1 – No âmbito do processo especial de revitalização previsto no Código da insolvência e da Recuperação de Empresas, os credores têm que ser tratados com simetria, equilíbrio, correspondência posicional entre partes com um mesmo estatuto, sem privilégios ou desvantagens aferíveis ao nível da comparação das consequências do funcionamento dos critérios de tratamento aplicáveis,'
2. Vigora, também, nesse âmbito, excepção normativa que permite que não se trate como igual aquilo que é diferente, verbalizada sob a referência legal «sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas»;
3. As distintas classes de créditos sobre a insolvência correspondem a flagrante exemplo de diferenciação assente em razões objectivas - pois se os créditos são diferentes em essência e natureza, justifica-se, necessariamente, um tratamento conforme às suas idiossincrasias;
4. Fazem também sentido distinções dentro da mesma categoria em função de uma gradação hierárquica entre créditos da mesma natureza, sendo também admissíveis outros referentes como «as fontes de crédito»;
5. Só a anuência (expressa ou tácita) do credor atingido pela assimetria pode derrogar a exigência de igualdade em apreço;
6. O tratamento distinto pode assentar na diversa categoria dos créditos, designadamente a sua natureza comum ou privilegiada e, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, admitem-se diferenciações não arbitrárias, patentes e objectivas.
Proc. 6362/18.6T8LSB-A.L1 6ª Secção
Desembargadores: Carlos Marinho - Anabela Calafate - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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SUMÁRIO:
I. No âmbito do processo especial de revitalização previsto no Código da insolvência e da Recuperação de Empresas, os credores têm que ser tratados com simetria, equilíbrio, correspondência posicional entre partes com um mesmo estatuto, sem privilégios ou desvantagens aferíveis ao nível da comparação das consequências do funcionamento dos critérios de tratamento aplicáveis,'
Il. Vigora, também, nesse âmbito, excepção normativa que permite que não se trate como igual aquilo que é diferente, verbalizada sob a referência legal «sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas»;
Ill. As distintas classes de créditos sobre a insolvência correspondem a flagrante exemplo de diferenciação assente em razões objectivas - pois se os créditos são diferentes em essência e natureza, justifica-se, necessariamente, um tratamento conforme às suas idiossincrasias;
IV. Fazem também sentido distinções dentro da mesma categoria em função de uma gradação hierárquica entre créditos da mesma natureza, sendo também admissíveis outros referentes como «as fontes de crédito»;
V. Só a anuência (expressa ou tácita) do credor atingido pela assimetria pode derrogar a exigência de igualdade em apreço;
Vl. O tratamento distinto pode assentar na diversa categoria dos créditos, designadamente a sua natureza comum ou privilegiada e, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, admitem-se diferenciações não arbitrárias, patentes e objectivas.
Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. RELATÓRIO
J... S.A., com os sinais identificativos constantes dos autos, apresentou-se em Juízo a propor «processo especial de revitalização».
Nesses autos, o Tribunal «a quo» sumariou da seguinte forma os factos processuais relevantes que antecederam a prolação da decisão impugnada:
Foi junta pela devedora nova versão do plano de recuperação, objeto de publicação em 21.11.2017.
No prazo de 10 dias da referida publicação vieram os credores: Banco BPI S.A., 321 Crédito - Instituição Financeira de Crédito S.A., Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancá ria S.A., Caixa Geral de Depósitos S.A. e Barclays Bank PLC requerer a não homologação do plano.
Banco BPI S.A. disse, em síntese, que ficará colocada, com a homologação do P.E.R., numa situação claramente mais gravosa do que ocorreria na ausência de qualquer plano, uma vez que é titular de um crédito garantido por hipoteca voluntária sobre um prédio urbano, tendo a revitalizanda comprado esse prédio, passando a credora de um crédito na totalidade e imediatamente exigível, para um crédito a pagar em prestações ao longo de 20 anos, com um período de carência de cerca de 20 anos, sem vencimento de juros no primeiro dos dois anos e os vincendos a partir do segundo desses dois anos, à taxa resultante da Euribor a 12 meses, acrescida de um spread de 2,5/prct..
321 Crédito - Instituição Financeira de crédito S.A. disse, em síntese, que a nova versão do plano continua a não assegurar aos credores o recebimento dos seus créditos e é claramente mais gravosa do que a liquidação imediata do património da devedora, face à previsão de um prazo de vinte anos para o pagamento dos créditos garantidos, que previsivelmente será muito superior. Refere ainda que o plano de revitalização prevê igualmente que a amortização do capital se inicie, na melhor das hipóteses, dois anos após o trânsito em julgado da decisão de aprovação e homologação do plano. Acrescenta que a requerente sempre teria a possibilidade de ver satisfeito o seu crédito através do produto da venda dos bens hipotecados a seu favor.
Acrescenta que a previsão da continuidade de apenas algumas ações, escolhidas pela devedora, viola o princípio da igualdade de tratamento dos credores.
Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária S.A. disse, em síntese, que ocorreu violação não negligenciàvel de regras procedimentais com a apresentação de novo P.E.R. pela devedora.
Acrescenta que o ritmo de amortização proposto pela devedora é manifestamente inaceitável e previsivelmente menos favorável do que existiria na ausência de qualquer plano.
Caixa Geral de Depósitos S.A. disse, em síntese, que o que a devedora pretende é urna moratória na dívida, inaceitável. Acrescenta que o crédito da credora é um crédito garantido, sendo o respetivo crédito, face aos prazos a que é sujeito, praticamente equiparado aos créditos comuns, existindo igualmente violação do principio da proporcionalidade.
Acrescenta que, face a previsão cio ressarcimento em apenas 80/prct. do produto da venda dos ativos imobiliários, existe uma clara desvantagem para os credores garantidos, face á alternativa da liquidação e que existem condicionantes ininteligíveis relativas aos credores titulares de garantias reais sobre a requerente.
Barclays Bank PLC disse, em síntese, que o plano sujeito a votação coloca os credores. nomeadamente os credores garantidos, numa situação mais gravosa do que a que decor'rena na ausência de qualquer plano, uma vez que a venda dos imóveis hipotecados a favor do Barclays liquidaria tendencialmente, de imediato, a quase totalidade do seu crédito.
Acrescenta que o plano prevê a extinção de ações executivas nas quais a requerente é credora, reclamante e exequente, em manifesto prejuízo da mesma e que não constam do plano quaisquer menções essenciais à regulamentação da venda dos imóveis e a sua eventual aprovação.
Acrescenta factos respeitantes à situação de insolvência da devedora.
Pronunciou-se o Sr. ° administrador da insolvência, dizendo, em síntese, que a devedora não se encontraria impedida de recorrer a novo P.E.R. inexistindo fundamento para a não homologação do plano de recuperação.
A devedora pronunciou-se dizendo, em sintese, que deve ser improcedente o pedido de rejeição liminar do processo de revitalização, por inexistir fundamento para o efeito; que inexiste violação de regras procedimentais, sendo o plano viável; que inexiste situação mais favorável para os credores na ausência de plano e não se verifica a violação do princípio da igualdade.
Foi proferida decisão judicial que decretou
Pelo exposto, recusa-se a homologação do plano de recuperação apresentado nos autos, ao abrigo do disposto nos art°s 17° F n .° 7, 215° e 216° n° 1 al. a) do C.l .R. E„ declarando-se encerrado o processo negocia/ sem aprovação de plano de recuperação da devedora J . R. Costa - Gestão Global de Negócios S.A. e consequentemente o encerramento do processo de revitalização.
É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por J.R... S.A., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
A - Não há qualquer violação do princípio da igualdade dos credores.
B - A devedora propõe-se liquidar integralmente a sua dívida.
C - Os credores aqui garantidos só têm hipoteca sobre um bem imóvel da devedora, hipoteca que esta constitui a favor de terceiro.
D - Assim o crédito destes credores apenas se pode efectivar sobre esses bens imóveis dados em garantia hipotecário.
E - É falacioso que se considere que destinar apenas 80/prct. aos credores garantidos do produto do venda do mesmo imóvel lhe casequer prejuízo.
F- Desde logo porque a alienação do imóvel pode ocorrer por valores que permitam a liquidação integral do valor assegurado pelo hipoteca.
G- A venda forçada desses mesmos bens pode implicar que estes sejam vendidos por valor inferior ao garantido, ficando assim esses credores sem possibilidade de satisfazer integralmente os seus créditos.
H- Ao invés, com a aprovação de plano, independentemente do valor obtido com a venda dos imóveis, o valor não satisfeito com o produto de tal venda, que tem logo à cabeça destinados 80/prct. do seu montante, é assumido pela aqui devedora e será integralmente satisfeito e pago nas condições descritas.
1 - A devedora e demais credores impugnaram quase na totalidade os créditos dos credores que pugnam pela não homologação do plano, faltando saber qual o desfecho de tais impugnações e o efeito sobre os créditos reclamados.
J - A devedora inclui uma medida de pagamento idêntica à dos restantes credores para os créditos que estão judicialmente em discussão, acautelando os interesses destes credores na exacta medida em que estão acautelados os demais, não resultando por esta via qualquer desfavor quanto a estes.
L - Em bom rigor, a quase totalidade daqueles que pugnam pela não homologação do plano não são credores da devedora, tendo tão só uma hipoteca registada sobre bens da devedora e para garantia de bens de terceiros.
M - A eventual não aprovação do plano, com a possível, ainda que não previsível, consequente declaração de insolvência porá os credores da devedora num plano de igualdade negativa, em que nenhum deles assegurará os créditos a que tem direito.
Terminou pedindo a revogação da decisão impugnada.
A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS respondeu a tais alegações concluindo:
a). A douta sentença em apreço considerou que o plano de recuperação apresentado não cumpria os fundamentos de direito legalmente impostos, porquanto os credores garantidos terão uma situação mais gravosa e desfavorável nas previsões do plano do que num cenário de liquidação e por violação de normas aplicáveis ao seu conteúdo.
b). Esteve bem o tribunal a quo proferindo sentença de não homologação do plano de recuperação, não assistindo razão à Recorrente J..., S.A. no recurso ora interposto.
c). A Credora reclamou os respetivos créditos nos presentes autos de revitalização, que foram integralmente reconhecidos pelo AJP, tendo votado contra a aprovação do plano de recuperação da Devedora e requerido a sua não homologação.
d). As condições de reestruturação do crédito da Credora são muito penalizadoras para esta.
e). A Credora reclamou um crédito garantido no valor de € 1.609.085,99. Tal valor de € 1.609.085,99 será pago em 20 anos, com uma carência de capital de 2 anos e carência de juros de 1 ano, o que traduz um prazo excessivamente longo de pagamento.
f). Do exposto, verifica-se que o que a Devedora pretende é uma moratória da dívida, completamente injustificada.
g). O princípio da igualdade implica tratar de forma diferente os créditos com natureza diferente.
h). O crédito da credora CGD encontra-se segurado por diversas garantias reais, a saber: O para garantia de contrato de abertura de crédito celebrado com a Devedora, até ao montante de 545.405,00 €, foram constituídas hipotecas sobre os seguintes bens de que é proprietária: as frações autónomas C D E F AQ„ AR AS AT, AV BD BF BG BH, 'BO', ET, BZ, CA, CE, CC, CD e CE, do prédio urbano, sito na União de Freguesias de Mafamude e Vilar do Paraíso, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n° 3637, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9386; ii) para garantia de contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente até ao montante de € 500.000,00, celebrado com a sociedade Fénix lntersegur, Lda., foi constituída pela Devedora hipoteca voluntária, a favor da credora reclamante, sobre a fração autónoma, designada pela letra A, do prédio urbano, sito na freguesia de S. Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 3146, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1695, da freguesia de Arroios.
i). Pelo que não entende a Credora o sentido do exposto na alínea C) das conclusões da Devedora quando refere que os credores aqui garantidos só têm hipoteca sobre um bem imóvel da Devedora, hipoteca que esta constitui a favor de terceiro, porquanto tal não corresponde à realidade dos factos nem aos créditos efetivamente reconhecidos pelo Administrador Judicial Provisório.
j). Apesar da CGD ser um credor garantido, o respetivo crédito é, face aos prazos a que é sujeito, praticamente equiparado aos credores comuns, que, como é bem sabido, dificilmente são ressarcidos em caso de insolvência. Ou seja, os credores comuns ficam na situação já expectável, por estatisticamente normal, enquanto os credores garantidos vêm as suas expetativas de recebimento dos seus créditos reduzidas.
l), O que leva igualmente à violação do princípio da proporcionalidade.
m). A ofensa dos princípios da igualdade dos credores e da proporcionalidade dos sacrifícios, constitucionalmente consagrados, constituem violações não negligenciáveis e, logo, são causa para a recusa da homologação do plano, ao abrigo da norma antes citada.
n). O plano prevê ainda para os credores garantidos, em resultado da prevista alienação do ativo imobiliário, que os mesmos sejam ressarcidos apenas de 80/prct. do produto da venda, sendo que os restantes 20/prct. serão cativados pela empresa.
o). Pelo que existe uma clara desvantagem para os credores garantidos, face à alternativa de liquidação do ativo em sede de insolvência da empresa, pois que nesse caso receberiam a totalidade do produto da venda, com exceção do valor de custos judiciais.
p). O Plano prevê ainda condicionantes ininteligíveis, relativas aos credores titulares de garantias reais sobre a requerente, as quais não podem legalmente ser admitidas, conforme consta da página 21 do Plano: (...) mesmo aqueles credores que apenas são titulares de garantias reais sobre a requerente, não detendo sobre esta de qualquer crédito vencido e exigível, o reembolso de tais créditos nos moldes previstos no presente plano carece do acordo e reconhecimento eletivo da devedora ou de reconhecimento judicial do r€ofendo crédito.
q). Acresce que o alegado pela Devedora nos pontos 64 e 67, a que corresponde a alínea 1) das conclusões, também não corresponde à verdade dos factos, uma vez que foi proferida decisão quanto às impugnações apresentadas nos autos em 20.09.2017.
r). Motivos pelos quais não poderá o recurso apresentado pela Devedora ter provimento.
Terminou sustentando a confirmação da decisão recorrida.
Também o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. contra-alegou concluindo que:
A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que não homologou o plano especial de revitalização apresentado pela Devedora, ora Recorrente, que não merece qualquer reparo.
B. A Sentença proferida decide pela não homologação do plano, essencialmente, por dois motivos: posição mais desfavorável dos credores do que na inexistência de qualquer plano (art. 216.° do CIRE), e violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano (art. 215.° do CIRE), face à violação do princípio da igualdade entre credores.
C. O plano apresentado pela Recorrente não apresenta qualquer justificação plausível que possa suportar o tratamento diferenciado entre os credores, em violação do princípio da igualdade entre os credores.
D. Em relação aos credores garantidos, o plano prevê a alienação do activo onerado, de forma a ressarcir estes credores, mas apenas 80/prct. do produto da venda seria afecto a este ressarcimento.
E. No caso destes 80/prct. não serem suficientes para ressarcir os credores garantidos, o remanescente seria pago em 240 meses, com uma carência de capital de 24 meses e uma carência de juros nos primeiros 12 meses.
F. Em relação aos créditos comuns, o plano previa o pagamento de 100/prct. da dívida, em 240 meses, com carência de capital de 24 meses e uma carência de juros nos primeiros 12 meses, sendo que 50/prct. da amortização de capital seria concretizada nos primeiros 9 anos, os restantes 50/prct. apenas após esse período.
G. Conforme a douta Sentença recorrida refere: De facto a diferenciação imposta não permite superar a diferença do créditos que são garantidos, que a nível de percentagem de ressarcimento, estão, logo à partida, numa situação mais desfavorável, atendendo à diferenciação da natureza dos créditos que se impõe, dos créditos comuns, sem o consentimento dos credores.
H. Assim, os termos de pagamento apresentados no plano em relação a credores garantidos e comuns, são diferenciados, sem que esta diferenciação seja justificada.
1. Em acrescento, o Plano de Revitalização depositado nos autos prevê um prazo de vinte anos para o pagamento da dívida, prazo esse que é excessivo e, de todo, inadmissível, e que na prática, atentas as contingências do processo será, previsivelmente, muito superior tendo em conta que existem vários recursos pendentes nos autos em questão.
J. Além disso, não prossegue o argumento da Recorrente que num cenário de processo de insolvência não é garantida a celeridade da liquidação, atentos os incidentes e vicissitudes de que pode vir a padecer.
K. Ora, ao contrário do que a Recorrente afirma, é num processo de insolvência que a celeridade da liquidação é garantida, mais do em qualquer outro tipo de processo ou cenário de venda no mercado imobiliário no geral.
L. Assim, como os credores garantidos já o demonstraram nos autos, encontram-se numa situação mais desfavorável em comparação com o cenário de um processo de insolvência.
M. Encontrando-se os credores comuns também numa situação mais desfavorável do que num cenário de processo de insolvência, com a consequente liquidação do património da insolvente.
N. A douta Sentença refere ainda, em relação à previsão expressa do prosseguimento de acções judiciais, que a devedora não refere a razão de ser do prosseguimento das acções.
O. A Recorrente, que se apresentou voluntariamente ao Processo Especial de Revitalização, quer eximir-se às consequências do mesmo, aproveitando apenas as acções judiciais que lhe seriam convenientes.
P. Em caso de homologação do plano, ficariam os credores com anteriores acções contra a Recorrente, vinculados a uma condição abusiva e contrária à lei e que tem o intuito flagrante de introduzir uma discriminação entre credores da mesma classe.
Q. Apesar do plano ter merecido percentagem de aprovação, volvido um ano desde a data de votação do 1° PER a que a Recorrente esteve sujeita, verifica-se a obtenção de uma percentagem inferior de votos favoráveis, sendo certo que a maioria dos credores que votaram favoravelmente o plano actual são créditos de empresas especialmente relacionadas com a Devedora.
R. Acresce ainda o facto que desta vez todos os credores hipotecários se manifestaram contra o plano apresentado,
S. Ainda, a douta Sentença recorrida não se versa sobre a solvabilidade da Devedora, apesar da Recorrente recorrer também quanto a este ponto.
T. Por cautelas de patrocínio, diga-se que a posição apresentada pela Recorrente é totalmente irreal e alienada da realidade, visto que o aumento do volume de negócios e um crescimento nos resultados líquidos anuais que a Recorrente refere transparece-se num lucro no ano de 2014, de EUR 3.368,04, no ano de 2015, de EUR 4.483,31; e no ano de 2016, registou-se lucro no valor de EUR 5.544, 00.
U. A Recorrente continua, com a sua conduta, a prejudicar os seus credores.
V. A Recorrente não tem actualmente cash flow para fazer face às suas dívidas e encargos mensais, também pelo facto do conjunto dos seus bens não permitirem satisfazer as suas responsabilidades actuais.
W Tanto mais que assume um passivo de € 20.617.171, 55 e um activo (irreal, pois consubstancia essencialmente imóveis onerados) de € 21.282.215, 03.
X. Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão Recorrida (...).
Da mesma forma, BARCLAYS BANK PLC. - SUCURSAL EM PORTUGAL respondeu às alegações concluindo:
A. Vem o presente recurso interposto da decisão que não homologou do Plano de Recuperação da Recorrente, por reputar que (i) o mesmo coloca os credores, nomeadamente os credores garantidos, em situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano, nos termos do artigo 216. °, n.º 1, alínea a) do CIRE e (ii) pela verificação de previsões que violam as normas aplicáveis ao seu conteúdo, com fundamento na violação do princípio da igualdade de credores, ao abrigo do art. 194.° do CIRE.
B. A decisão ora em crise não merece qualquer reparo.
C. O Plano de Recuperação coloca, indiscutivelmente, os credores - designadamente os credores garantidos -, em situação mais gravosa do que aquela que resultaria da inexistência de qualquer plano, nos termos do artigo 216. °, n.° 1, alínea a) do CIRE.
D. O Recorrido é titular de um crédito reconhecido no montante de EUR 4.141.839,16, o qual se encontra garantido pelo registo de hipoteca voluntária a seu favor, sobre vinte e duas frações autónomas, propriedade da Devedora - e não apenas sobre um único imóvel como refere, incompreensível e indevidamente, a Recorrente no ponto C. das suas conclusões do recurso.
E. A evidência do lapso decorre do facto de o crédito e garantias registadas a favor do Recorrido encontrarem-se devidamente documentados e cabalmente reconhecidos nos autos.
F. Em momento algum, foi colocado em causa pela Recorrente o número de frações sobre as quais o Recorrido e outros credores garantidos têm hipoteca registada a seu favor.
G. A Recorrente incorreu num erro de escrita resultante de um lapso manifesto ao elaborar as respetivas alegações e conclusões do recurso, razão pela qual, deve este segmento, neste âmbito, ser absolutamente desconsiderado.
H. Num cenário de liquidação universal do património da Devedora, a ocorrer na sua insolvência, em sede de rateio, os credores garantidos veriam, a curto prazo e com grande probabilidade, a totalidade dos respetivos créditos cobertos pelo produto da venda dos imóveis hipotecados a seu favor.
1. No que tange aos créditos garantidos o Plano prevê o seguinte:
A empresa requerente propõe-se alienar ativo imobiliário da empresa, nomeadamente o ativo presentemente onerado com garantias reais, como forma de atingir o sucesso na reestruturação do passivo da devedora e operações financeiras que lhe permitirá obter alguma liquidez e fundo de maneio, recorrendo ao produto de tais vendas;
Assim prevê-se e propõe-se que os credores que disponham de garantias reais sobre os imóveis a alienar e para este efeito graduados com a natureza garantida sejam ressarcidos em 80/prct. do produto da venda, aquando da outorga das respetivas escrituras públicas, sendo que os restantes 20/prct. porventura em divida serão cativados pela empresa revitalizanda para fundo de maneio e recuperação económica da mesma. (vid. 7.2. da versão final do Plano depositado).
J. Do Plano resulta ainda e injustificadamente que, sendo o produto da venda dos imóveis hipotecados insuficiente para pagar as dívidas dos credores garantidos (através dos mencionados 80/prct.), o pagamento do valor remanescente seria sujeito a uma carência de pagamento de capital nos primeiros 24 meses, carência de pagamento de juros nos primeiros 12 meses e pagamento da dívida em 240 meses (i.e., 20 anos) (vid. ponto 7.2. da versão final do Plano depositado).
K. O Plano prevê, por um lado, a extinção das ações executivas nas quais o Recorrido é Credor Reclamante e Exequente, em manifesto prejuízo deste, porém, por outro lado, em seu exclusivo benefício, despudoradamente, prevê a continuidade das ações declarativas instauradas por si contra o Recorrido (as quais, refira-se, são manifesta e totalmente infundadas).
L. É inequívoca a orientação desequilibrada e notoriamente favorecedora da Recorrente deste Plano, na medida em que as previsões insertas no mesmo se encontram claramente concebidas para servir apenas os interesses daquela.
M. Em sede das ações executivas nas quais o Recorrido é parte, ora como exequente ora como credor reclamante, entre uma e outra, encontram-se penhoradas a totalidade das frações com hipotecas registadas a favor do Recorrido (vinte e duas frações), sendo que as mesmas se encontram paralisadas, porquanto a Devedora boicota a sua consecução, através do recurso a expedientes meramente dilatórios, há cerca de oito anos.
N. A Recorrente já se havia apresentado, anteriormente, ao processo especial de revitalização, no âmbito do qual a homologação do plano de recuperação foi recusada.
O. As condições contidas no plano são manifestamente abusivas, na medida em que se prevê a venda do património onerado num cenário de venda extrajudicial e totalmente desregulamentada', cujas démarches serão unicamente comandadas pela própria, sem que seja providenciada aos respetivos credores garantidos qualquer séria evidência ou garantia de que serão vendidos por um preço justo e de mercado e de que o produto da venda servirá, efetivamente, para ressarcir os seus créditos.
P. É inconcebível a homologação de um Plano que consigna a venda do património onerado sem que se encontrem detalhadamente previstos os termos e diligências a empreender com vista à consecução desse fim.
Q. Do Plano não constam - como se impunha! - os elementos essenciais à regulamentação da venda dos imóveis onerados e sua eventual aprovação, nomeadamente:
(i) Os valores mínimos de venda a atribuir aos imóveis;
(ii) Os termos da publicitação e da disponibilidade dos imóveis para venda;
(iii) Os timings e a modalidade da venda;
(iv) A obrigação da prestação periódica de informação sobre o estado da venda aos credores garantidos.
R. A ausência das referidas circunstâncias contribui para o desvirtuamento das legítimas expectativas dos credores hipotecários e que subjazem à contrafação das operações em que se escoram os créditos reclamados, na medida em que jamais os credores garantidos pretenderam que, em caso de incumprimento, a Devedora pudesse livremente dispor do património onerado, sem que se encontrasse assegurada a justa atribuição do valor base dos bens e a respetiva canalização para pagamento dos créditos.
S. O plano apresentado prevê tratamentos diferenciados, não se vislumbrando qualquer razão justificativa desse tratamento diferenciado, pelo que se nos afigura que o mesmo viola o princípio da igualdade entre os credores.
T. No que tange aos créditos comuns, o plano prevê o pagamento de 100/prct. da dívida, em 240 meses, com carência de capital de 24 meses e uma carência de juros nos primeiros 12 meses, sendo que 50/prct. da amortização de capital seria concretizada nos primeiros 9 anos, e os restantes 50/prct. apenas após esse período.
U. É inequívoco que do confronto das condições de pagamento consignadas no Plano em relação a credores garantidos e comuns, resulta uma diferenciação injustificada.
pois veja-se,
V. Suponha-se que - para efeitos de raciocínio - a concretização do cenário que resultaria da aplicação do Plano (conquanto, pelas razões acima aduzidas pelo Recorrido, o mesmo seja obviamente inexequível), os credores garantidos receberiam apenas 80/prct. do produto da venda dos imóveis onerados e o remanescente da dívida seria liquidado em 20 anos, encontrando-se ainda sujeito a um período de carência de 24 meses.
W. Ora, não se propõe sequer o pagamento de 80/prct. do valor da dívida - o que não se concebe e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio -, propõe-se tão somente o pagamento de 80/prct. do produto da venda dos
imóveis hipotecados, cujo preço se desconhece, pois, como acima aflorado, as condições de venda encontram-se absolutamente omissas no Plano.
X. Por outra banda, o Plano permite que a Recorrente disponha livremente - e, mais uma vez, sem qualquer controlo - dos 20/prct. remanescentes do produto da venda.
Y. Por outro lado, na senda de um juízo de prognose, conclui-se que, os credores comuns seriam ressarcidos de 100/prct. da dívida - sendo, claramente, beneficiados face aos credores garantidos.
Z. Neste segmento, a versão final do Plano determina uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, em especial, do princípio de igualdade de tratamento dos credores, dado que, inexistem razões objetivas que justifiquem as diferenciações entre credores comuns e garantidos que dão origem a desigualdades de tratamento, desde logo, através da estipulação de diferentes momentos e formas de pagamento.
M. O Plano, ao estipular condições distintas para as diferentes categorias de credores, deveria expressar as respetivas razões, para que se pudesse ajuizar da bondade jurídica da diferenciação estabelecida. Pois, efetivamente, e como resulta do n.° 2 do artigo 195.° do CIRE, o plano deve conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo Juiz.
BB. Assistindo, total razão ao Tribunal a quo quando ao decidir que: Importa assim concluir, existir igualmente fundamento para a não homologação do plano, por violação de normas aplicáveis ao seu conteúdo (cfr. art° 215° do C.I.R.E).
Terminou sustentando dever ser julgado totalmente improcedente o recurso. Também 321 CRÉDITO - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S,A.,
respondeu às alegações de recurso e, sem apresentar conclusões, defendeu a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. O plano de revitalização não envolve qualquer violação do princípio da igualdade dos credores, pelo que deve ser homologado?
2. O facto de se ter destinado aos credores garantidos apenas 80/prct. do produto do venda do imóvel referido nas alegações de recurso não lhes causará qualquer prejuízo não podendo, consequentemente, ser fundamento de rejeição do plano de revitalização?
3. A decisão impugnada deverá ser revogada porque a devedora e demais credores impugnaram quase na totalidade os créditos dos credores que pugnam pela não homologação do plano, faltando saber qual o desfecho de tais impugnações e o efeito sobre os créditos reclamados?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que:
1 - A requerente J...S.A. apresentou versão final de proposta de plano de recuperação com o teor constante de fls. 1668 a 1704 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (fls. 1668 a 1704).
2 - Foi publicado no Portal Citius anúncio advertindo da junção de nova versão do plano pela devedora, em 21.11.2017 (fls. 1711).
Fundamentação de Direito
1. O plano de revitalização não envolve qualquer violação do princípio da igualdade dos credores, pelo que deve ser homologado?
No âmbito do tratamento desta questão, o Tribunal «a quo» construiu um percurso argumentativo de natureza jurídica que se mostra sufragável e revela particularmente relevante nos seguintes pontos fundamentais:
a. É importante norma de subsunção constante do n.° 1 do art. 194.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, indicado na decisão questionada;
b. É adequada a referência ao preceito disciplinador que consagra que os credores têm que ser tratados com simetria, equilíbrio, correspondência posicional entre partes com um mesmo estatuto, sem privilégios ou desvantagens aferíveis ao nível da comparação das consequências do funcionamento dos critérios de tratamento aplicáveis;
c. Não menos adequado é, nesse contexto, ter presente a excepção normativa reservada para a «válvula de escape» que permite que não se trate como igual aquilo que é diferente, verbalizada sob a referência legal «sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas»;
d. É acertada a menção normativa e doutrinal que aponta as distintas classes de créditos sobre a insolvência como flagrante exemplo de diferenciação assente em razões objectivas - pois se os créditos são diferentes em essência e natureza, justifica-se, necessariamente, um tratamento conforme às suas idiossincrasias;
e. Não menos acerto tem referir-se, como se fez na decisão impugnada, que fazem também sentido distinções dentro da mesma categoria em função de uma gradação hierárquica entre créditos da mesma natureza, sendo também admissíveis outros referentes como «as fontes de crédito»;
f. Teve razão o Tribunal «a quo» ao recordar que só a anuência (expressa ou tácita) do credor atingido pela assimetria pode derrogar a exigência de igualdade em apreço; com efeito, de acordo com o estabelecido no n.° 2 do art. 194.° do Código sob referência, «O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável»;
g. Também quanto às finalidades, o órgão jurisdicional de intervenção criticada indicou devidamente a protecção da posição dos credores com objectivo subjacente à imposição legal;
h. Assim discreteando, atingiu o mesmo acertada referência jurisprudencial sistematizadora e de enquadramento que aponta no sentido de o tratamento distinto poder assentar na diversa categoria dos créditos, designadamente a sua natureza comum ou privilegiada e que, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias se admitem diferenciações não arbitrárias, patentes e objectivas.
Aqui chegado, o Tribunal «a quo» «desceu», como devia, às circunstâncias do caso, ou seja, fez o enquadramento dos factos colhidos ao Direito apurado e descrito. Quanto a tal análise, importa patentear o que, de seguida, se indica.
É insofismável existir, no Plano proposto, diferenciação entre créditos. Não há, efectivamente, coincidência de regimes entre «créditos comuns» e «créditos garantidos». Tal resulta, com total nitidez, da leitura do plano de recuperação na parte contida entre fls. 1679 verso e 1681.
Esta diferença, só por si, não chega, porém, para conferir acerto à decisão impugnada. É necessário, previamente, averiguar se a diferenciação tem fundamento objectivo, nos termos do estabelecido na parte final do n.° 1 do art. 194.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas
A este nível, cumpre mencionar que poderia a distinção resultar da diferença de estatuto e essência existente entre os créditos apontados na al. a) do n.° 4 do art. 47.° e os indicados na ai. c) do mesmo número e artigo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
No entanto, para assim ser, sendo os primeiros créditos garantidos à partida e os segundos desprovidos de factor distintivo, ou seja, comuns, sempre haveria que atender a que os esteados em garantia sempre teriam melhores condições de cobrança num contexto de insolvência pelo que, a existir divergência de tratamento, esta teria que espelhar o regime de favor, ou seja, proteger mais os créditos garantidos.
Ora, analisando o referido Plano, divisamos exactamente o oposto: são os créditos comuns a ter proposto um «Pagamento de 100/prct. da dívida contabilizada à data de trânsito em julgado da sentença homologatória» sob um «Plano de pagamento de 240 meses» enquanto os de primeira classe ou categoria, ou seja, os garantidos e situados
em melhores condições de recolha em sede de liquidação patrimonial, viram desenhado um programa de compressão das expectativas de cobrança com carácter flagrantemente mais desfavorável, com os seguintes contornos:
A empresa requerente propõe-se alienar ativo imobiliário da empresa, nomeadamente o ativo presentemente onerado com garantias reais, como forma de atingir o sucesso na reestruturação do passivo da devedora e operações financeiras que lhe permitirá obter alguma liquidez e fundo de maneio, recorrendo ao produto de tais vendas;
Assim prevê-se e propõe-se que os credores que disponham de garantia reais sobre os imóveis a alienar e para este efeito graduados com a natureza garantida sejam ressarcidos em 80/prct. do produto da venda, aquando da outorga das respectivas escrituras públicas, sendo que os restantes 20/prct. porventura em divida serão cativados pela empresa revitalizanda para fundo de maneio e recuperação económica da mesma.
E note-se que esse desfavor não emerge apenas da diferença de percentagens mas também da base de incidência do clausulado - os devedores comuns receberiam 100/prct. da dívida enquanto os titulares de créditos garantidos receberiam 80/prct. não do valor das dívidas mas do produto da venda dos imóveis dados de garantia.
Tal ocorreu sem justificação plausível, apelo à razão e ao convencimento, contra a técnica e a lógica e sem qualquer autorização dos titulares de créditos garantidos (créditos estes que, no plano, são referidos como reportados a «imóveis», assim desmentindo a referência feita pela Apelante nas alegações de recurso ao inscrever «Os credores aqui garantidos só têm hipoteca sobre um bem imóvel da devedora»).
Estas considerações apontam, de forma cristalina, para a razão do Tribunal «a quo» ao lançar na decisão impugnada que:
De facto a diferenciação imposta não permite superar a diferença dos créditos que são garantidos, que a nível de percentagem de ressarcimento, estão, logo à partida, numa situação mais desfavorável, atendendo à diferenciação da natureza dos créditos que se impõe, dos créditos comuns, sem o consentimento dos credores, ainda que os credores comuns possam ser pagos faseadamente de outra forma (prazo dos 9 anos) ou mesmo, hipoteticamente, não obter estes credores o ressarcimento total dos seus créditos, por falta da existência de ativo suficiente.
Importa assim concluir, existir igualmente fundamento para a não homologação do plano, por violação de normas aplicáveis ao seu conteúdo (cfr. Art. 215.° do C. I. R. E.)
Quanto a este último preceito invocado que estatui, na parte relevante, que «O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza», é segura a sua aplicabilidade in casu. Violou-se, de forma flagrante, injustificada e não aceite pelos prejudicados, o axilar princípio da igualdade dos credores. Era dever de ofício do juiz rejeitar o plano, como fez.
Responde-se negativamente à questão proposta.
2. O facto de se ter destinado aos credores garantidos apenas 80/prct. do produto do venda do imóvel referido nas alegações de recurso não lhes causará qualquer prejuízo não podendo, consequentemente, ser fundamento de rejeição do plano de revitalização?
A resposta dada à questão anterior e a solução adoptada de confirmar a rejeição do plano de recuperação, tornam ociosa a formulação de resposta à presente pelo que não se entrará na sua análise de detalhe, apenas se enunciando, atento o carácter flagrante da referência, não existirem dados fácticos, à data da avaliação feita pelo Tribunal, no sentido pretendido de que, 80/prct. corresponderão, afinal, a 100/prct.. A não ser assim, aliás, faltaria explicar por que razão não se optou por singela e não problemática emulação do regime proposto para os credores comuns.
3. A decisão impugnada deverá ser revogada porque a devedora e demais credores impugnaram quase na totalidade os créditos dos credores que pugnam pela não homologação do plano, faltando saber qual o desfecho de tais impugnações e o efeito sobre os créditos reclamados?
A Recorrente não logrou explicar e tornar conhecidas as razões pelas quais a situação descrita na pergunta conduziria à revogação pretendida.
Não se divisam, também.
A existir a preterição de acto processual considerado anterior ou pressuponente da decisão, sempre antes teria que alegar e tornar patente a nulidade do acto praticado, no prazo e nos termos legais, com as consequências previstas por lei.
Tratando-se de nulidade subsumível ao estatuído no art. 195.° do Código de Processo Civil, sempre a mesma tinha que ser invocada, não sendo o seu conhecimento de natureza oficiosa face ao disposto no art. 196.° do mesmo encadeado normativo.
Ora, não tendo a referida eventual nulidade sido arguida, nada pode ser decidido em tal âmbito, ex officio.
Ainda que assim não fosse (e é manifestamente), sendo a exclusão de créditos quantitativa e não qualitativa, já que a Recorrente não questionou todos os créditos com garantia, sempre subsistiria um clausulado ilegal proposto no plano quanto, ao menos, aos créditos garantidos que admite existir. A ser assim, sempre se justificaria a avaliação feita na decisão impugnada e sempre a mesma mereceria acolhimento sendo irrelevante a eventual menor abrangência quantitativa.
Não teria, pois, a nulidade a virtualidade de «influir no exame ou na decisão da causa» para os efeitos no disposto na 2.ª parte do n.° 1 do art. 195.° do Código de Processo Civil.
É negativa a resposta à questão proposta e ora avaliada.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.
Custas pela Apelante. Lisboa, 24.05.2018
Carlos M. G. de Melo Marinho
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
António Manuel Fernandes dos antos (2.° Adjunto)