1 - O Artigo 1887.°-A, do Código Civil, estabelece um direito de convívio entre avós e netos em nome das relações afetivas existentes entre certos membros da família e do auxílio entre gerações.
2 - O convívio entre avós e netos permite uma integração numa família mais alargada, promove a formação e transmissão da memória familiar e do sentido de pertença, fortalece recíprocos laços de afetividade, correspondendo, presumidamente, a um benefício em termos de desenvolvimento e formação da personalidade das crianças, direito que se encontra consagrado constitucionalmente (cfr. artigos 26.°, n.° 1, 68.°, n.° 1, e 69.°, n.° 1, da CRP).
3 - Se existem obstáculos, seja qual for a sua origem, a que o estabelecimento de uma relação afetiva entre as crianças e a avó ocorra de forma tranquila e psicologicamente recompensadora para estes últimos, os desideratos acima referidos não são alcançados, e, ainda que a avó persista na vontade de ver consagrado o direito a conviver com os netos, tal pretensão está votada ao insucesso por não ser esse o interesse prevalecente, ou seja, o das crianças.
Proc. 3382/11.5TBVFX-A.L1 1ª Secção
Desembargadores: Maria Adelaide Domingos - Ana Isabel Pessoa - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Processo n.° 3382/11.5TBVFX-A.L1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira - J2 Apelantes: A... e H... Apelada: M...
Sumário:
1. O Artigo 1887.°-A, do Código Civil, estabelece um direito de convívio entre avós e netos em nome das relações afetivas existentes entre certos membros da família e do auxílio entre gerações.
2. O convívio entre avós e netos permite uma integração numa família mais alargada, promove a formação e transmissão da memória familiar e do sentido de pertença, fortalece recíprocos laços de afetividade, correspondendo, presumidamente, a um beneficio em termos de desenvolvimento e formação da personalidade das crianças, direito que se encontra consagrado constitucionalmente (cfr. artigos 26.°, n.° 1, 68.°, n.° 1, e 69.°, n.° 1, da CRP).
3. Se existem obstáculos, seja qual for a sua origem, a que o estabelecimento de uma relação afetiva entre as crianças e a avó ocorra de forma tranquila e psicologicamente recompensadora para estes últimos, os desideratos acima referidos não são alcançados, e, ainda que a avó persista na vontade de ver consagrado o direito a conviver com os netos, tal pretensão está votada ao insucesso por não ser esse o interesse prevalecente, ou seja, o das crianças.
Acordam na 1.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1-RELATÓRIO
M... intentou, em 14 de maio de 2015, ao abrigo do artigo 210.° da Organização Tutelar de Menores, então
vigente, processo tutelar comum', contra A... e H..., pais dos menores J... e J..., seus netos maternos, requerendo que lhe seja reconhecido o direito de estar com os netos, fixando-se o respetivo regime de convívio, sem necessidade do presença dos requeridos, como estes pretendem.
Alegou para fundamentar a sua pretensão, em suma, que sempre manteve um contato próximo com os mesmos, até ao dia em que, sem motivo que o justificasse, os progenitores das crianças passaram o evitar os convívios, impedindo-a de aceder aos netos e de conviver regularmente com eles e impondo, como condição para os contactos, que sejam tidos apenas sob a sua vigilância.
Citados, os requeridos sustentaram, entre o mais, que a requerente é desequilibrada, obsessiva e sufocante para com as crianças, com o que contribui para a instabilidade emocional das mesmas.
Em conformidade, pugnaram, a final, pelo indeferimento integral do pedido, por manifestamente infundado e pela proibição da requerente estabelecer quaisquer contatos com os menores, pelo menos até que receba o devido tratamento clínico.
Foram realizadas várias diligências com vista a solucionar o litígio de forma consensual, designadamente, audição da requerente e requeridos (fls. 69-71), tomada de declarações aos menores na presença de técnica especializada da ISS (fls. 265-266), suspensão da instância para audição técnica especializada (fls. 269), que se realizou como consta de fls. 287-292, conferência com a requerente e requerido (fls. 309-310), mas sem resultado positivo.
Foi realizada uma perícia à requerente com vista a «aferir se sofre de alguma patologia e, na positiva, se a mesma interfere negativamente no relacionamento com os netos e em que medida», cujo Relatório Pericial Psicológico se encontra a fls. 132-144.
Requerente e requeridos foram notificados para apresentarem alegações e arrolaram prova ao abrigo do artigo 39.°, n.° 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), que, entretanto, entrou em vigor.
A requerente apresentou o requerimento de fls. 321-355, onde juntou vários documentos, entre eles, um Relatório de Avaliação Psicológica realizada a seu pedido, em março de 2014, que consta de fls. 340-344.
Os requeridos apresentaram o requerimento de fls. 360-372.
Foi realizado julgamento, em várias sessões, onde requerente e requeridos prestaram declarações de parte (fls. 390-391), foram ouvidos os menores (fls. 392), ouvidas várias testemunhas arroladas pela requerente (fls. 395-398, 402, 404) e pelos requeridos (fls. 405).
Em 08/01/2018 (Ref.' 135857890- fls. 407-436) foi proferida sentença, que julgou a ação procedente e fixou um regime de convívio entre a avó/requerente e os netos, abrangendo fins-de-semana, férias de Natal e da Pascoa e férias de Verão, sendo o mesmo acompanhado, nos dois primeiros meses, pela bisavó materna ou, na impossibilidade desta, por um familiar (primo), Paulo Daniel Marques.
Mais decretou uma sanção pecuniária compulsória de €100,00 por cada dia, após a notificação da sentença, que os requeridos deixem de facultar à requerente a companhia dos netos, revertendo a mesma exclusivamente a favor do Estado.
Encontra-se documentado nos autos a fls. 437-439, 451-459, 454-455, 460-466, 470-473, 475-478, vários requerimentos da requerente e dos requeridos e um do Sr. Paulo Marques, que evidenciam que não foi possível dar cumprimento ao ordenado na sentença.
Em 09/02/2018 (fls. 421-501) os requeridos interpuseram recurso da sentença, pedindo a sua revogação.
Respondeu a requerente (fls. 506-515), em sentido oposto.
Também o Ministério Público respondeu às alegações dos recorrentes (fls. 517-520), pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 521, como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Os autos foram remetidos a esta Relação de Lisboa.
Por despacho da Relatora proferido em 23/03/2018, foi atribuída urgência aos autos durante as férias da Páscoa do corrente ano.
Foram colhidos os vistos.
Conclusões da apelação:
O Tribunal a quo ao ter decidido o regime de visitas forçando os menores a visitar a Avó não teve em consideração:
1. O superior interesse dos menores não dando relevância à opinião destes;
II. Os critérios subjacentes à aplicação da sanção pecuniária compulsória, nomeadamente a moralidade e a eficácia da mesma, uma vez que a prestação de facto (entrega das crianças) não se encontra ao alcance dos Recorrentes como acima foi referido;
III. O relatório do INML que afirma, entre outras coisas, que a Avó materna é manipuladora e obsessiva;
IV. O relatório da Audição Técnica Especializada, que vincou a falta de autocrítica da Recorrida, imputando nos outros a obrigação de mudança;
V. O regime de responsabilidades actualmente estabelecido, ficando a avó com iguais ou mais direitos que a mãe;
VI. A legislação ordinária, extraordinária, constitucional e convenções internacionais que obrigam o Estado Português relativamente aos menores;
VII. Nomeadamente, foram violados os artigos 69° n° 1 da Constituição da República Portuguesa e 1878.° n° 2 do Código Civil.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.°, n.°s 3 e 4, 639.°, n.° 1 e 608.°, n.° 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.°, n.° 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- Do erro de julgamento quanto à prova produzida;
- Da não atendibilidade do superior interesse dos menores em causa nos autos e da violação dos normativos citados pelos apelantes;
- Da falta de critérios e eficácia da aplicação da sanção pecuniária compulsória.
B- De Facto
A 1.ª instância fundamentou a decisão com base na seguinte matéria de facto:
FACTOS PROVADOS
1. J... nasceu em 04/11/2004, é filha dos Requeridos e neta materna da Requerente - doc: de fls. 18 dos autos principais.
2. J... nasceu em 24/08/2006, é filho dos Requeridos e neto materno da Requerente - doc. de fls. 21 dos autos principais.
3. Durante a infância da Joana e do João, em período não concretamente apurado mas quando estes tinham cerca de 2 e 3 anos (no período de 2007 a 2009), a Requerente ajudou a tomar conta dos netos, na casa dos Requeridos - fls. 160 e 390.
4. O que aconteceu pelo menos 2 vezes por semana, em períodos de 2 a 3 horas.
5. Para o efeito, o Requerido ia buscar a Requerente ao local de trabalho desta, que saía na hora do almoço e ia para casa dos Requeridos - onde tratava da casa e dos netos.
6. A Requerente opinava amiudadamente sobre a vida do casal e a educação dos netos, o que motivou frequentes discussões entre os Requeridos.
7. Desde tenra idade, ambas as crianças passaram fins-de-semana e férias na casa da Requerente - em Lisboa e na casa de praia que esta tem em Sesimbra.
8. O João dizia à Requerente que na casa da avó dormia sonos grandes e gordos - fls. 390.
9. O marido do Requerente, que conhece as crianças desde que nasceram, tratava a Joana e o João por netos e eles tratavam-no por avô, sendo também carinhosamente tratado pelo João por ovelha Choné úrzgura da banda desenhada).
10. Os Requeridos separaram-se em 2010 e voltaram o residir juntos em Setembro de 2012 - fls. 371 dos autos principais.
11. Durante a separação, as crianças alternaram a residência com ambos os progenitores, tendo a progenitora ficado a residir na segunda casa do casal, em Alvalade.
12. Em 2010/2011, as crianças frequentaram uma escola em Alvalade.
13. Na qual a Requerente ficou inscrita como Encarregada de Educação de ambos.
14. Durante o período inicial da separação, e até Maio de 2011, nas semanas em que os netos ficavam com a mãe, a Requerente prestava todo o apoio necessário à filha e aos netos - fls. 371 e 388 dos autos principais.
15. Preparava os pequenos almoços dos netos, ajudava-os o vestir, levava-os à escola, ia buscá-los à escola e cuidava deles até à hora de deitar - fls. 371 e 387 dos autos principais.
16. As crianças mostravam-se felizes quando estavam com a avó.
17. Como os netos passavam muito tempo consigo, a Requerente adoptou a sua casa e criou um quarto exclusivamente para eles e uma zona de brinquedos próprios par as suas idades - fls. 387 dos autos principais.
18. Em Maio de 2011, a Requerente deixou de poder contactar os netos no escola e de dali sair com eles.
19. Então, passou a ficar na grade da escola, à espera dos intervalos para os ver e estar com eles.
20. Os funcionários tinham pena e tiravam fotografias aos menores, que lhe entregavam para ela ver, e levavam-lhes os lanches que a avó lhes trazia.
21. As crianças faziam desenhos com dedicatórias à avó, que os funcionários da escola não mostravam inteiramente a esta para evitarem aumentar o seu sofrimento.
22. A Requerente e a Requerida tiveram, quase sempre, uma convivência difícil, marcado por um historial de discussões.
23. Actualmente, não se falam - fls. 390.
24. Os Requeridos decidiram separar-se em Novembro de 2014, tendo a situação evoluído para o divórcio que ocorreu em 20/01/2015.
25. Após a separação, a Requerente ajudou financeiramente a Requerida - designadamente depositando cerca de €400,00 por mês, para pagamento do mútuo bancário contraído por ambos os Requeridos para a compra da fracção autónoma de Alvaiade, pertencente a ambos e que a Requerida passou o habitar após a separação do casal.
26. Em 01/12/2014, a Requerida efectuou uma transferência interbancária no valor de €2.500,00, o favor de D... - doc. de fls. 187.
27. Após, a Requerente comprou uma viatura Nissan Qashqai, que passou a ser usada pela Requerida - designadamente para ir trabalhar e para transportar os filhos de e para a escola, de e para as actividades extracurriculares e nos fins-de-semana de e para o pai.
28. Após a separação, o Requerido permaneceu na casa que foi morada de família, em Póvoa de Santa Iria, e a Requerida passou a habitar a outra casa do casal sita em Alvaiade, Lisboa.
29. A Joana e o João ficaram o residir com o pai na casa do Póvoa durante a semana, por ser aquela que se encontrava próximo da escola que frequentavam, dos amigos e dos locais onde exerciam as actividades extracurriculares.
30. Os fins-de-semana eram passados com a mãe.
31. Nesses fins-de-semana, a Requerente ajudou a Requerida nos cuidados aos netos.
32. Durante esse período, por diversas vezes pernoitaram no caso da Requerente, que lhes proporcionou alimentação, afecto e lazer - fls. 391, docs. delir. 18 041.
33. O processo principal de que este é apenso, que correu com igual objecto e sujeitos, foi intentado pela Requerente Tem 09/06/2011 e findou em-0.810112015 na sequência de desistência da instância que foi aceite pelos Requeridos, tendo então (f1s.412):
a) a Requerente acrescentado que há cerca de 3 meses reaproximou-se da filha, encontrando-se esta e os menores a residir na sua casa, após a mesma se ter separado do marido ;
b) a Requerida acrescentado que aquele processo nunca devia ter existido ', pois que no conflito entre os adultos, do qual assume a sua parte de culpa, só os menores saíram prejudicados .
34. Após, a Requerida reclamou a devolução dos €2.500,00 referidos em 26., a Requerente deixou de pagar as prestações relativas ao mútuo bancário referido em 25. e retirou à Requerida a utilização do Nissan Qashqai referido cm 27. -fls. 185.
35. A Requerente e Requerida desentenderam-se, designadamente por causa dos €2.500,00 que a última entendia serem-lhe devidos.
36. A Joana e o João deixaram de conviver com a Requerente desde Abril de 2015, por ocasião da Páscoa, após um desentendimento entre a Requerente e a Requerida quando a Requerente se encontrava com os netos na casa de Sesimbra.
37. A partir dessa data, os Requeridos disseram à Requerente que apenas autorizavam contactos desde que eles próprios estivessem presentes - imposição que a Requerente não aceitou.
38. Por essa ocasião, a Requerente remeteu ao Requerido diversos sms, nos quais se referiu, entre o mais, ao desequilíbrio emocional da Requerida e à violência e crueldade de ambos os Requeridos por privarem as crianças de estarem com a avó - fls. 169.
39. O presente apenso foi intentado em 14/05/2015 -fls. 13.
40. Na sequência de requerimento da Requerente datado de 30/06/2015, em 07/08/2015 o Tribunal autorizou que a Joana e o João passassem com a Requerente uma semana de férias, a fixar entre 10 e 31 de Agosto -fls. 61 e 83.
41. Notificado do despacho por elemento da PSP, o Requerido respondeu ao mesmo que não concordava com a decisão e que não entregaria as crianças à Requerente – doc. de fls. 105.
42. A Requerente foi submetida a perícia psicológica no âmbito dos autos principais, em 2013, tendo o Relatório do INML concluído, entre o mais, que apresentava (fls. 289-301 dos autos principais, 172-184 do apenso A):
a) ausência de qualquer patologia psíquica;
b) uma estrutura de personalidade que potencia formas de desajustamento e dificuldades nas relações interpessoais;
c) fragilidade na capacidade de se organizar, planear e controlar o comportamento em função das percepções e experiências vividas;
d) baixa capacidade de diferir a gratificação - o que frequentemente se traduz numa falta de reserva ou recuo na apreciação da realidade objectiva;
e) pensamento prolixo e com pouca capacidade de síntese, tornando-se por vezes difícil de seguir um fio condutor e inclui conteúdos obsessivos focalizados na filha e nos netos;
f) personalidade egocêntrica, ingénua e carecendo de insight sobre si própria e sobre as suas relações pessoais, as quais tendem a ser manipulativas com vista a satisfazer necessidades pessoais;
g) muito persistente, é susceptível e ressentida e tende a projectar nos outros a hostilidade e a culpa como forma de expressar a agressividade, ao mesmo tempo que assume atitudes infra-punitivas;
h) devido à reduzida autocrítica sobre as suas motivações pessoais, surpreende-se com a reacção dos outros face ao seu padrão de comportamento e culpa-os pelas dificuldades sentidas;
i) conflito latente de dependência-independência, associado a sentimentos abandónicos e de perda, que tenta compensar através de uma dedicação intensa à filha (no passado) e aos netos (actualmente).
43. Em avaliação psicológica efectuada à Requerente e a seu pedido, em 06/03/2014 foram apresentadas as seguintes conclusões (fls. 319 a 323 e 361 dos autos principais, 340 a 345 do apenso A):
a) ausência de psicopatologia severa,
b) ausência de perturbação das funções cognitivas;
c) ausência de perturbação da personalidade;
d) quadro de perturbação distímica (depressão com instalação progressiva) consequente a stress emocional continuado (desespero aprendido), potencialmente associado com as dificuldades sentidas pela Requerente no quadro familiar, especialmente geracional - actualmente em regressão e que se manifesta por elevada tristeza ou cansaço, sem afectação das capacidades para as funções de avó e sem qualquer perigo para terceiros.
44. A Requerente não se relaciona com a generalidade da família do actual marido, D....
45. Em Sesimbra, onde tem uma casa de férias junto à praia há cerca de 15 anos e onde passa amiudadas férias e fins-de-semana, dá-se bem com as pessoas daquela comunidade e é recordada como uma avó carinhosa e cuidadosa para com os netos.
46. A Requerente sinalizou repetidamente à CPCJ que os netos se encontravam numa situação de perigo por patologias do foro mental da Requerida (sociopatia e borderline) - tendo o procedimento sido arquivado por ausência de perigo e não reaberto por idêntico razão.
47. Quando a Joana disse que gostava de ballet, a Requerente inscreveu-a em aulas de dança - e, apesar de as aulas decorrerem à porta fechada, a Requerente ficava a assistir pelo espelho.
48. Por diversas vezes, a Requerente foi à Escola frequentada pelas crianças, a fim de estar com as mesmas.
49. O que fez sem o prévio conhecimento nem consentimento dos Requeridos.
50. Em 12/06/2017, cerca das 10:20 horas, a Requerente interpelou a Auxiliar de Portaria da Escola Aristides de Sousa Mendes, sita na Póvoa de Santo Iria, e pediu-lhe que fosse chamar o João.
51. Após a vindo do neto, a Requerente abraçou-o e o João começou a chorar - flr. 310.
52. Após, chegou a Joana e disse à Requerente que já calculava que era ela e que não devia estar ali na escola - ibidem.
53. Após, sentindo que os menores ficavam emocionalmente desestabilizados (a que associou à proibição de contactos com a avó), a Requerente deixou de procurá-los -fls. 289.
54. Confrontado, na Audição Técnica Especializada, com a possibilidade de os netos reagirem negativamente à reaproximação, respondeu que então têm de ser tratados - doc. delir. 290.
55. A Requerida é Assistente Dentária nos Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas - SAMS/SBSI- doc. de fls. 81.
56. Em Outubro de 2014, auferia o vencimento base mensal de cerca de €640,00 - fls. 373 dos autos principais.
57. Não fala com a Requerente nem se relaciona com a generalidade dos membros da família materna.
58. O Requerido é Programador Informático na Ordem dos Enfermeiros - docs. de fls. 78 e 79.
59. Em Outubro de 2014, auferia o vencimento base mensal de cerca de €1.870,00 -fls. 373 dos autos principais.
60. Não fala com a Requerente - fls. 391.
61. Em 12/07/2016, em sede de conferência, a Joana e o João disseram, entre o mais, que (fls. 265 e 266):
a) não gostam muito da avó materna, compra muitos presentes e dá muitos beijinhos,
b) a avó materna quer comprar a amizade com prendas;
c) não querem passar as férias com a avó materna;
d) a avó materna compra-lhes presentes para ficarem em sua casa;
e) a avó materna chama nomes aos pais,
f) a avó materna vai à escola e ficam envergonhados com isso;
g) não querem que a avó materna vá com eles a nenhum sítio;
h) a avó materna quer ficar com eles sem que os pais estejam por perto;
i) a situação é perturbadora;
j) queriam que todos se dessem bem e
k) a avó disse para dizer à Dra. Juiz que gostavam muito dela e que queriam ficar com ela nas férias sem os seus pais.
62. Em 21/11/2017, em sede de julgamento, disseram ainda, entre o mais, que (f1s.392):
a) não querem contactos com a avó - a Joana admitiu-os, mas apenas na presença do pai ou da mãe;
b) sentem-se envergonhados com os comportamentos da avó na escola, que mostra fotografias suas de quando eram pequenos e
c) o João, que se sente muito protector de sua mãe.
FACTOS NÃO PROVADOS
1. À progenitora foram diagnosticados diversos problemas psíquicos - nomeadamente perturbação da personalidade, bordei-tine, sociopatia, depressões ocasionais e episódios de anorexia.
2. A Requerida abandonou os filhos em Novembro de 2014, por ter encetado uma relação com outro homem.
3. Porque lhe convinha pelas razões que antecedem e também por razões económicas, a Requerida forjou uma aproximação à Requerente.
4. Nesse período, a Requerida deixava sempre os menores a pernoitar na casa da Requerente, apenas lá comparecendo nas horas das refeições.
5. Por vezes deixava-se ficar um pouco, adormecendo enquanto a Requerente cuidava dos menores.
6. Nesse período, a Requerente passou a prestar todos os cuidados aos netos nos fins-de-semana que estes haveriam de passar com a mãe - e com quem não passavam por a mesma se dedicar à nova relação amorosa.
7. A Requerente suportou as despesas com o vestuário da Requerida e dos menores.
8. A transferência de €2.500,00 que a Requerida fez em 01/12/2014 destinou-se a ajudar a Requerente na compra de uma viatura nova.
9. Tendo ficado acordado que esse valor seria restituído à Requerida quando esta encontrasse para si uma viatura em segunda mão.
10. A Requerente comprou o Nissan Qashqai referido em 27. com a ajuda dos €2.500,00 da Requerida.
11. Por via de regra, quando o Nissan Qashqai foi usado pela Requerida, foi a Requerente quem o abasteceu de combustível.
12. A Requerida referiu à Requerente que desde que me conheço por gente que sempre te odiei e te detestei, o simples_ acto de te ver me põe doente, eu estava bem de saúde comecei a ver-te já estou doente, mas isto não é nada desta vida, é de vidas passadas.
13. Vendo o ódio da Requerida contra a Requerente, os menores choram e gritam e a Joana manifestou-se já por diversas vezes dizendo Mãe tu odeias-me. Tu odeias-me a mim e ao João. Estamos tão pouco tempo contigo e tu fazes sempre coisas para tudo acabar mal.
14. Desde os 3 anos de idade, a Joana diz que se sente sozinha porque a mãe não toma conta dela mesmo quando está doente.
15. A Joana sente que não tem o afecto da mãe.
16. A Requerida tem violentos ataques de choro e nesses momentos pede aos filhos que a ajudem.
17. Nessas ocasiões os menores sofrem manifestando choro e gritos, ficando completamente baralhados e não percebendo como reagir.
18. E, perguntando à mãe o que se passa, a mesma responde dizendo Eu estou com o período e as mulheres quando estão com o período ficam assim .
19. Quando interpelada no sentido de não serem conversas próprias para crianças da idade dos menores, responde que a vida é assim e que os filhos têm de perceber isso desde pequenos.
20. As declarações dos menores na conferência de 12/07/2016 foram proferidas sem que os Requeridos os tivessem instruído nesse sentido.
21. Em 03/06/2016, a Requerente ligou paro o trabalho do Requerido com vista a chegar à fala com um superior hierárquico deste e, acabando por falar com uma colega sua, afirmou que o Requerido é uma pessoa má, pessoa de poucos es yrpii/os e que lhe estava a fazer mal a si e aos seus meninos.
22. Tal situação causou ao Requerido desconforto e constrangimento, porquanto se viu na contingência de dar explicações da sua vida pessoal.
23. Em 07/06/2016 a Requerente, acompanhado do marido e de uma Auxiliar da escola anteriormente frequentada pela Joana, interpelaram a Joana num intervalo escolar.
24. No decorrer da conversa, a Requerente disse à Joana que iria ser ouvida por uma Juíza e pressionou-a para détierà Juíza que adoras a avó mais do que a todos na família.
25. E prometeu-lhe comprar tudo o que tu quiseres se disseres à Juíza o que a avó te está a pedir.
26. Em 08/06/2016, a Requerente voltou a interromper o intervalo da manhã da Joana e
instou-a novamente a dizer no Tribunal que gostas muito da avó e que queres estar com ela.
27. A Joana ficou atemorizada e emocionalmente desestabilizada.
28.Em 12/06/2017, quando a Requerente pediu ao Auxiliar de Portaria da Escola Aristides de Sousa Mendes que fosse chamar o João, deu como pretexto que lhe pretendia entregar material escolar que aquele se tinha esquecido de levar.
29. Por essa altura, os menores preparavam-se para realizar a prova de Aferição do 5° ano de Matemática.
30. Quando foi confrontado com o chamamento, o João entrou imediatamente em estado de ansiedade e grande nervosismo.
31. Por lhe ter sido dito que a avó estava ao portão para lhe entregar o referido material, o João dirigiu-se para esse local acompanhado de uma colega de turma.
32. Lá chegado, foi imediatamente interpelado pela Requerente, que num rompante saiu da portaria onde estava com o Auxiliar e se dirigiu ao neto agarrando-o contra a sua vontade.
33. Surpreendido com esta atitude da Requerente, o João tentou libertar-se - o que não conseguiu.
34. Ao aperceber-se da situação, a colega que o tinha acompanhado decidiu chamar a Joana, que logo se apressou a ir em auxílio do irmão, gritando pelo caminho para que a Requerente o soltasse.
35. Ali chegada, a Joana ajudou o João a soltar-se da Requerente, após o que os dois fugiram daquele local visivelmente assustados e perturbados, em direcção à sala de aula.
36. Como consequência da atitude da Requerente, os menores ficaram muito transtornados
- circunstância agravada pelo facto de se prestarem para realizar a referida Prova de Aferição.
37. Por essa razão, foram acalmados pelos colegas, pela professora e pelo coordenador da escola.
38. Este último foi chamado ao local, vendo-se as crianças na contingência de terem de explicar a situação a todos.
39. Posteriormente confrontado pelo Porteiro com os motivos da sua atitude, a Requerente admitiu que tinha mentido e que tudo não tinha passado de uma invenção para estar com as crianças.
40. Após ter sido convidada a sair da escola, a Requerente permaneceu nos seus arredores durante cerca de 1 hora.
41. Por causa dos comportamentos do Requerente, o Requerido foi chamado à escola para prestar esclarecimentos.
42. A Requerente persegue os Requeridos de e até os seus locais de trabalho - dirigindo-lhes nomes inclusivamente à frente dos menores.
43. A Requerente interpelou a Requerida no seu local de trabalho apenas e só para a atormentar, esperando por ela à saída, obrigando-a uma vez a pedir boleia a uma colega e outra a sentar-se no interior de um café durante mais de 2 horas, até ter a certeza de que a Requerente se tinha ido embora.
44. O marido da Requerente é bipolar e é acompanhado clinicamente.
III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
1. Do erro de julgamento quanto à prova produzida
Os apelantes alegam que não se conformam com a apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo, designadamente prova testemunhal, depoimentos das partes, declarações dos menores, prova documental, que, na sua opinião, deveria levar a decisão muito diferente da proferida.
Porém, da leitura integral do corpo das alegações e das conclusões o que se constata é que os apelantes, realmente, não impugnam a decisão de facto, centrando a sua discordância, é certo, na interpretação dos meios de prova referidos genericamente, ou concretizados em certas passagens das alegações, mas nada dizem no sentido de quais são os factos que foram dados como provados e não deveriam ter sido, ou vice-versa. O que se verifica, pois, é que a discordância acaba por se reconduzir à não aceitação da sentença proferida.
Ora, a impugnação da decisão sobre a decisão de facto encontra-se sujeita aos ónus previstos no artigo 640.° do CPC 2013, aplicável ex vi do artigo 33.°, n.° 1, do RGPTC.
Os apelantes não cumpriram, desde logo, o ónus de indicação dos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, pelo que também não indicaram decisão que, em seu entender, se impunha sobre esses pontos de facto (cfr. alíneas a) e c), do n.° 1, do artigo 640.° do CPC). A omissão da concretização dos pontos de factos em sede de conclusões das alegações (sendo que no caso, também não consta do corpo da alegação) constituiu motivo de rejeição da impugnação da decisão de facto, independentemente de os demais requisitos do normativo em análise se encontrarem ou não acatados.
A razão prende-se, essencialmente, com a função essencial na definição do objeto do recurso: é que, para além de o delimitar, balizando os poderes de cognição do Tribunal de 2.a instância, também tem a função de permitir o real e efetivo exercício do princípio do contraditório pela parte recorrida. Compreende-se, assim, que faltando essa concretização, o legislador tenha optado por sancionar o não cumprimento do referido ónus com uma medida gravosa para o recorrente, ou seja, com a rejeição da impugnação.
Em face do exposto, rejeita-se a impugnação da decisão de facto ao abrigo do n.° 1 do artigo 640.° do CPC.
Consequentemente, o mérito da sentença nos aspetos acima referidos, afere-se em função dos factos dados como provados pela 1.ª instância.
2. Da não atendibilidade do superior interesse dos menores em causa nos autos e da violação dos normativos citados pelos apelantes
Esta argumentação dos apelantes corresponde ao aspeto fulcral em apreciação neste recurso.
A sentença recorrida não deixou (nem poderia deixar) de invocar o superior interesse dos menores em causa nestes autos, para fundamentar as medidas decretadas. Para a mesma remetemos quando alude aos instrumentos internacionais e nacionais que plasmam como critério em matéria de direitos das crianças, o superior interesse das mesmas.
Mas, como é bom de ver, a questão não se coloca em termos abstratos, mas sim em termos concretos, ou seja, no caso em apreciação, em face das particularidades do mesmo, o superior interesse destas crianças fica assegurado, com o estabelecimento de convívios com a avó materna, mesmo não sendo aceites pelos netos e pelos progenitores, com medidas como as decretadas, sancionando-se, de resto, o seu desrespeito com a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias?
Para responder cabalmente a esta questão, importa ir por partes.
Através do artigo 1.° da Lei n.° 84/95, de 31/08, o legislador aditou ao Código Civil o artigo 1887.°-A, inserindo-o na subsecção referente às responsabilidades parentais relativamente à pessoa dos filhos.
O normativo estipula que «Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes.»
Trata-se de um direito consagrado em nome das relações afetivas existentes entre certos membros da família e do auxílio entre gerações (no caso dos avós/netos), presumindo o legislador que «o convívio da criança com os ascendentes e irmãos é positivo para a criança e necessário para o desenvolvimento da personalidade deste. »
O acento tónico, a nosso ver, reside na consagração de um direito concedido às crianças de manter regularmente relações pessoais e contatos diretos entre irmãos e entre netos e avós.
Numa perspetiva mais teórica quando estão em causa as relações pessoais e sócio-afetivas entre avós e netos, discute-se se estamos perante um direito dos avós, dos netos ou de ambos.
Todavia, sem descurar que o direito de conviver só é plenamente eficaz se for exercido de forma recíproca, tem o mesmo de ser sempre ponderado em função do critério prevalecente do superior interesse da criança.
Na prática o que acaba por vingar é a perspetiva da criança enquanto sujeito de direitos fundamentais, dotada de capacidade natural de autodeterminação de acordo com a sua maturidade.
A criança passou a ter na sua esfera jurídica um direito autónomo ao relacionamento com os seus avós, que é mais do que visitar ou ser visitado pelos avós, traduz-se, antes, num direito de convívio entre avós e netos.
É de acentuar que se vem entendendo que os avós não são titulares de um direito subjetivo ao relacionamento com os netos. O que está em causa é uma situação jurídica funcional ao serviço do interesse da criança, ou, dito de outro modo, um direito-dever ou função que visa a realização do interesse da criança e que apenas tem tutela jurídica nos casos em que promova esse interesse. Daí que não interfere (não pode interferir) na relação da criança com os pais nem com os poderes-deveres destes, caraterísticos das responsabilidades parentais (cfr. artigo 36.°, n.° 5 da CRP, artigos 1877.°, 1878.°, 1879.° e 1885.°, do Código Civil).
Todavia, o convívio com os avós permite uma integração numa família mais alargada, promove a formação e transmissão da memória familiar e do sentido de pertença, fortalece recíprocos laços de afetividade, correspondendo, presumidamente, a um benefício em termos de desenvolvimento e formação da personalidade das crianças, direito que se encontra consagrado constitucionalmente (cfr. artigos 26.°, n.° 1, 68.°, n.° 1, e 69.°, n.° 1, da CRP).
Se a relação afetiva entre a criança e os avós não existe ou se encontra degradada ou se existem obstáculos, seja qual for a sua origem, a que o estabelecimento de uma relação afetiva entre as crianças e a avó ocorra de forma tranquila e psicologicamente recompensadora para estes últimos, os desideratos acima referidos não são alcançados, e, ainda que os avós persistam na vontade de ver consagrado o direito a conviverem com o(s) neto(s), pode tal pretensão estar votada ao insucesso por não ser esse o interesse prevalecente, ou seja, o da(s) criança(s).
Como já afirmado pelo STJ num acórdão onde a questão se colocou, «o interesse do menor condiciona o direito de visita dos avós, podendo conduzir à sua limitação ou mesmo supressão, quando seja suscetível de lhe acarretar prejuízos ou de o afectar negativamente», realçando, ainda, que «em caso de conflito entre os pais e os avós do menor, o interesse deste último será, assim, o critério decisivo para que seja concedido ou denegado o direito de visita.»
Mais à frente voltaremos a esta vertente, já que a questão em apreço também radica num confronto/conflito entre a vontade da requerente e a vontade dos progenitores e dos menores.
Uma segunda vertente da previsão do artigo o artigo 1887.°-A, do Código Civil, acentua que o direito de convívio ali consagrado tem de ser assegurado pelos pais, não só porque são eles os destinatários da norma, mas, sobretudo, porque são eles quem exerce as responsabilidades parentais, incluindo o direito de guarda e de vigilância, e, por conseguinte, sobre eles recaí o dever de proporcionar aos filhos o convívio com os avós.
Também se tem entendido que o preceito acaba por limitar o exercício das responsabilidades parentais, porque proíbe os pais de impedir, sem justificação, os filhos de conviverem com os ascendentes ou irmãos. Trata-se, porém, de uma restrição que deve ser guiada pelo princípio da necessidade e da proporcionalidade, estando em causa, em regra, períodos de duração curta, que, como se disse, não afetam a relação da criança com os pais nem o direito destes a educarem.
Mas para além, disso, também onera os progenitores com o ónus de prova da existência de motivos justificativos para impedir a relação entre as crianças e os irmãos e avós.
A lei estabeleceu, assim, um conceito indeterminado (motivos justificativos) que carece de ser preenchido em face do caso concreto.
Na exemplificação de algumas das condutas dos avós que indiciam que o convívio entre avós e netos é prejudicial ao superior interesse das crianças, escreveu MARIA CLARA SOTTOMAYOR o seguinte:
«Estes [os pais] se quiserem opôr-se com êxito a este convívio, terão de provar motivos justificativos para tal proibição, por exemplo: perturbações psicológicas da criança resultantes do anterior convívio com os avós; oposição da criança ao convívio com os avós (...); comentários depreciativos sobre os pais da criança feitos pelos avós diante daquele ou outra actuação dos avós contrária ao interesse da criança, como a negligência nos cuidados básicos, exposição a violência, castigos corporais, etc. »
Ainda na perspetiva de enquadramento jurídico da questão em discussão cabe analisar uma outra vertente, que no caso sub judice é particularmente relevante, e que se reporta à aferição do superior interesse da criança em face da manifestação de vontade dos menores, quando os mesmos já têm idade para serem ouvidos em sede judicial, como sucedeu nestes autos.
O direito de audição encontra-se consagrado em vários instrumentos jurídicos vigentes na nossa ordem jurídica. Mas não apenas como uma formalidade a realizar em determinados processos em que se discutem os interesses das crianças e dos jovens, já que o legislador vai mais longe no sentido dessa manifestação de vontade ser realmente tomada em conta, desde que as crianças/jovens tenha maturidade suficiente para compreenderem o que está em discussão.
Assim, e a título exemplificativo, o artigo 12.°, n.° 1, da Convenção dos Direitos da Criança quando estipula: «Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitam, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.»
No mesmo sentido, vejam-se os artigos 1.0, n.° 2, 3.°, alínea b), 6.°, alíneas b) e c), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança; as Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças (ponto III-A); o artigo 24.°, n.°s 1 e 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
A nível de direito interno, desde logo, os artigos 4.°, n.° 1, alínea c), 5.0, n.° 1, do RGPTC; o artigo 4.°, alíneas a) e j), da LPCJP, o artigo 1878.°, n.° 2 e 1901.0, n.° 3, do Código Civil.
A decisão a tomar nesta matéria tem de ponderar todos estes fatores. A vontade da criança; os afetos entre a criança e os avós; a qualidade e a duração dessa relação anterior; os efeitos psíquicos e físicos do corte de relações da criança com os avós; o interesse dos avós em se relacionarem com as crianças e o dos pais em evitarem interferências mais ou menos abusivas na unidade e harmonia da família e na sua relação com os filhos.
Em face do vem sendo exposto, é tempo agora de reverter para a sentença recorrida de forma a extrair a razão essencial do decidido. Constatou-se que a avó prestou cuidados aos netos durante a fase inicial da vida destes, com afeto e desvelo, que os netos retribuíram. Não foram, por outro lado, detetadas patologias psíquicas que interfiram na capacidade de conviver com os netos, não obstante evidenciar algumas caraterísticas de personalidade algo depressiva e manipuladora, revelando desajustamento e dificuldades nas relações interpessoais, bem como uma obsessão focalizada na filha e nos netos. Tudo isto se encontra demonstrado nos factos provados 3 a 17,42 e 43.
Acrescentando a sentença: «...os Requeridos não conseguiram provar, como lhes competia, que os convívios da Requerente com os netos constituam algum perigo ou por algum modo sejam prejudiciais para o são desenvolvimento das crianças - tal como não constituíram nem o foram durante os anos em que tiveram lugar.
Consequentemente, a pretensão da Requerente merece ser acolhida por este tribunal (...).»
E mais à frente: «Na verdade, tanto quanto interpretámos das palavras, dos silêncios, das lágrimas, dos gestos ou dos olhares destes pais, filhos e netos, a situação apenas chegou a este ponto, em grande parte, pelas frequentes dificuldades de relacionamento entre a mãe e filha (Requerente e Requerida) e pelas inerentes mágoas reciprocamente acumuladas.
E vistas as consequências transportadas para os menores, avançamos agora as palavras da própria Requerida constantes da acta de fls. 452 dos autos principais: o presente processo nunca deveria ter existido. No conflito entre adultos, só os menores saíram prejudicados.»
Na apreciação, agora, em concreto do objeto do recurso, analisados e ponderados todos os factos provados, as razões constantes da fundamentação da sentença, o que vem alegado no recurso e contra-alegado nas respostas ao mesmo, não cremos que a sentença proferida possa subsistir e ser confirmada em sede de 2.ª instância.
Não está em causa que tenha havido qualquer prejuízo para os dois menores (atualmente a Joana tem 13 anos e o João 11 anos) enquanto se manteve o contato mais assíduo e o convívio com a avó até abril de 2015, data em que a requerente se desentendeu com a filha, ora apelante, tendo os progenitores decidido que apenas autorizavam os contatos entre avó e netos na presença dos pais, imposição que a requerente não aceitou (factos provados 35, 36 e 37).
A partir desse acontecimento, o relacionamento entre a requerente e os requeridos degradou-se sobremaneira, ao ponto da requerente e requeridos não se falarem (cfr. factos provados 22, 23, 38, 46, 57 e 60).
Por outro lado, revelam os factos provados nos pontos 48 a 54 que as tentativas de aproximação da avó aos netos, à revelia dos pais, foram muito mal sucedidas e causaram embaraço aos jovens, destabilizaram-nos emocionalmente, repudiando estes os contactos com a avó. E o certo é que os jovens quando foram confrontados com a questão do convívio com a avó (em sede de conferência em 12/07/2016 e em julgamento em 21/11/2017) mostraram indisponibilidade para aceitar convívios por muito curtos que fossem, quando muito, disse a Joana, na presença do pai e da mãe. O João recusou até essa possibilidade (cfr. factos provados 61 e 62).
Do que consta nestes pontos, sobressaí em termos de aferição da existência de uma relação afetiva com a avó, que os jovens se sentem envergonhados com a presença e comportamentos da mesma quando esta vai à escola, mas sobretudo que se sentem perturbados pelas atitudes da avó quando tenta comprar-lhes a amizade e permanências na casa dela, com presentes, e quando os tentou influenciar nas declarações que iam prestar em juízo; quando chama nomes aos pais dos menores, etc.
O que decorre da audição destes jovens é a constatação da degradação da relação afetiva que antes mantinham com a avó materna, ao ponto de rejeitaram o convívio com a mesma e criticarem os seus comportamentos; e, por parte da avó, o que sobressai é um comportamento algo manipulador da vontade dos netos. A que acresce uma atitude deveras inaceitável por parte da avó que se traduz em «chamar nomes aos pais» quando está com os netos, com consequências imprevisíveis em termos de formação da personalidade destes jovens e no relacionamento entre pais e filhos.
Estes comportamentos por parte da avó, como se disse, são inaceitáveis e revelam que não é do superior interesse destes menores manterem convívio com a avó nestes moldes, uma vez que, a relação entre avó/netos deveria ser gratificante em termos afetivos e de formação da sua personalidade, e não o é.
Ora, como acima dito, a manifestação de vontade por parte de crianças com 13 e 11 anos, deve ser tomada tendo-a realmente em conta, porquanto a idade que têm já evidencia que compreendem o que está em causa e têm maturidade suficiente para perceber as consequências.
Não cremos que a sentença recorrida tenha ponderado esta perspetiva de modo adequado e efetivo.
Dir-se-á em contraponto ao que vem sendo dito, como, aliás, expressa a requerente, ora apelada, que a vontade dos menores, ou a forma como a expressam, também pode ter sido fortemente influenciada pelos pais de forma a manifestarem que não querem conviver com a avó materna. Efetivamente, o que pode ter acontecido, considerando o mau relacionamento entre a requerente e os requeridos, e em especial, aquele que existe entre aquele e a sua filha, mãe dos menores.
Mas se assim foi, o que essa circunstância revela é que os menores se encontram no centro de um conflito de lealdades, sentindo-se, por isso, divididos entre os seus pais e a avó.
Também nessa situação, o superior interesse destas crianças indica que não devem ser sistematicamente sujeitos a esse conflito. Donde, a sua opção - não conviverem com a avó, resolvendo dessa forma o referido conflito -, deve ser ponderada e tomada em conta.
Enquanto a relação entre os adultos se mantiver no patamar de conflito que os autos evidenciam, dificilmente haverá pacificação na relação entre avó e netos e melhoria da qualidade dessa relação.
E se dúvidas houvesse, veja-se o que se encontra relatado nos autos após ter sido proferida a sentença recorrida. Não obstante a boa vontade e diligências do Sr. Paulo Daniel Marques, não foi possível cumprir o ordenado quanto ao convívio entre avó e netos. E os requerimentos da avó revelam que continua a censurar os pais por não lhe permitirem o convívio com os netos, e que pretende continuar a alimentar o conflito com pedidos de punição, incluindo de natureza criminal, em relação aos pais das crianças, olvidando que todo esse tipo de litigância não escapa à perspicácia de jovens pré-adolescentes envolvidos, em demasia, no conflito dos adultos.
Por outro lado, também dos requerimentos apresentados pelos pais, resulta que não aderiram à decisão, não revelando qualquer vontade de a cumprir, nem sequer se esforçarem nesse sentido, escudando-se na vontade dos filhos para invocarem que a mesma não pode ser cumprida, quando, na verdade, lhes competia envidarem esforços para dar cumprimento à sentença, em ordem a reestabelecer, em prol do interesse dos filhos, o bom relacionamento afetivo que anteriormente mantinham com a avó materna.
Perante a postura dos adultos, os menores sentem-se desconfortáveis com a situação e o que desejavam era que todos se dessem bem, como expressaram, revelando mais lucidez e sensatez que os adultos.
De qualquer modo, sem a colaboração da requerente e dos requeridos esta situação não se pode inverter e, até lá, os menores não podem continuar a ser submetidos a experiências traumatizantes, que cada vez mais os afastarão da possibilidade de retomar uma relação pessoal e afetiva de qualidade com a avó.
Entende-se, consequentemente, que face à enorme intensidade da conflitualidade que existe entre os pais e a avó, fixar um regime de visitas à avó materna não é, neste momento, salutar para um harmonioso e pacífico desenvolvimento dos menores.
Adverte-se, contudo, os progenitores, em especial a mãe, que os filhos não deixarão de observar muito cuidadosamente os comportamentos dos seus pais para com a avó materna e irão, mais tarde ou mais cedo, tirar as suas próprias conclusões acerca desses atos e atuarão em conformidade com essas suas conclusões.
Aos pais, no fim de contas, compete preservar e acautelar o interesse dos filhos, não se podendo demitir dessa função, mas do modo como a exerceram terão de prestar contas, mais cedo ou mais tarde, aos próprios filhos.
Assim, em face de todo o exposto, considerando o superior interesse dos menores J... e J..., entende-se que existe motivo justificativo para que os mesmos, por ora, não convivam com a avó materna M..., nos termos decretados na sentença recorrida, impondo-se a sua revogação.
Fica, assim, prejudicada a análise dos critérios que presidiram à aplicação da sanção pecuniária compulsória.
IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida.
Dado o decaimento, as custas devidas nas duas instâncias ficam a cargo da apelada (artigo 527.° do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.° 2 do artigo 6.° do RCP.
Lisboa, 10 de abril de 2018
(Maria Adelaide Domingos - Relatora)
(Ana Isabel Mascarenhas Pessoa- 1.a Adjunta)
(Eurico José Marques dos Reis - 2.° Adjunto)