Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 07-06-2018   FGADM. Alimentos devidos a jovem que atingiu a maioridade antes da entrada em vigor da Lei 24/2017, de 24/05.
A parte final do nº 2, do artigo 1º, da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, introduzida pelo artigo 6º da Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio é aplicável a quem atingiu a maioridade antes da sua entrada em vigor.
Proc. 1123/10.3T2AMD 6ª Secção
Desembargadores:  Eduardo Petersen Silva - Cristina Neves - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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6ª Secção
Processo n° 1123/10.3T2AMD-A.L1
Apelação
Relator: Eduardo Petersen Silva
1ª Adjunta: Desembargadora Cristina Neves
2º Adjunto: Desembargador Manuel Rodrigues
Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
Ta..., nos autos m.id., veio nos termos do artigo 181º da OTM intentar a presente Acção de Incumprimento da Regulação das Responsabilidades Parentais, a favor dos seus filhos menores G... e R..., contra P..., nos autos também m.id., alegando em síntese que por homologação do acordo em Acção de Incumprimento das Responsabilidades Parentais, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Amadora, sob o n.º 4008/05.1TBAMD, o Requerido, ficou obrigado ao pagamento de € 350 mensais a título de alimentos para os seus filhos menores, quantia essa actualizável anualmente, bem como a comparticipar em 50/prct. nas despesas escolares do início do ano lectivo, sendo que até ao momento deve o Requerido aos seus filhos menores a quantia total de € 18.253,97, a que acrescem juros de mora.
Não foi apresentada oposição e veio a ser proferida a seguinte decisão:
No âmbito dos presentes autos de incumprimento, veio a requerente alegar, em síntese, que o requerido ficou decisão judicial obrigado a pagar a pensão de alimentos a favor dos seus filhos e não efectua o pontual pagamento das ditas prestação de alimentos (fls. 3/6). Foi julgado verificado o incumprimento (fls. so/53). O Ministério Público proferiu douto parecer (fls. 87).
Factos
Dos autos, resultam assentes os seguintes factos:
1. Os menores G... e R... nasceram a ... e 14.02.2001 respectivamente e são filhos do requerido e requerente.
2. A requerente vive com dois filhos menores.
3. Em 23.02.2006, foi fixada por sentença, a pensão de alimentos devida aos menores e a prestar pelo requerido no montante mensal de € 350,00.
4. O requerido desde Setembro de 2010 nunca mais pagou a pensão de alimentos.
5. Não lhe são conhecidos quaisquer bens ou rendimentos.
6. A Requerente tem rendimentos prediais no montante anual de € 3.1000,56.
O pai não cumpre a obrigação de alimentos judicialmente fixada, nem é possível efectivar a prestação pelas formas previstas no artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores, artigos 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro e 3.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio. A fixação de uma prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos depende da verificação dos seguintes requisitos: o menor não tenha rendimento líquido superior e o agregado familiar não disponha de um rendimento per capita superior ao salário mínimo nacional - nos termos fixados pelo
artigo 1.º da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro e 3.º, n.º 1, alínea b) e n.° 2 do Decreto-Lei n.° 164/99, de 13 de Maio.
E para fixar o montante da pensão o tribunal deve atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos e às necessidades específicas do menor, e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do
número de filhos menores - artigos 1.º e 2s, n.° 1 e 2 da Lei n.275/98, de 19 de Novembro e 3.º do Decreto-Lei n.° 164/99, de 13 de Maio.
As carências económicas do agregado familiar do menor são evidentes, sendo o rendimento per capita, manifestamente inferior ao actual IAS, tal como na capitação do rendimento do agregado familiar definida pelo Decreto-Lei 70/2010, de 16.06, no seu artigo 5.º - in casu, o valor per capita a considerar é inferior ao indexante (€ 129,19). Com efeito a capacidade económica da progenitora é algo reduzida, tal não poderá deixar de ser atendido, pois a obrigação de alimentos está balizada pela possibilidade dos obrigados e pela necessidade dos beneficiários, conforme dispõe o artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil.
Isto posto, importa fixar o valor da pensão de alimentos. Constata-se a existência de duas posições distintas: Uma defende que a obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação autónoma e independente, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos ex novo. Como tal, a prestação a cargo do Fundo deverá ser fixada pelo Tribunal de modo a assegurar as condições de subsistência mínimas, em montante que poderá ser inferior, igual ou superior à que estava obrigado o progenitor faltoso - neste sentido, Ac. do TRL de 11.02.2014, Juiz Rel. Orlando Nascimento. Outra posição, sustenta que da conjugação das disposições contidas nos artigos 1.º, 3.º, n.º4, e 6.º, n.º3, da Lei n.º 75/98, de 19/11, e artigo 5.º, n.º1 do Dec. Lei n.º 164/99, de 13 maio, resulta que a obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores configura uma verdadeira obrigação autónoma, mas dependente e subsidiária da do devedor originário dos alimentos. Assim o valor da prestação a fixar a cargo do FGADM não poderá, em qualquer caso, ultrapassar o montante da prestação judicialmente fixada ao devedor principal e por ele não cumprida - Ac. TRL de 30.01.2014, Juiz rel. Tomé Ramião.
Ponderados os argumentos de uma e outra, parece-nos que o valor da prestação a fixar a cargo do FGADM não poderá ultrapassar o montante da prestação judicialmente fixada ao devedor principal, conjugado com as necessidades do menor, avaliadas no contexto actual e em função das suas necessidades específicas julgo ser de fixar a pensão de alimentos em € 75,00 mensais para cada criança, considerando assim reunidos os pressupostos da intervenção do Fundo de Garantia
de Alimentos devidos a Menores - Ac. do STF n.° 5/2015 de uniformização de jurisprudência, de 4.05.2015, publicado no DR 1.ª série, n.º 85 no seguinte sentido: a prestação a suportar pelo FGADM não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário.
Decisão
Pelo exposto, sem necessidade de mais latas considerações e ao abrigo das disposições legais citadas, fixo a título de pensão de alimentos devida aos menores G... e R..., a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) - € 75,00 para cada criança - a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Valor da acção € 30.000,01.
O IGFSSS - FGADM informou nos autos que iniciou o pagamento das pensões.
Na fase subsequente de renovação anual da prova dos pressupostos de manutenção da condenação do FGADM, e após diligências, veio a ser proferida nova decisão do seguinte teor:
Relatório
No âmbito dos presentes autos de incumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais (segmento pensão de alimentos) foi declarado verificado o incumprimento, prosseguindo os autos com vista à intervenção do FGADM o qual foi concedido vindo a requerente juntar prova documental comprovativa da situação de carência económica do agregado familiar, tendo-se apurado que tem a seu cargo dois filhos (um maior, G..., nascido a ...) frequenta o 1.º ano do ensino superior da ETIC - Escola de Tecnologias, Inovação e Criação e a mãe está desempregada (fls. 115/128). O Ministério Público promove a manutenção do FGA (fls. 130).
Os factos
Os factos que relevam para a decisão são os que constam do relatório (Ac. de 20.02.2014, TRL, Juiz Rel. Luís Mendonça).
Motivação jurídica
Face ao difícil ciclo económico por que passa o país, exige-se maior rigor e eficiência na concessão das prestações, que conduzam a uma maior responsabilização dos destinatários das prestações sociais não contributivas e a uma aplicação mais criteriosa das mesmas. Assim, veio o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, estabelecer as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e respectiva capitação para a verificação das condições de recurso a ter em conta na manutenção do direito, além de outros, ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do FGADM - alterações introduzidas pelas Leis n.º 64/2012, de 20.12 e 66-B/2012, de 31.12.
Por sua vez - de harmonia com o disposto no n.º 6 do artigo 3.º da Lei nº 75/98 - compete a quem receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, sem o que a mesma cessa. Outrossim, o representante legal do menor ou a pessoa à guarda de quem se encontre deve comunicar ao tribunal ou à entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas na presente lei a cessação ou qualquer alteração da situação de incumprimento ou da situação do menor, sendo que o montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado. Isto posto, temos que o jovem G..., nasceu a ..., pelo que, tem mais de 18 anos de idade e frequenta o 1.º ano do ensino superior.
Com interesse, diz-nos o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98 de 19.11 (na redacção introduzida pela Lei n.º 24/2017, de 24.05) que o pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, excepto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil (parece que se estendeu, assim, a competência do Fundo em assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas aos filhos maiores, carecendo estes de alimentos para completar a sua formação profissional) - artigos 2003.º, n.º 1, 1879.º, 1880.º, 1905.º do Código Civil e Ac. do TRP de 28.10.2015, Juiz Relator Luís Cravo.
Ora, considerando inalterados os pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão de o Estado assegurar as prestações de alimentos em causa, não se vislumbra qualquer fundamento que justifique a alteração ou cessação da prestação atribuída.
Decisão
Pelo exposto, decido manter a prestação alimentícia pelo FGADM.
Notifique e comunique (IGFSS).
Os autos aguardam a renovação anual - n.º 6 do artigo 3.º da Lei nº 75/98 de 19/11..
Inconformado, o IGEFSS-FGADM interpôs o presente recurso formulando a final as seguintes conclusões:
1. A Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, criou o FGADM, e o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, veio regular a garantia dos alimentos devidos a menores previstos naquela Lei, com o objetivo de o Estado colmatar a falta de alimentos do progenitor judicialmente condenado a prestá-los, funcionando como uma via subsidiária para os alimentos serem garantidos ao menor.
II. O n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, com entrada em vigor a 23 de junho de 2017, veio permitir que o FGADM, em substituição do progenitor obrigado a alimentos, continue a assegurar o pagamento das prestações que hajam sido fixadas durante a menoridade, até que o jovem complete 25 anos de idade se e enquanto durar processo de educação ou de formação profissional (desde que, cumulativamente, se encontrem preenchidos os restantes requisitos legalmente exigidos - n.° 1 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, artigo 48.º do RGPTC, DL n.2 164/99, de 13 de maio, e DL n.° 70/2010, de 16 de junho).
III. Todavia, a obrigação de continuidade do pagamento em causa a assegurar pelo Fundo, cessa se:
- O respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes de atingida a maioridade;
- O processo de educação ou formação profissional tiver sido livremente interrompido;
- Se o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
IV. No caso em apreço, foi decido manter-se a prestação de alimentos a cargo do FGADM, em substituição do progenitor obrigado, para o menor Rodrigo Moreira, e também para o jovem maior, G....
V. Sucede, porém, que, no que respeita ao jovem maior, a prestação de alimentos foi cessada automaticamente com a maioridade, nos termos da legislação aplicável à data, pelo que, não há prestação a manter.
VI. Por conseguinte, e salvo o devido respeito, entende o Recorrente que não se encontram preenchidos os pressupostos legais subjacentes à intervenção do FGADM, no que se refere ao jovem maior.
VII. Recorde-se que a Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, que alterou o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, apenas entrou em vigor a 23 de junho de 2017, ou seja, em data posterior à data em que o jovem atingiu a maioridade (25.11.2016).
VIII. E a Lei só dispõe para o futuro, nos termos do artigo 12.º do CC.
IX. As situações de maioridade anteriores à entrada em vigor da alteração legislativa em apreço, não foram salvaguardadas.
X. Nestes termos, e tendo presente o pressuposto de continuidade que a lei confere à garantia daquele pagamento, não pode o ora recorrente, salvo o devido respeito, concordar com o entendimento explanado na douta decisão, na medida em que o FGADM não se encontrava obrigado ao pagamento da prestação de alimentos ao jovem Gonçalo, no momento em que a lei se torna aplicável no ordenamento jurídico.
XI. O pagamento da prestação de alimentos que o FGADM se encontrava obrigado cessou com a maioridade, nos termos da legislação aplicável à data.
XII. A circunstância de o processo educativo ou de formação não se encontrar completo, no momento em que é atingida a maioridade, exceciona a cessação automática das prestações a que o FGADM se encontra a pagar, todavia, no momento em que esta possibilidade passa a existir no ordenamento jurídico a prestação já havia cessado.
XIII. Por conseguinte, e embora a 2º parte do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, remeta para o regime previsto no n.º 2 do artigo 1905.º do CC, não podemos esquecer o âmbito em que o mesmo é aplicado, ou seja, ao pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado - cfr. Artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro.
XIV. Não pode assim, o recorrente concordar com a decisão recorrida, na medida em que o FGADM foi condenado a assegurar uma prestação de alimentos ao jovem dos autos, mas da letra da lei resulta que o pagamento cessa com a maioridade, salvo nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, ou seja, o Estado tem de estar obrigado ao pagamento e no momento em que a alteração legislativa entra em vigor tal não se verificou in casu.
XV. Pelo que, no presente caso tratar-se-ia não de uma continuidade ou manutenção do pagamento, mas de pela primeira vez o FGADM ser chamado a intervir na maioridade.
XVI. É de referir que a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
XVII. Todo o regime de garantia dos alimentos devidos a menores, estabelecido na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e regulamentado no DL n.º 164/99, de 13 de maio, é construído com um objetivo e um sentido: o Estado assegurar um valor de alimentos ao menor, na sequência da verificação ou preenchimento dos requisitos legalmente previstos, entre eles o incumprimento por parte do progenitor que estava obrigado a prestar alimentos, por não se conseguir tornar efetiva essa obrigação pelos meios previstos no artigo 48.° do RGPTC, bem como pela reunião de todos os requisitos previstos na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro [com a redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio].
SEM PRESCINDIR SEMPRE SE DIRÁ QUE,
XVIII. Tendo presente que, para efeitos do n.º 2 do artigo 1905.º do CC, aplicável por força do disposto no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, é condição que o jovem se mantenha em processo de educação ou de formação profissional no ano letivo em curso, e que tal processo não se encontrava completo ou livremente interrompido aquando da maioridade, e é de referir que desconhece o FGADM esta última situação no que se refere ao jovem maior.
Pelo que,
XIX. Se entende, salvo o devido respeito, que a douta decisão judicial em apreço, enferma de falta de fundamentação legal para justificar a intervenção do FGADM nos presentes autos, ao jovem maior.
TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que não condene o FGADM no pagamento da prestação de alimentos nos presentes autos, ao jovem maior G..., em substituição do progenitor devedor, (...)
Não foram produzidas contra-alegações. Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se o recorrente não deve ser condenado a pagar a prestação de alimentos ao maior G....
III. Matéria de facto A constante do relatório que antecede.
IV. Apreciação
Apesar de não resultar dos autos que o recorrente tenha sido notificado dos elementos de prova oferecidos pela recorrida, não foi arguida qualquer nulidade. Resulta dos autos que, datado de 20.12.2017, a Escola Técnica de Imagem e Comunicação declarou que G... nela frequenta o curso de Marketing Digital e Social Media, no ano lectivo de 2017/2018. Assim, improcede o argumento final do recurso.
Deste modo, o que há para decidir é apenas saber se a obrigação a cargo do recorrente cessou pela maioridade do referido G....
A situação em causa nos autos foi já decidida em três acórdãos de modo uniforme.
0 mais recente, de 23.4.2018, consultável no sítio electrónico da dgsi, com o nº RP20180423414/15.1T8GDM-A.P1, apresenta fundamentação abrangente e compreensiva, a cujos termos o presente colectivo adere, e por isso se transcreve como fundamentação da presente decisão quanto no referido processo se ajuizou:
O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores está obrigado a prestar alimentos em substituição do progenitor inadimplente quando o alimentando atingiu a maioridade antes da entrada em vigor da alteração legal que prevê a possibilidade de manutenção da prestação a cargo daquele fundo nos casos e nas circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 1905º do Código Civil?
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida argumentando, em síntese, que estando cessada em função da maioridade da recorrida a prestação alimentar a cargo do seu progenitor e, em substituição deste, a cargo do recorrente, na falta de retroatividade da introdução de um nº 2, no artigo 1º, da Lei nº 75/98, de 19 de novembro pela Lei nº 24/2017, de 25 de maio, em vigor desde 24 de junho de 2017 e de disposição específica a regular os casos em que a prestação a cargo do recorrente cessou antes da entrada em vigor do novo regime, não tem a recorrida direito à prestação que o tribunal recorrido lhe atribuiu.
O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, criado pela Lei nº 75/98, de 19 de novembro, visou assegurar aos menores residentes em território nacional, verificadas certas condições, o pagamento pelo Estado das prestações previstas em tal lei, sempre que a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a tais menores não satisfizer as importâncias em dívida pelas formas então previstas no artigo 1892 da Organização Tutelar de Menores.
Entretanto, pondo termo a um dissídio jurisprudencial existente sobre os reflexos da maioridade na obrigação alimentar do progenitor a favor do filho menor, a Lei nº 122/2015, de 01 de setembro, veio dispor que para efeitos do disposto no artigo 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda, se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
A partir desta alteração legislativa tornou-se flagrante uma diferença de tratamento entre os filhos maiores que têm o processo educacional ou de formação profissional em curso, com progenitor que possa ser responsabilizado pelo pagamento da prestação alimentar que vinha sendo prestada na menoridade e os filhos maiores que na mesma situação educacional ou de formação profissional viam a sua prestação alimentar assegurada pelo FGADM e que a viam cessada por mero efeito do termo da sua menoridade.
Para pôr termo a esta situação, o J... apresentou o Projeto de Lei nº 327/XIII (2ª), fundamentando a alteração do regime jurídico do FGADM nos seguintes termos:
Em terceiro lugar, é proposta uma alteração ao artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, que estabelece os termos da garantia dos alimentos devidos a menores a cargo do Estado. Como é sabido, a Lei n.º 122/2015, de 01 de setembro, que alterou o Código Civil, aditou o n.º 2 ao artigo 1905.º, tendo aí assegurado que, cumpridas determinadas circunstâncias relacionadas com a formação profissional do filho, a pensão fixada em benefício deste durante a menoridade se mantinha para depois da maioridade e até que o descendente completasse 25 anos de idade. Ora, regime diverso está previsto nos termos da Lei n.9 75/98, de 19 de novembro, uma vez que este diploma legal prevê que o pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos.
Com a presente iniciativa legislativa, o Grupo Parlamentar do J... por razões de coerência legislativa, por um lado, e de elementar justiça social, por outro, propõe a equiparação entre os dois regimes de forma a assegurar que o prosseguimento dos estudos e da formação profissional dos jovens cujos alimentos são assegurados pelo Estado, nos termos da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro - regra geral, oriundos das classes sociais mais desfavorecidas -, não seja prejudicado por quaisquer constrangimentos financeiros.
Segundo dados conhecidos esta semana, cerca de 20 mil crianças e jovens veem os seus alimentos assegurados pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devido a Menores, um número significativo e que permite perceber a importância e o impacto que a alteração agora proposta pelo J... pode vir a ter no orçamento destes agregados familiares.
Em sede de emissão de pareceres sobre esta proposta de lei, o Conselho Superior da Magistratura, em parecer datado de 14 de novembro de 2016, elaborado pela Sra. Juíza Desembargadora Alcina da Costa Ribeiro alertou para a necessidade de prever uma norma transitória que preveja os casos dos jovens com idade compreendida entre os 18 e os 25 anos abrangidos pelos artigos 1880º e 1905º, nº 2, do Código Civil, que tenham beneficiado do Fundo de Garantia de Alimentos e o viram cessar, por terem atingindo os 18 anos de idade.
Não obstante este alerta, a alteração proposta foi aprovada, sem que se tenha criado qualquer norma transitória para regular os casos dos jovens com idade compreendida entre os 18 e os 25 anos abrangidos pelos artigos 1880º e 1905º, nº 2, do Código Civil, que tenham beneficiado do suporte do FGADM e o tenham visto cessar, por terem atingindo os 18 anos de idade, antes da entrada em vigor da Lei n2 24/2017, de 23 de maio.
Assim, por efeito da alteração introduzida pelo artigo 6º da Lei nº 24/2017, de 23 de maio, foi alterado o nº 2, do artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de novembro, passando a ter o seguinte teor:
- O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 1905º do Códicio Civil.
A circunstância de não ter sido seguido o alerta do Conselho Superior da Magistratura acima transcrito significa que os jovens com idade compreendida entre os 18 e os 25 anos abrangidos pelos artigos 1880º e 1905º, nº 2, do Código Civil, que tenham beneficiado do apoio do FGADM e o viram cessar, por terem atingindo os 18 anos de idade, antes da entrada em vigor da Lei nº 24/2017, de 23 de maio quedam sem tutela?
Em resposta a esta interrogação, é do nosso conhecimento terem sido publicadas duas decisões de diferentes Tribunais da Relação, ambas em sentido oposto àquele por que pugna o recorrente. A primeira decisão data de 25 de janeiro de 2018, provém do Tribunal da Relação de Évora e foi proferida no processo nº 161/07.8TBBJA-F.E1, enquanto a segunda data de 22 de fevereiro de 2018, provém do Tribunal da Relação de Guimarães e foi proferida no processo nº 3174/16.5T8VCT.G1.
Que dizer?
A regra geral de aplicação da lei no tempo é a da não retroatividade (artigo 12º, nº1, do Código Civil). Porém, além do mais, quando a lei nova dispõe diretamente sobre o conteúdo de certa relação jurídica, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor (segunda parte do nº 2, do artigo 12º do Código Civil).
No caso em apreço, cremos que a situação se enquadra precisamente na previsão que se acaba de citar pois está em causa a atribuição de um direito subjetivo, a um certo sujeito (filha de certa pessoa), conformando o conteúdo de uma certa relação jurídica (relação de filiação), verificadas que sejam certas condições, sem que seja relevante o facto que deu origem a essa relação jurídica.
A recorrida atingiu a maioridade antes da entrada em vigor da alteração introduzida no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de novembro, pelo artigo 6º da Lei nº 24/2017, de 23 de maio, mantendo-se contudo na vigência desta última lei os pressupostos que determinaram a fixação de uma prestação a seu favor por parte do FGADM enquanto menor e estando esta a frequentar estabelecimento de ensino profissional.
Por isso, a nosso ver, com a entrada em vigor em 23 de junho de 2017 da Lei nº 24/2017, de 23 de maio, a recorrida adquiriu o direito a haver do FGADM uma prestação nos termos previstos no artigo 1º, nºs 1 e 2, da Lei nº 75/98, de 19 de novembro.
Esta interpretação é que melhor se quadra com a finalidade visada pela proposta de lei que deu origem à Lei nº 24/2017, é a que permite um tratamento igual de situações igualmente merecedoras de tutela jurídica, conformando-se com as exigências constitucionais do princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição da República Portuguesa), bem como com o princípio da equidade que é um dos princípios gerais do sistema da Segurança Social (vejam-se os artigos 5º e 9º da Lei da Segurança Social, aprovada pela Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro).
Porém, nem só por estas considerações de direito transitório, direito constitucional e do direito da segurança social, a aludida interpretação é, a nosso ver, a correta, pois que a própria letra da lei, ao contrário do que pretende o recorrente aponta claramente no mesmo sentido.
Na verdade, no nº 1, do artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de novembro define-se o quadro geral em que o Estado é chamado a assegurar o pagamento de prestações alimentares em substituição do obrigado, resultando do nº 2 na redacção introduzida pela Lei nº 24/2017, de 23 de maio, que o arco temporal em que essa obrigação do Estado se mantém vai para além da menoridade, podendo prolongar-se até aos vinte e
cinco anos. E isso, independentemente de estar ou não fixada, na menoridade, uma prestação a cargo do FGADM.
De facto, pode o jovem maior ter o seu processo educacional ou de formação profissional em curso, sem rendimentos próprios, vir a achar-se numa situação de impossibilidade de satisfação da sua obrigação alimentar junto de um ou até de ambos os progenitores, sem que isso tenha sucedido até então. Nessa eventualidade, tal como tem o direito de exigir dos seus progenitores o cumprimento da pertinente obrigação alimentar, nos termos previstos no artigo 1880º do Código Civil, também tem o direito de exigir do Estado que assegure a satisfação dessas obrigações incumpridas pelos progenitores.
A circunstância de ter sido ou não fixada uma prestação a cargo do FGADM durante a menoridade do alimentando e de essa prestação estar a ser paga por este Fundo no momento em que o alimentando atinge a maioridade é, na nossa perspetiva, juridicamente irrelevante, importando sim que até aos vinte e cinco anos, independentemente do momento em que isso venha a suceder, o alimentando reúna as condições para que as prestações alimentares insatisfeitas sejam asseguradas pelo Estado.
A interpretação sufragada pelo recorrente conduz a resultados ostensivamente violadores do princípio da igualdade, com total desconsideração da finalidade visada pelo regime jurídico instituído pela Lei nº 24/2017, já que, nessa leitura, dois jovens em idênticas situações, só pelo facto de um deles ser mais velho do que o outro um dia, veriam as suas possibilidades de completar o seu processo educativo ou a sua formação profissional com o suporte do FGADM de forma totalmente oposta: enquanto a um seria totalmente vedado esse apoio, a outro, por ser um dia mais novo, já esse apoio seria concedido. Assim, também à luz das consequências, a interpretação do recorrente é juridicamente insustentável. (fim de citação).
Pelo exposto, improcede o recurso.
Sem custas, em virtude da isenção de que beneficia a recorrente.
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas. Registe e notifique.
Lisboa, 07 de Junho de 2018
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves

Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC):
A parte final do nº 2, do artigo 1º, da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, introduzida pelo artigo 6º da Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio é aplicável a quem atingiu a maioridade antes da sua entrada em vigor.
Eduardo Petersen Silva
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator