É frequente afirmar-se que a ocorrência de uma nulidade processual, por prática de um ato que a lei não admita ou por omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, deve ser objeto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir.
Tratando-se da solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, porém, desajustada quando em presença de uma situação em que é o próprio juiz, ao proferir a decisão (no caso, um despacho saneador-sentença), a omitir um ato ou uma formalidade cuja prática a lei obrigatoriamente impõe.
Nos termos do art. 33°., n.° 4, da Leio do Apoio Judiciário, «a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono».
O documento ou a informação da Segurança Social, comprovativos da data em que a autora ali apresentou o pedido de nomeação de patrono com vista à instauração da ação, são essenciais para a decisão sobre exceção perentória consistente na cessação, por caducidade, do direito de arguição da anulabilidade do negócio jurídico.
Não tendo a autora apresentado tais elementos seria dever do juiz, por imposição do art. 590°, n.°s 2, al. c) e 3, do C.P.C., convidá-la a apresentá-los.
Tendo a autora, em articulado de resposta à exceção de caducidade, requerido ao tribunal a requisição de tais elementos à Segurança Social, era dever do juiz proceder a tal requisição, nos termos dos arts. 411°. e 426.°, do C.P.C.
O dever que impende sobre o juiz no sentido de ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, quanto a factos que lhe é lícito conhecer, é um poder vinculado, de modo a permitir que o processo prossiga seus termos de uma forma regular, breve e eficaz, com vista ao fim a que ele se destina: a justa composição do litígio (arts. 6.° e 7.° do C.P.C.).
A omissão do juiz na realização de qualquer diligência com vista à junção aos autos de documento ou informação essencial ao conhecimento da exceção perentória e, consequentemente, ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador é uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve (art. 195.°, n.° 1, do C.P.C.), comunicável ao despacho saneador-sentença, de modo que a reação da apelante, enquanto parte vencida, não poderia deixar de passar pela interposição de recurso da decisão proferida, integrando, nos respetivos fundamentos, a arguição da referida nulidade.
É que, uma tal nulidade, acarreta a nulidade do saneador-sentença, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.°, n.° 1, al. d), 2.a parte, do C.P.C.; ou seja, o tribunal, ao decidir no sentido da procedência daquela exceção de caducidade, sem estar junto aos autos o documento ou a informação da Segurança Social atrás referidos, conheceu de uma questão de não podia tomar conhecimento.
(sumário elaborado pelo/a relator/a)
Proc. 664/17.6T8SCR.L1 7ª Secção
Desembargadores: José Capacete - Carlos Oliveira - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc. n.° 664/17.6T8SCR.L1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca da Madeira - Juízo de Competência Genérica de Santa Cruz - Juiz 1
SUMÁRIO:
(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade - art. 663.°, n.° 7, do C.P.C.)
1. É frequente afirmar-se que a ocorrência de uma nulidade processual, por prática de um ato que a lei não admita ou por omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, deve ser objeto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir.
2. Tratando-se da solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, porém, desajustada quando em presença de uma situação em que é o próprio juiz, ao proferir a decisão (no caso, um despacho saneador-sentença), a omitir um ato ou uma formalidade cuja prática a lei obrigatoriamente impõe.
3. Nos termos do art. 33°., n.° 4, da Leio do Apoio Judiciário, «a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono».
4. O documento ou a informação da Segurança Social, comprovativos da data em que a autora ali apresentou o pedido de nomeação de patrono com vista à instauração da ação, são essenciais para a decisão sobre exceção perentória consistente na cessação, por caducidade, do direito de arguição da anulabilidade do negócio jurídico.
5. Não tendo a autora apresentado tais elementos seria dever do juiz, por imposição do art. 590°, n.°s 2, al. c) e 3, do C.P.C., convidá-la a apresentá-los.
6. Tendo a autora, em articulado de resposta à exceção de caducidade, requerido ao tribunal a requisição de tais elementos à Segurança Social, era dever do juiz proceder a tal requisição, nos termos dos arts. 411°. e 426.°, do C.P.C.
7. O dever que impende sobre o juiz no sentido de ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, quanto a factos que lhe é lícito conhecer, é um poder vinculado, de modo a permitir que o processo prossiga seus termos de uma forma regular, breve e eficaz, com vista ao fim a que ele se destina: a justa composição do litígio (arts. 6.° e 7.° do C.P.C.).
8. A omissão do juiz na realização de qualquer diligência com vista à junção aos autos de documento ou informação essencial ao conhecimento da exceção perentória e, consequentemente, ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador é uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve (art. 195.°, n.° 1, do C.P.C.), comunicável ao despacho saneador-sentença, de modo que a reação da apelante, enquanto parte vencida, não poderia deixar de passar pela interposição de recurso da decisão proferida, integrando, nos respetivos fundamentos, a arguição da referida nulidade.
9. É que, uma tal nulidade, acarreta a nulidade do saneador-sentença, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.°, n.° 1, al. d), 2.' parte, do C.P.C.; ou seja, o tribunal, ao decidir no sentido da
procedência daquela exceção de caducidade, sem estar junto aos autos o documento ou a informação da Segurança Social atrás referidos, conheceu de uma questão de não podia tomar conhecimento.
Acordam na 7.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I — RELATÓRIO:
CO... instaurou, em 25 de novembro de 2017, a presente ação declarativa de condenação contra AC... (PORTUGAL) — COMÉRCIO DE AUXILIARES AUDITIVOS, UNIPESSOAL, LDA., e DI..., concluindo assim a petição inicial:
«Neste termos e nos mais de direito, deve a presente ação ser [julgada] procedente, por provada, e em consequência:
1.- deve o negócio ser declarado nulo, ou anulável, e em consequência, ser os RR. condenados solidariamente a devolver à A. o valor já pago no montante de € 1.779,13 (mil setecentos e setenta e nove euros e treze cêntimos), acrescido dos juros de mora que se vencerem a contar da citação até efetivo integral pagamento;
2.- Mais devem ser os RR. condenados solidariamente a pagar à A. a quantia de € 4.300,00 (quatro mil e trezentos euros) a titulo de danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora que se vencerem a contar da citação até efetivo integral pagamento».
Alega, para o efeito, e em suma, que somente adquiriu os aparelhos auditivos marca/modelo: INO PROMINI BTE, com o n.° de série 40 30 36 64 e 40 69 38 80, e código do produto P1297, encomendados a 30.10.2015, por ter sido abordada pelo 2.° réu, que se lhe apresentou como sendo médico, quando não o é, trajando bata branca, e lhe efetuou um exame de audiometria tonal.
A autora decidiu adquirir aqueles aparelhos por ter acreditado na qualidade de médico do 2.° réu, e que os mesmos, depois de ter realizado um primeiro teste, lhe permitiriam ter maior audição.
No entanto, aqueles aparelhos não lhe permitem ter a audição prometida.
A autora que foi enganada pelos réus, que agiram com o intuito de a induzir em erro, tendo, em agosto de 2016, deixado de usar aqueles aparelhos, depois de, no 20 de maio de 2016, ter consultado um médico no Hospital Dr. N…, que lhe disse expressamente para deixar de os usar, por não serem adequados ao seu problema auditivo.
A autora alega ainda na petição inicial que lhe foi «atribuída proteção judiciária nas modalidades de nomeação e pagamento de patrono e dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo (...).
Nos termos do disposto no n.2 4 do artigo 33.2 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.»
Na contestação conjunta que apresentaram, os réus alegam, além do mais, que à data da instauração da ação já havia cessado, por caducidade, o direito da autora arguir a anulabilidade do negócio jurídico consistente na compra e venda dos aparelhos auditivos acima identificados, nos termos do art. 287.°, n.° 1, do C.C.
Concluem pugnando para que tal exceção seja julgada procedente, por provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
A autora respondeu a tal exceção, pugnando pela sua improcedência.
No articulado de resposta a essa exceção, alega, além do mais, que «nos termos do n.° 4 do artigo 33° da Lei n.° 47/2007 de 18 de agosto, a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
O patrono desconhece a data em que o requerimento foi apresentado na segurança social, porém a data da propositura da presente ação deve-se reportar àquela data e não a outra, pelo que, também por aqui, não corresponde à verdade que já tenha decorrido o prazo de caducidade invocado, o que se requer para todos os efeitos legais.»
Na parte final do articulado de resposta àquela exceção, a autora formula ainda o seguinte requerimento:
«Requer-se (...) seja o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, notificado para juntar aos autos cópia do requerimento de apoio judiciário da A. que deu origem ao processo de apoio judiciário n.° …, tudo ao abrigo do dever de colaboração que todas as entidades têm para com a descoberta da verdade material dos factos.»
Após a apresentação do articulado de resposta à contestação, o juiz a quo, após se se pronunciar tabelarmente sobre a inexistência de exceções processuais, passou a proferir despacho-saneador nos seguintes termos:
«Considero que o estado dos autos permite, com a necessária segurança, o imediato conhecimento da causa nos termos do disposto no artigo 595.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
I — RELATÓRIO
(...)
QUESTÃO A DECIDIR:
— Saber se o direito da autora de invocar a nulidade/anulabilidade do negócio jurídico e consequente indemnização caducou.
— FUNDAMENTAÇÃO
A. FACTOS
Os elencados no relatório resultantes das peças processuais.
B. DIREITO
A autora não alega em que norma jurídica alicerça o seu pedido, limitando-se a pedir que seja declarado nulo ou anulável o negócio.
Para o efeito alegou uma situação que classifica de erro, mas que, da versão dos factos apresentada por si, antes se situa no dolo previsto nos artigos 253.° e 254.° do Código Civil, pois conclui que foi enganada de propósito pelos réus com o objetivo de adquirir os aparelhos auditivos em causa.
Na verdade, as situações em que a vontade do declarante de comprar um determinado bem tenha sido determinada por dolo — entendido este como qualquer sugestão ou artifício empregue pelo vendedor com a intenção ou consciência de induzir em erro o comprador — pode a declaração de compra ser anulada nos termos do disposto nos mencionados artigos 253.°, n.° 1, e 254.°. n.° 1, do Código Civil.
Ainda que estivéssemos perante um mero erro, a declaração de compra seria sempre somente viciada por anulabilidade e nunca por nulidade — cf os vários regimes de erro previstos nos artigos 247.° a 252.° do Código Civil.
Em todos esses casos existe prazo para arguir o vício, no entanto, ao contrário do que sucede com o dolo, exige-se igualmente, na maioria dos erros, que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro.
Em todas as situações, incluindo as de dolo, o prazo é de um ano a contar da data em que o comprador toma consciência que incorreu em erro/foi enganado — artigo 287.°, n.° 1, do Código Civil.
Ora, a autora reconheceu na petição inicial, no artigo 37.°, que recorreu, por duas vezes, a terceiros, médicos da especialidade, tendo no mês de Agosto de 2016, deixado de usar os aparelhos comprados, após uma consulta com o médico Dr. CA....
Essa consulta ocorreu a 20 de Maio de 2016 e esse médico comunicou à autora que deixasse de usar aqueles aparelhos, uma vez que não tinham sido objecto de um exame médico adequado ao problema concreto da paciente.
Comunicação que a autora, naturalmente, teve por válida, pois levou-a, segundo refere, a deixar de usar os aparelhos, cerca de dois meses depois, sem que refira qualquer outro motivo.
Mais, a própria autora refere que foi por causa dessa consulta de 20 de Maio de 2016 que deixou de usar o bem comprado.
O que vale afirmar que reconhece que teve conhecimento que o bem comprado não era adequado para resolver a sua perda de audição, não o devendo usar, e que somente tinham sido prescritos por não terem sido precedidos de um exame médico adequado.
Donde, a autora tinha um ano, a partir da data em que tomou conhecimento que tinha sido enganada — ou seja, que os mencionados aparelhos não eram adequados à sua condição de saúde e que o exame que precedeu a compra dos mesmos não era o adequado —, para invocar e, juízo o vício de que padeceu a sua declaração de compra desses bens.
Tal conhecimento acontece na mencionada consulta de 20 de Maio de 2016, tanto mais que a conduziu a deixar de usar os aparelhos em Agosto de 2016.
No entanto, somente instaurou a presente ação a 25 de Novembro de 2017, isto é, volvido mais de um ano após saber que os mencionados aparelhos não eram os adequados à sua condição de saúde na sua versão.
Ainda que a autora possa somente ter vindo a saber que o réu pessoa singular não era médico em data posterior, a autora reconhece que a partir de Agosto de 2016 deixou de usar os mencionados aparelhos por indicação de médico especialista, deixando, pois, a partir dessa data de poder arrogar que pretendia a invalidade do contrato de compra e venda por somente ter anuído a comprar o bem por pensar que quem o vendia era um médico.
No momento em que deixou de usar os aparelhos por indicação de médico especialista reconheceu que tomou conhecimento da existência de erro, podendo, pois, já reagir contra o negócio jurídico em causa.
É de acrescentar que o contrato de compra e venda que se pretende com a presente ação ser declarado inválido não carece de o preço ser completamente pago para se encontrar completo, consistindo eventuais obrigações de contacto com a autora no sentido de verificar a adequação do aparelho e testes aos mesmos obrigações que não são obrigações principais do contrato, mas sim secundárias, não contribuindo, pois, para o cumprimento do contrato para efeitos de resolução do mesmo ou do estipulado no n.° 2 do artigo 287.° do Código Civil.
É ainda de referir que a cessação do vício a que se alude na parte final do n.° 1 do artigo 287.° do Código Civil se reporta ao momento em que o declarante deixa de estar em erro por ter a noção da existência do mesmo, o que ocorreu, como já se referiu, a partir do momento em que a autora deixou de usar o bem em causa por considerar como bom o conselho do médico especialista a que recorreu.
Caso a autora tenha razão e o segundo réu se tenha apresentado como médico, com o intuito de a enganar e fazê-la comprar um aparelho de que não carecia, bem sabendo que não tinha habilitações para aferir se a autora carecia de usar esse aparelho, podemos estar perante a prática de um crime de burla simples, atento o valor do bem, que carece de apresentação de queixa-crime por se tratar de crime semipúblico que, a se verificar, conduzirá à possibilidade da autora aí deduzir pedido de indemnização civil.
Acresce que o prazo de caducidade de um ano se destina a reagir junto do vendedor extrajudicialmente, que não constitui qualquer causa de interrupção ou de suspensão do prazo de caducidade, como, de resto, a DECO a quem a autora recorreu saberá, e a preparar e deduzir a ação judicial. Cabia, pois, à autora, no momento em que deixou de usar o bem reagir judicialmente no prazo de um ano, sob pena de tal direito caducar.
Por fim, cabe à autora o ónus de alegar e comprovar os factos impeditivos de operar a invocada caducidade, não lhe aproveitando a invocação de qualquer desconhecimento nos termos do disposto no artigo 342.° do Código Civil.
Assim, cabia-lhe alegar e comprovar a data de apresentação do requerimento de apoio judiciário.
III — DECISÃO
Em face de tudo quanto ficou exposto, julgo PROCEDENTE, por provada, a excepção de caducidade invocada pelos réus e, consequentemente, absolvo-os do pedido, sem prejuízo de eventual apresentação de queixa-crime nos moldes supra referidos.
Inconformada com tal decisão, dela interpôs a autora o presente recurso de apelação, cujas alegações conclui assim:
«1ª.- Nos presentes autos, e começando pelo final da argumentação de direito, o Tribunal a quo entendeu que a cabia à recorrente alegar e comprovar a data de apresentação do requerimento de apoio judiciário.
2ª.- Através do requerimento com a refª 28479901, 12 de Março de 2018 a recorrente respondeu às exceções invocadas.
3ª.- Nesse mesmo requerimento a A. requereu, e passamos a transcrever: REQUERIMENTO I:
Requer-se a V/ Exa seja o Instituto de segurança Social da Madeira, IPRAM, notificado para juntar aos autos cópia do requerimento de apoio judiciário da A. que deu origem ao processo de apoio judiciário nº …, tudo ao abrigo do dever de colaboração que todas as entidades têm para com a descoberta da verdade material dos factos.
4ª.- O Tribunal a quo, na sentença que proferiu, não se pronunciou acerca deste requerimento probatório, requerimento que é essencial para a descoberta da verdade material dos factos, pois a data da entrada do mesmo é relevantíssima para que se possa aferir se já decorreu ou não o eventual prazo de ano (prazo esse que como adiante se dirá também não se concede tenha já se iniciado sequer).
5ª.- A não pronúncia acerca do requerimento probatório apresentado no requerimento com a referência …, do dia 12 de Março de 2018, configura uma irregularidade que por influir decisivamente na decisão da causa, configura uma nulidade da qual a recorrente se prevalece para todos os efeitos legais, nomeadamente a de sendo a mesma conhecida, ser tudo o processado posterior à mesma ser declarado nulo para todos os efeitos legais.
Subsidiariamente e sem prejuízo da nulidade já invocada,
6ª.- A recorrente não se pode conformar com a argumentação do tribunal a quo no sentido de que a recorrente no dia 20 de Maio de 2016 ter tido conhecimento de que os recorridos não eram médicos.
7ª.- Na verdade, do alegado na PI, apenas resulta que naquele dia o médico Dr. CA..., no Hospital Dr. N…, ter dito à A. que deixasse de usar aqueles aparelhos, uma vez que não tinham sido objeto de um EXAME MÉDICO ADEQUADO (maiúsculas, negrito e sublinhado nosso) ao problema concreto do doente.
8ª.- Em lado algum é dito que naquela data a recorrente tomou conhecimento de que o recorrido DI... não era médico otorrino.
9ª.- Assim que a recorrente se apercebeu que o Recorrido DI... não era médico otorrino tentou resolver o contrato de compra e venda, sendo que os recorridos sempre se furtaram a qualquer solução.
10ª.- Tanto que a recorrente recorreu aos serviços da DECO que, expressamente, entraram em contacto com os recorridos para que resolvessem o contrato e indemnizassem a ali queixosa.
11.ª- Pelo que, a data relevante para a contagem do prazo só poderá ser aquela em que a recorrente recorre aos serviços da DECO afim de ser ressarcida.
12ª.- Pois só aí toma plena consciência dos direitos que tem em virtude do engano que em si foi criado pelos recorridos.
13ª.- Razão pela qual, se deve ser contado algum prazo, o mesmo, deve ser contado a partir daquela data e não outra, sob pena de o Tribunal quo incorrer em erro na apreciação da matéria de facto, erro do qual a recorrente se prevalece para todos os efeitos legais.
14ª.- E nem diga o Tribunal a quo que a data da reclamação não consta dos autos, pois o Tribunal a quo, se verificou que existiam imprecisões / insuficiências na exposição e ou concretização da matéria de facto alegado, deveria ter notificado a recorrente, para as suprir, facto que também não ocorreu, irregularidade da qual a mesma se prevalece para todos os efeitos legais.
15ª.- O prazo de caducidade apenas começa a contar a partir da cessação do vicio que lhe serve de fundamento.
16ª.- Tanto quanto se sabe o recorrido DI... não tirou o curso de medicina, nem a recorrida apresentou, junto da recorrente, um licenciado em medicina especialista em otorrino.
17ª.- O vicio / erro criado pelos recorridos na recorrente não cessou.
18ª.- E, como tal, o prazo de um ano previsto no artigo 287º do CC ainda não se iniciou, pelo que, a recorrente está em tempo de propor a ação, como efetivamente fez, tudo o que se requer seja declarado para todos os efeitos legais.
19ª.- O negócio ainda não está totalmente cumprido pelo que, nos termos do nº 2 do artigo 287º do CC, não há prazo para arguir a anulabilidade, seja por via da ação seja por via da exceção, o que se requer seja declarado para todos os efeitos legais.
20ª.- A recorrente, em conjunto com a Deco, manifestou junto dos Recorridos, a sua vontade em ver o negócio ser anulado e ser indemnizada pelos danos causados, o que significa que, assim que teve conhecimento do erro interpelo-os para a sanação do mesmo, sendo certo que, estes, não o sanaram, tendo inclusive protelado no tempo a sua sanação até ao dia de hoje, tentando com isso, eventualmente, ultrapassar o prazo de caducidade para arguição da anulabilidade (o que não se concede, como já foi exposto), mas que efetivamente invocaram.
21ª.- Protelação no tempo que demonstra, por parte dos Recorridos um manifesto abuso de direito do qual a recorrente se prevaleceu para todos os efeitos legais, e do qual o Tribunal a quo não conheceu.
22ª.- Em consequência, deve a sentença do Tribunal a quo ser revogada, na parte em que considera procedente a exceção da caducidade invocada pelos recorridos e deve ser substituída por outra que ordene a baixa dos autos à primeira instância e o consequente prosseguimento dos autos, nomeadamente, ser ordenado que seja efetuado o julgamento e, ser proferida, a final, decisão pelo Tribunal a quo, tudo o que se requer para todos os efeitos legais.
Nestes termos, e no mais de direito que V/Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a nulidade invocada declarada com todos os efeitos legais,
Subsidiariamente
Deve a sentença do Tribunal a quo ser revogada, na parte em que considera procedente a exceção da caducidade invocada pelos recorridos e deve ser substituída por outra que ordene a baixa dos autos à primeira instância e o consequente prosseguimento dos autos, nomeadamente, ser ordenado que seja efetuado o julgamento e, ser proferida, a final, decisão pelo Tribunal a quo, tudo o que se requer para todos os efeitos legais.»
Os réus não apresentaram contra-alegações.
II - ÂMBITO DO RECURSO:
Nos dos arts. 635°, n° 4 e 639°, n° 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, as questões a decidir neste recurso são as seguintes:
a) a nulidade suscitada pela apelante;
b) a cessação, por caducidade, do direito da autora arguir a anulabilidade do negócio jurídico consistente na compra e venda dos aparelhos auditivos acima identificados, nos termos do art. 287.°, n.° 1, do C.C.
III — FUNDAMENTAÇÃO:
3.1 — FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a que consta do relatório que antecede.
3.2 — APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
3.2.1 — Da questão da nulidade suscitada pela apelante
No despacho que admitiu o recurso, o juiz a quo pronunciou-se sobre a questão da nulidade suscitada pela apelante, o que fez nos seguintes termos:
«Nas conclusões de recurso é suscitada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre requerimento em que se solicita que o Tribunal oficie a Segurança Social ao juntar aos autos cópia do requerimento de apoio judiciário da recorrente.
No entanto, os últimos dois parágrafos da sentença posta em crise —antes do dispositivo — pronunciam-se sobre essa matéria nos seguintes moldes:
Por fim, cabe à autora o ónus de alegar e comprovar os factos impeditivos de operar a invocada caducidade, não lhe aproveitando a invocação de qualquer desconhecimento nos termos do disposto no artigo 342.° do Código Civil.
Assim, cabia-lhe alegar e comprovar a data de apresentação do requerimento de apoio judiciário..
Na verdade, a autora, ora recorrente, na resposta à exceção de caducidade limita-se a afirmar no artigo 10.° de fls. 54:
O patrono desconhece a data em que o requerimento foi apresentado na segurança social, porém a data da propositura da presente acção deve se reportar aquela data e não a outra, pelo que, também por aqui, não corresponde à verdade que já tenha decorrido o prazo da caducidade invocado, o que se requer para todos os efeitos legais..
Por outras palavras, a autora não invoca a data em que o requerimento de apoio judiciário foi apresentado junto da Segurança Social, nem por proximidade, antes alegando desconhecimento de facto pessoal da autora.
Tendo, consequentemente, a sentença entendido que cabia à autora alegar a mencionada data, considerando que não lhe aproveitava a alegação de qualquer desconhecimento.
Somente se podem provar factos que se aleguem e não factos que se alega desconhecer-se e que o Tribunal entendeu que tal desconhecimento não se aproveitava.
Mais se refere na sentença que cabia à autora comprovar a data de apresentação do requerimento de apoio judiciário.
Ora, a autora não refere qualquer dificuldade na apresentação de tal documento, não cabendo ao Tribunal substituir-se à parte na produção de prova.
Em suma, a sentença na sua fundamentação indefere o requerimento de prova de oficiar a Segurança Social por tal ónus caber à autora e tal prova ser inócua dado a autora não alegar factos concretos na matéria, ou seja, uma data, ainda que na formulação de não depois de, de apresentação do requerimento de apoio judiciário.
Outro entendimento conduziria a não ter qualquer utilidade a menção na sentença aos ónus de alegação e de prova da autora, que o desconhecimento não lhe aproveitava e que cabia à mesma comprovar a data de apresentação do requerimento de apoio judiciário.
Acresce que a sentença entendeu que o conhecimento do vício em causa teve lugar na consulta de 20 de Maio de 2016, na qual a autora tomou conhecimento de que tinha sido enganada, ou seja, que os aparelhos auditivos não eram adequados à sua condição de saúde e que o exame que precedeu a compra dos mesmos não era o adequado.
Em suma, à pergunta de saber se o desconhecimento da data em que a autora apresentou requerimento de apoio judiciário e se cabia ao Tribunal oficiar a Segurança Social para juntar comprovativo dessa apresentação, o Tribunal entendeu na sentença que o desconhecimento não lhe aproveitava e que cabia à autora alegar a data e juntar o comprovativo da data da apresentação do pedido. É de notar que a Segurança Social apresenta uma cópia carimbada com a data ao requerente de apoio judiciário e uma cópia poderá ser pedida nesses serviços em data posterior.
À pergunta de saber quando o conhecimento do vício ocorreu, o Tribunal respondeu que o mesmo ocorreu na consulta de 20 de Maio de 2016, na qual a autora tomou conhecimento de que tinha sido enganada, ou seja, que os aparelhos auditivos não eram adequados à sua condição de saúde e que o exame que precedeu a compra dos mesmos não era o adequado.»
Como se viu, no articulado de resposta à exceção deduzida pelos réus, alega a autora, além do mais, que «nos termos do n.° 4 do artigo 33º da Lei n.° 47/2007 de 18 de agosto, a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
O patrono desconhece a data em que o requerimento foi apresentado na segurança social, porém a data da propositura da presente ação deve-se reportar àquela data e não a outra, pelo que, também por aqui, não corresponde à verdade que já tenha decorrido o prazo de caducidade invocado, o que se requer para todos os efeitos legais.»
Na parte final do articulado de resposta àquela exceção, a autora formula ainda o seguinte requerimento:
«Requer-se (...) seja o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, notificado para juntar aos autos cópia do requerimento de apoio judiciário da A. que deu origem ao processo de apoio judiciário n.º…, tudo ao abrigo do dever de colaboração que todas as entidades têm para com a descoberta da verdade material dos factos.»
O tribunal a quo não se pronunciou sobre o assim requerido, passando de imediato, após a apresentação, pela autora, daquele articulado, a proferir o saneador-sentença recorrido, onde afirma que «cabe à autora o ónus de alegar e comprovar os factos impeditivos de operar a invocada caducidade, não lhe aproveitando a invocação de qualquer desconhecimento nos termos do disposto no artigo 342.° do Código Civil.
Assim, cabia-lhe alegar e comprovar a data de apresentação do requerimento de apoio judiciário.»
Tal, no entanto, não supre a omissão de pronúncia sobre aquele requerimento da autora.
A questão que se coloca, no entanto, é a de saber se omissão de pronúncia sobre aquele requerimento da autora determina a nulidade do saneador-sentença recorrido?
A resposta é afirmativa!
Vejamos porquê:
As nulidades da sentença são apenas as taxativamente elencadas nas várias alíneas do n.° 1 do art. 615.°.
É frequente afirmar-se que a ocorrência de uma nulidade deve ser objeto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir.
Tratando-se da solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, porém, desajustada quando em presença de uma situação em que é o próprio juiz, ao proferir a decisão (no caso concreto, um despacho saneador-sentença), a omitir um ato ou uma formalidade cuja prática a lei obrigatoriamente impõe.
E no caso concreto, está em causa, indiscutivelmente, a omissão, pelo juiz a quo, de atos cuja prática a lei obrigatoriamente lhe impõe.
Dispõe o art. 33.° da Lei n.° 34/2004, de 29.07 (Lei do Apoio Judiciário):
«1 - O patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a ação naquele prazo.
2 - O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido.
3 - Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente.
4 - A ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.»
O documento emitido pelo competente instituto da segurança social, comprovativo da data em que ali apresentou o pedido de nomeação de patrono com vista à instauração da presente ação é absolutamente essencial para a decisão da exceção perentória consistente na cessação, por caducidade, do direito da autora arguir a anulabilidade do negócio jurídico consistente na compra e venda dos aparelhos auditivos acima identificados, nos termos do art. 287.°, n.° 1, do C.C.
Ora, como é sabido, a lei impõe ao juiz, nos termos da al. c) do n.° 2 do art. 590.°, do C.P.C., que findos os articulados, profira, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador, acrescentando o n.° 3 do mesmo artigo que «o juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa» (o sublinhado a negrito é nosso).
Trata-se, de uma imposição legal, de uma obrigação, de um dever, que a lei impõe ao juiz, e não de uma simples faculdade que o legislador lhe concede.
Ainda que de uma simples faculdade se tratasse, num caso como o presente nada justificaria o seu não uso pelo juiz a quo.
Além disso, dispõe o art. 411.° do mesmo código que «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer», estabelecendo ainda o art. 426.° do mesmo diploma que:
«1 - Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.
2 - A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros.»
O dever que impende sobre o juiz no sentido de ordenar oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, quanto a factos que lhe é lícito conhecer, é um poder vinculado, de modo a permitir que o processo prossiga seus termos de uma forma regular, breve e eficaz, com vista ao fim a que ele se destina: a justa composição do litígio (arts. 6.° e 7.° do C.P.C.).
A omissão do juiz a quo na realização de qualquer diligência com vista à junção aos autos de um documento essencial ao conhecimento da exceção perentória e, consequentemente, ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador é uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve (art. 195.°, n.° 1, do C.P.C.), comunicável ao despacho saneador-sentença, de modo que a reação da apelante, enquanto parte vencida, não poderia deixar de passar pela interposição de recurso da decisão proferida, integrando, nos respetivos fundamentos, a arguição da referida nulidade.
É que, uma tal nulidade acarreta a nulidade do saneador-sentença proferido, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.°, n.° 1, al. d), 2.a parte, do C.P.C.; ou seja, o tribunal a quo ao decidir como decidiu, sem que antes se mostrasse junto aos autos o documento ou a informação da segurança social a que nos vimos reportando, conheceu de uma questão de não podia tomar conhecimento.
IV — DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
a) em anular o despacho saneador-sentença recorrido;
b) em ordenar a devolução dos autos à primeira instância para que o tribunal a quo diligencie pela junção aos autos de documento ou informação idóneos comprovativos da data em que a autora solicitou ao competente instituto da Segurança Social, o pedido de nomeação de patrono, devendo o processo, após tal junção, prosseguir seus termos conforme for de direito.
Sem custas.
Lisboa, 12 de julho de 2018
(José Capacete)
(Carlos Oliveira)
(Maria Amélia Ribeiro)