veio a ser, necessariamente a sua situação financeira não melhoraria já que tinha outro elemento no seu agregado (a sua companheira) que não auferia naquela data mais do que 205,95€ mensais....
LXXIX. Considera o douto despacho recorrido que nos termos do artigo 243.°, n.°1, do CIRE, ainda antes de terminado o período de cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se ainda estiver em funções, do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, entre o mais, quando o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.°, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
LXXX. Com o devido respeito por douto Tribunal a quo, no caso não se verifica nenhuma das situações constantes do art.243.° n.° 1 do CIRE.
LXXXI. Salvo melhor opinião, o requerimento apresentado pelo Credor BCP, S.A., carece de fundamento legal porquanto não se mostra devidamente documentado com provas, limitando-se a remeter para o requerimento do Senhor Administrador de Insolvência que também não se mostra documentado!
LXXXII. Não obstante o facto de o Senhor Administrador de Insolvência, afirmar que o Insolvente não cumpriu com o disposto no artigo 239.° n.° 4, tal não é verdade, como se demonstrou!
LXXXIII. O art.° 239.° n.° 4 do CIRE exige que: Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado ; b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto; c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão; d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio (P); d) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
LXXXIV. Pelo contrário, o Insolvente sempre teve intenção de cumprir, por isso sempre pugnou pelo fim da penhora ilegal que durou ainda dois anos!
LXXXV. Dos autos não resulta que o insolvente dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.°, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
LXXXVI. Neste caso a cessação antecipada do procedimento de exoneração foi declarada com fundamento na violação pelo Insolvente da obrigação que sobre o mesmo impendia e contida no art.° 239°, n.° 4, al. c), do CIRE, presumindo que essa infracção foi praticada com negligência grave, dada a inexistência de qualquer justificação para a sua conduta.
LXXXVII. É certo que o insolvente tem a obrigação, entre outras - art.° 239°, n.° 4, do CIRE -, de entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos rendimentos objecto de cessão - al. c).
LXXXVIII. Todavia, entendemos que a verificação da violação dessa condição, só por si não conduz ao preenchimento do requisito constante do n.° 1, a), do art.° 243° do CIRE, pois é exigido que o devedor tenha actuado com dolo ou negligência grave e por esse facto tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência!
LXXXIX. Nesse sentido, entre outros, vejamos o que se decidiu no Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra n.°3112/13.7TJCBR.C1, de 07.04.2016: A verificação da violação da condição prevista no art.° 239°, n° 4, al. c), do CIRE - entrega ao fiduciário a parte dos rendimentos objecto de cessão - só por si não conduz ao preenchimento do requisito constante do n° 1, a), do art.° 243° do CIRE, pois é exigido que o devedor tenha actuado com dolo ou negligência grave e por esse facto tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
XC. O Recorrente não atuou com grave negligência, na falta verificada de entrega de qualquer quantia do seu rendimento ao fiduciário, no período de cessão!
XCI. A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objectivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente).
XCII. Por sua vez, a negligência pode assumir diferentes graus em função da ilicitude ou da culpa: (i) será levíssima quando o agente tiver omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excepcionalmente diligente teria observado; (ii) será leve quando o parâmetro atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente; (iii) será grave quando a omissão corresponde àquela em que só uma pessoa excepcionalmente descuidada e incauta teria também incorrido.
XCIII. Também se vem entendendo que a negligência grosseira corresponde à culpa grave, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente - porque gratuita e de todo infundada - se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum - cfr. Acórdao do STJ de 25.03.2009, Relator Pinto Hespanhol.
XCIV. Assim, o facto de o recorrente no referido quadro de dificuldades económicas, não ter entregue ao fiduciário as quantias a que estava obrigado, mensalmente, não se configura como uma atitude excepcionalmente descuidada e incauta, porquanto o recorrente actuou até e ainda dentro das suas responsabilidades de pater família, pois figurava figura ainda no seio do seu agregado, que compõe com a sua companheira, como o patriarca, o único elemento masculino, que aufere rendimento, e como tal sobre si incumbia, e pendem ainda as obrigações de garantir a subsistência de ambos!
XCV. E nessa medida, tem conseguido que (sobre)vivam com 977,45€ (novecentos e setenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos), pagando renda de casa, luz, água, gás, telefone, tv, telemóvel e internet (por inerência) e alimentação, vestuário, calçado e despesas médicas e medicamentosas de ambos!
XCVI. Não se verificando a existência de grave negligência na atuação do insolvente!
XCVII. Pelo exposto, nas concretas circunstâncias que se desenham nos autos, o recorrente na sua atuação de não entrega ao fiduciário dessas quantias não evidencia grave negligência, o que, necessariamente, tem como consequência a procedência do presente recurso e a revogação do despacho que determinou a cessação antecipadamente do procedimento de exoneração do passivo restante, devendo o mesmo ser substituído por outro de decida pela exoneração do passivo restante.
XCVIII. Refere douto despacho recorrido que: por requerimento, veio o Exmo. Sr. Fiduciário dar conta de várias interpelações do insolvente para o depósito da quantia decretada, relatando que este não atendia chamadas telefónicas e que, tentado o contacto por via da Ilustre Mandatária, esta informou não saber do seu paradeiro; concluindo que nada foi cedido à massa insolvente ao longo do período já decorrido.
XCIX. Contudo, nunca, até ao momento, o Senhor Administrador de Insolvência reportou aos autos qualquer incumprimento doloso ou por negligência, sequer, por parte do Insolvente!
C. Nem tão pouco o Senhor Administrador de Insolvência comprova o que alega já que não procedeu à junção de qualquer prova documental que sustente o que alegou!
CI. Se tivesse sido expedida correspondência ao Insolvente que entretanto lhe fosse devolvida ou se o Senhor Administrador de Insolvência tivesse contatado telefonicamente com o Insolvente sendo que este não atendesse as suas chamadas telefónicas, não teria o Senhor Administrador de Insolvência cartas devolvidas e extratos detalhados que comprovassem o que alega?!... Impunha-se a sua junção aos autos!
CII. Não é admissível que os factos alegados mas não comprovados pelo Senhor Administrador de Insolvência possam ser admitidos e dados como provados por douto Tribunal a quo enquanto os factos alegados pelo insolvente, devidamente suportados por documentos que os sustentam, não serem valorados da mesma forma!...
CIII. Por último, refira-se que apesar de o Senhor Administrador de Insolvência afirmar que o Insolvente não cumpriu com o disposto no art.239.° n.° 4 do CIRE, a verdade é que ele próprio, enquanto fiduciário, nunca requereu a recusa da exoneração de passivo restante!
CIV. Como de resto, nenhum outro Credor o fez!
CV. Mesmo notificados para se pronunciarem sobre o pedido de cessação antecipada da exoneração de passivo restante requerido pelo Credor Banco Comercial Português, S.A., nada disseram!
CVI. Somente o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., requereu a cessação antecipada da exoneração de passivo restante, considerando estarem absolutamente verificados os fundamentos que a lei exige para o efeito, concluindo que efetivamente, encontra-se indiciada a violação da norma do artigo 239.°, n.° 4, als. a) e c) do CIRE, uma vez que o Insolvente nunca colaborou com o Sr. Administrador de Insolvência, nem, tão pouco, cedeu os valores objecto de cessão.
CVII. Porém, não juntou o essencial: prova do que alegou!
CVIII. O Credor BCP, S.A., não juntando qualquer prova documental da alegada falta de colaboração do Insolvente, limitou-se a fundamentar o requerido, no requerimento (indocumentado) do Senhor Administrador de Insolvência!
CIX. É que o próprio Senhor Administrador de Insolvência não fundamentou os factos que alegou, nem juntou as devidas provas do que alega e nem sequer requereu ele próprio a recusa da exoneração de passivo restante!
CX. Ora, prevê o art.243.° n.°2 do CIRE que o requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respectiva prova.
CXI. O Credor Reclamante BCP, S.A. alegou, não fundamentou, como devia, o pedido de cessação antecipada da exoneração de passivo restante que formulou contra o Insolvente!
CXII. Foi o próprio Insolvente, isso sim, que juntou aos autos todos os documentos pertinentes que comprovam a sua débil situação económica, quer atual, quer relativa ao período da cessão.
CXIII. Designadamente, juntou o Insolvente os seguintes documentos, no seu requerimento de 26.6.2017: DOC.1 - Declaração IRS 2014, 2015 e 2016; DOC.2 - Recibos de renda 2014, 2015 e 2016; DOC.3 - Factura Telecomunicações NOS: (média: 95 € / mês); DOC.4 - Despesas gerais; DOC.5 - Última remuneração Sra. Lúcia Ferreira (205,95€ - Janeiro de 2017); DOC.6 - Conta-corrente de despesas mensais com pensão de reforma de velhice do Insolvente no valor de 977,45€ / mês.
CXIV. Decorre da lei que o devedor não poderá esconder ou dissimular os rendimentos que aufira, seja a que título for, além de ter que informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e bens, quando isso lhe seja solicitado.
CXV. Já se demonstrou que :nunca, em momento algum, o Senhor Administrador de Insolvência, enquanto fiduciário interpelou o Insolvente no sentido de qualquer esclarecimento sobre o que quer que fosse!
CXVI. Ao contrário, o requerente sempre foi proactivo no cumprimento dos deveres a que estava obrigado e não foi por culpa sua que não se operou a cedência do rendimento disponível!
CXVII. Era ao Senhor Administrador de Insolvência que competia, nos termos da lei, receber tal rendimento disponível dando indicação ao requerente sobre o modo de entregar tal valor, ou - o que é mais comum - oficiar ao Centro Nacional de Pensões (que o requerente prontamente lhe indicara) para lhe entregar directamente os montantes em causa!
CXVIII. E apresentar relatórios anuais sobre tal procedimento.
CXIX. Se nada disso foi feito - não se deveu a culpa do Insolvente!
CXX. Como já se disse, o Insolvente não violou qualquer dos seus deveres: nunca ocultou ou sonegou do Senhor Administrador de Insolvência quaisquer rendimentos!
CXXI. Neste caso, estamos perante um Insolvente que aufere a título de pensão de reforma a quantia líquida de 977,45€ (novecentos e setenta e sete euros e quárenta e cinco cêntimos), único rendimento de um agregado familiar composto por duas pessoas, adultas e sem outros rendimentos!
CXXII. E desde 2013 que assim é, sendo que até Janeiro de 2017 a companheira do Insolvente auferia uma retribuição mensal de apenas 205,95€ (duzentos e cinco euros e noventa e cinco cêntimos).
CXXIII. O insolvente nasceu 24.8.1943, atualmente com 74 anos, padece de várias doenças próprias da sua idade (coração, colesterol, tensão alta, diabetes, entre outras) e recentemente descobriu, um sopro no coração. É pai de três filhos, avô de dois netos e de duas netas.
CXXIV. Como já se disse no requerimento anterior junto aos autos, as despesas mensais do Insolvente são, à data, e já em 2014, 2015 e 2016, eram sensivelmente as mesmas: Renda da casa: 380,00 €; Telecomunicações (tv, telefone, telemóveis): 95,00 €; Água: 40,00 €; Energia (Electricidade e gás): 35,00 €; Outras (transporte, alimentação, vestuário, calçado, farmácia): 500,00 €; no total mensal de 1.050 E.
CXXV. Um dos filhos do Insolvente vive no estrangeiro e o filho da companheira mora nos Açores, terra natal daquela.
CXXVI. A idade avançada do Insolvente, a preocupação dos seus filhos em que este tenha meios de chamar o 1NEM em caso de se sentir mal na rua, ou onde estiver, sem acesso a telefone fixo, estando sempre contactável quando o filho no estrangeiro lhe quiser falar ou os outros, por e-mail também, são os motivos que justificam que o Insolvente tenha um pacote NOS (TV, NET, Telem., Telefone)...
CXXVII. Douto despacho recorrido considerou excessivo o gasto de 95,00€ (noventa e cinco euros) em telecomunicações (TV, Telefone, Telemóvel, Internet), note-se que são dois cartões de telemóvel pois o insolvente e a companheira não estão permanentemente juntos, além disso, embora preferisse o Insolvente pagar menos, a fidelização inerente a estes contratos impede que simplesmente deixe de pagar a fatura, sob pena de ficar em dívida o que, de todo, não quer!
CXXVIII. O que é objetivo e importa salientar é que analisado o extracto bancário junto aos autos, não se vislumbra qualquer luxo, esbanjamento ou gasto avultado e fora do comum, nem tão pouco que hajam grandes ganhos por parte do insolvente!
CXXIX. Por outro lado, diga-se ainda que, se, em 2011, douta sentença de insolvência determinava que o Insolvente deveria reter uma retribuição mínima garantida e meia, à data 727,50€ (setecentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos), enquanto único elemento do seu agregado, como pode agora considerar douto Tribunal a quo que é excessivo, ilegítimo e prejudicial aos interesses dos Credores que o Insolvente - vivendo com outra pessoa desde o ano de 2013 disponha mensalmente dos mesmos 977,45€ (novecentos e setenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos)?!...
CXXX. Com o devido respeito, é inconcebível e atenta violentamente contra os direitos constitucionalmente consagrados douta decisão de cessação antecipada da exoneração de passivo restante!
CXXXI. Do dito despacho que deferiu liminarmente a exoneração de passivo restante resulta que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período da cessão), o rendimento disponível que o devedor venha a auferir considera-se cedido ao fiduciário infra nomeado, no montante que exceda o valor equivalente uma retribuição mínima garantida e meia, sem prejuízo de futuras actualizações a efectuar em função das alterações de vencimento. (sublinhado nosso)
CXXXII. Ora, necessariamente deveria ter sido considerada uma actualização já que, ao contrario do que sucedida no início do processo, nesta ocasião, já o agregado familiar do Insolvente era composto por dois elementos e não apenas ele próprio!
CXXXIII. Então não deveria ter sido feita uma correcção ao valor disponível a reter pelo Insolvente e o montante a entregar durante o tempo remanescente da cessão?! Certamente que sim!
CXXXIV. E foi nesse sentido que, como se demonstrou, o insolvente contatou diversas vezes o Senhor Administrador de Insolvência, fiduciário.
CXXXV. Assim, douta Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 243.° n.° 1, al. a), 239.°,n.° 4, al. a), e 244.°, n.° 1 e n.° 2, todos do CIRE, ao não conceder a exoneração de passivo restante ao Insolvente. CXXXVI. Tal posição, aliás, sempre seria inconstitucional por violadora, em concreto, do disposto no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que atentaria contra o legítimo direito do Insolvente ao acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, e a procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade!
CXXXVII. A Sentença recorrida deveria ter interpretado e aplicado corretamente tais preceitos, concedendo a exoneração de passivo restante ao insolvente, ou subsidiariamente, concedendo-lhe novo período para entrega do rendimento disponível, dada a inércia do Senhor Fiduciário, considerando, como já se disse, que nos primeiros dois anos da insolvência o Insolvente ficou, de facto, privado de quantias que reverteram para a massa insolvente!
Nestes termos, e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, deverá pois ser revogada a Sentença recorrida, e ser proferido douto Acórdão que, concedendo a exoneração de passivo restante ao insolvente, ou subsidiariamente concedendo-lhes novo período para entrega do rendimento disponível, faça a habitual JUSTIÇA!».
11. Não foram apresentadas contra-alegações.
12. Foram colhidos os vistos legais.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Nos termos do disposto nos artigos 635°, n.° 3 e 639°, n.° 1, ambos do CPC, o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.° 608, n.° 2., ex vi do art.° 663°, n° 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as questões a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso, na medida em que o juiz não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.° 5°, n.° 3, do CPC).
Destarte, a questão suscitada que importa resolver consiste em saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao entender estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 243° do CIRE para recusar a exoneração do passivo restante, cessando antecipadamente o procedimento de exoneração.
111 -FUNDAMENTAÇÃO: A) Motivação de facto:
1. A matéria de facto relevante para a questão a decidir é a que consta do relatório que antecede e, além dessa, a seguinte, adquirida dos autos:
2. O Insolvente nasceu em 24 de Agosto de 1943;
3. As despesas mensais do Insolvente são: a) renda da casa - 380,00 €; b) Telecomunicações (tv, telefone, telemóveis) - 95,00 €; água: 40,00 € - energia (Electricidade e gás) - 35,00 €; Outras (transporte, alimentação, vestuário, calçado, farmácia) - 500,00 €;
4. Desde Fevereiro de 2017 que o único rendimento mensal disponível é o do Insolvente, no valor de 977,45 € (novecentos e setenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) para fazer face às despesas do Insolvente e da sua companheira;
5. Anteriormente à extinção da execução n.° 9205/10.5TCLRS, ocorrida em 23/07/2013, o rendimento mensal do Insolvente era de 688,96 €, em virtude da existência de uma penhora no âmbito deste um processo executivo, anterior à declaração de insolvência;
6. Devido à extinção tardia da referida execução, o Insolvente continuou sujeito à penhora após declaração de insolvência e até Julho de 2013, originando que o valor de 4.526,15 € fosse depositado na conta bancária da Massa Insolvente.
B) Motivação de Direito:
1. A exoneração do passivo constitui uma novidade no nosso ordenamento jurídico, inspirada no direito alemão, determinada pela necessidade de conferir aos devedores pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência uma oportunidade de começar de novo (fresh start)2, a sua plena reintegração na vida económica.
De acordo com o artigo 235° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), aprovado pelo Dec.-Lei n.° 53/2004, de 18 de Março, trata-se de uma exoneração dos créditos sobre a insolvência que não fiquem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento.
Tal instituto da exenteração do passivo restante é aplicável exclusivamente aos devedores pessoas singulares4 (titulares ou não de uma pequena ou de uma grande empresa ou empresa5).
Voltando às palavras do legislador (Preâmbulo do Dec.-Lei n.° 53/2004, de 18 de Março), a concessão efectiva da exoneração traduz-se, num beneficio para o devedor, expressão que bem se compreende, dado que tem como efeitos a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados (n.°1 do art.° 245.° do CIRE). A extinção apenas não abrange os créditos referidos nas alíneas a) a d), do n.° 2, do mesmo artigo, nomeadamente os devidos por alimentos; relativos a indemnizações por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade; por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações; e, os tributários.
A exoneração do passivo só é aplicável quando não tenha sido aprovado e homologado um plano de insolvência (art.° 237.°, alínea c) do CIRE e supõe, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos (cf. ponto 45 do preâmbulo). Durante esse período de cessão, o devedor assume perante os credores as várias
obrigações previstas no art.° 239.°, entre elas a de ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. Do cumprimento dessas obrigações depende a exoneração definitiva, a decretar por despacho do juiz no termo do referido período (al. d), do art.° 237.°).
Ainda nas palavras do legislador, a ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o beneficio da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica.
Justamente para aferir da conduta recta do devedor durante o período de cessão, o fiduciário pode fiscalizar o cumprimento pelo devedor das obrigações que sobre este impendem, desde que essa tarefa lhe tenha sido conferida pela assembleia de credores (n.°3 do art.° 241.° do CIRE).
O legislador preveniu também a hipótese de o devedor, no decurso desse período e cessão, não assumir a esperada conduta recta, pautada pela boa-fé e pelo cumprimento das obrigações a que está adstrito e, logo, não ser sequer merecedor da manutenção do benefício que lhe foi concedido, estabelecendo a possibilidade de cessação antecipada do procedimento de exoneração, ao dispor que a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor (...) o juiz deve recusá-la, (n.° 1 do art.° 243.° do CIRE), quando se verifique alguma das situações ai previstas, nomeadamente as elencadas nas alíneas a) b) e c), que a disposição comporta.
Da primeira (art.° 243°/1-a) resulta constituir motivo de cessação antecipada do procedimento, a conduta do devedor, a título de dolo ou grave negligência, que prejudicando a satisfação dos créditos sobre a insolvência, viole os deveres impostos no art.° 239.° n.° 4, ou seja, conforme previsto nas várias alíneas desta disposição:
- de não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira e informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo pedidos (al. a); de exercer profissão remunerada não a abandonando sem motivo legítimo e, quando desempregado, de procurar diligentemente profissão, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto (alínea b);
- de entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão (al. c)
- de informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego (al. d);
- e, de não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores (al. e).
A segunda (art.° 243.° /1-b) remete para o n.° 1 do art.° 238.°, da conjugação das disposições resultando que a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) daquela disposição, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente, é igualmente fundamento para a cessação antecipada do procedimento de exoneração.
E, em face do disposto na última situação prevista (art. 243°/1-c) constitui ainda fundamento para a cessação antecipada do procedimento de exoneração, a decisão do incidente de qualificação da insolvência que conclua pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
A circunstância de não haver cessação antecipada do procedimento de exoneração e de assim se completar o prazo de cessão, não basta para assegurar imediatamente ao devedor o efeito de extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, nos termos previstos no n.° 1 do art.° 245.° do CIRE.
Com efeito, no termo desse período é chegado o momento do juiz proferir a decisão final, devendo ser ouvidos o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência (n.° 1, do art.° 244.°), podendo a exoneração ser recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente (n.° 2, do mesmo artigo).
De tudo se conclui que o despacho de exoneração, libertando o devedor das eventuais dívidas pendentes de pagamento (passivo restante), só é proferido desde que se conclua que o devedor cumpriu para com os credores todos os deveres que sobre ele impendiam, mas também desde que não se tenha verificado alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.° 1 do art.° 238.° do CIRE. Com efeito, não contendo aquela remissão qualquer restrição, resulta que ainda nesta fase continua a ser relevante a conduta do devedor anterior à declaração de insolvência.
Note-se, que, conforme previsto no art.° 246° do CIRE, essa necessidade de cumprimento escrupuloso das obrigações por parte do devedor durante o período de cessão, mas também de um comportamento exemplar na fase anterior ao pedido de declaração de insolvência, como condições das quais o legislador faz depender o merecimento do procedimento de exoneração concedido, volta a ser reafirmada pela possibilidade de revogação da exoneração já após ter sido concedida na decisão final, desde que se prove que aquele incorreu em alguma das situações previstas nas alíneas b) e seguintes do n° 1 do artigo 238°, ou violou dolosamente as suas obrigações durante o período da cessão, e por algum desses motivos tenha prejudicado de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência (n.° 1), podendo ser decretada até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração (n.° 2). Esta decisão pressupõe que sejam ouvidos o devedor e o fiduciário (n.° 3) e, caso a exoneração seja revogada, terá por efeito a reconstituição de todos os créditos extintos (n.° 4).
2. Atentemos, agora, aos pressupostos da decisão final da exoneração prevista no artigo 244° do CIRE anteriormente citado, decisão essa que vem posta em causa no recurso, proferida em 29/09/2017.
Decorre daquele normativo que se o procedimento não tiver terminado de forma antecipada6, o juiz deverá proferir despacho final nos dez dias posteriores ao fim do período da cessão (art.° 244°, n.° 1, do CIRE), depois de ouvidos o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência, com vista a apreciar o comportamento do devedor durante o período da cessão, por forma a conceder-se, ou não, a final, a exoneração do passivo restante.
A recusa de exoneração obedece aos mesmos fundamentos e está sujeita aos mesmos requisitos que se aplicam ao incidente de cessação antecipada do procedimento de exoneração, previstos no art.° 243° do GIRE (cf. art.° 244°, n.° 2).
3. Na decisão sob recurso refere-se que (...) veio o Exmo. Sr. Fiduciário dar conta de várias interpelações do insolvente para o depósito da quantia decretada, relatando que este não atendia chamadas telefónicas e que, tentado o contacto por via da Ilustre Mandatária, esta informou não saber do seu paradeiro; concluindo que nada foi cedido à massa insolvente ao longo do período já decorrido (...) e bem assim que Em face de todo o exposto, que, aliás, sai reforçado pelas declarações de rendimentos que apresenta (e arrogando-se mesmo o Insolvente a apresentar despesas referentes a
consumos completamente fora das necessidades básicas, como telecomunicações , no valor de € 95, 00(.7), demonstrando ter realizado, de forma voluntária e consciente, a sua própria escala de prioridades financeiras, em violação da obrigação que lhe foi imposta pela Justiça), ao abrigo do disposto nos artigos 243. 0, n.º1, alínea a), n.°3, e 239. ° n.°4, alínea c), ambos do CIRE(...).
E para assim concluir o Tribunal a quo desvalorizou a resposta do Insolvente à informação prestada nos autos pelo Fiduciário e ao requerimento de cessação antecipada da exoneração do passivo restante, argumentando, no essencial: (i) que o Insolvente não comprova a alegada pronta comunicação ao Exmo. Fiduciário das suas dificuldades económicas; (ii) que não pode corresponder à verdade que acabou por acordar com o Exmo. Fiduciário que o valor recebido da penhora e depositado na conta da Massa Insolvente fosse tido em conta e daí descontados mensalmente os €250, 00 (...) pois que tal procedimento jamais poderia ocorrer sem a autorização expressa do Tribunal.
3.1. As disposições nucleares para a apreciação da questão objecto do presente recurso são as constantes dos artigos 243°, 239° e 238°, n.° 1, alíneas b), e) e f), todas do CIRE.
O artigo 243° do CIRE, sob a epígrafe «Cessação antecipada do procedimento de exoneração», dispõe:
1 - Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239. 0, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e jJ do n.° 1 do artigo 238. 0, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;
c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
2 - O requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respectiva prova.
3 - Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.° 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustilcadamente à audiência em que deveria prestá-las.
4 - O juiz, oficiosamente ou a requerimento do devedor ou do fiduciário, declara também encerrado o incidente logo que se mostrem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência.
Por sua vez, o artigo 238°, que se refere aos requisitos do indeferimento liminar do pedido de exoneração, estipula:
1 - O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: a) For apresentado fora de prazo;
b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.°;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.° a 229.° do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.
2 - O despacho de indeferimento liminar é proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência nos termos previstos no n.° 4 do artigo 236.°, exceto se o pedido for apresentado fora do prazo ou constar já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no número anterior.
E o artigo 239.° do CIRE, sob a epígrafe «Cessão do rendimento disponível», estabelece:
1 - Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n. ° 4 do artigo 236.°
2 - O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.
3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.° cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
5 - A cessão prevista no n.° 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor.
6 - Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão.»
Nos termos do n.° 2 do artigo 244° do CIRE A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.
3.2. Assim, a decisão de recusa da exoneração pode assentar nalgum dos fundamentos previstos no n.° 1 do artigo 243° do CIRE, sendo que no caso está em causa o fundamento previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 243° do CIRE O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239°, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Prevê o artigo 243°, n.° 3, 2a parte do CIRE, que a exoneração é sempre recusada se o devedor não oferecer as informações que comprovem o cumprimento das obrigações ou quando, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.
3.3. Constata-se, ainda, que os requisitos de cuja verificação depende o despacho liminar de exoneração, a cessação antecipada do procedimento de exoneração ou a decisão final de recusa da exoneração, estão todos eles formulados pela negativa.
Nesta medida, é ao requerente (credor do insolvente ou fiduciário) que compete a alegação e prova dos factos de que depende o indeferimento liminar ou a recusa antecipada da exoneração do passivo restante, por se tratar de factos constitutivos desse direito (artigos 243°, n.° 2, do CIRE e 342°, n.° 1 do CC), sempre sem prejuízo do dever de investigação oficiosa do tribunal.
De outra banda, o requerimento do credor ou do fiduciário para o indeferimento liminar ou cessação prematura do procedimento de exoneração do passivo restante só pode fundar-se na violação culposa ou com negligência grave, por parte do Insolvente, de algumas das obrigações previstas no artigo 239° do CIRE ou na verificação de alguma das circunstâncias previstas nas alíneas b), e) e f) do artigo 238° do CIRE (art.° 243°, n.° a, alíneas a) e b).
Uma das divergências que resultante entre a posição seguida na sentença e a que é defendida pelo Recorrente respeita precisamente a esta questão do ónus da prova dos fundamentos da cessação antecipada do procedimento de exoneração e da verificação dos respectivos pressupostos (violação dolosa ou com negligência grave de algumas das obrigações pelo Insolvente).
Sustentou-se o Tribunal a quo na informação trazida aos autos pelo Exmo. Fiduciário, em 26 de Abril de 2017 e na pronúncia do Credor BCP.
Porém, a informação prestada pelo Exmo. Fiduciário, após sucessivas insistências da Senhor Juíza (em 22/08/2016, 17/11/2016, 28/11/2016 e 26/04/2017) e da advertência de condenação em multa por falta de colaboração com o Tribunal, mostra-se vaga e conclusiva, além de desacompanhada de qualquer elemento de prova que pudesse corroborar as alegadas, mas não demonstradas, dificuldades de contacto com o Insolvente: Afirma ter enviado e-mails ao Insolvente, ter tentado, sem sucesso, diversos contactos telefónicos e haver correspondência devolvida, mas não junta qualquer comprovativo destas suas afirmações, como decorre da lei.
Ao invés, o Insolvente comprovou bastamente nos autos diversos contactos que manteve com o Exmo. Fiduciário e com o Tribunal, a quem dirigiu requerimentos com vista à cessação da penhora, no valor de €360,00, a que continuou sujeito, indevidamente, após a declaração de insolvência, em 20/06/2011, no âmbito do processo executivo n.° 9205/10.5TVLRS, que correu termos no 1° Juízo Cível de Loures.
Daí que nesse período em que persistiu a dita penhora, o rendimento disponível do Insolvente se tenha quedado pela quantia de 688,96€, inferior a uma retribuição mínima garantia e meia, fixada no despacho liminar de exoneração do passivo restante, despacho este que só veio a ser proferido e, 23/05/2013, decorridos que estavam cerca de dois anos sobre a declaração de insolvência.
Como bem refere o Recorrente nas conclusões do recurso, entre 01/09/2014 e meados de 2016 não se registou qualquer movimentação processual (conclusão XXV).
E só no dia 24/05/2016, a seis meses de se atingir os cinco anos após o encerramento destes autos, o Tribunal a quo ordenou a notificação do Exmo. Fiduciário para de imediato, dar cumprimento ao disposto no artigo 240.° do CIRE.
Novamente, sem qualquer justificação, o Exmo. Fiduciário voltou a não cumprir imediatamente o despacho judicial, vindo novamente a ser notificado no mesmo sentido a 22/8/2016 e nos dias 17/11/2016, 28/11/2016 e 26/4/2017, devido à ausência de resposta....
O despacho que determinou esta última notificação é do seguinte teor: Renovo
o despacho que antecede, consignando que, nada sendo dito no prazo de 10 dias, haverá lugar a condenação em multa, remoção imediata do cargo e comunicações legais .
Foi na sequência desta advertência de que incorria na possibilidade de vir a ser condenado em multa que o Exmo. Fiduciário veio a precipitar a sua resposta ao Tribunal a quo no dia imediatamente seguinte (27/04/2017).
Entendemos, porém, que esta resposta, por desacompanhada de qualquer elemento de prova e por se revelar inconsistente com o que resulta da tramitação dos autos e dos documentos apresentados pelo Insolvente, bem assim como a resposta do Credor BCP, nenhum elemento trouxeram ao processo que pudesse ser atendido pelo Tribunal a quo, nos termos em que o foi, para fazer cessar antecipadamente o procedimento de exoneração do passivo restante.
No desempenho da sua função, que é remunerada, note-se, o fiduciário encontra-se sujeito à fiscalização do juiz (art.° 58° do CIRE), ao regime de responsabilidade previsto no artigo 59° do CIRE), ao regime de prestação de contas estatuído nos artigos 63° a 64° do CIRE e à obrigatoriedade de prestar informações anualmente, a cada credor e ao juiz (art.° 61°, n.° 1, do CIRE).
Nos termos do artigo 12° da Lei n.° 22/2013, de 26 de Fevereiro, que estabelece o Estatuto do Administrador Judicial, aplicável aos fiduciários (art.° 2°, n.° 2), estes têm os seguintes «Deveres»:
«1- (...) devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes.
2 - ( ..) no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu beneficio ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.
3 - ( ..) só devem aceitar as nomeações efetuadas pelo juiz caso disponham dos meios necessários para o efetivo acompanhamento dos processos em que são nomeados.
4 - (...) devem comunicar, preferencialmente, por via eletrónica, à entidade responsável pelo seu acompanhamento, fiscalização e disciplina, bem como ao juiz do processo, a recusa de aceitação de qualquer nomeação fundada na inexistência de meios, devendo a referida entidade, de imediato, impedir a ocorrência de novas nomeações.
5 - (...) comunicar, preferencialmente por via eletrónica, com a antecedência mínima de 15 dias, aos juízes dos processos em que se encontrem a exercer funções e à entidade responsável pelo seu acompanhamento, fiscalização e disciplina qualquer mudança de domicílio profissional, bem como a informação atinente ao novo domicilio.
6 - Os administradores judiciais que tenham completado 70 anos de idade devem fazer prova, mediante atestado médico, que possuem aptidão para o exercício da atividade.
7 - O atestado a que se refere o número anterior é apresentado, preferencialmente por via eletrónica, à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais no mês seguinte àquele em que o administrador judicial completar 70 anos, devendo ser apresentado novo atestado de idêntico teor a cada dois anos.
8 - Os administradores judiciais devem contratar seguro de responsabilidade civil obrigatório que cubra o risco inerente ao exercício das suas funções, sendo o montante do risco coberto definido em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, e devem remeter, de imediato, preferencialmente por meios eletrónicos, à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina da sua atividade cópias dos contratos celebrados, bem como comprovativos da sua renovação, sempre que tal se justifique.
9 - (...) estão sujeitos ao pagamento das taxas devidas à entidade responsável pelo seu acompanhamento, fiscalização e disciplina, a fixar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.
10 - (...) frequentar as ações de formação contínua definidas pela entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina da sua atividade em regulamento próprio desta entidade, competindo à mesma estabelecer os protocolos que julgue necessários para esse efeito, designadamente, com universidades, centros de formação profissional legalmente reconhecidos e com as associações representativas dos administradores judiciais.
11 - Ao subcontratar qualquer entidade nos processos para os quais é nomeado, designadamente para efeitos de alienação de ativos, o administrador judicial deve celebrar com o subcontratante um contrato escrito no qual, expressamente, se definam, entre outros, o objeto contratual e os deveres e os direitos que assistem a ambas as partes.
12 - (...) fornecer à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina a informação necessária que possibilite a avaliação do seu desempenho, nos termos definidos pela referida entidade. ».
Não houve acompanhamento da situação do Insolvente, informação aos credores e ao Tribunal nem prestação de contas.
Tudo falhou.
Nesta medida, não nos merece acolhimento o despacho recorrido, sobretudo as considerações feitas acerca dos argumentos e factos apresentados pelo Insolvente, que nem sequer foram contraditados ou refutados pelo Exmo. Fiduciário, pelo Credor BCP ou por qualquer outro credor, sendo que tais considerações reflectiram-se de forma negativa na decisão em causa de recusa da exoneração do passivo restante, conduzindo a um resultado que em nosso entender é injusto.
O administrador da insolvência/fiduciário e os credores podem sempre trazer ao processo prova de factos ou circunstâncias que conduzam ao indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante ou à cessação antecipada do procedimento de exoneração, sem prejuízo, ainda, da actuação oficiosa do Tribunal.
E não se argumente que para estes é difícil fazê-lo, nos casos, como o dos autos, em que os credores são entidades (instituições de crédito ou sociedades financeiras) que no âmbito da sua actividade concedem os mais variados tipos de crédito. Tais credores, a menos que tenham sido pouco diligentes a acautelarem os respectivos créditos, seguramente que disporão de diversa informação prestada pelo devedor, recolhida com a finalidade de avaliar a capacidade de cumprimento deste. Acresce, ainda, que os credores podem perfeitamente articular esforços, desde logo, cruzando os respectivos dados e podem, ainda, recorrer, a empresas de recolha e tratamento de informação financeira.
Para além disso, como já se referiu, entre os fundamentos da cessação antecipada do procedimento de exoneração, nos termos previstos no art.° 243.°, continuam a incluir-se as circunstâncias que poderiam ter conduzido ao indeferimento liminar, nomeadamente as previstas nas alíneas b), e) e f), do n.° 1 do art.° 238.°. Tais circunstâncias, como se disse, relevam igualmente para efeitos do despacho de exoneração definitiva do passivo, que poderá ser recusado pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente (n.° 2 do art.° 244.° do CIRE).
O mesmo valor por dizer que o comportamento exemplar do devedor anterior à declaração de insolvência, como condição para o merecimento da exoneração do passivo restante, releva não só para a fase de apreciação liminar, mas também posteriormente ao longo de todo o período de cessão, depois ainda na ponderação da decisão final e, para além desta, até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração.
Por outro lado, como também já se deu nota, o devedor não tem que apresentar prova dos requisitos de que depende o despacho liminar de exoneração do passivo restante ou a decisão de cessação antecipada do procedimento de exoneração.
No primeiro caso, porque não constituem factos constitutivos do direito do devedor. Antes e pelo contrário, constituem factos impeditivos desse direito. Nesta medida, compete aos credores e ao administrador da insolvência/fiduciário a sua prova - cf. n.° 2 do artigo 342° do Código Civil.
No segundo caso, porque assim resulta do n.° 1 do artigo 243° do CIR a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência (...) do fiduciário,
Mas se dúvidas subsistissem sobre a matéria, elas teriam de dissipar-se se tido em consideração o correspondente ensinamento de Antunes Varela, na R. L. J., Ano 117°, pp. 26 e segs., em anotação ao Assento - hoje, Acórdão Uniformizador de Jurisprudência - deste Supremo, de 2/06/1983.
Aí, após se estabelecer a clara distinção entre factos constitutivos e factos extintivos do direito ou da pretensão, pondera-se: A mesma facilidade se não encontra já na aplicação prática da destrinça entre os factos constitutivos e os factos impeditivos do direito ou da pretensão relativamente à repartição do ónus da prova (...) Ambas as categorias se referem a ocorrências ou situações imputadas ao mesmo momento ou período temporal: o da formação do direito ou da pretensão (...) Mas enquanto os
factos constitutivos são essenciais à criação do direito ou pretensão, os factos impeditivos obstam, pelo contrário, à formação de um ou de outra.
E, após considerar que o critério da normalidade ou anormalidade do facto (solto de qualquer outro elemento ou ponto de referência) não pode, pela extrema imprecisão do seu subjectivismo, servir de base a uma distinção tão importante, do ponto de vista prático, como a fixada no art.° 342° do CC, continua, na linha do sustentado, na Alemanha, por ROSENBERG (aí citado): ...a repartição do ónus da prova entre as partes tem que processar-se de harmonia com a previsão (geral e abstracta) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas (teoria da norma) (...) Ao autor cabe a prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido. O autor terá assim o ónus de provar os factos (constitutivos) correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão (...) Ao réu incumbirá, por sua vez, a prova dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que se baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva (do efeito jurídico pretendido pelo autor) por ele (réu) invocada. Compete-lhe, portanto, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão da contraparte, determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ele invocada (..) Cada uma das partes terá, em suma, de alegar e provar, sobre o terreno da situação concreta em exame, os pressupostos da norma que lhe é favorável. Apontando, em jeito de conclusão, que ... a distinção entre os factos constitutivos e os factos impeditivos da pretensão formulada pelo autor se deve procurar na interpretação e aplicação da norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes.
Não restando, pois, dúvidas, a esta luz, que têm natureza impeditiva da pretensão
formulada pelo requerente do benefício de exoneração do passivo restante os factos
integrantes dos fundamentos do indeferimento liminar previsto no art.° 238° do CIRE, bastando-se aquela pretensão com a alegação da qualidade de insolvente e do que exigido se mostra no art.° 236°, n.° 3 do mesmo diploma legal.
Por conseguinte, é nosso entendimento que os factos integrantes dos fundamentos do indeferimento liminar previsto no art.° 238°, n°1, do CIRE têm natureza impeditiva da pretensão de exoneração do passivo restante formulada pelo insolvente e, logo, que o ónus de prova dos mesmos recai sobre o administrador e credores da insolvência (art.° 342°, n°s 1 e 2 do CC).
3.4. Como se viu, o Tribunal a quo recusou a exoneração do passivo restante por despacho proferido em 29/09/2017, fazendo-o numa altura em que já se mostrava ultrapassado o período de cessão e com fundamento em alegações não fundamentadas nem comprovadas do Exmo. Fiduciário e na mera declaração de oposição à exoneração feita por apenas um dos credores da Insolvência - o BCP.
E não deixa de ser significativo que os restantes credores (Barklays Bank, Banco Santander Totta, S.A., Banco BPI, GE Consumer Finance, IFIC, Caixa Geral de Depósitos, Banco Credibom, etc.) tenham ignorado a informação inconsistente e infundada trazida ao processo pelo Exmo. Fiduciário, desacompanhada de qualquer elemento de prova.
Certo é que a decisão recorrida é falha de fundamentação e baseia-se apenas nos factos alegados pelo Exmo. Fiduciário, sem qualquer suporte probatório, desconsiderando outros com relevo para esta questão, e não contraditados, invocados e documentados pelo Insolvente.
Com efeito, uma visão global dos factos não permite concluir pela demonstração de que a falta de entrega ao Exmo. Fiduciário das quantias cedidas teve por base uma conduta dolosa ou gravemente negligente do Insolvente ou que essa omissão prejudicou os interesses dos Credores, por agravar a situação da insolvência, e a prova de tais circunstâncias competia ao Fiduciário e aos Credores.
Dos autos não resulta, como exige o artigo 243°, n.° 1, alínea a), do CIRE, que o insolvente dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Sendo estes requisitos de verificação cumulativa - artigo 243°, n.° 1, alínea a), do CIRE.
No caso sub judice a recusa da exoneração foi decidida com fundamento na violação pelo Insolvente das obrigações que sobre o mesmo impendia, ao abrigo do disposto nos artigos 243°, n.° 1, alínea a) e 239°, n.° 4, alínea c), ambos do CIRE, sem que a sentença qualifique sequer a conduta do Insolvente como sendo dolosa ou gravemente negligente ou justifique por alguma forma que a apontada falta de entrega ao Fiduciário dos rendimentos objecto de cessão prejudicou a satisfação dos créditos da insolvência e em que medida.
Todavia, mesmo a presumir-se que essa infracção foi praticada com negligência e que inexistiu qualquer justificação para a conduta do Insolvente, entendemos que a verificação da violação dessa condição, só por si não conduz ao preenchimento do requisito constante do n.° 1, a), do art.° 243° do CIRE, pois é exigido que o devedor tenha actuado com dolo ou negligência grave e por esse facto tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência.)
Na verdade, atendendo à idade (74 anos) e ao quadro de dificuldades económicas do Recorrente, entretanto agravado com a integração no respectivo agregado familiar da companheira, desempregada, a falta de entrega ao fiduciário das quantias a que estava obrigado, mensalmente, não configura, nas concretas circunstâncias, uma conduta dolosa ou gravemente negligente.
E certamente assim foi entendimento por todos os credores, com excepção do credor BCP e também pelo Exmo. Fiduciário que nada fez durante o período de cessão para que tais quantias lhe fossem entregues.
Com o rendimento disponível referido, o Recorrente tem de pagar renda de casa, electricidade,
O Exmo. Administrador de Insolvência não fundamentou os factos que alegou, nem juntou provas do que por si alegado, nem sequer requereu ele próprio a recusa da exoneração de passivo restante, como bem salienta o Recorrente.
Por outro lado, o art.° 243.° n.° 2 do CIRE dispõe que o requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respectiva prova.
O Credor BCP alegou, mas não fundamentou, como era seu ónus, o pedido de cessação antecipada da exoneração de passivo restante que formulou contra o Insolvente.
Foi o próprio Insolvente quem juntou aos autos todos os documentos pertinentes que comprovam a sua débil situação económica, quer actual, quer relativa ao período da cessão.
Designadamente, juntou o Insolvente os seguintes documentos, no seu requerimento de 26.6.2017: DOC.1 - Declaração IRS 2014, 2015 e 2016; DOC.2 - Recibos de renda 2014, 2015 e 2016; DOC.3 - Factura Telecomunicações NOS: DOC.4 - Despesas gerais; DOC.5 - Última remuneração Sra. Lúcia Ferreira (205,95€ - Janeiro de 2017); DOC.6 - Conta-corrente de despesas mensais com pensão de reforma de velhice do Insolvente no valor de 977,45€ / mês.
Decorre dos documentos juntos pelo Insolvente e não contraditados que as despesas mensais do Insolvente nesta data, e já em 2014, 2015 e 2016, anos em que eram sensivelmente as mesmas, não lhe davam folga para entregar ao Fiduciário qualquer quantia.
Alega e Insolvente que a sua idade avançada e a preocupação dos seus filhos em que este tenha meios de chamar o INEM em caso de se sentir mal na rua, ou onde estiver, sem acesso a telefone fixo, estando sempre contactável quando o filho no estrangeiro lhe quiser falar ou os outros, por e-mail também, são os motivos que justificam que o Insolvente tenha um pacote NOS (TV, NET, Telem., Telefone), e o gasto associado de 95,00€, que são dois cartões de telemóvel pois o insolvente e a companheira não estão permanentemente juntos, além disso, embora preferisse o Insolvente pagar menos, a fidelização inerente a estes contratos impede que simplesmente deixe de pagar a factura
Assim vistas as coisas, na ponderação do binómio de interesses em jogo concede-se alguma razoabilidade nesta despesa considerada excessiva na decisão recorrida, bem assim como na globalidade das despesas apresentadas.
No Ac. do TRL, de 08/05/2014, proc. 15322/11.7T2SNT-E.L1-2, ponderou-se:
No ensinamento de Carvalho Fernandes e João Labareda, o n.° 3 do artigo 239° do CIRE acaba por dar preferência à função interna do património, enquanto suporte da vida económica do seu titular, sobre a sua função externa, que é a garantia geral dos credores.
É um conceito aberto o do sustento minimamente digno do devedor (acórdãos da RL de 12.04.2011, 1359/09TBAMD.L1-7 e de 22.09.2011, 2924/11.OTBCSC-B.L1-8).
É por imperativo constitucional, nos termos da al a) do n° 2 do art° 59° da CRP e o salário mínimo nacional tem-no subjacente: o mínimo dos mínimos que consinta a um trabalhador um nível de vida acima do nível de sobrevivência.
Mas, reflectindo intensa relação dialéctica entre as duas citadas funções do património, existindo ainda o princípio constitucional da proibição do excesso (art° 18° n° 2 da CRP), a exigir adequação, necessidade e proporcionalidade, tudo na justa medida, conforme ensina o Prof. Gomes Canotilho in Direito Constitucional, Coimbra, 3 ° ed, pgs. 428 e ss.
A proibição do excesso, na hipótese de fixação do rendimento indisponível, olhará, de um lado, às necessidades fundamentais para um sustento minimamente do devedor e do seu agregado familiar, o que acarreta um perdão de dívidas com a inerente perda, para os credores, dos correspondentes créditos, e todavia, do outro, terá em mente precisamente a necessária, tanto quanto possível, satisfação dos direitos dos últimos.
Olvidado este principal escopo do processo falimentar, facilmente a exoneração do passivo restante se transformaria num prémio ou na cobertura a uma fraude, como significativamente alude o acórdão da RE de 13.12.2011, CJ, V, 263.
Pelo que de imediato estas asserções nos remetem para a necessidade de se encontrar um equilíbrio num processo com essa natureza e fim entre estas duas circunstâncias, sempre adversas e não poucas vezes tendencialmente intangíveis ou sem ponto de concorrência.
Ponto é que ao sacrifício financeiro dos credores terá de corresponder o sacrifício do insolvente.
Contudo, continuando-se sempre a não esquecer o Acórdão do Tribunal Constitucional, n° 349/91, que considerou que em caso de colisão entre o direito do credor e o direito do devedor a uma pensão que lhe garanta uma sobrevivência condigna, o legislador deve sacrificar o direito do credor, na medida do necessário e, se tanto for preciso, mesmo totalmente, não permitindo que a realização desse direito ponha em causa a sobrevivência do devedor (cfr ainda acórdão do TC n.° 318/99).
Razão pela qual, desde logo podemos assentar ainda, que em regra só por si nunca se pode fazer apelo à integralidade das despesas que se despenderia antes da insolvência ser declarada.
Fazendo apelo a critérios de razoabilidade, considerando o valor arbitrado para a cessão de rendimento e as despesas referidas, ressalta que a quantia equivalente 1,5 salários mínimos (€ 727,50 nos anos de 2013 e 2014; € 757,50 em 2016; e €795,00 em 2016) é claramente insuficiente para o sustento, com o mínimo de dignidade, do Recorrente e do seu agregado familiar, que é integrado também pela companheira, desempregada.
A integração da companheira no seu agregado familiar requer que se atenda ao custo adicional de um adulto, com gastos necessários à sua sobrevivência, aferida por critérios de normalidade das despesas em que incorrem duas pessoas (alimentação, vestuário, água, luz, gás, habitação) em idade avançada e por isso com acrescidos problemas de saúde a implicar custos adicionais com despesas médicas e medicamentosas.
Apelando-se à escala da OCDE, a «escala de Oxford», para determinação da capitação dos rendimentos de um agregado familiar, temos que o índice 1 é atribuído ao 1.° adulto do agregado familiar e o índice 0,7 aos restantes adultos do agregado familiar.
Assim, considerando que o sustento minimamente digno do Recorrente foi fixado pelo Tribunal a quo no despacho liminar de exoneração em 1,5 do salário mínimo nacional [(€727,50 (€485,00 x1,5) em 2013 e 2014; €757,50(€505,00x1,5) em 2015; €795,00 (€530,00x1,5) em 2016] e considerando de 0,7 o peso da companheira do Recorrente no aumento das necessidades do agregado familiar, deverá entender-se que o rendimento mínimo (in)disponível encontrado para o Recorrente/Insolvente ficou aumentado, sucessivamente, para os seguintes montantes: (i)€1.067,00 [€727,50+(€485,00x0,7)], nos anos de 2013/2014; €1.111,00 [€757,50+(€505,00x0,7)], no ano de 2015; e €1.166,00 [€795,00+(€530,00x0,7)] no ano de 2016.
Os valores encontrados são aqueles que se considera razoavelmente necessários para o sustento minimamente digno do Insolvente e do seu agregado familiar nos períodos em causa (2013 a 2016), constituindo, por isso, um limite mínimo da exclusão do rendimento disponível. (art.° 239°, n.° 3, alínea b)-i), do CIRE).
Tais valores ultrapassam o valor da pensão de reforma auferida pelo Insolvente €977,45 mensais, que constitui o único rendimento do seu agregado familiar.
Ao recusar a exoneração do passivo sem ponderar todos estes factos e fazer o cálculo actualizado dos valores eventualmente a reter, para efeitos de cessão aos credores, segundo as circunstâncias supervenientes que resultaram apuradas no processo, e bem assim sem ponderar os valores indevidamente penhorados e retidos pela Massa Insolvente no âmbito de penhora que perdurou muito para lá da declaração de insolvência do Recorrente, a decisão recorrida incorreu, salvo o devido respeito, em erro de julgamento por violação das disposições dos artigos 243°, n.° 1, alínea a), 239°, n.° 4, alínea a) e 244°, n.°s 1 e 2, todos do CIRE.
Deste modo, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conceda a exoneração do passivo restante do devedor/Insolvente.
Procede, consequentemente, a apelação.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar a decisão recorrida e conceder ao Insolvente, aqui Recorrente, a exoneração do passivo restante.

Custas pela massa insolvente (art.° 304° do CIRE).

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2018
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Maria Manuela Gomes