I - A prestação alimentar a favor de filho menor fixada por acordo dos pais na acção de regulação das responsabilidades parentais, pode, em qualquer altura, sofrer alteração, para mais ou para menos, quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, atendendo aos interesses da criança (artigos 40.°, n.° 1 e 42.°, n.° 1, do RGPTC).
II - Para o efeito, consideram-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (cf. art.° 988°, n.° 1, 2.a parte, do CPC).
III - A determinação da medida dos alimentos devidos a menor deve obedecer aos seguintes critérios: necessidade do alimentando menor; possibilidades do progenitor alimentante; - possibilidades do menor alimentando prover à sua subsistência.
(Sumario elaborado pelo relator)
Proc. 9217/15.2T8LRS-A.L1 6ª Secção
Desembargadores: Manuel Rodrigues - Ana Paula Carvalho - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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6ª Secção
Processo n.° 9217/15.2T8LRS-A.L1 (recurso de apelação) Recorrente: Ma...
Recorrido: He...
Relator: Juiz Desembargador Manuel Rodrigues
Adjuntas: Juíza Desembargadora Ana Paula. A. A. Carvalho Juíza Desembargadora Maria Manuela Gomes
I - A prestação alimentar a favor de filho menor fixada por acordo dos pais na acção de regulação das responsabilidades parentais, pode, em qualquer altura, sofrer alteração, para mais ou para menos, quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, atendendo aos interesses da criança (artigos 40.°, n.° 1 e 42.°, n.° 1, do RGPTC).
II - Para o efeito, consideram-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (cf. art.° 988°, n.° 1, 2.a parte, do CPC).
III - A determinação da medida dos alimentos devidos a menor deve obedecer aos seguintes critérios: necessidade do alimentando menor; possibilidades do progenitor alimentante; - possibilidades do menor alimentando prover à sua subsistência.
(Sumario elaborado pelo relator)
1. Relatório
1. MA..., solteira, residente na R…, São João da Talha, intentou contra HE..., residente na R… Odivelas, processo especial de alteração da regulação das responsabilidades parentais quanto ao menor, Jo..., filho de ambos e residente com a mãe, requerendo alteração relativamente ao regime de alimentos vigente, aumentando-se a pensão de alimentos devida ao menor para o valor de 150.00€, actualizáveis de acordo com o índice de inflação do INE e o pagamento de 50/prct. das despesas escolares e de saúde na parte não comparticipada e 50/prct. do seguro de saúde do menor.
Para tanto, alegou que o Requerido progenitor tem incumprido o regime estabelecido e que a Requerente tem suportado sozinha a despesas com consultas dispendiosas de dermatologia e oftalmologia, bem como cremes de tratamento da pele e lentes para os óculos da criança. Mais alegou que suporta o valor mensal da creche (77,00€), com inscrição anual de 55,00€, e seguro escolar de 15,00€, sem a comparticipação do progenitor.
2. Citado, o Requerido não apresentou quaisquer alegações.
3. Foi realizada, em 17/01/2018, conferência de pais, na qual ambos os progenitores relataram as suas condições económicas e do respectivo agregado familiar, conforme se alcança da respectiva acta que consta de fls. 46 a 48.
4. Na sequência, foi emitido pelo Digno Procurador da República o Parecer junto a fls. 55, no qual concluiu pela inexistência de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração pretendida pela Requerente e se pronunciou pelo indeferimento do pedido, por infundado, e consequente arquivamento do processo.
5. Em 07/02/2018, veio a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
«Pelo exposto, indefiro o pedido da requerente de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais (mormente de aumento da pensão de alimentos).
Custas pela requerente.
Valor da causa: 630.000, 01 (trinta mil euros e um cêntimo). Registe e notifique»
6. Inconformada com o decidido, a Requerente interpôs recurso de apelação, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
«A. Em 28.10.2015, foram reguladas as responsabilidades parentais relativamente ao filho menor das partes JO..., tendo sido fixada a pensão de alimentos em € 75,00, mensais acrescia 50/prct. das despesas escolares e de saúde.
B. O recorrido progenitor nunca cumpriu com as suas obrigações.
C. Corre termos em separado acção especial de penhora por alimentos que corre em separado, sob o processo n.° 9217/15.2T8LRS.1, no Juiz 3 do Juízo de Família e Menores da Comarca de Lisboa Norte - Loures.
D. Ficou documentalmente comprovados os rendimentos da recorrente mãe e suas despesas, assim como os rendimentos do recorrido progenitor.
E. Bem como, tratar-se o recorrido progenitor de pessoa não idónea no cumprimento dos seus deveres e co-responsabilidades parentais para com o filho, agora de 5 anos, demitindo-se do dever de cuidado e sustento do mesmo, alheando-se e desinvestindo do projecto e plano de vida e desenvolvimento do filho.
27. Além da penhora por alimentos ao filho menor JO... de 5 anos, acrescem as seguintes penhoras pendentes:
- 1 penhora à Autoridade Tributária no valor de e 638,00.
- 1 penhora por alimentos a filhos menores neste mesmo Tribunal no Juiz 4, no montante de € 150,00.
Bem como, tem ainda pendentes outras penhoras por dívidas:
- 1 penhora à Autoridade tributária também no montante de € 638,00
- 1 penhora de Jo..., senhorio a quem deixou de pagar as rendas, no montante de € 4.952,88.
F. A criança desenvolveu problemas de miopia, carecendo de acompanhamento especializado e óculo, e pele atópica, carecendo de consultas de dermatologia e pomadas específicas, bem como vai entrar em setembro próximo no ensino primário.
G. Os € 75,00 que ficaram definidos a título de alimentos ao filho menor em 2015, não são aptos a responder adequadamente às necessidades de uma criança que vai entrar para a o ensino primário, de 2018 em diante, precisando de material escolar e livros.
28. Incumpre reiteradamente, preenchendo um dos pressupostos do art.° 42.°, n.° 1 do RGPTC, (não exigindo o espirito da lei o incumprimento por ambos os progenitores, bastando que só um incumpra).
H. Tendo ainda alterado supervenientemente as circunstâncias, uma vez que as necessidades da criança alteraram-se com o tipo de problemas de saúde que, entretanto desenvolveu, e com a necessidade de ingressar no ensino primário com vista a desenvolver o seu projecto de vida e de estudo de forma adequada.
I. A criança deve ser priorizada sobre as situações de incumprimento de obrigações que o recorrido criou para si mesmo, não devendo o seu cuidado, sustento e projecto de vida ser por isso prejudicado.
J. Devendo a contribuição de cada um ser fixada de modo a conseguir que ambos os pais se sintam implicados e responsáveis pelo bem-estar dos filhos. Acórdão da Relação de Guimarães, de 11.07.2013.
K. Há que ponderar que as necessidades dos filhos sobrelevam a disponibilidade económica do progenitor devedor de alimentos, devendo impor que as necessidades dos filhos tenham uma importância prevalecente e prioritária.
Acórdão da Relação de Guimarães, de 11.07.2013.
L. A circunstância do obrigado devedor de alimentos estar onerado com penhora ou desconto no seu vencimento, decorrente de antecedente incumprimento ná satisfação da pensão alimentícia ou despesas partilhadas, não deve ser ponderada, por referência ao valor descontado ou ponderado, no juízo de determinação da alteração do quantum da prestação alimentícia, acaso tivesse pago tais valores nas datas determinadas, inexistiria dívida a demandar coercibilidade judicial, pelo que, sendo-lhe imputável tal circunstancialismo de incumprimento, não poderá, logicamente, beneficiar do mesmo, como encargo a ponderar, no juízo de fixação do quantum da pensão alimentícia às filhas.
Acórdão do TRL de 02.11.2017.
M. Verificados e comprovados nos autos os prossupostos para a alteração da pensão alimentícia, face à evolução natural das necessidades da criança a que o montante definido em 2015 não é susceptível de continuar a responder, requer-se que seja dado provimento ao presente recurso por provado.
Por tudo quanto se expôs e doutamente suprido, nos demais termos de direito deve ser concedido provimento ao recurso, estando justificada e comprovados os pressupostos para a alteração/aumento da pensão alimentícia nos termos do art.° 42.°, n.° 1 do RGPTC, e art.° 2004.° e 2008.° do CC, devendo ser revogada a decisão que indeferiu o pedido de aumento da pensão de alimentos, e substituída por outra que determine aquele aumento».
7. O Digno Procurador da República respondeu à alegação da Recorrente, concluindo que a sentença recorrida não merece qualquer reparo e que por isso deve ser negado provimento ao recuso e confirmada aquela decisão.
8. Não foram apresentadas contra-alegações pelo Recorrido. II - Delimitação do objecto do recurso:
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer de todas as questões colocadas pela Recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. artigos 635° e 639° do CPC), salientando-se, no entanto, que esta Relação não está obrigada a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito - cf. art.° 5°, n.° 3, do CPC.
No caso, atendendo às conclusões do recurso, a questão a resolver é a de saber se, no caso sub judice, a questão essencial a decidir consiste em saber se a prestação alimentar fixada por acordo. e homologada judicialmente, a cargo do Requerido deve ou não ser aumentada.
III) Fundamentação:
A) Motivação de Facto:
1. Os factos que relevam para a apreciação do presente recurso são os descritos no relatório supra, que resultam da tramitação processual dos autos, e ainda:
1.1. Por acordo, judicialmente homologado, concluído entre Requerente e Requerido, em sede de conferência de pais realizada em 8 de Outubro de 2015, no âmbito do processo de regulação de responsabilidades parentais n.° 9217/15.2T8LRS, de que estes autos são apenso, ficou definido o seguinte regime de alimentos devidos ao menor Jo...:
«5. O pai contribuirá a título de alimentos para o filho com a quantia mensal de €75, 00 (setenta e cinco euros), a entregar à mãe por meio de transferência bancária ou depósito, até ao dia 8 de cada mês.
6. Além da pensão alimentícia fixada no ponto anterior, o pai do menor comparticipará ainda ma proporção de 50/prct. (cinquenta por cento) do montante referente a despesas escolares (livros e material escolar) e de saúde (médicas e medicamentosas), mediante a apresentação dos respectivos comprovativos da despesa, devendo o pagamento ser efectuado no mês juntamente com a pensão de alimentos devida.
7. A quantia supra referida será actualizada anualmente em Janeiro, com início em 2017, de acordo com a taxa de inflação divulgada pelo I.N.E., referente ao ano imediatamente anterior» - cf. Doc. 2 (fls. 11 a 13).
B) Motivação de Direito:
A questão a dirimir consiste em saber se a prestação alimentar fixada por acordo, e homologada judicialmente, a cargo do Requerido, deve ou não ser aumentada.
Vejamos.
As responsabilidades parentais apresentam-se como um efeito da filiação (artigo 1877.° e segs. do Cód. Civil), sendo concebidas como um conjunto de direitos e deveres (poderes funcionais) que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos.
As crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (art.° 69.°, n.° 1, da CRP e Convenção Sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/89, assinada por Portugal em 26/1/90, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 20/90 de 12/9 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 49/90, ambos publicados publicada no Diário da República, Ia Série, n.° 211/90, de 12/10/1990.
Como é sabido, a regulação do exercício das responsabilidades parentais comporta três aspectos: a guarda, o regime de visitas e os alimentos.
O critério legal de atribuição ou repartição das responsabilidades parentais é o superior interesse da criança - artigos 1905.° do Cód. Civil, 42.°, n.° 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) e 3.°, n.° 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança.
E o interesse superior da criança, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (art.° 69.°, n.° 1, da CRP), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua
individualidade própria e envolvência (cf. acórdão da Relação de Coimbra, de 3/5/2006, proc. n° 681/06, acessível em www. dgsi.pt).
O exercício das responsabilidades parentais deve ter presente ainda .o princípio da dignidade da pessoa humana, legitimador do menor enquanto sujeito de direitos e não como mero objecto, o princípio da continuidade das relações familiares e da convivência familiar e o princípio da igualdade dos pais.
O artigo 42.° do RGPTC, que versa precisamente sobre a alteração de regime das responsabilidades parentais, dispor o seguinte:
1 - Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2 - O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido é:
a) Se o regime tiver sido estabelecido por acordo extrajudicial, juntar ao requerimento:
i) Certidão do acordo, e do parecer do Ministério Público e da decisão a que se referem, respectivamente, os n,°s 4 e 3 do artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 324/2007, de 28 de Setembro, pela Lei n.° 61/2008, de 31 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.° 122/2013, de 26 de agosto; ou
ii) Certidão do acordo e da sentença homologatória;
b) Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respectivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova acção.
3 - O requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente.
4 - Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.
5 - Caso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.° a 40.°
6 - Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias».
Também o art.° 2012.°, do Cód. Civil, estatui: Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas serem obrigadas a prestá-los.
Daqui resulta que a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (para além do incumprimento por ambos os progenitores, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada face à nova redacção do n.° 1 do art.° 42.° do RGPTC, só pode ter por fundamento a existência de circunstâncias supervenientes (objetivas ou subjetivas) que justifiquem ou tornem necessária essa alteração.
O que deve entender-se por circunstâncias supervenientes?
Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, tem aqui aplicação o critério estabelecido no art.° 988.°, n.° 1, 2.a parte, do CPC - dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso'.
Consagra-se tanto a superveniência objectiva (factos ocorridos posteriormente à decisão), como a subjectiva (factos anteriores não alegados por ignorância ou outro motivo ponderoso).
A alteração reclamada reporta-se à prestação alimentícia do menor, cujo regime consta do acordo de 28 de Outubro de 2015, judicialmente homologado.
A sentença recorrida desatendeu a pretensão, argumentando:
«Ora, in casu, analisada a argumentação ensaiada pela requerente, verificamos que a mesma nenhum facto concreto invoca que implique ter havido uma alteração superveniente das circunstâncias (não contemplada no regime fixado) ou qualquer concreto incumprimento simultâneo por ambos os progenitores que torne necessário alterar o regime fixado.
Na verdade, da alegação da requerente, para a alteração do valor da pensão de alimentos, não se retira terem-se alterado as concretas circunstâncias de vida, que tornem necessário aumentar a pensão de alimentos, para além da própria evolução das despesas do menor, decorrente do seu crescimento, o que já era previsto aquando da celebração do acordo de regulação das responsabilidades parentais.
Por outro lado, as condições económicas do requerido também não se alteraram para melhor, muito pelo contrário, uma vez que as suas condições económicas são deficitárias, sendo de todo impossível pagar mais qualquer quantia a título de pensão de alimentos ao seu filho menor, para além do já fixado (sendo que mesmo este montante também não o consegue cumprir).
Aliás, note-se que o progenitor já não efectua o pagamento da pensão de alimentos ao seu filho há largos meses, pois não dispõe de condições financeiras que lhe permitam efectuar tal pagamento.
Por outro lado decorre dos autos de execução apensos, que o requerido tem a incidir sobre o seu vencimento inúmeras penhoras, pelo que o montante que para si fica disponível, nem sequer lhe chega para pagar a renda da casa (a qual também já deixou de pagar).
Tal facto (estas condições completamente deficitárias do requerido), ao invés do pretendido pela requerente, podem até vir a constituir fundamento para a redução da pensão de alimentos, se tiver na sua causa dificuldades financeiras do requerido.
Na verdade, se o requerido não paga a pensão de € 75,00 mensais, correndo termos uma execução para cobrança coerciva das prestações em dívida, muito menos pagaria uma pensão de €150,00 conforme pretende a requerente.
No que concerne às despesas invocadas pela requerente, existe uma cláusula na RERP que estabelece que as despesas escolares e de saúde são custeadas em partes iguais por ambos os progenitores, pelo que esses factos não podem ser atendidos como justificativo para o aumento da pensão de alimentos.
Assim, não ocorreram circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração pretendida pela requerente».
No caso concreto, o que está em causa, segundo a Requerente, ora Recorrente, é o facto de: (i) o Requerido incumprir reiteradamente o acordo, preenchendo um dos pressupostos do n.° 1 do artigo 42.° do RGPTC, por não exigir o espírito da lei o incumprimento por ambos os progenitores; (ii) terem-se alterado supervenientemente as circunstâncias, uma vez que as necessidades da criança se alteraram com o tipo de problemas de saúde que, entretanto, se desenvolveu, e com a necessidade de ingressar no ensino primário, com vista a desenvolver o seu projecto de vida e de estudo de forma adequada.
Como é consabido, no que respeita à prestação alimentar, esta é determinada de acordo com o disposto no n.° 1 do art.° 2004.° do Cód. Civil, ou seja, os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los. A medida dos alimentos obedece, assim, aos seguintes critérios: - necessidade do alimentando; - possibilidades do alimentante; - possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Na determinação das necessidades do menor, deverá atender-se ao seu padrão de vida, à ambiência familiar, social, cultural e económica a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos.
E as necessidades do menor estão condicionadas por múltiplos factores, nomeadamente a sua idade, a sua saúde, as necessidades educacionais, o nível socioeconómico dos pais. A prestação dos alimentos não se mede pelas estritas necessidades vitais do menor (alimentação, vestuário, calçado, alojamento), antes visa assegurar-lhe um nível de vida económico-social idêntico ao dos pais, devendo os pais propiciar aos seus filhos condições de conforto e um nível de vida idêntico aos seus - J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, Coimbra Editora, pág. 183 e 184
Como se ponderou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09/03/2017, referido, A possibilidade do obrigado deve, em princípio, ser aferida pelos seus rendimentos e não pelo valor dos bens. Deverá atender-se às receitas e despesas do obrigado, ponderando não só os rendimentos dos bens como quaisquer outros proventos, os provenientes do trabalho ou as remunerações de carácter eventual, como gratificações, emolumentos, subsídios etc. (Moutinho de Almeida, Os Alimentos no Código Civil de 1966, in Revista da Ordem dos Advogados, 1968, pág. 99, e Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 2014, 6.a Edição, Almedina, pág. 334 e segs; e Tomé d'Almeida Ramião, in Organização Tutelar de Menores - Anotada e Comentada, 2012, 10.a Edição, e Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, Quid Juris, pág. 123 e segs).
No que respeita às possibilidades do devedor, importa apurar a parcela do seu rendimento. anual e subtrair o necessário para a satisfação das suas necessidades básicas, uma espécie de rendimento livre ou isento, qual mínimo de auto-sobrevivência, ou reserva mínima de auto-sobrevivência, para efeitos de sobre ele ser reflectida a pensão de alimentos, nomeadamente despesas de vestuário, calçado, custos atinentes à nova habitação, deslocação para o trabalho, tempos livres, etc., nelas não se incluindo as despesas supérfluas ou extravagantes, quantia que será dedutível ao rendimento global desse progenitor (Cf. J. P. Remédio Marques, Ob. Citada, pág. 190; e Clara Sottomayor (Idem).
Com efeito, não se deve exigir ao obrigado a alimentos que, para os prestar, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com um mínimo de dignidade, ou seja, não se pode pôr em causa a sua própria subsistência, sendo necessário salvaguardar o seu direito fundamental a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade, direito constitucionalmente garantido.
É pacífico o entendimento de que o conceito de alimentos abrange tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentado (art.° 2003°, n.°s 1 e 2, do Cód. Civil) e que o direito a alimentos é um direito actual, pelo que os alimentos têm que corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentando no momento.
E importa ainda realçar que cabe a ambos os progenitores, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento - art.° 1878°, n.° 1, do Cód. Civil.
No caso concreto, importa considerar as concretas circunstâncias da condição social da criança, sua idade, o nível de vida da mãe e seu agregado familiar, apurando as suas necessidades, bem como das reais possibilidade do progenitor e do seu agregado familiar, fazendo uso de juízos de equidade.
Assim, no que respeita ao menor Jo..., tem actualmente com 5 anos de idade (nasceu em 01/02/2013), reside com a Requerente progenitora e frequenta o ATL durante o dia, aí tomando refeições.
No que concerne à Requerente progenitora, a mesma trabalha como auxiliar de acção médica no Centro Hospitalar Lisboa Norte, E.P.E., aufere a quantia mensal de cerca de 619,00€, paga 84,00€ de ATL por mês e 20,00€/mês de alimentação do menor no ATL e despende com o passe escolar do menor 27,90€ por mês e 300,00€/mensais com a renda de casa.
Por sua vez, o Requerido progenitor, fruto das penhoras que incidem sobre o seu salário, tem disponível um rendimento mensal de 400,00€. Reside com a companheira, desempregada, o seu enteado de 16 anos e com a sua filha, de 4 anos. Não tem pago a renda de casa, no valor de 500,00€ mensais.
Sobre o salário, no montante de 580,00€, auferido pelo Requerido como empregado do Continente, incidem: - 1 penhora à Autoridade Tributária no valor de 638,00€; - 1 penhora por alimentos a filhos menores neste mesmo Tribunal no Juiz 4, no montante de 150,00€; -1 penhora à Autoridade Tributária também no montante de € 638,00; - 1 penhora de Jo..., senhorio a quem deixou de pagar as rendas, no montante de € 4.952,88.
São, assim, evidentes as dificuldades económicas do Requerido e respectivo agregado familiar, cujo rendimento per capita fica muito aquém para a satisfação das suas necessidades básicas com um mínimo de dignidade, razão pela qual deixou de efectuar, há mais de um ano, o pagamento da pensão de alimentos devida ao menor, fixada em 75,00€ mensais, e não dispõe de condições financeiras para pagar a renda de casa (que deixou de pagar há cerca de um ano, acumulando uma dívida de € 4.952,88€)
Confrontando o quadro familiar e económico dos progenitores do menor Jo..., facilmente se conclui que a Recorrente beneficia de uma superior situação económica, apesar de se reconhecer não ser desafogada e patentear também dificuldades, pelo que tem de se concluir que não ocorrem circunstâncias que justifiquem o aumento do valor da pensão alimentícia fixada por acordo e judicialmente homologada em 28 de Outubro de 2015.
Na verdade, como bem se refere na sentença recorrida, se o Requerido não paga a pensão de 75,00€, por impossibilidade financeira, muito menos pagaria uma pensão de 150,00€ conforme pretende a Requerente.
E no que respeita a despesas partilhadas, com a saúde e educação, não se justifica qualquer alteração ao regime fixado, uma vez que este já contempla, no seu ponto 6., a partilha, em partes iguais de tais despesas, seja qual for o seu montante.
Em suma, a Recorrente não alegou, nem demonstrou, factos que levem a concluir que a situação económica do Recorrido, após 28//10/2015, data da homologação do acordo e em que foi fixada a prestação alimentar de 75,00€, haja sofrido uma alteração substancial, para mais, que justifique a alteração do valor fixado, ou seja, não demonstrou a concreta situação económica e social aquando da celebração do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, quanto aos rendimentos, encargos pessoais e familiares do Requerido, para, no confronto com a sua actual situação económica, se pudesse afirmar ter havido uma melhoria das suas possibilidades financeiras.
Tal circunstância, por si só, é motivo mais do que suficiente para indeferir a sua pretensão, já que não demonstrou as denominadas circunstâncias supervenientes que fundamentem e justifiquem essa alteração.
Sem embargo, sempre será de presumir a Requerente mantém possibilidades económicas que lhe permitem, como têm permitido até ao momento, com algum esforço, admite-se, e certamente com o auxílio de familiares, continuar a fazer face ao sustento do menor Jo..., numa proporção maior que a que o Requerido é solicitado a fazer.
Improcede, portanto, a apelação, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.
IV - Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia - artigo 527°, n.° 1, 2ª parte, do CPC.
Registe e notifique.
Lisboa, 7 de Junho de 2018
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Maria Manuela Gomes