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 - ACRL de 14-06-2018   Insolvência. Cessação antecipada da exoneração do passivo restante.
1. A cessação antecipada da exoneração do passivo restante justifica-se quando o insolvente incumpriu consciente e deliberadamente com os deveres que lhe eram impostos pelo art. 239.º, n.º 4, do CIRE, fazendo-o ao longo de cinco anos, não podendo ignorar que desse modo prejudicava a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Proc. 524/12.7TBPDL.L1 8ª Secção
Desembargadores:  António Valente - Ilídio Martins - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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PROCESSO N° 524/12.7TBPDL.L1 Apelação
Nos presentes autos de insolvência de pessoa singular, veio o Fiduciário veio juntar o relatório a que alude o disposto no artigo 240.°, n° 2 do CIRE, no qual, e em resultado das diligências encetadas junto do Insolvente Ma..., refere o concreto montante que deveria ter sido objecto de cessão no período compreendido entre Dezembro de 2012 a Novembro de 2017, o qual não foi entregue.
O insolvente foi notificado para proceder ao pagamento (com a expressa advertência de eventual possibilidade de cessação antecipada), tendo o mesmo requerido o pagamento em prestações do montante devido, o que mereceu oposição do credor SCH - Sociedade e Comércio e Soldadura Helvética, Lda.
A credora Administração Fiscal veio, em 12 de Outubro de 2017, requerer a cessação antecipada do procedimento de exoneração.
Há que ter em conta a seguinte (actualidade:
A) Ma... foi declarado insolvente por sentença transitada em julgado.
B) Tendo sido proferido despacho de exoneração do passivo restante datado de 12 de Dezembro de 2012, no qual se fixou como rendimento excluído da cessão o correspondente ao salário mínimo regional.
C) O insolvente, no período compreendido entre Dezembro de 2012 a Novembro de 2017, constitui-se devedor da quantia total de E 6.795,14.
Vindo a ser proferido despacho que determinou a cessação antecipada da exoneração do passivo restante concedida ao insolvente.
Inconformado recorre o insolvente, concluindo que:
- O ora Apelante não se conforma com o Despacho/Sentença proferido, na medida em que a mesma determinou a cessação antecipada da exoneração do passivo restante concedida ao Devedor;
- Entendeu o Tribunal que o facto de o Recorrente não ter efetuado a entrega dos montantes a que estava obrigado, ter sido causa determinante para a cessação antecipada da exoneração do passivo;
- Não obstante o Tribunal ignorou montantes entregues pelo Devedor ao Exmo Senhor Fiduciário, os quais somam uma verba superior a E 5.000,00 sendo que um dos montantes se refere a um montante que se encontrava penhorado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira o qual reverteu para a exoneração e um outro, entregue diretamente pelo devedor ao Exmo Senhor Fiduciário;
- Montantes estes que o Meritissimo Juiz não equaciona e que retratam uma vontade inabalável do Devedor em aceitando a exoneração do passivo nos termos que foram sentenciados tudo fez para honrar tais compromissos;
- A decisão recorrida tem a nossa concordância quando caracteriza a violação dessa obrigação como dolosa, de harmonia com regras de experiência e critérios sociais, julga-se irrecusável que aquele insolvente conhecia, sabia, representou correctamente ou tinha consciência da sua vinculação ao dever de entregar o rendimento disponível e do não cumprimento dessa obrigação: a verificação do momento intelectual do dolo é, assim, irrecusável.
- E o mesmo sucede como o elemento volitivo desse mesmo dolo já que é patente a verificação, no caso de uma vontade dirigida a esse não cumprimento. Assim, mesmo que se conceda que aquele não cumprimento não foi o verdadeiro fim da conduta do apelante - e, portanto, que o dolo não é directo - tem-se por certo, a presença, no caso de um dolo necessário ou de segundo grau: o não cumprimento surge, não como pressuposto ou grau intermédio para alcançar a finalidade da conduta - mas como sua consequência necessária, no preciso sentido de consequência inevitável, se bem que lateral relativamente ao fim da conduta: o não cumprimento da obrigação e entrega do rendimento disponível cedido ultrapassou a mera representação dessa consequência como possível, para se ter como certa ou pelo menos altamente provável.
- O insolvente ao afectar os seus recursos a despesas do agregado alegadamente inadiáveis, não pode deixar de representar como certa ou altamente provável - em face da exiguidade e da inelasticidade das suas receitas - o não cumprimento da obrigação de entrega ao fiduciário do rendimento disponível que se considera cedido.
- No entanto a lei não se satisfaz como atrás dissemos para a cessação antecipada da exoneração do passivo restante com a conduta do Insolvente, exigindo que do seu incumprimento tenha resultado prejuízo relevante para os credores.
- Decerto que o incumprimento daquela obrigação causa naqueles credores um prejuízo. Mas este dano, se se tiver em conta o valor do rendimento que se considera cedido, o montante da quantia não entregue e o valor global dos créditos sobre a insolvência, e a qualidade dos credores afectados - não suporta a qualificação de relevante.
- Não sendo o prejuízo causado pela conduta do Insolvente relevante, não se pode considerar preenchido este requisito legal, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.
Cumpre apreciar.
Em 12/12/2012 foi concedida ao insolvente, por decisão transitada, o beneficio de exoneração do passivo restante pelo período de cinco anos, ficando o insolvente alertado do seu dever de ceder à massa insolvente todo o rendimento que ultrapassasse o valor de um salário mínimo regional.
Nos termos do art. 239° n° 4 do CIRE, fica o insolvente obrigado, durante o período de cessão e além do mais, a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão.
Dispondo o art. 243° n° 1 a) do mesmo diploma que deverá o juiz recusar a exoneração, antes ainda de terminado o período da cessão, quando o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239°, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência .
No caso em apreço, o insolvente sabia perfeitamente que tinha que tinha de contactar o Fiduciário e ceder à massa insolvente a parte dos seus rendimentos para além de um salário mínimo regional.
E não o fez, desde 2012 a 2017, estando em dívida € 6.795,14.
O pedido do pagamento em 18 prestações mensais, dessas quantias não entregues na altura própria, não se justifica, desde logo porque o período de cessão terminou em 12/12/2017. O que redundaria em alargar um prazo que já vai em cinco anos.
Por outro lado, o insolvente violou obrigações de que estava perfeitamente consciente, fazendo-o deliberadamente e durante um largo período temporal, sabendo que com tal conduta estava a prejudicar a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Para efeitos de cessação antecipada do procedimento de exoneração, nos termos do art. 243° n° 1 a) do CIRE, não se exige que o prejuízo dos credores da insolvência tenha de ser relevante, exigência essa aplicável apenas no caso da revogação da exoneração - art. 246° n° 1 do CIRE - e que não é a situação aqui em causa.
O facto de a revogação da exoneração exigir requisitos mais apertados que os do art. 243° n° 1 - a violação dos deveres tem de ser dolosa, e o prejuízo aos credores tem de se mostrar relevante - reside no facto de a revogação ser mais grave, nas suas consequências, por fazer cessar efeitos jurídicos já produzidos - Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, II, pág. 208.
No caso dos autos está em causa não a revogação mas a cessação antecipada do procedimento de exoneração.
Verificando-se que o insolvente incumpriu consciente e delibetradamente com os deveres que lhe eram impostos pelo art. 239° n° 4 do CIRE, fazendo-o ao longo de cinco anos, não podendo ignorar que desse modo prejudicava a satisfação dos créditos sobre insolvência, justifica-se a cessação antecipada da exoneração do passivo restante, nada havendo que censurar à decisão recorrida.
Termos em que improcede a apelação.
Lisboa, 14/06/2018
António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais