1 – O art. 28º do RGPTC possibilita que, que em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais, se resolvam de forma imediata, ainda que provisória, questões urgentes, cujo conhecimento seja conveniente ou aconselhável que ocorra antes da decisão final.
2 – A uma providência provisória, uma vez que se integra num processo tutelar cível, considerado de jurisdição voluntária (art. 12º do RGPTC), são aplicáveis as disposições constantes dos arts. 292º a 295º, ex vi do art. 986º, todos do CPC.
3 – Assim, deve o juiz, por força do estatuído no art. 607º, para o qual remete o art. 295º, ambos do CPC, fundamentar a respectiva decisão, tanto fáctica como juridicamente, sem que, no entanto, se olvide que:
- um processo de jurisdição voluntária não está sujeito a critérios de legalidade estrita, mas de conveniência e oportunidade;
- uma decisão meramente provisória, passível de alteração a todo o tempo, conforme as novas informações e outras vicissitudes conhecidas nos autos, não comporta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa.
Proc. 2047/10.0TMLSB-D.L1 7ª Secção
Desembargadores: José Capacete - Carlos Oliveira - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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7ª Secção
Proc. n° 2047110.OTMLSB-D.L1
RECORRENTE:
I...
RECORRIDO:
R...
SUMÁRIO:
(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade - art. 663°, n° 7, do CPC)
1. O art. 28° do RGPTC possibilita que, em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais, se resolvam de forma imediata, ainda que provisória, questões urgentes, cujo conhecimento seja conveniente ou aconselhável que ocorra antes da decisão final.
2. A uma tal providência provisória, uma vez que se integra num processo tutelar cível, considerado de jurisdição voluntária (art. 12° do RGPTC), são aplicáveis as disposições constantes dos arts. 292° a 295°, ex vi do art. 986°, todos do CPC.
3. Assim, deve o juiz, por força do estatuído no art. 607°, para o qual remete o art. 295°, ambos do CPC, fundamentar a respetiva decisão, tanto fática como juridicamente, sem que, no entanto, se olvide que:
- um processo de jurisdição voluntária não está sujeito a critérios de legalidade estrita, mas de conveniência e oportunidade; uma decisão meramente provisória, passível de alteração a todo o tempo, conforme as novas informações e outras vicissitudes conhecidas nos autos, não comporta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa.
1 - RELATÓRIO:
No âmbito do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais referentes à menor Matilde Ferreira dos Santos Graça, intentado por I... contra R..., realizou-se, no dia 8 de maio de 2017, a conferência de pais a que se reporta a ata cuja certidão se encontra a fls. 13-18, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«Iniciada a conferência de pais, pela Mm Juiz foram ouvidos os progenitores da menor e a Sr' Técnica da Associação Passo a Passo.
Assim, foi ouvida a progenitora da menor, R....
Ouvida, declarou:
Sempre procurou incentivar os contactos da M... com o pai, sendo que esta tem mostrado sempre resistência.
As visitas têm decorrido na associação «Passo a Passo».
A M... não quer falar ao telefone com o pai, e quando chegam à associação para se encontrarem com o pai, têm sempre se a convencer.
A M... identifica o companheiro da mãe como pai, porque tem vivido com ele desde os 3 meses de idade.
Considera que as visitas devem continuar a ser mediadas pela associação Passo a Passo devido à resistência da menor, e para se garantir uma estabilidade e uma aproximação gradual.
De seguida, foi ouvido o progenitor da menor, I....
Ouvido, declarou:
A sua única preocupação é o bem estar da M..., pretendendo ser um apoio para ela.
Não quer forçar a M... a querer estar com ele, mas prende construir uma relação com ela.
Foi libertado da prisão em Março passado.
Atualmente reside com a tia, e inscreveu-se no Centro de Emprego, tendo uma entrevista agendada para efeitos de candidatura a rendimento social de inserção.
Vai fazendo uns biscates na área da pintura de automóveis.
(...)
De seguida, prosseguiu-se para debate quanto aos termos a fixar provisoriamente em sede de regulação das responsabilidades parentais, tendo a Requerida R... prestado as seguintes declarações quanto à sua situação económica:
Vive com o marido e com as duas filhas.
O marido trabalha num café, ao balcão.
Trabalha como rececionista de cabeleireiro;
A sua morada é na R…, em Lisboa;
A casa onde reside é arrendada, mas não sabe quanto é a renda, porque é o marido quem a paga.
Confrontada com o atestado de fls. 33 do apenso B refere que se trata da morada da sua mãe, local onde não residia.
Recebe o fundo de alimentos desde o ano passado.
No seguimento das declarações prestadas, pela Digna Procuradora foi promovido que lhe fosse aberta vista, tendo a Mma. Juiz ordenado que fosse aberta vista conforme promovido.
De seguida, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte
=DESPACHO=
1. Fixação de um regime provisório
O Ministério Público promoveu a fixação de um regime provisório de alteração de regulação das responsabilidades parentais em favor da menor M..., considerando que a situação de facto dos progenitores e da menor se alterou, impondo-se estabelecer um regime de convívio do pai com a menor que seja gradual e efetivo.
Tendo em conta o superior interesse da menor, entendemos ser de fixar um regime provisório acautelando devidamente ainda que provisoriamente os seus interesses, nos termos e para efeitos do art. 28.° RGPTC, nos seguintes termos:
1.° - A menor M... fica a residir à guarda e cuidados da mãe, fixando-se junto desta a residência da menor;
2.° - As responsabilidades parentais quanto às questões da vida corrente da menor, serão exercidas pela mãe, e pelo pai aquando dos convívios em regime de visitas, tendo em conta neste caso o parecer da técnica gestora que supervisiona as visitas, não devendo o progenitor contrariar as orientações educativas mais revelantes tais como elas são definidas pela progenitora;
As responsabilidades parentais quanto a questões de particular importância serão decididas por ambos os progenitores;
3.° - O progenitor pode ver e estar com a menor:
a) uma vez por semana às terças feiras, nas instalações da associação Passo a Passo;
b) aos Sábados, o pai pode ir buscar a sua filha à Associação Passo a Passo, e entregar a mesma no respetivo local entre as 14.00 - 17.30 horas, sendo as visitas supervisionadas pela Sra Técnica da Associação Passo a Passo;
c) As visitas referidas anteriormente poderão ser alteradas de acordo com as necessidades da criança, avaliadas pela gestora do processo da Associação Passo a Passo.
4.° - A título de alimentos, o pai pagará à mãe da menor a quantia de € 80,00 a transferir por conta bancária para a mãe da menor, até ao dia 8 de cada mês.
(...).»
O requerente não se conformou com tal decisão na parte em que determinou que «a título de alimentos, o pai pagará à mãe da menor a quantia de € 80,00 a transferir por conta bancária para a mãe da menor, até ao dia 8 de
cada mês», na sequência do que interpôs o presente recurso, cuja alegação conclui assim:
1. Foi fixado regime provisório quanto a alimentos que determinou o pai, ora Recorrente a pagar € 80,00 mensais à sua filha menor.
2. 0 Recorrente foi libertado do Estabelecimento Prisional de Alcoentre em Março de 2017, em regime de liberdade condicional, após cumprimento de pena de prisão a que foi condenado;
3. Não possui qualquer forma de rendimento, tendo de imediato iniciado a busca por emprego, inscrevendo-se no Centro de Emprego;
4. Vive da ajuda de uma tia e na casa desta pelo que não consegue de momento prover pela sua própria subsistência;
5. Pelo que não consegue ter rendimento disponível para pagar a pensão alimentícia fixada provisoriamente;
6. 0 douto Despacho fixou tal pensão sem atender às condições financeiras paupérrimas do Recorrente;
6. Violou o disposto no artigo 2004 do Código Civil, tendo sido fixada uma prestação alimentar a favor de menor sem atender à incapacidade financeira do Recorrente.
Nestes termos (...), deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida, devendo o regime alimentar provisoriamente fixado ficar suspenso enquanto o recorrente não obtiver emprego remunerado de forma suficiente a prover pela sua subsistência, na condição de que o Recorrente demonstre buscar ativamente emprego, com as necessárias e devidas consequências legais.
O Ministério Público «respondeu», pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção do decidido.
2 - ÂMBITO DO RECURSO:
Considerando o teor das conclusões da alegação do recurso, a questão a decidir consiste unicamente em saber se deve ser revogado o segmento da decisão recorrida que fixou, provisoriamente, a obrigação do apelante entregar mensalmente à apelada a quantia de € 80,00, a título de pensão de alimentos a favor da menor M..., filha de ambos.
3 - FUNDAMENTAÇÃO:
3.1 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os que constam do relatório supra.
3.2 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Dispõe o art. 28° do RGPTC:
1. Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
2. Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3. Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.
4. O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
5. Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou:
a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução
Os arts. 205°, n° 1, da CRP e o art. 154° do CPC, impõem o dever de fundamentação das decisões judiciais.
O referido preceito constitucional estatui que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
Por sua vez, o referido preceito do CPC dispõe o seguinte:
1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
É, pois, evidente, o dever que impende sobre o juiz, no sentido de fundamentar as suas decisões, salvas as de mero expediente.
Uma tal dever justifica-se, desde logo, pela necessidade de dar a conhecer às partes a base fáctico-jurídica da decisão, para que estas possam aquilatar do seu acerto ou desacerto e, consequentemente, decidir da sua eventual impugnação.
Acontece que os destinatários de uma decisão judicial não são apenas as partes, mas a própria sociedade.
Ora, para que todos, partes e restantes membros da comunidade, compreendam as decisões judiciais, e não as sintam como um ato arbitrário, discricionário ou autoritário, impõe-se que a mesma se articule de forma lógica, o que impõe a sua devida fundamentação.
Uma decisão judicial vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos.
E, não obstante a força obrigatória de uma sentença ou despacho judicial assente na respetiva decisão, importa ter presente que a sua força deve apoiar-se na justiça.
A fundamentação de uma decisão judicial destina-se precisamente a convencer os seus destinatários imediatos, as partes, assim como os destinatários mediatas, qualquer membro da sociedade, de que ela é conforme ao direito e à justiça'.
A motivação das decisões judiciais constitui, aliás, uma das garantias fundamentais de qualquer cidadão num Estado de Direito Democrático.
O citado art. 28° do RGPTC possibilita que, em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais, se resolvam de forma imediata, ainda que provisória, questões urgentes, cujo conhecimento seja conveniente ou aconselhável que ocorra antes da decisão final.
A uma tal providência provisória, uma vez que se integra num processo tutelar cível, considerado de jurisdição voluntária (art. 12° do RGPTC), são aplicáveis as disposições constantes dos arts. 292° a 295°, ex vi do art. 986°, todos do CPC.
Assim, deve o juiz, por força do estatuído no art. 607°, para o qual remete o art. 295°, ambos do CPC, fundamentar a respetiva decisão, tanto fática como juridicamente, sem que, no entanto, se olvide que:
- um processo de jurisdição voluntária não está sujeito a critérios de legalidade estrita, mas de conveniência e oportunidade;
- uma decisão meramente provisória, passível de alteração a todo o tempo, conforme as novas informações e outras vicissitudes conhecidas nos autos, não comporta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa.
Acontece, no entanto, que o segmento decisório que determinou que «a título de alimentos, o pai pagará à mãe da menor a quantia de € 80,00 a transferir por conta bancária para a mãe da menor, até ao dia 8 de cada mês»,
não se encontra minimamente fundamentado, desconhecendo-se, de todo, ao abrigo de que critério, fático ou jurídico, a juíza a quo fixou aquela quantia mensal de € 80,00.
Dispondo o art. 2004°, n° 1, do CC, que «os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los», ignora-se por completo o percurso lógico que levou a
juíza a quo a fixar aquele montante, ou seja, porque é que, à luz do citado preceito, o considera justo, adequado e proporcionado.
Ou seja, fica sem saber-se, porque é que o tribunal a quo fixou aquele montante mensal e não qualquer outro.
Estamos, assim, perante segmento decisório ininteligível.
Em face de tudo quanto antecede:
- não estando o referido segmento decisório suportado em qualquer fundamento, fático ou jurídico;
- não se vislumbrando que o tribunal a quo tenha efetuado qualquer investigação sumária, nos termos permitidos (e aconselhados) pelo n° 3 do citado art. 28° do RGPTC, ou que se tenha pronunciado, fundamentadamente, sobre a desnecessidade de as realizar,
impõe-se, nos termos do art. 662°, n° 2, ais. b), c) e d), do CPC, anular a decisão recorrida no seu segmento aqui em crise (4.° - A título de alimentos, o
pai pagará à mãe da menor a quantia de € 80,00 a transferir por conta bancária para a mãe da menor, até ao dia 8 de cada mês) e ordenar a remessa dos autos
à 1a instância, para que a juíza a quo profira, relativamente a tal segmento, nova decisão, devidamente fundamentada, tanto de facto como de direito, eventualmente com prévia realização das averiguações sumárias que tiver por conveniente, decidindo, em seguida, de modo devidamente fundamentado (quer de facto, quer de direito), como impõem os arts. 205°, n° 1, da CRP, e 154°, n° 1, do CPC.
4 - DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em anular a decisão recorrida e ordenar a devolução dos autos à primeira instância para que o tribunal a quo profira nova decisão em conformidade com o acima exposto.
Custas pela parte vencida, a final.
Lisboa, 8 de maio de 2018
(José Capacete)
(Carlos Oliveira)
(Maria Amélia Ribeiro)