Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 20-03-2018   Menor institucionalizada. Aquisição de competências para reunificação familiar. Construção de projecto de vida familiar inclusivo da menor. Visitas. vínculos afectivos próprios da filiação.
I. A menor, desde que nasceu, vive em meio institucional (de 08/2017 a 3/2017). Este percurso mostra que a recorrente não só se revelou avessa à aquisição de competências pessoais, sociais e parentais para se reunir com a menor, como mostra que se gorou a oportunidade da recorrente adquirir essas competências indispensáveis para atingir a reunificação familiar com a menor. A recorrente recusou acolhimento institucional conjunto com a menor; recusou nova proposta de acolhimento com a menor e com a criança de que estava grávida. A incapacidade emocional e social da recorrente lhe não permite manter a menor fora da vivência institucional e salvaguardar o bem-estar e a segurança da menor.
II. E se é inegável que a frequência das visitas é importante, é relevante na aquisição ou restauração da interacção própria de mãe e filha, ainda mais relevante e importante é que as visitas sejam acompanhadas de empenhamento na construção de projecto de vida familiar inclusivo da menor. Sem a conjugação desta faceta, as visitas não revelam senão compromisso com um projecto institucional de vida para a menor. A menor está adaptada à realidade da sua institucionalização. É esta perspectiva que o estado emocional da menor patenteia muito simplesmente pela circunstância da menor deixar, sem angústia, a visita da recorrente.
III. Não fora a intervenção institucional, pelo comportamento dos progenitores revelador de omissão de cuidados e afeição adequados e propiciadores ao bem estar e saudável desenvolvimento da menor, resultante da sua manifesta incapacidade e manifesto desinteresse pela menor, convertido em inexistência de vínculos afectivos próprios da filiação, estaria a menor sem ter assegurada a promoção e a realização da sua segurança, saúde, sustento, educação, afinal o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral
Proc. 11170/15.3T8LRS.L1 1ª Secção
Desembargadores:  José Augusto Ramos - Manuel Marques - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação
Processo n.° 11170/15.3T8LRS.L1
Acórdão
I
Neste processo de promoção e protecção a favor da menor I..., o Ministério Público, em alegações, apresentadas 23/11/2017, prévias ao debate judicial, promoveu a aplicação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição para futura adopção e por acórdão decidiu-se aplicar à menor a medida, a de promoção e protecção de confiança a instituição para futura adopção e nomear curadora provisória da menor a directora da Casa Ajuda de Berço.
A progenitora interpõe recurso de apelação desta decisão, apresentando as alegações com as seguintes conclusões:
1ª- Visa o presente por em crise o douto acórdão que determinou a aplicação a favor da menor T... da medida de promoção e protecção de confiança a instituição, com vista a futura adopção, inibir os progenitores da menor do exercício das responsabilidades parentais bem como proibir as visitas por parte da família biológica da menor a esta;
2ª- Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido condena a menor ao afastamento da sua mãe, R...:
3ª- Sempre com o propósito de reunir as condições para realizar o objectivo de acolher a sua filha I..., a recorrente no período temporal compreendido entre 20 de Agosto de 2015 e 5 de Outubro de 2015, visitou a I... na instituição de forma regular, e a mãe da menor contactou telefonicamente a instituição praticamente todos os dias (ponto 9 dos fundamentos de facto). Bem como, no período de 5 de Outubro de 2015 e 24 de Agosto de 2016, a mãe da I... visitou esta de forma regular e contactou telefonicamente a instituição de forma frequente e regular, para saber da filha e também para relatar assuntos do seu dia¬a-dia e do seu sofrimento ponto 13 dos fundamentos de facto). De igual forma, entre 24 de Agosto de
2016 e 1 de Março de 2017, a mãe da I... visitou-a de forma regular e contactou telefonicamente a instituição de forma frequente e diária, para saber da filha (ponto 15 dos fundamentos de facto);
4ª- Nessas visitas da recorrente à sua filha menor hirta, fazia algumas brincadeiras com esta e preocupava-se com aspectos funcionais tais como mudar as fraldas, dar refeição, tentar adormecer (ponto 16 dos fundamentos de facto);
5ª- A mãe da T... demonstra afeito para com esta e verbaliza interesse em que a menor integre o seu agregado familiar (ponto 34 dos fundamentos de facto);
6ª- Estes factos evidenciam o interesse da recorrente R... em acolher a sua filha e o esforço efectivo que fez para o conseguir;
7ª- Tudo quanto se expôs e ficou provado não foi atendido pelo Tribunal recorrido, decidindo-se um corte abrupto, repentino e radical na relação da recorrente com a sua filha, quando ainda não se mostravam comprometidas seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação entre a menor e a progenitora, ao contrário do que se alega no douto acórdão recorrido;
8ª- Não existe qualquer argumento ou facto que justifique tamanha crueldade;
9ª- Tanto mais que os factos dados como provados sob os números 35 e 36 são do mais falacioso que se pode identificar. Visto que, a conclusão extraída de a menor se mostrar receptiva à chegada dos pais, mas não demonstrar qualquer angústia com o terminus da visita nem quer vê-la prolongada, ser significar que a menor T... não tem uma relação afectiva com os seus progenitores, é verdadeiramente falaciosa como se disse e reitera;
10ª- Porventura, a menor, adaptada à realidade da Instituição já há muito apreendeu a desnecessidade de choros ou birras, visto que nunca nada alcançou a chorar ou a fazer uma fita;
11ª- A decisão tomada não é a que melhor salvaguarda o superior interesse da menor I...;
12ª- A mãe da I... tudo tem feito para a acolher;
13ª- Note-se o teor da Declaração Universal dos Direitos das Crianças, aprovada pela assembleia geral da ONU em 20/11/1959, que no seu princípio VI proclama: A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais (...);
14ª- E também os números 5 e 6 do artigo 36° da Constituição da Republica Portuguesa: 5.Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. 6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial;
15ª- A menor I... deve ser entregue à mãe da criança, aqui recorrente, por esta ter mostrado continuo acompanhamento e preocupação com a menor, para além da expressa vontade de a acolher, assim se salvaguardando o superior interesse da menor;
Termos em que pretende a revogação da decisão e sua substituição por medida de apoio junto da mãe.
O Ministério Público contra-alegou com as seguintes conclusões:
1ª- Não decorre dos factos dados como provados que a recorrente tenha feito um esforço efectivo para que a T… integrasse o seu agregado familiar;
2ª- Ao invés, o que resulta provado no douto acórdão em crise é que a progenitora não demonstrou ter competências parentais e capacidade para assegurar a promoção e defesa dos interesses da filha;
3ª- A total inaptidão e incapacidade da recorrente para cuidar da filha é comprovada pelas perícias médico legais realizadas nas quais se conclui que a mãe da menor possui Fracas competências para o exercício da parentalidade pela ausência de constructos educativos consistentes, seja de natureza afectiva sejam de prestação de cuidados. (...);
4ª- E ao invés do que alega a recorrente, tudo ter feito para que a menor integrasse o agregado familiar, pese embora tenha beneficiado da intervenção de várias instâncias sociais v.g. CPCJ de Loures, Ajuda do Berço; ECJ de Loures e o Ponto de Apoio à Vida, que lhe foram ministrando orientações e conselhos ao longo dos dois anos e cinco meses de acolhimento da T..., a mãe não logrou melhorar as suas capacidades parentais;
5ª- Resulta do acórdão recorrido ter sido dada à família desta criança, a possibilidade de revelar possuir competências parentais para receber e para criar a I... em segurança, afecto e harmonia, afastando-o do perigo;
6ª- Contudo, o perigo grave para a segurança e saúde que levou a I..., com apenas 17 dias de vida, ao acolhimento, deu lugar à persistente ausência de demonstração, por parte dos seus pais, da sua capacidade para lhe proporcionar um desenvolvimento sadio, harmonioso e seguro, caso integrasse no seu seio;
7ª- O alegado interesse em nada de concreto se materializou a não ser nas escassas horas em que a visita na instituição, parecendo-lhe perante os seus fracos recursos afectivos e competências parentais que tal bastará para suprir as eventuais lacunas que possam existir num espaço institucional;
8ª- No douto acórdão conclui-se que a menor T... não tem qualquer relação afectiva com os pais, e, consequentemente, não se verifica a existência de vínculos próprios de uma relação de filiação;
9ª- Os progenitores desta criança, pela sua inércia e incapacidade de mudança, não foram suficientemente capazes de exercerem os poderes e deveres inerentes às responsabilidades parentais que deveriam ter assumido logo com o nascimento da filha, acabando, pelo simples decurso do tempo, sem nada fazerem, por comprometer seriamente os vínculos da filiação;
10ª- É inegável que a mãe revela interesse e afecto pela filha, como resulta do facto de a visitar com regularidade e telefonar para a instituição de acolhimento. Mas este interesse, por si só, não legitima a entrega da menor aos seus cuidados, porque o mais relevante e decisivo é o interesse da criança;
11ª- Não obstante as eventuais boas intenções da recorrente, não tem a mesma capacidades, nem competências, nem retaguarda familiar que lhe permita, ainda que num futuro longínquo, assumir a responsabilidade de educar de forma condigna a sua filha;
12ª- As visitas efectuadas pelos progenitores à filha não provocaram ressonância suficiente para de forma consistente alterarem a sua vida e assim assumirem efectivamente as suas responsabilidades parentais e familiares;
13ª- Não é viável o regresso da menor ao seio da família biológica pela manifesta incapacidade da progenitora de se assumir como resposta viável e adequada à defesa dos interesses da I...;
14ª- A confiança judicial com vista à adopção protege o interesse da criança de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, tendo em conta o tempo da criança, que não é o mesmo que o tempo dos pais, se do que, os problemas de que padecem os progenitores da menor não são resolúveis com o tempo;
15ª- Tendo em conta a concreta incapacidade dos progenitores da menor em assegurar a sua saúde , bem estar, desenvolvimento e educação, o destino da menor passaria inevitavelmente por urna institucionalização prolongada, assim a impedindo de alcançar um projecto de vida alternativo;
16ª- Toda a fundamentação da decisão se revela adequada, correcta e a merecer confirmação pelo Venerando Tribunal de Recurso, uma vez que nenhuma norma jurídica foi violada (nem a recorrente invocou a violação de qualquer preceito legal), antes se mostrando em perfeita sintonia a factualidade apurada e o direito aplicado.
Nos termos dos artigos 126° da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei n.° 147/99, de 1 de Setembro, e 639°, n.° 1, do Código de Processo Civil (CPC), cumpre conhecer se das conclusões da alegação de recurso resultam questões determinativas da pretendida alteração da decisão pela sua revogação e substituição pela medida de apoio junto da mãe.
II
Vem julgada provada a seguinte a matéria de facto:
1- I... nasceu a 3 de Agosto de 2015, é natural da freguesia de Louras, concelho de Loures, e é filha de J... e de R...;
2- Após o nascimento da T... no Hospital Beatriz Ângelo, a situação da menor foi comunicada à CPCJ de Loures pelo Serviço Social daquele Hospital, em virtude de tal Serviço ter tido conhecimento de que a T... se encontrava inserida num agregado social vulnerável, em que dois filhos dos progenitores tinham sido institucionalizados em 2008 (o Nelson com três anos de idade e a Viviana com quatro meses de idade) por negligência grave nos cuidados básicos de higiene, alimentação e habitação, vindo a ser adoptados; a mãe tinha um passado de institucionalização e limitações cognitivas; o pai tinha cumprido pena de prisão pela prática de crime de abuso sexual de uma filha, de uma outra relação, e nenhuns dos seus outros filhos convivia consigo; o agregado familiar não tinha qualquer suporte a nível da família alargada; os progenitores subsistiam com o Rendimento Social de Inserção, com grande precariedade económica e habitacional; e, os progenitores não tinham consciência da falta das suas competências e da necessidade de mudança;
3- Nesta sequência, foi instaurado processo de promoção e protecção na CPCJ de Loures a favor da menor I..., no âmbito do qual foi efectuada no dia 7 de Agosto de 2015 pelas técnicas daquela comissão visita domiciliária a casa dos progenitores da menor, tendo sido constatado que: a casa é muito pequena, entrando-se directamente para a cozinha; à direita da porta de entrada, fica uma casa de banho muito pequena, apenas com sanita, lavatório e um duche improvisado; a outra divisão da casa, que serve de quarto e casa, tem do lado esquerdo, junto à única janela da habitação, dois sofás pequenos, e, à direita, um guarda-vestidos, com uma cortina por trás, a separar da cama de casal; não existia uma cama montada para a menor, nem espaço para tal, já que esta divisão é estreita, havendo um espaço mínimo entre a cama do casal e a parede;
4- Com fundamento nos factos aludidos em 2 e 3, por deliberação proferida em 10 de Agosto de 2015 no âmbito do processo referido em 3, foi proposto pela CPCJ de Loures a aplicação a favor da menor I... da medida de promoção e protecção de acolhimento residencial por seis meses, o que não foi aceite pelos progenitores da menor;
5- Por despacho proferido em 18 de Agosto de 2015 no âmbito deste processo, foi aplicada a favor da menor I..., a título cautelar, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial;
6- Nesta sequência, a menor I... teve alta social do Hospital Beatriz Ângelo (onde se encontrava na situação de internamento por motivo sociais desde o nascimento) no dia 20 de Agosto de 2015, tendo sido acolhida nesse dia na instituição Ajuda de Berço, sita em Lisboa, onde se encontra até à presente data;
7- Na data do acolhimento na instituição aludida em 6, a mãe da menor acompanhou a I... mostrando-se muito ansiosa e, ao entrar na instituição, referiu, de imediato, quero cá dormir, tendo-lhe sido permitido levar a filha à cama, tendo revelado bastante dificuldade em separar-se da criança;
8- No dia 21 de Setembro de 2015, foi realizada pelas Técnicas da instituição onde se encontrava acolhida a I... entrevista psicossocial aos progenitores da menor, durante a qual a mãe da menor atribuiu como único facto para a filha ter sido acolhida não ter os bens materiais preparados para o nascimento da criança (nas suas palavras eu tinha uma cama mas faltavam peças);
9- No período temporal compreendido entre 20 de Agosto de 2015 e 5 de Outubro de 2015 os progenitores visitaram a I... na instituição de forma regular, e a mãe da menor contactou telefonicamente a instituição par saber da filha praticamente todos os dias;
10- Nas visitas realizadas à filha no período temporal aludido em 9, a progenitora da menor não demonstrou capacidade para percepcionar as reais necessidades da I..., atribuindo o seu choro ou qualquer reacção da bebé a fome, nomeadamente: na visita realizada no dia 21/08/2015 (tinha a I... 18 dias de vida), quer a mãe, quer o pai da menor queixaram-se de a criança estar sempre a dormir e tentaram acordá-la; na visita realizada no dia 03/09/2015, já tendo a mãe sido informada que a I... já tinha bebido o biberon, mal a criança chora por estar com cólicas, a mãe questiona novamente se não estará na hora da bebé comer; na visita realizada no dia 07/09/2015, estando a T... a dormir tranquila e tendo os pais sido avisados que faltariam cerca de 15 minutos para a hora do biberon, a mãe olha para as horas por diversas vezes, e, dirigindo-se à bebé, diz: tá zangada a filhota? . Oh coitadinha, ainda falta um bocadinho para comeres; na visita realizada no dia 21/09/2015, tendo sido informados que faltaria uma hora para a I... comer, a mãe da menor passa todo o tempo a dizer: estás chateada? 0 que se passa para estares chateada? Tens fominha, não é? Queres o leitinho, não é?; na visita realizada no dia 05/10/2015, a bebé tinha comido meia hora antes do início da visita dos pais, chegando à mesma a dormir, tendo tal facto sido comunicado aos pais; a mãe muda-lhe a fralda e limpa-lhe as orelhas, acabando por acordar a criança; após 55 minutos de visita, face ao choramingar da criança, visivelmente ensonada, a mãe pergunta: a que horas bebe o leitinho?;
11- Nas visitas realizadas à filha no período temporal aludido em 9, o progenitor da menor adoptou uma postura pouco colaborante, nomeadamente: apesar de pegar na I... ao colo, nunca foi por sua própria iniciativa, sendo a mãe quem colocou a bebé no seu colo; e nestes momentos, o progenitor mantinha-se a olhar para a filha, embora sem qualquer sinal de afecto para com esta;
12- Nas visitas realizadas à filha no período temporal aludido em 9, o progenitor da menor adoptou uma postura desadequada, pouco colaborante para com os técnicos da Ajuda do Berço, falando sempre com um tom irónico com estes, nomeadamente: na visita realizada no dia 21/08/2015, o progenitor disse: olha para isto, tá mais morta que viva ...ela no hospital não fazia isto; na visita realizada no dia 03/09/2015, o progenitor, dirigindo-se à filha, disse: estás numa prisão ... choras porque passas o dia deitada;
13- No período temporal compreendido entre 5 de Outubro de 2015 e 24 de Agosto de 2016, os progenitores visitaram a I... de forma regular, e a mãe da menor contactou telefonicamente a instituição, de forma frequente e regular, para saber da filha e também para relatar assuntos do seu dia-a-dia e do seu sofrimento (por exemplo, queixas sobre a ausência de suporte por parte do pai da menor; pedidos que solicitava à instituição; apresentação de projectos de vida, que depois não se concretizavam);
14- Nas visitas aludidas em 13 a mãe da menor continuava a centrar-se nos aspectos funcionais, especialmente na alimentação da filha, e o pai da menor pouco interagia com a criança, ambos proferindo comentários desajustados, e não seguindo as orientações que lhes eram dadas pelos técnicos da instituição, nomeadamente: no final da visita realizada no dia 16/06/2016, o progenitor, dirigindo-se à filha, disse: vai lá, vai para a prisão;
15- No período temporal compreendido entre 24 de Agosto de 2016 e 1 de Março de 2017, os progenitores visitaram a I... de forma regular, e a mãe da menor contactou telefonicamente a instituição, de forma frequente e diária, para saber da filha;
16- Nas visitas aludidas em 15, apesar de fazer algumas brincadeiras com a criança, a mãe da menor continuava: a centrar-se nos aspectos funcionais, especialmente na alimentação da filha, decorrendo as visitas sempre da mesma forma (com a mesma sequência: mudar a fralda, dar refeição, tentar adormecer, mesmo quando a I... tinha acordado há pouco tempo); a proferir comentários desajustados; e a não seguir as orientações que lhes eram dadas pelos técnicos da instituição;
17- Nas visitas aludidas em 15, o pai da menor pouco interagia com a criança (em vários momentos das visitas, o pai não demonstrava qualquer interesse pela criança, afastando-se da relação - centrando-se no telemóvel ou olhando pela janela - e recusava participar na prestação dos cuidados à filha, mesmo quando a mãe da menor lhe pedia ajuda);
18- Nas visitas aludidas em 15, quando a mãe estava presente, o pai da menor não estava centrado na criança (passando longos períodos a olhar pela janela, a mexer no telemóvel, ou a andar pela sala, parecendo impaciente);
19- Nas visitas aludidas em 15 que o pai da menor efectuou sozinho, o mesmo teve uma postura mais activa, embora recorresse com frequência ao telemóvel para interagir com a filha;
20- Nas visitas aludidas em 15, os progenitores da menor proferiram comentários desajustados e não seguiram as orientações que lhes eram dadas pelos técnicos da instituição, nomeadamente: na visita realizada em 27/10/2016, os progenitores da menor levaram iogurte para dar à I...; uma vez que o seu lanche (papa) já estava preparado e, inclusivamente, tinha o remédio da criança misturado, as técnicas informaram os pais que poderiam dar o iogurte na próxima visita; os pais aparentaram aceitar esta orientação, mas acabaram por dar o iogurte às escondidas (colocaram-se de costas), deixando o prato de papa cheio; na visita realizada no dia 12/11/2016, quando as técnicas levaram o almoço da I... para os pais darem, o progenitor refere: ui, vais comer esta porcaria, parece de hospital; na visita realizada no dia 14/01/2017, a mãe da menor referiu que a I... tem uma cárie (o que não se veio a confirmar), acrescentando o pai da menor: estes não devem lavar os dentes e o dentista cá de casa deve ser o sapateiro; na despedida, o pai disse à criança: vá, volta lá para a solitária, pró frio e pró escuro; na visita realizada no dia 28/01/2017, pelas 11,00 horas, os pais voltam a dar um chocolate à I... apesar de terem sido novamente sensibilizados para não lhe dar doces porque daí a pouco tempo iria almoçar; passados uns minutos, dão-lhe uma banana, acabando a criança por recusar o almoço;
21- Durante as visitas aludidas em 15 a 20, pese embora a I... aceitasse a presença dos pais, por vezes, estendia os braços à técnica que se encontrava a supervisionar, não demonstrando ansiedade ou tristeza no momento da despedida dos pais;
22- Em 20 de Março de 2017, no âmbito deste processo, foi proferida decisão homologatória de acordo de aplicação a favor da menor da medida de promoção e protecção de acolhimento residencial na Instituição Ajuda de Berço, pelo prazo de seis meses;
23- No âmbito do acordo aludido em 22, os progenitores da menor comprometeram-se a cumprir as obrigações constantes do Plano de Intervenção elaborado pela ECJ de Loures/Odivelas, a frequentar uni curso de competências parentais e a cumprir as orientações e conselhos dados pela Equipa Técnica da Ajuda de Berço;
24- Do plano de intervenção aludido em 23 constam, nomeadamente, as seguintes obrigações a cumprir pelos progenitores da menor durante os seis meses de vigência da medida ali referida: manter contactos regulares com a filha, sendo cumpridores do plano de visitas estabelecido e realizando actividades adequadas à criança; participar nos cuidados básicos da criança (alimentação, higiene); assegurar a higiene e organização da habitação onde vivem; garantir o acompanhamento médico e toma da medicação prescrita por serviço de especialidade (psiquiatria/psicologia; consulta de obesidade), bem como noutras áreas que venham a ser diagnosticadas; fazer inscrição no Centro de Emprego e pesquisa activa de ofertas de emprego, com vista à sua inserção no mercado de trabalho; informar os técnicos sobre quaisquer alterações de decorram da sua situação vivencial; comparecer nas entrevistas para as quais forem convocados;
25- Dada a não evolução da situação até à data aludida em 22, e, na sequência do acordo aí referido, foi também proposta à mãe da menor o acolhimento institucional conjunto para a mãe e para a I..., situação que a mãe da menor rejeitou;
26- Em virtude de, entretanto, ter ficado de novo grávida, foi ainda proposto à mãe da menor pelo Ponto de Apoio à Vida (associação de solidariedade social que apoia grávidas em dificuldades e que iniciou o acompanhamento da mãe da menor na sequência da sua gravidez) o seu acolhimento com a I... e com a criança que iria nascer numa casa para mães e filhos (que dispunha de vaga), tendo a mãe da menor recusado, afirmando: para mim não dá, que fico sem ele (referindo-se ao pai da menor);
27- Na sequência dos compromissos constantes do plano de intervenção aludido em 23 e 24, os progenitores da menor apenas compareceram a três das cinco sessões do curso de formação de competências parentais, tendo apresentado justificação médica para a ausência a uma das sessões e alegado dificuldades económicas para custear os transportes como justificação para a ausência à outra sessão, não tendo solicitado a frequência das sessões a que faltaram noutras datas;
28- Na sequência dos compromissos constantes do plano de intervenção aludido em 23 e 24, o progenitor da menor recusou uma oferta de formação e ajuda a nível da procura de emprego;
29- Por referência à data de 28 de Agosto de 2017, das 212 visitas à menor na instituição acordadas com a mãe, esta realizou 155, e das 133 visitas à menor na instituição acordadas com o pai, este realizou 105;
30- Nas visitas realizadas pelos progenitores à menor no período temporal compreendido entre 1 de março de 2017 e 28 de Agosto
de 2017, a mãe conseguiu prestar os cuidados funcionais à filha (alimentação, higiene) com super, são do tipo de alimentos que eram oferecidos à criança, mas revelou dificuldade em responder a outras necessidades da ilha, importantes para o seu desenvolvimento (por exemplo, o explorar e o brincar) ou para a sua segurança (por exemplo, evitar acidentes quando a I... tenta trepar);
31- Desde a data do acolhimento da menor na instituição até hoje, os progenitores da menor não demonstraram ter capacidade para assegurar a promoção de um desenvolvimento são e harmonioso para a I..., com vista a, nomeadamente: prevenir eventuais perigos resultantes da etapa de desenvolvimento em que a I... se encontra: trepar, saltar, correr; responder atempadamente e de forma coerente às necessidades da criança; cumprir, sem supervisão, as orientações relativamente à alimentação da criança ou a prestação de outros cuidados que esta necessita (por exemplo, foi sempre necessária a intervenção de quem supervisionava a visita para que a mãe conseguisse vestir a I..., uma vez que a criança se mexe bastante neste momento e o pai não demonstra qualquer interesse em apoiar a mãe na tarefa); promover um ambiente tranquilo e securizante que estimule as competências da I... ao nível cognitivo, flsico, emocional;
32- Do relatório de perícia médico-legal realizada a 9 de Março de 2017 pelo INML à mãe da I... consta - com interesse para a decisão desta causa - que:
6. Discussão/Conclusões
Rosália manteve durante o processo de avaliação uma atitude colaborante embora sugestiva de precariedade cognitiva que se reconhece, entre outros sinais, pela ausência de rigor na realização das tarefas. A elementaridade dos seus recursos pode comprometer o próprio entendimento da realidade e, consequentemente, a sua integração nos parâmetros da conformidade social. Sobre a personalidade, não se encontram indicadores de funcionamento psicopatológico, antes, porém, de cenário deficitário, afetiva e emocionalmente, em razão da grande imaturidade. Verifica-se uma ausência de vitalidade na sua dinâmica intrapsíquica, sobressaindo como importante característica a sua dependência e passividade perante o outro, principalmente os que sente como seus cuidadores, nomeadamente o companheiro.
Fracas competências para o exercício da parentalidade pela ausência de constructos educativos consistentes, seja de natureza afectiva sejam de prestação de cuidados,
7. Resposta a quesitos
Avaliar o funcionamento psicológico;
Rosália tem uni funcionamento psicológico imaturo, seja nos aspectos cognitivos, eventualmente prejudicados pela ausência de contextos sociofamiliares estimulantes, seja afectiva e emocionalmente, o que se repercute na propensão para o relacionamento dependente e na atitude passiva perante toda a variedade de estimulação.
Assim, pode afirmar-se que a característica da sua personalidade mais pregnante é, então, a imaturidade, com as inerentes incidências no funcionamento menos elaborado, com a puerilidade na abordagem da realidade e que pode traduzir-se em eventual impulsividade, porquanto não existe qualquer mediação do pensamento e o resultante insight sobre o próprio comportamento. E identificada uma aridez no universo afectivo e emocional que se reflecte na empobrecida vida relacional.
Avaliar a capacidade para o exercício das competências parentais em relação à filha.
De acordo com toda a informação exposta resulta que tem limitadas capacidades, desde logo porque são muito deficitárias as competências de vinculação e observação das necessidades da mesma, ficando comprometida a prestação de cuidados educativos em tudo o que eles importam.;
33- Do relatório de perícia médico-legal realizada a 9 de Março de 2017 pelo INML ao pai da T... consta - com interesse para a decisão desta causa - que:
6. Discussão/Conclusões
J... manteve durante o processo de avaliação uma atitude colaborante, embora sugestiva de precariedade de recursos intelectuais e sócio afectivos, que é comprometedora do seu entendimento da realidade e, consequentemente, da sua integração nos parâmetros da conformidade social.
Sobre a personalidade, não se encontram indicadores de funcionamento psicopatológico, antes, porém, de cenário deficitário,
afectiva e emocionalmente, em razão da grande imaturidade. Verifica-se uma ausência de vitalida na sua dinâmica intrapsíquica, sobressaindo como importante característica alguma conflitualidade interna mas que não tem instrumentalmente, tradução em agressividade na dimensão interpessoal. Revela fracas competências para o exercício da parent idade pela ausência de constructos educativos consistentes, seja de natureza afectiva sejam na prestação de cuidados.
Avaliar o funcionamento psicológico;
J... tem um funcionamento psicológico imaturo nos aspectos cognitivos mas também afectiva e emocionalmente, o que se repercute na avaliação idiossincrática da realidade, nomeadamente na dinâmica psicossocial. O empobrecimento afectivo e a imaturidade emocional, com tendência para a desconfiança no relacionamento interpessoal, comprometem a integração e a maleabilidade adaptativa. A fragilidade dos seus recursos pode traduzir-se em eventual impulsividade, porquanto não existe mediação do pensamento e o resultante insight sobre o próprio comportamento.
Avaliar a capacidade para o exercício das competências parentais em relação à filha.
De acordo com toda a informação exposta resulta que tem limitadas capacidades parentais, desde logo pela aridez afectiva e pelas dificuldades de compreensão e integração consistente dos princípios básicos da conformidade social, ficando comprometida a prestação de cuidados educativos em tudo o que eles importam.;
34- Os progenitores da menor demonstram afecto para com a T... e verbalizam interesse em que a menor integre o seu agregado familiar;
35- Embora a I... se mostre receptiva à chegada dos pais, não demonstra qualquer angústia com o terminus da visita, nem demonstra querer prolongá-la;
36- A menor não tem uma relação afectiva com os pais, nem os vê como figuras de referência parental, interagindo com os pais da mesma forma que o faz com qualquer adulto que lhe dê atenção;
37- Desde o nascimento da I..., os progenitores da menor apenas identificam como obstáculo para a integração da filha no seu agregado familiar a falta de condições habitacionais para o efeito (nomeadamente, a inexistência de berço e banheira);
38- No dia 22 de Agosto de 2017, as técnicas da Ajuda do Berço realizaram uma visita domiciliária à habitação dos progenitores da menor aludida em 3, tendo observado que: a habitação é de reduzidas dimensões: tem uma cozinha e outra divisão que serve de quarto e sala; as divisões estão muito cheias de móveis (cómodas, armários, uns por cima dos outros) e objectos, alguns dos quais sem utilidade aparente (por exemplo, vários relógios de parede, vários pares de óculos escuros pendurados, um alvo, um cabide com vários bonés e chapéus pendurados, duas televisões, dois fogões com forno); existe um berço de grades parcialmente montado; a cama do casal encontra-se por trás de umas cortinas/mantas presas com uma mola; e à entrada da habitação existe uma casa de banho, de tamanho reduzido (lavatório, que aparentava estar entupido naquela data; sanita e um chuveiro junto à porta);
39- Desde, pelo menos, o nascimento da menor I..., os progenitores não têm trabalho regular, encontrando-se a progenitora desempregada e o progenitor a efectuar biscates, auferindo rendimento social de inserção, no valor de € 312,00 mensais;
40- Nenhum outro familiar, além dos progenitores, visitou a menor na instituição ou procurou visitá-la;
41- Em virtude dos progenitores da menor terem referido a existência de pessoas amigas para se assumirem como alternativa ao acolhimento residencial da I..., a ECJ de Loures/Odivelas indagou da respectiva disponibilidade, tendo todas elas rejeitado a assunção dos cuidados da I..., mantendo a sua colaboração, apenas, traduzida em apoio em géneros, caso a I... viesse a integrar o agregado dos pais;
42- Não existem outros familiares ou pessoas idóneas com condições e que revelem interesse em acolher a menor.
43- A I... é uma criança curiosa e atenta, que explora activamente o espaço que a rodeia;
44- A I... tem adquirido as competências próprias para a sua idade;
45- A I... é acompanhada nas consultas de Saúde Infantil (rotina) no Centro de Saúde de Alcântara e foi seguida na especialidade de cardiologia no Hospital de Santa Cruz, tendo alta da mesma a 05/07/2017, sem necessidade de quaisquer cuidados;
46- Por acórdão proferido em 4 de Janeiro de 2007 (e transitado em julgado em 19 de Janeiro de 2007), no âmbito do processo comum que correu termos sob o no 62/04.1 GDEVR no Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o progenitor da menor foi condenado, como autor material, na prática, em concurso real, de um crime de abuso sexual de crianças e de um crime de coacção sexual, ambos na pessoa de uma sua filha por factos que foram praticados entre os 8 e os 16 anos de idade da ofendida) - irmã consanguínea da menor I... - na pena única de oito anos de prisão;
47- Os progenitores da menor têm um filho, nascido em 15 de Novembro de 2017, que se encontra institucionalizado, no âmbito de uma medida de promoção e protecção de acolhimento residencial aplicada pela CPCJP de Loures.
Ainda no âmbito do julgamento da matéria de facto declarou-se que não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão.
Sobre o aspecto jurídico da causa, na sentença ponderou-se que «dúvidas não subsistem que se encontram preenchidos os requisitos a que aludem as alíneas d) e e) do no 1 do referido art. 1978° do Cód. Civil.
Com efeito, resulta da factualidade provada, de forma manifesta, que os progenitores da menor não têm condições pessoais e habitacionais para que a I... possa viver com eles.
Na verdade, carecem os progenitores da menor, desde logo, de condições pessoais, nomeadamente, de adequadas competências parentais, para cuidar da filha de forma a promover a salvaguarda da segurança, saúde, formação, educação e o desenvolvimento da mesma», que a desadequação de integração da menor no agregado familiar dos pais não resulta apenas das condições habitacionais destes - que sempre poderiam ser ultrapassadas com a ajuda das instâncias sociais. Com efeito, como resulta do que acima de afirmou, a desadequação, para a protecção dos interesses da menor, da sua integração no agregado dos progenitores advém da falta de condições pessoais e de competências parentais dos pais da menor para o efeito,
Por outro lado, ainda, e face ao exposto, resta concluir que se encontram comprometidas seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação entre a menor e os progenitores há, certamente, muito mais tempo que os três meses que precederam o pedido de aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção - cfr. art. 1978°, n°1, ai. e) do Cód. Civil.
Revelador de que já se encontram comprometidas seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação entre a menor e os progenitores, é, por um lado, o facto de nem sequer existir uma relação afectiva entre a menor e os pais, não vendo a menor os pais como figuras de referencia; e, por outro lado, o facto de, pese embora a I... se mostrar receptiva à chegada dos pais, não demonstrar qualquer angústia com o terminus da visita, nem querer prolongá-la - v.d. Factos Provados sob os nos 35. e 36.. O que significa que, não existe entre a menor e os progenitores uma relação afectiva, cuja quebra punha em causa o bem estar da menor.
Por todo o exposto, conclui-se que nenhum dos progenitores consegue assegurar a protecção da criança, sendo evidente por parte de ambos que, sendo a criança colocada à sua guarda e cuidados, e por desinteresse da parte do progenitor e manifesta incapacidade por parte de ambos, a saúde, segurança, formação, educação e desenvolvimento global da I... seriam postos em grave perigo - cfr. arts. 1918° e 1978°, n° 1, ais. d) e e) do Cód. Civil e 3°, n°s 1 e 2, ais. c) e f) da L.P.C.J.P.
Verificam-se, desta forma, as situações previstas no citado art. 1978°, no 1, ais. d) e e) do Cód. Civil, como exigido no art. 38°-A, proémio, da L.P.C.J.P..
Acresce que, não ocorre, no caso dos autos, a situação prevista no 4 do art. 1978° do Cód. Civil, porquanto a menor não se encontrava a viver com ascendente, colateral até ao 3° grau ou tutor e a seu cargo.
Não existem outros familiares ou pessoas idóneas com condições e que revelem interesse em acolher a menor - v.d. Factos Provados sob os n°s 40. a 42..
Assim, resta reforçar que, a única medida de promoção e protecção que acautela na actualidade os interesses da menor I... é a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, nos termos dos arts. 35°, n° 1, al. g) e 38°-A, ambos da L.P.C.J.P..
Não podemos esquecer que o único interesse que urge defender e alcançar neste processo é o do superior interesse da criança, pelo que, forçoso é concluir, face a tudo o já exposto, que os progenitores da menor - pese embora demonstrem afecto e verbalizem interesse para acolher a filha -, não apresentam garantias de condições pessoais para o Tribunal decidir pela aplicação de outra medida que não seja a de medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Desta forma, cumpre, em sede de revisão, substituir a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial aplicada a favor da menor I... pela medida de promoção e protecção de confiança a instituição (nomeadamente à Ajuda de Berço, sita em Lisboa) com vista a futura adopção - cfr. art. 62°, n°s 3, al. b) e 4 da L.P.C.J.P.».
Antes de entrar na apreciação das conclusões de recurso, importa considerar que, nos termo do artigo 34° da LPCJP, as medidas de promoção de protecção visam: a) afastar o perigo em que as crianças e os jovens se encontram; b) proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
E, visto o disposto nas ais. a) a g) do n.° 2 do artigo 3° da LPCJP, deve considerar-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: a) está abandonada ou vive entregue a si própria; b) sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e) é obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; f) está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; g) assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
E, note-se, é o perigo e não o prejuízo que desencadeia a intervenção mediante medidas de promoção e protecção.
A medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, aplicada na decisão recorrida, visto disposto nos artigos 35°, al. g), e 38°-A da LPCJP, consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de instituição com vista a futura adopção e é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978° do Código Civil.
São situações, como se prescreve nas ais. a) a e) do n.° 1 desse artigo 1978°, que revelam a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação porque: a) o menor é filho de pais incógnitos ou falecidos; b) houve consentimento prévio para a adopção; c) os pais abandonaram o menor; d) os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor; e) os pais do menor, acolhido por um particular ou por uma instituição, revelaram manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
Claro que essas situações só relevam porque, de acordo a exigência geral, supõem ainda uma situação de perigo para o menor, como recorda o n.° 3 desse artigo para aquelas dessas situações em que o perigo para o menor não é aparente.
As situações descritas naquelas alíneas, exactamente porque só relevam quando remetem o menor para uma situação de perigo, revelam-se, como se acentua no n.° 2 desse artigo 1978°, em função dos superiores direitos e interesses do menor.
Revelam-se portanto, ponderando o disposto nos artigos 1878°, n.° 1, e 1885°, n.° 1, do Código Civil, mediante verificação sobre se estão acautelados ou infringidos os direitos do menor que se destinam a assegurar a promoção e a realização da sua segurança, saúde, sustento, educação, afinal o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Assim a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação configura-se como primeiro pressuposto indispensável para a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção - vd. a propósito Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, volume II, 3° edição, tomo I, pg. 279.
Por isso, a propósito da possibilidade de integração na família biológica, ou seja da aplicação da medida preconizada pela recorrente, cumpre ponderar que a existência de vínculos afectivos próprios da filiação se configura como um pressuposto necessário de tal integração.
Com efeito não há integração familiar a realizar quando, no seu âmago mais distintivo, inexiste a relação paternal e filial.
E importa considerar que essa relação significa para o filho satisfação das necessidades básicas, das necessidades de afecto, confiança e segurança, organização de um ambiente familiar estruturado, organização de m ambiente familiar positivo e estimulante, supervisão e disciplina positiva.
Como, por outro lado, é a omissão da demonstração da realização desse comportamento, ou a omissão da demonstração de determinação e empenho na realização desse comportamento, que revela a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação.
A recorrente, com as conclusões da alegação de recurso, coloca, em resumo, a questão da verificação do requisito de inexistência ou de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação.
Pretende a recorrente que tal requisito não se verifica para concluir pela inadequação da medida estabelecida na decisão recorrida e pela adequação da medida que preconiza seja aplicada.
Argumenta, para fundamentar tal pretensão, que os factos evidenciam o interesse da recorrente em acolher a sua filha e o esforço efectivo que fez para o conseguir, que a adaptação da menor à realidade da instituição, e não a inexistência de relação afectiva com os seus progenitores, explica que, embora receptiva à chegada dos pais, não demonstre qualquer angústia com o termo da visita, ou que não demonstre interesse no prolongamento da visita, porque já se convenceu que com choros ou birras não alcança esses resultados.
Sucede que menor, desde que nasceu, vive em meio institucional.
Após o nascimento, em 3/8/2015, apenas saiu da maternidade para, em cumprimento da respectiva decisão judicial, ser acolhida, em 20/8/2015 na instituição em que se encontra, acolhimento institucional que, por decisão de 20/3/2017, se mantém.
Este percurso mostra que a recorrente não só se revelou avessa à aquisição de competências pessoais, sociais e parentais para se reunir com a menor, como mostra que se gorou a oportunidade da recorrente adquirir essas competências indispensáveis para atingir a reunificação familiar com a menor.
A recorrente recusou acolhimento institucional conjunto com a menor, ocasião relevante para nessa situação se centrar na obtenção de tais competências, recusou, quando, entretanto, ficou grávida, nova proposta de acolhimento desde logo com a menor e, posteriormente, com a criança de que estava grávida, em casa especializada, que então dispunha de vaga, em acolhimento para mães e filhos.
E assim, se as condições socio-económicas da recorrente são más, não deixa de ser certo que a sua incapacidade emocional e social lhe não permite manter a menor fora da vivência institucional.
Essa sua incapacidade não lhe permite situar no plano de desenvolvimento da sua vida a salvaguarda do bem-estar e a segurança da menor, não lhe permite proporcionar à menor um ambiente seguro, promotor do seu bem estar e saudável desenvolvimento.
Não é difícil, mantendo a menor em ambiente institucional, passando a terceiros os cuidados atinentes à promoção do bem estar e saudável desenvolvimento da menor, verbalizar interesse em que a menor integre o agregado familiar dos progenitores e demonstrar afecto para com a menor - cfr. ponto 34 supra.
A propósito, não se pode deixar de constatar, visto o disposto no artigo 341° do Código Civil, que a afirmação de demonstração de afecto não é senão a afirmação de uma conclusão destituída de factos ilustrativos da respectiva realidade.
E se é inegável que a frequência das visitas é importante, é relevante na aquisição ou restauração da interacção própria de mãe e filha, ainda mais relevante e importante é que as visitas sejam acompanhadas de empenhamento na construção de projecto de vida familiar inclusivo da menor.
Sem a conjugação desta faceta, as visitas não revelam senão compromisso com um projecto institucional de vida para a menor. Por sua vez a menor, ao contrário do que a recorrente alega, não está adaptada à realidade da instituição, está adaptada à realidade da sua institucionalização.
É esta perspectiva que o estado emocional da menor patenteia muito simplesmente pela circunstância da menor deixar, sem angústia, a visita da recorrente.
Daqui a revelação de que a menor não tem vínculos afectivos, próprios da filiação, com a recorrente, ou também, aliás, com o progenitor.
A inexistência de vínculos afectivos próprios da filiação na perspectiva da menor para a recorrente supõe e demonstra a inexistência de vínculos afectivos próprios da filiação na perspectiva da recorrente para o menor.
Não fora a intervenção institucional, pelo comportamento dos progenitores revelador de omissão de cuidados e afeição adequados e propiciadores ao bem estar e saudável desenvolvimento da menor, resultante da sua manifesta incapacidade e manifesto desinteresse pela menor, convertido em inexistência de vínculos afectivos próprios da filiação, estaria a menor sem ter assegurada a promoção e a realização da sua segurança, saúde, sustento, educação, afinal o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Este quadro resolve-se, não pela situação prevista no artigo 35°, n.° 1, al. a), da LPCJP, mas pela situação prevista nos artigos 1978°, n.°1, als. d) e e), do CC, e 3°, n.° 2, als, b), 1° parte, c) e f), e 35°, n.° 1. al. g), da LPCJP.
III
Pelo exposto julgam improcedente o recurso e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Sem custas: artigos 105°, n°1, da LPCJP e. 4°, n.° 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais.
Processado em computador.
Lisboa, 20-03-2018
José Augusto Ramos
Manuel Marques
Pedro Brighton