A oposição de embargos à declaração de insolvência pode ter por fundamento qualquer razão de facto ou de direito que haja justificado a declaração, o que significa que a reapreciação em embargos à sentença não possui fundamentos taxativos, podendo desencadear a reapreciação da razoabilidade da declaração, seja pela invocação de novos factos, seja pela reconsideração dos já ponderados que declarou a insolvência.
Proc. 3500/17.0T8BRR-B.L1 8ª Secção
Desembargadores: Catarina Manso - Maria Alexandrina Branquinho - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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P. Ap.3500/17.0T8BRR-B.L1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I-G... deduziu embargos à sentença declaratória de insolvência de E..., Lda., ao abrigo do artigo 40° do CIRE. Para fundamentar a sua legitimidade invocou a qualidade de gerente da insolvente. Notificado para esclarecer e justificar essa legitimidade veio informar que a qualidade de gerente lhe adveio da sentença proferida na providência cautelar n.° 30/17.3T8MTJ apensa ao processo n.° 690/17.5T8MTJ. Para justificar a sua pretensão invocou matéria de facto que comprova que vai pagar a todos os credores com um plano de recuperação, em face da actual situação económica da insolvente. Concluiu pedindo a admissão dos embargos e subsequentemente a notificação do Administrador para contestar.
Foi porferida decisão que julgou verificada a excepção de ilegitimidade activa do requerente e, rejeitou liminarmente os embargos.
Não se conformando com a decisão apelou o embargante e nas alegações concluiu:
II. A decisão de que se recorre padece de erro de julgamento que vicia o seu sentido;
III. O Tribunal a quo andou mal ao ter entendido que ao ora recorrente não assiste legitimidade, na qualidade de gerente da insolvente, para opor embargos à sentença declaratória da insolvência, violando-se, aí, o disposto no artigo 40°, n.° 1, do CIRE;
IV. O erro de julgamento de que este recurso cura resulta de uma distorção na aplicação do direito, fazendo com que o decidido não corresponda à realidade normativa aplicável;
V. O ora recorrente tem legitimidade para embargar, o que se prevê no artigo 40°, n.° 1,alínea f), do CIRE;
VI. A lei é clara ao atribuir essa legitimidade ao membro do devedor; e, por membro do devedor, tem que se compreender, entre outros, o gerente da insolvente;
VII. Mal se compreenderia que a lei não permitisse ao gerente de uma sociedade declarada insolvente poder opor embargos à sentença declaratória da insolvência, sobretudo quando a mesma não resultou de apresentação, carreando factos para os autos não tidos em consideração pelo tribunal aquando da prolação da sentença de insolvência;
VIII. Ademais, tal legitimidade resulta do argumento histórico, relacionado com o Anteprojeto do CIRE, onde se conferia em geral, poder para reagir à sentença às pessoas efetiva ou potencialmente prejudicadas pela decisão de insolvência, sendo que, uma dessas pessoas, é claramente o gerente ou o administrador de uma sociedade insolvente;
IX. Acresce que tal legitimidade retira-se, ainda, do facto de o ora recorrente, na qualidade de sócio gerente da insolvente, ser também responsável legal pelas dívidas da insolvente,
X. Pelo que, quer através do disposto no artigo 40°, n.° 1, alínea f), do CIRE, quer através da reconstituição do pensamento legislativo que esteve na origem do CIRE, quer através do disposto no artigo 40°, n.° 1, alínea e), do CIRE, ao ora recorrente assiste legitimidade para opor os presentes embargos à sentença declaratória da insolvência;
XI. Merece, pois, o decidido, censura de V. Exas., julgando-se, como se requer, que o ora recorrente dispõe de legitimidade para opor embargos à sentença declaratória da insolvência;
XII. Assim se submete o presente à apreciação dos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente ao único ponto em discussão: tem ou não o ora recorrente legitimidade para deduzir os presentes embargos.
Termos em que, pelas razões alegadas, deve o presente recurso ser julgado procedente, julgando-se que o ora recorrente dispõe de legitimidade para opor embargos à sentença declaratória da insolvência, devendo, em consequência, os autos prosseguir os seus termos,
Factos
Remete-se para os factos do relatório com relevancia para a decisão Da certidão de registo comercial da insolvente resulta que:
- Pela Ins. 11 Ap. 74/20061030 encontra-se registada a designação como gerentes de G... e de S....
- Pelao Av.1 Ap. 34/20170104 encontra-se registada a cessação de funções de gerentes de G... e de S..., por destituição.
- Pela Insc. 6 Ap. 7/20061030 encontra-se registada a transmissão da quota da insolvente titulada G... para P..., Lda.
- Pela Insc 15 Ap. 5/20140110 encontra-se registada, por alteração ao contrato de sociedade, a alteração da titularidade das duas quotas da insolvente para E..., Lda.
- Pela Insc. 17 Ap. 35/20170104 encontra-se registada a designação como gerente da insolvente de C....
- Pela Insc. 18 Ap. 39/20170104 encontra-se registada, por alteração ao contrato de sociedade, a alteração da titularidade das duas quotas da insolvente para C....
- Pela Insc. 19 Ap. 172/20170113 encontra-se registada provisoriamente por natureza a pendencia de procedimento cautelar, com o seguinte pedido: Ser declarada a suspensão dos efeitos da decisão de cedência das participações sociais da 3a requerida; ser declarada a suspensão de todas as demais decisões adoptadas na sequencia da cedência das quotas da 3a requerida (mudança de sede, destituição dos anterior gerentes, nomeação de novo gerente (...)
Não houve contra alegações
Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento II - Apreciando
Não aceita o apelante a decisão que indeferiu a sua pretensão por falta de legitimidade indeferindo os embargos. Assim, a questão em apreciação reporta-se à legitimidade do apelante para deduzir os embargos, contra a posição assumida na decisão impugnada.
O imediato indeferimento da petição de embargos, como refere a primeira parte do artigo 345 do C. P.C., justifica-se em face da caducidade do direito de embargar e em face dos vícios que conduzem ao indeferimento liminar (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra, 1999:196 e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1°, Coimbra Editora, Coimbra, 1999:622/623).
Como explicava Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 1981/373 - o indeferimento liminar encontra a sua justificação no princípio da economia processual, já que não haveria razão para o dispêndio de actividade judicial nas acções que desde logo evidenciassem questões de forma ou fundo inevitavelmente conducentes ao insucesso da pretensão formulada.
A delimitação do campo de aplicação do despacho de indeferimento liminar é questão que sempre esteve conexionada com o conjunto de situações a que se aplicaria o despacho de aperfeiçoamento. E este despacho tem, actualmente, um alcance inequivocamente mais vasto do que o existente antes da reforma processual civil de 1995.
Com efeito, a atribuição ao juiz de poderes - em diversos tipos de acção, diferentes formas de processo e distintas fases processuais - para oficiosamente desencadear eventuais actuações das partes tendentes à regularização de aspectos de natureza formal ou substantiva revela claramente a ideia de se pretender - sempre que possível - conduzir as acções à sua efectiva finalidade, que é a decisão de mérito. Assim é que, nomeadamente, só a existência de excepções dilatórias insupríveis pode conduzir ao indeferimento liminar (artigo 590 do NCPC), quanto às susceptíveis de sanação, deve o juiz proceder consoante se impõe no n° 2 do artigo 6 do mesmo diploma. Assim é que, nomeadamente, só a manifesta improcedência do pedido justifica o indeferimento liminar, quanto a certas irregularidades ou deficiências, deve o juiz lançar mão do disposto no art. 590 do NCPC.
Já, aliás, sustentava Alberto dos Reis (obra citada, 385) que o juiz só deve indeferir a petição inicial, (...), quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial.
Vejamos pois,
Dispõe o art. do 40 do CIRE relativamente à questão dos autos:
1 - Podem opor embargos à sentença declaratória da insolvência:
a) O devedor em situação de revelia absoluta, se não tiver sido pessoalmente citado;
b) O cônjuge, os ascendentes ou descendentes e os afins em 1.° grau da linha recta da pessoa singular considerada insolvente, no caso de a declaração de insolvência se fundar na fuga do devedor relacionada com a sua falta de liquidez;
c) O cônjuge, herdeiro, legatário ou representante do devedor, quando o falecimento tenha ocorrido antes de findo o prazo para a oposição por embargos que ao devedor fosse lícito deduzir, nos termos da alínea a);
d) Qualquer credor que como tal se legitime;
e) Os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente;
f) Os sócios, associados ou membros do devedor.
2 - Os embargos devem ser deduzidos dentro dos 5 dias subsequentes à notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável, e apenas são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
Defendeu o recorrente que sempre teria legitimidade para embargar porquanto o mesmo, na qualidade de sócio gerente da insolvente, é também responsável legal pelas dívidas da insolvente (vide,neste contexto, o disposto no artigo 6°, n.° 2, do CIRE).
No no n° 1 do artigo 129° do CPEREF, já se previa essa possibiidade do devedor que tivesse sido declarado em situação de falência pudesse opor embargos à sentença declaratória nos seguintes tremos: «quando haja razões de facto ou de direito que afectem a sua regularidade ou real fundamentação.
E que, a reapreciação, em embargos à sentença falimentar, não possui fundamentos taxativos, podendo assentar em factos ou razões de direito que justifiquem a revisão do decidido. Desencadeia, por conseguinte, a reapreciação da razoabilidade da declaração de falência, seja pela invocação de novos factos, seja pela reconsideração dos já ponderados na sentença da falência.
Hoje a previsão é ligeiramente diferente, sendo certo que não é sócio mas gerente.
Uma importante alteração à legislação a retirar está na concesão do poder de embargar - e recorrer - às entidades indicadas nas al. e) e f). No anteprojecto não havia esta referência, conferia-se, em geral poder para reagir à sentença às pessoas efectiva ou potencialmente prejudicadas pela decisão- ex vi art 39,n°1, al. e), do CIRE, que em muitas situações permitiria aos responsáveis legais pelas dividas do insolvente, aos sócios, associados ou membros do devedor reagir à sentença declaratória. A soluçaão final adpotada, comparada com a inicialmente projectada comporta, porém, diferenças muito significativas.
Concretamente relativamente às pessoas que passaram a estar referenciadas nas al. e) e f),, a consequência é a de que elas podem, sem mais, reagir à decisão, pela simples qualidade com que se apresentam, sem ter de demonstrar a existência de qualquer prejuízo efectivo ou potencial resultante da sentença impugnada. anota-se, a faculdade de embargar e recorrer, a tutela concedida aos sócios, associados e membros do devedor para a hipótese de órgão de adminstração haver, indevidamente, tomado a inciativa de apresentação à insolvência. Mas também há que evidenciar a desvantagem real ou potencial que a decisão para si acarrecta, para se legitimar como impugnante; é imprescindível enquadrar-se numa das categorias enumeradas nas diferentes alíneas, salvo se, na melhor das regras que se consideram as que melhor defendem os interesses da insolvente, a legitmidade puder ainda fundar-se nas regras de princípios gerais do processos comum.
O ponto de maior dúvida respeita ao alcance que deve ser atribuido à expressão nos termos da lei, o que significa definir o título da repsonsabilidade que aqui é relevante. O pensamneto legisaltivo pode entender-se da seguinte forma: são responsáveis legais todos aqueles, mas só aqueles, que estão sujeitos a pagar a generalidade das dívidas do insolvente por determinação da lei, que é a única fonte da responsabilidade. Não importa, no entanto, o papel da vontade do reponsável na génese da situação que, uma vez constituida, comporta o regime legal de responsabilidade, o que signfica que tanto faz que tenha sido mais ou menos determinante. Neste sentido no CIRE Anotado de Carvalho Fernandes e João Labareda, a fls 211 em anotaçao ao art 40, na orientação que julgam mais acertada e melhor representa o espírito da lei, a legitimidade puder fundar-se nas regras e princípios gerais do processo comum.
E, nos termos do ncpc, o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, exprimindo-se aquele interesse pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa providência advenha -art. 30, n°s 1 e 2 do CPC. São considerados titulares do interesse relevante para efeito de legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (artigo 30 n°. 3, do Código de Processo Civil)
O conceito legal de legitimidade sofreu uma importante alteração que consistiu em aperfeiçoar a redacção do n° 3 do art. 26° à tese (geralmente atribuída ao Prof. Barbosa de Magalhães na controvérsia que o opôs a Alberto dos Reis), assente na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor da acção. (vide o relatório do Dec. Lei n.° 329-A/95 de 12 de Dezembro, a propósito da legitimidade). Neste sentido, dispõe o actual n° 3 do art. 26° que «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.»
Daqui decorre assumir a legitimidade, na técnica da lei processual civil, a natureza de pressuposto relativo às partes, reportando-a à relação material controvertida tal como é configurada pelo autor. E sendo assim, para se apreciar a legitimidade das partes, não tem nem deve conhecer-se da relação jurídica material, nem tem de cuidar-se se estão ou não provados os fundamentos da acção, tarefa esta do domínio da discussão do mérito da causa e sua procedência ou improcedência.
A petição de embargos desencadeia a reapreciação da razoabilidade da declaração de insolvência (. ..). Em razão do que se dispõe no n.° 2 do art. 40 do C.I.R.E., ela deve sempre ser baseada em razões de facto que afectem a sua regularidade ou real fundamentação. Tratar-se-á normalmente de avaliar novos factos trazidos ao processo pelo embargante (. ..) e que, precisamente por permitirem inquinar factos dados por provados ou apurar outros factos, sejam susceptíveis de afastar os fundamentos da declaração de insolvência - Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Como decorre, do preâmbulo do CIRE, sendo objectivo do processo de insolvência a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores e radicando no património do devedor a garantia comum dos créditos, é àqueles que cumpre decidir quanto à melhor forma de efectivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado, dependendo sempre da estimativa dos credores e assentando nela sempre a melhor forma de realização de tal interesse público.
Ora, sendo o apelante gerente pode e deve ser abrangido na previsão legal do art. 40º, al. f do CIRE, e, assim sendo, tem legitimidade para deduzir embargos. Concluindo, não pode manter-se a decisão impugnada, uma vez que, a matéria alegada, será uma questão de fundo e de procedência.
Assim, tendo o apelante legitimidade há que apurar se deve ser liquidado o património da insolvente ou à sua recuperação (ou a protecção da generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral.
Procedem as conclusões da apelante Concluindo
A oposição de embargos à declaração de insolvencia pode ter por fundamento qualquer razão de facto ou de direito que haja justificado a declaração, o que significa que a reapreciação em embargos à sentença não possui fundamentos taxativos, podendo desencadear a reapreciação da razoabilidade da declaração, seja pela invocação de novos factos, seja pela reconsideração dos já ponderados que declarou a insolvencia.
III- Decisão: em face do exposto, revoga-se a decisão impugnada julgando-se o apelante parte legitima devendo os autos prosseguir seus termos.
Custas a final pela parte vencida.
Lisboa, 19 - Abril - 2018
Maria Catarina Manso
Maria Alexandrina Branquinho
António Valente