A Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980 e aprovada pelo Decreto do Governo n.° 33/83, de 11 de Maio, publicado no D.R., 1 série, n.° 108, de 11/05/83 (doravante Convenção da Haia de 1980), tem por objecto ... assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e determina que As autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes deverão adoptar procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança (cfr. a alínea a) do seu art.' 1° e o art.' 11/prct. respectivamente).
O carácter urgente da intervenção veio a ser reforçado pelo n.° 3 do art.° 11° do Regulamento (CE) n.' 220112003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e em Matéria de Responsabilidade Parental, ao dispor que O tribunal... deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional'.
O superior interesse da criança e a celeridade são as traves mestras que ressaltam da legislação aplicável ao rapto internacional de crianças, bem como os princípios do inquisitório, da equidade, da conveniência e da oportunidade que presidem aos processos de jurisdição voluntária na tramitação e gestão do processo, por força da remissão do art.' 12° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, para o n.° 2 do seu art.° 986° do Código de Processo Civil.
Na audiência de progenitores não constitui nulidade, principal ou secundária, o facto de o juiz não se pronunciar acerca da dispensa ou não da inquirição de testemunhas que a parte expressamente se comprometera ...a apresentar tendo em consideração o carácter urgente do presente processo e que não compareceram.
Considerando que a própria requerida aí prestou declarações, devidamente assistida pela sua Advogada, mas foi absolutamente omissa relativamente a quaisquer maus tractos que o requerente alguma vez tivesse infligido ao filho de ambos - alegados para efeitos do preenchimento da excepção da alínea b) do art.° 13° da Convenção de Haia de 1980 - não faria qualquer sentido e até seria contraproducente o tribunal atrasar a decisão para, após tal omissão e sem qualquer requerimento nesse sentido, tomar a iniciativa notificar as testemunhas faltosas para deporem.
Se um casal emigrou para a Suíça com o filho em Setembro de 2015, são os três titulares de autorizações permanentes de residência válidas até 16 de Agosto de 2020 e a criança frequentou ininterruptamente escolas na Suíça, uma deslocação para férias em Portugal e os propósitos futuros da mãe, quer de divórcio quer de refazer a vida profissional neste país, não a legitimam a impedir o regresso da criança ao país onde vivia no final do período de férias, constituindo tal comportamento um acto ilícito de autotutela que a referida Convenção visa impedir.
(sumário elaborado pelo/a relator/a)
Proc. 359/18.3T8CSC.L1 6ª Secção
Desembargadores: Nuno Manuel Machado e Sampaio - Maria Teresa Mendes Pardal - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n.° 359/18.3T8CSC.L1
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,
I - Relatório
Requerente/recorrido:
JO..., residente na Av…, Suíça.
Requerida/recorrente:
SO..., residente na Av…,
em Carcavelos.
Pedido:
...ordenar o imediato regresso do menor FR... à Suíça, país da sua residência habitual, conforme disposto nos artigos 3°, 7° e 12° da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de Outubro de 1980.
Fundamentos:
Após o nascimento do menor FR..., em ..., por decisão conjunta o casal emigrar com o filho para a Suíça em Setembro de 2015, por razões laborais, aí tendo fixado residência, sendo as autorizações de residência permanentes válidas até 16 de Agosto de 2020.
Em 10 de Dezembro de 2017 o casal decidiu vir de férias a Portugal, com datas previstas de regresso a 11 de Janeiro para o requerente e 13 de Janeiro para a requerida e a criança.
No final de Dezembro a requerida comunicou ao requerente que se queria divorciar, refazer a sua vida profissional em Portugal e que o filho de ambos também não regressaria à Suíça.
Apesar da não autorização do requerente, invocando que segundo a lei suíça ambos os progenitores são titulares das responsabilidades parentais e que tinham residência fixada naquele país, a requerida não regressou na data prevista nem posteriormente, retendo consigo a criança.
A progenitora deduziu oposição alegando não existir uma decisão de regulação das responsabilidades parentais anterior que limite o seu direito de custódia, nunca acordou com o requerente que iria regressar com o FR... à Suíça, propôs acção de regulação das responsabilidades parentais em Portugal e alegou factos susceptíveis de integrarem a excepção da alínea b) do art.° 13° da Convenção de Haia de 1980.
O Ministério Público, no parecer junto a fls. 332 do processo físico, promoveu que seja ordenado o regresso do menor FR... ao Estado da sua residência habitual, Suíça.
Sentença recorrida:
Face ao exposto, julga-se procedente a pretensão do requerente e, em consequência, determina-se o regresso imediato do menor FR... à Suíça e ao domicílio do pai. De imediato, passe e entregue mandados de condução para entrega do menor, a executar pela entidade policial, para concretizar a entrega do FR... ao pai.
Foi dado cumprimento à decisão, conforme certidão constante do verso do mandado para entrega de criança que se encontra a fls. 344 do processo físico.
Conclusões da apelação:
1. O recorrido veio aos autos peticionar o regresso do menor FR... à Suíça com fundamento na verificação das circunstâncias da alínea b) do artigo 3.° da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, alegando a retenção ilícita do menor FR... em Portugal pela progenitora, aqui apelante.
2. Discordando-se que nos presentes autos, a criança não foi retida em Portugal de forma ilícita, mas sim em consequência da separação de facto entre os seus progenitores e acordo entre ambos.
3. À data, não se encontrava definida a guarda/residência do menor nem o exercício das responsabilidades parentais e, como tal, impunha-se, para decidir, a concretização do conceito de residência habitual do menor e de risco grave.
4. O menor tem a sua residência habitual em Portugal, aqui residiu a maior parte da sua vida, aqui tem família paterna e maternal, fala o idioma e tem condições de ver as suas necessidades asseguradas, entre outras, a segurança no seu crescimento.
5. Desde a decisão de separação de facto que a mãe prontamente instaurou ações em Portugal e na Suíça para proteção dos interesses do menor, respetivamente uma Ação de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais e uma ação para alteração da residência do menor e da mãe e atribuição da guarda do menor à sua mãe, aqui apelante, por forma a proteger a estabilidade e bem-estar da criança.
6. Relativamente aos critérios suplementares a que se deve atender para determinar a residência habitual da criança, e a que a sentença recorrida não faz sequer menção, atente-se ao Acórdão proferido a 02 de abril de 2009 pelo TJUE, referenciado no Ponto 165 supra da alegação, segundo o qual deve ser considerada a nacionalidade da criança, idade, duração no local de residência, condições e razões da permanência da criança no território de determinado estado-membro e os laços familiares e sociais da criança.
7. O conceito de residência habitual, ou permanente, traduz a ideia de estabilidade do domicílio, assente, designadamente, num conjunto de relações sociais e familiares, demonstrativas da integração na sociedade local. Tendo a criança a sua vida estabilizada num Estado-Membro é este que, em princípio, oferece melhores condições para proceder à regulação do exercício da responsabilidade parental, designadamente para a realização do inquérito às condições sociais, morais e económicas dos pais, que, nesta matéria, se reveste de inegável importância. Semelhante entendimento tem vindo a ser sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente também no ainda recente acórdão de 28 de janeiro de 2016 (processo n.° 6987/13.6TBALM.L1.S1), acessível em www.dgsi.pt.
8. In casu, embora o FR... tenha residido durante um determinado período com os progenitores na Suíça, nas supra referidas condições a residência habitual à data da decisão era em Portugal, consoante articulado nas alegações supra, cfr entre outros, artigos 128° e seguintes.
9. A criança encontrava-se Integrada no ambiente familiar, escolar, emocional e social altamente securizante, em Portugal.
10. Em função e em face da confluência dos mencionados fatores de proximidade e de conexão no circunstancialismo do caso concreto, como se demonstrou, não restam dúvidas que a residência habitual do menor FR... é em Portugal e não na Suíça e a sua permanência em Portugal nos últimos meses não foi de carácter meramente ocasional.
11. Fundamentando-se a decisão de regresso do menor à Suíça no critério segundo o qual o exercício das responsabilidades parentais compete a ambos os pais e por essa razão não pode um deles alterar a residência do filho sem acordo do outro e, bem assim, na falta de prova das situações previstas na alínea b) do art.° 13 da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.
12. Não nos parece, com o devido respeito e salvo sempre melhor opinião, que a decisão que antecede tenha tido em devida conta as concretas circunstâncias deste caso em particular, nem o superior interesse do menor, e nem o normativo legal aplicável.
13. Os progenitores e o menor não tinham a sua vida estabilizada na Suíça, sendo esta uma conclusão forçada, decorrente da falta de conhecimento de diversos fatos que constam dos autos e deveriam ter sido valorados pelo tribunal a quo.
14. Ao fim de dois anos de viagens entre a Suíça e Portugal, concluiu o casal que já nada os ligava à Suíça, sendo que também o recorrido se encontrava desempregado desde novembro de 2017 estando à procura de novo emprego e a realizar uma pós-graduação em Madrid, Espanha, de frequência presencial.
15. O regresso do menor à Suíça voltou a colocá-lo na situação de risco da qual a mãe o pretendia proteger ao decidir pelo divórcio e restabelecimento da sua vida profissional e pessoal em Portugal.
16. O pai não tem disponibilidade nem suporte familiar ou de amigos próximos para assegurar o crescimento saudável do menor.
17. Pelo contrário, em Portugal encontrava-se num ambiente familiar saudável e feliz, onde se desenvolvia rapidamente.
18. O menor foi afastado do seu ambiente seguro e da sua família maternal e paterna, para passar a residir apenas com o seu pai.
19. Verifica-se concretamente o perigo de continuação da conduta do progenitor, já anteriormente indicada nos autos, considerando que se justifica a exceção do art. ° 13, alínea b) e, como tal, o anterior domicílio do menor na Suíça não implicaria obrigatoriamente o seu regresso ao país. Já que aí se encontra em situação de risco.
20. Apenas através da permanência do FR... em Portugal, será possível evitar mais danos psicológicos à criança e manter as figuras primárias de referência que tem desde bebé, incluindo toda a família paterna que, tal como já referido, é também de nacionalidade portuguesa e aqui reside.
21. A referida Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças visa assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente (art.° 1).
22. Excecionando quando o regresso da criança implique a sua sujeição a perigos de ordem física ou psíquica ou uma qualquer outra situação intolerável (art.° 13, alínea b).
23. Também se desconhece qual seria a referência e/ou a estabilidade afetiva da criança na Suíça, já que o progenitor frequenta atualmente uma pós-graduação em Madrid, com regime presencial obrigatório e tem mantido comportamentos abusivos relativamente à mãe e ao menor.
24. Tendo a decisão recorrida omitido esta referência, bem como omitiu considerações acerca das condições de vida da criança na Suíça ou da sua possível reintegração, uma vez que a mãe já não regressava a este país, sendo esta a sua pessoa de referência.
25. A progenitora é figura de referência desde que a criança nasceu, estando em Portugal onde a criança tem mais e melhor apoio familiar, onde tem criados os seus laços familiares e sociais, onde tem toda a sua família, tanto materna como paterna, com quem tem convivido diariamente, tendo vivido na Suíça apenas com os seus pais, pelo que é inquestionável que o menor tem uma relação mais próxima com Portugal.
26. Também o tribunal recorrido não solicitou informações à Autoridade Central Suíça quanto à situação do pai naquele país à sua eventual incapacidade para sozinho tomar conta da criança, consoante foi alegado pela requerente.
27. Também o pai não dispõe de condições para cuidar e acompanhar o menor no seu dia-a-dia. Ficando o menor sem os cuidados e atenção de que necessita nesta fase decrescimento.
28. Para além dos alegados maus tratos e falta de competências parentais para cuidar da criança, também alegadas bem como o regresso do menor à Suíça implica risco grave para a sua saúde, física, psicológica e emocional que não pode ser ignorado.
29. Sendo que os elementos que dos autos constam são suficientes para concluir pela existência de perigo para o menor sob os exclusivos cuidados do pai na Suíça.
30. A decisão do regresso à Suíça, domicílio do pai implica o retorno a um ambiente que passou a ser estranho à criança, onde não existe a sua figura de referência primária ficando apenas acompanhada pelo pai, sem a mãe.
31. Devendo antes, consoante o disposto no artigo 4.°/a) da Lei 147/99 com a redação da Lei 142/2015, doravante apenas LPCJP, devendo ...atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas....
32. Impondo-se no caso concreto, verificar as circunstâncias da vida atual criança no Estado requerido e condições no estado membro de origem.
33. Mostra-se aqui violado o princípio segundo o qual a criança deve regressar ao seu estado de origem, ainda que se considere a Suíça o seu estado de origem, se estiver garantida a sua proteção no Estado Membro de origem.
34. Ou seja: o tribunal deve ordenar o regresso imediato da criança desde que esteja garantida a sua proteção nesse mesmo Estado, podendo e devendo apurar tais condições em face da concreta alegação da progenitora que denunciou diversas situações de risco.
35. Alegou a recorrida diversos riscos de ordem física e psíquica bem como o facto de o progenitor nunca ter criado laços afetivos com o menor.
36. Não existe, porque foi completamente omitida pelo tribunal recorrido que tenham sido tomadas diligencias ou medidas adequadas para garantir a proteção do FR... após o seu regresso à Suíça, consoante dispõe o número 4 do artigo 11° do Regulamento CE 2201/2003, a contrario.
37. E nem pelo facto de que nem o referido Regulamento nem Convenção da Haia1980 enumerarem ou descreverem quais são as situações que podem integrar esse risco ou situação intolerável, nem por isso o Tribunal recorrido poderia deixar de integrar tais situações no caso concreto, porquanto concretamente alegadas, tendo sido juntos documentos e requerida inquirição de seis testemunhas.
38. Acresce a transmitida situação de risco e perigos de ordem física e psíquica e a situação intolerável, que deveriam ter sido considerados para o caso concreto e não o foram: na presente situação, o risco do menor FR... não foi devidamente averiguado.
39. Nos presentes autos, salvo melhor opinião, não foram devidamente consideradas as condições de vida do menor na Suíça, designadamente o apoio que o pai lhe pode oferecer, considerando que apresenta um perfil agressivo e ansioso, que, tal como anteriormente alegado o impede de cuidar da criança.
40. 40. O risco grave considerado na Convenção de Haia acima identificada já se concretizou, pois, o menor estará já a sofrer da falta de estabilidade em que vive na Suíça, tendo sido repentinamente afastado do seu país, casa, família e principalmente, da sua mãe, com quem tem vínculos especiais e bastante mais fortes do que com o seu pai, que acompanhou menos o seu crescimento, tal como anteriormente alegado.
41. Tendo decidido com violação do disposto na aliena b) do artigo 13° da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças e o disposto no artigo 20° mesmo diploma que refere que o regresso da criança poderá ser recusado quando não for consentâneo com os princípios fundamentais do Estado requerido relativos à proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
41. A decisão proferida deveria evitar quebras fraturantes com a deslocalização para a Suíça sendo que o interesse da criança consiste também em não ser submetido a constantes alterações de vida, muito menos para o seu regresso a um país onde não tem raízes emocionais ou família, apenas o seu pai, cujo comportamento é violento para com a mãe do menor e a própria criança.
43. Considera-se, pois, salvo sempre melhor opinião, que embora a vinculação internacional obrigue ao restabelecimento da situação anterior, do statu quo ante, facto é que ele deixou de existir pois as condições alteram-se radicalmente e ainda que a deslocação fosse ilícita, a vinculação envolve e não em menor grau a obrigação de não ordenar tal retorno de modo automático ou mecânico, depondo neste sentido as exceções dos artigos 12°, 13° e 20° da referida Convenção da Haia (1980).
44. No caso concreto o não retorno considera-se plenamente justificado por razões objetivas que correspondem ao interesse da criança.
45. Verificada a exceção relevante, não deve ser ordenado o regresso da criança não se podendo impor o convívio apenas com o seu progenitor com o qual não tem laço e é vítima de maus tratos, sendo indesejável esse convívio.
46. Até porque a decisão de regresso não pode ser automática, impondo-se verificar as condições concretamente alegadas e documentadas nos autos, que fundamentam a exceção pois o que está em causa é proteger o superior interesse da criança.
47. Tendo sido alegadas as circunstâncias de facto que obstam, que excecionam o regime do artigo 13° da Convenção da Haia, antes deveria o tribunal recorrido ter efectuado cuidadoso exame sobre a situação da criança e da família, sendo de ordem pública o interesse a acautelar.
48. O Estado não pode ser indiferente à anterior alegação e denuncia de concretas situações de mau trato e indiferença e falta de cuidados parentais.
49. Impunha-se antes uma análise circunstanciada de um conjunto de factos que são relevantes e foram oportunamente alegados pela recorrente mãe.
50. O tribunal recorrido deveria ter considerado todos os fatores relevantes designadamente a avaliação adequada da situação e a obtenção de relatórios sociais e condições psicológicas em que a criança se encontra considerando a possibilidade de permanecer em Portugal e ou as consequências psicológicas para o mesmo sendo ordenado o regresso.
51. O que explica e se funda nas exceções da Convenção no alinhamento normativo dos artigos 12°, 13° e 20° e ainda decorre do artigo 8° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, também elas vinculativas para o Estado Membro Português e, salvo o devido respeito, não será em menor grau de prioridade que o do regresso imediato.
52. Assim a regra de retorno não é automática nem pode ser absoluta, devendo ceder perante as concretas circunstâncias de cada caso o que não ocorreu, tendo o Tribunal recorrido atuado com violação das normas alinhadas dos artigos supra mencionados no ponto anterior.
53. Tendo decidido com violação do disposto na aliena b) do artigo 13° da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças e do disposto no artigo 20° mesmo diploma.
54. Também decidiu com violação do artigo 8° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, incumprindo as exigências processuais decidindo com clara falta de conhecimentos sobre as condições e factos alegados pela recorrida relativos aos riscos da situação na Suíça, da falta de cuidados pelo pai, da separação da mãe figura de referência exclusiva da criança, o que deveria ter sido considerado nos limites da apreciação que o estado Membro Português tem, nesta matéria em particular.
55. E se não se considerasse suficientemente esclarecido incumbia-lhe oficiosamente a indagação e a tomada de medidas necessárias ao esclarecimento da situação alegada pela progenitora concretamente nesta sede de risco para a criança.
56. Também para conhecer e valorar o risco grave alegado pela recorrente que apresentou prova documental e arrolou testemunhas, deveria o Tribunal ter permitido a produção da prova. Porém
57. A decisão foi tomada de forma quase automática, e foram desconsiderados meios de prova que se reputam fundamentais, tendo a decisão sido proferida com base nos elementos documentais e nas declarações dos próprios, manifestamente insuficientes enquanto elementos de prova.
58. Não tendo sido admitida a produção de prova testemunhal apresentada para sustentar e demonstrar os atos de mau trato a que o menor se encontra sujeito na companhia do pai, e assim do impacto na sua saúde física e psicológica.
59. Não sendo suficientes para se poder conhecer, com segurança, dos fundamentos da oposição, pelo que tal constitui uma nulidade por ter dispensado a produção de prova requerida, que o primeiro parágrafo do artigo 13° da Convenção permite realizar.
60. Tendo a requerida mãe/ora apelante requerido a produção de prova para que o Tribunal se pronunciasse sobre o risco efetivo em que a criança se encontrava quando em contacto com o pai, não sendo assegurada a sua segurança consoante alegado no requerimento em que requer a inquirição de testemunhas (Citius REFa 28292217).
61. Não foi proferido despacho, nem foram ouvidas as testemunhas indicadas a factualidade muito importante para aferir dos maus tratos alegados.
62. Justificando-se, pois, salvo melhor opinião, a audição de testemunhas arroladas para apurar da verificação da exceção/ recusa do regresso desta criança face à concreta alegação da mãe recorrente.
63. O tribunal recorrido não se pronunciou sobre este aspeto nem tão-pouco se pronuncia sobre a audição/inquirição das testemunhas indicadas, desconsiderando o meio de prova indicado, resultando, pois, que a decisão é nula por omissão de pronúncia sobre questões que deveria conhecer, e por a mesma não ter sido sustentada no acervo probatório ao dispor do processo (artigo 615° n. ° 1 d) do Código de Processo Civil.
64. Caso assim se não considere, o facto de o Tribunal não ter ouvido as testemunhas arroladas pela apelante deverá sempre ser considerado erro de julgamento na apreciação da prova produzida por insuficiência, em resultado desta referida omissão de diligências.
65. Pelo que tendo sido omitido nos autos o ato de pronúncia acerca da produção da prova indicada pela progenitora na sua oposição, verifica-se nulidade processual — artigo 195° do CPC pois que a referida omissão é suscetível de influir na decisão da causa, determinante da ocorrência de uma nulidade processual secundária, atípica ou inominada, que ora se suscita com os consequentes efeitos invalidantes.
66. Poderia sempre o Tribunal a quo ter recusado o regresso até avaliação das concretas condições descritas e alegadas pelas partes, pois não estaria impedido de, posteriormente ordenar o regresso, após concreta aquisição de factualidade que tal justificasse, designadamente em face do previsto, entre outros, artigo 11° da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.
67. Assim, deve a sentença judicial ser considerada nula, por nos termos do artigo 615° n.° 1 d) do CPC ser omissa na pronúncia de questões que o Tribunal a quo deveria conhecer em face dos factos invocados e dos meios de prova coligidos.
68. Caso assim não se entenda, deve a sentença judicial ser considerada nula pelo facto de o Tribunal não ter ouvido as testemunhas arroladas pela apelante - omissão de diligências processuais como seja a da produção da prova indicada pela progenitora na sua oposição - o que constitui nulidade processual secundária que ora se suscita, sendo que a referida omissão é suscetível de influir na decisão da causa, tendo sido desrespeitado o artigo 195° do CPC, subsidiariamente aplicável.
69. Mas também se mostra violada a norma contida no primeiro parágrafo do artigo 13° da Convenção da Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças que assegura a produção da prova.
70. Por todos os motivos que constam da alegação que antecede e das conclusões supra, deverá a sentença ser substituída por outra que ordene a permanência do menor em território português junto da sua mãe, pessoa que que se encontra na melhor posição para assegurar os seus superiores interesses.
71. Não teve, pois, a decisão recorrida em devida conta o caso concreto, os antecedentes e todos os elementos que concorrem para o esclarecimento dos factos, não se julgou segundo um critério de equidade, não se providenciou a recolha de mais elementos atuando com desrespeito do quanto se contém no artigo 3, 12 e 13 da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.
72. Mais se discorda da decisão proferida porquanto inexiste provado qualquer facto sequer demonstrativo de que tal corresponda ao superior interesse desta criança em concreto, em termos de a proteger e acautelar riscos nomeadamente, a nível físico, psicológico, afetivo, emocional, intelectual e a satisfação integral dos direitos do menor (cfr. artigo 1878°, 1885° e 1901°, do Código Civil), e assim assegurar a tutela do interesse deste menor.
73. Em concreto e para o caso sub judice sem esquecer a obrigação decorrente do disposto no artigo 4.°/a) da LPCJP ...atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas..., conformadores do superior interesse da criança.
74. Tendo em conta que é o interesse do menor (conceito indeterminado a preencher no caso concreto em face da factualidade apurada) que constitui o único critério legal a observar na decisão judicial e que este não foi observado.
75. E o que existe provado é que o menor já se encontrava em Portugal e em boas condições de segurança e dos demais cuidados necessários, frequentando a creche, tendo aqui a sua vida organizada e estabilizada.
76. Antes deveriam ter sido devidamente enquadrado com todos os elementos decisivos a ter em conta.
77. A decisão recorrida fez errada interpretação do regime constante das concretas normas referidas, supra, e, ao concluir no sentido de encontrou uma solução encontrada injusta, desadequada e perigosa para o menor no caso em apreço.
78. Requerendo que tal decisão seja revogada, e substituída por outro que venha a proferir decisão consentânea com o disposto no art.° 13, alínea b) da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.
79. E assim devendo decretar-se o regresso e permanência do menor FR... a Portugal, país da sua residência habitual, onde se encontra longe dos perigos que a convivência exclusiva com o pai cria.
Pelo que, supra descritos motivos e conclusões ao determinar o regresso do menor FR... à Suíça, desrespeitou o normativo referido devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que determine o regresso e permanência do menor FR... a Portugal, para a guarda da sua mãe, para residir em Lisboa, próximo das famílias de ambos os progenitores.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que respeitando as especificidades do presente caso e que julgue determinando o regresso do menor a território nacional, nos termos que constam dos vários requerimentos apresentados aos autos.
Não foram apresentadas contra-alegações
Questões a decidir na apelação:
1a questão: se é nula a decisão recorrida;
2a questão: se estavam preenchidos os pressupostos da Convenção de Haia para ordenar o
regresso do menor à Suíça.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
II - Apreciação do recurso
Factos provados:
1 - FR... nasceu a …, em Lisboa, e é filho de JO... e de SO....
2 - Os pais da criança casaram em ….
3 - O casal decidiu emigrar com o filho para a Suíça, em …, aí tendo fixado residência.
4 - Os progenitores e o filho são titulares de autorizações permanentes de residência na Suíça, válidas até 16 de Agosto de 2020.
5 - O FR... frequenta, ininterruptamente, desde Outubro de 2015 a escola na Suíça, frequentando, actualmente e desde Agosto de 2016, a escola ….
6 - Em 10 de Dezembro de 2017 o casal decidiu vir de férias a Portugal.
7 - A data prevista de regresso do requerente à Suíça era o dia 11 de Janeiro de 2018 e a da requerida e do FR... o dia 13 de Janeiro de 2018.
8 - No final de Dezembro a progenitora comunicou ao requerente que se queria divorciar e que pretendia refazer a sua vida profissional em Portugal.
9 - Em 13 de Janeiro de 2018, a requerida enviou um email ao requerente informando-o que não voltaria à Suíça e que o menor FR... também não.
10 - Sem autorização do requerente, a requerida inscreveu o FR... em equipamento de infância.
11 - O requerente informou a requerida da sua oposição à manutenção do FR... em Portugal, dizendo-lhe que o mesmo regressaria à Suíça onde tem residência permanente, podendo a requerida visitá-lo sempre que pretendesse.
12 - Mais comunicou o requerente à requerida que não autorizava que o FR... fosse inscrito em qualquer estabelecimento de ensino em Portugal.
13 - Não tendo a requerida embarcado com o FR... no dia 13 de Janeiro com destino à Suíça, o requerente deslocou-se a Portugal em 17 de Janeiro com o objectivo de vir buscar o filho, o que a requerida não permitiu.
Enquadramento jurídico:
la questão: nulidades da decisão recorrida.
Sendo as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso, da sua leitura transparece que a recorrente, depois de diversas outras considerações, dedica as conclusões 57 a 68 à arguição de duas nulidades: do art.° 615°, n. 01, al. d) do Código de Processo Civil, por dispensa de prova testemunhal requerida para demonstrar os atos de mau trato a que o menor se encontra sujeito na companhia do pai e sem que fosse proferido despacho; e, caso assim se não entenda, a nulidade secundária do art.° 195° do mesmo código por omissão do acto de pronúncia acerca da produção da prova indicada por ser susceptível de influir na decisão da causa.
Por razões de ordem lógica e de sistematização é das invocadas nulidades que se conhecerá em primeiro lugar.
Aos presentes autos é aplicável o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, cujo art.° 12° dispõe que os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária, o que nos remete para os normativos que regem os processos de jurisdição voluntária no Código de Processo Civil.
Nos termos do n.° 2 do seu art.° 986° o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas e informações convenientes e só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias; acresce que, em sede de julgamento, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita e adopta, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
Ou seja, tendo presente que, pela especificidade do thema decidendum, terá de prevalecer sempre o superior interesse da criança, os princípios que presidem aos presentes autos são os do inquisitório, da equidade, da conveniência e da oportunidade.
É cumulativamente aplicável a Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980 e aprovada pelo Decreto do Governo n.° 33/83, de 11 de Maio, publicado no D.R., I série, n.° 108, de 11/05/83 (doravante Convenção da Haia de 1980), que tem por objecto ... assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e determina que As autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes deverão adoptar procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança (cfr. a alínea a) do seu art.° 1° e o art.° 11°, respectivamente).
O carácter urgente da intervenção veio a ser reforçado pelo n.° 3 do art.° 11° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e em Matéria de Responsabilidade Parental, ao dispor que O tribunal... deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.
O superior interesse da criança e a celeridade são, assim, as traves mestras que ressaltam deste enquadramento jurídico, bem como os princípios que presidem aos processos de jurisdição voluntária.
Focando a atenção no caso dos autos, a leitura do final da resposta junta a fls. 92 pela requerida permite comprovar que arrolou, efectivamente, seis testemunhas.
Porém, nas suas alegações de recurso omite o que deixara escrito antes da identificação de cada uma: Mais se requer a audição das testemunhas infra discriminadas, a apresentar, tendo em consideração o carácter urgente do presente processo (sublinhado nosso).
Dias depois, a 26 de Fevereiro de 2018, realizou-se a audiência de progenitores cuja acta se encontra documentada a fls. 302 do processo físico e na qual não é dada como presente qualquer testemunha, o que só pode significar que a requerida não as apresentou.
Esta constatação será suficiente para julgar improcedentes as nulidades arguidas, na medida em que o tribunal se limitou a constatar a ausência das testemunhas a apresentar e não tinha qualquer obrigação de se pronunciar acerca da dispensa ou não da prova.
Não podemos, no entanto, deixar de acrescentar que na ocasião a requerida pautou-se pelo silêncio, não procurou justificar a ausência das seis testemunhas e não confrontou o tribunal com a essencialidade de um ou mais depoimentos, a prestar em data necessariamente próxima.
Não faz qualquer sentido vir agora, em sede de recurso, arguir nulidades quando nada fez para as evitar.
Acresce que a requerente prestou declarações, devidamente assistida pela sua Advogada, no decurso das quais teve a oportunidade de se pronunciar sobre todos os pontos em discussão — o resumo transcrito em acta é elucidativo — mas foi absolutamente omissa relativamente a quaisquer maus tractos que o requerente alguma vez tivesse infligido ao filho de ambos.
Alegara efectivamente alguns factos concretos a partir do art.° 59° da sua resposta ao requerimento inicial, mas quando teve oportunidade para os relatar perante o tribunal nada disse, descredibilizando-se por completo e dispensando definitivamente as testemunhas que não apresentou.
Considerando a natureza e os princípios que orientam a tramitação destes autos, bem como o seu carácter urgente, não faria qualquer sentido e até seria contraproducente o tribunal atrasar a decisão para, após o sucedido e sem qualquer requerimento nesse sentido, ainda notificar as testemunhas para deporem.
A conclusão de que o tribunal não carecia de mais elementos de prova não foi expressa mas resulta claramente do segundo parágrafo do despacho final, ao determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público para parecer; e a requerida não se opôs, designadamente contrapondo que faltava ouvir testemunhas ou solicitar à Autoridade Central Suíça as informações que agora considera em falta na conclusão 26.
O processo seguiu os seus termos mas a Sr.a Juíza, logo no início da decisão recorrida, ainda teve o cuidado de consignar que considerava conterem os autos elementos suficientes para produzir decisão final.
Do exposto decorre inequivocamente que não foi cometida qualquer nulidade, principal ou secundária.
2a questão: se estão preenchidos os pressupostos da Convenção de Haia de 1980 para ordenar o regresso do menor à Suíça.
Os factos a considerar são unicamente os supra expostos, uma vez que não foram impugnados nos termos do art.° 640° do Código de Processo Civil, aplicável também nos processos se jurisdição voluntária (cfr. Maria dos Prazeres Beleza, Jurisprudência sobre rapto internacional de crianças, estudo publicado na Revista Julgar, n.° 24, 2014, páginas 70 e 71, em que cita dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e da Relação do Porto; posteriormente, no mesmo sentido, cfr. o acórdão de 17/11/2015 da Relação de Lisboa, processo n.° 761/15.2.T8CSC.L1-7, disponível em www.dgsi.pt).
A apreciação da questão rege-se pela já referenciada Convenção de Haia de 1980 que, conforme já escrevemos, tem por objecto ... assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente (al. a) do art.° 1°).
Nos termos do art.° 3° a deslocação ou retenção de um menor é considerada ilícita nas seguintes situações:
a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa („) pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e
b) esse direito estivesse a ser exercido de maneira efectiva, individual ou conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
Idêntica foi a redacção conferida ao art.° 7°, n.° 2 da Convenção relativa à Competência, à Lei aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção de Crianças, concluída na Haia em 19 de Outubro de 1996, aprovada pelo Decreto do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.° 52/2008, de 13 de Novembro, publicado no D.R., I série, n.° 221, de 13/11/2008.
Seguindo a ordem argumentativa das extensas conclusões das alegações — recordando que ao tribunal de recurso não é exigível que se pronuncie sobre todos os argumentos —, os n.°s
1 a 14 resumem-se no essencial à questão da residência permanente e à excepção da al. b) do art.° 13° da Convenção de Haia de 1980: ... risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.
A este respeito já concluímos que a requerida, relativamente aos factos que invocou para efeitos desta excepção, nem se pronunciou quando foi ouvida nem cumpriu o ónus de apresentar as seis testemunhas que identificara, deixando sem qualquer suporte a insistência nas alegações de recurso, designadamente nas conclusões 15 a 20 e nalgumas outras situadas entre a 38 e a 56.
No que se refere à residência permanente ou habitual a matéria de facto é tão elucidativa que dispensa entrar em considerações acerca do seu conceito na legislação aplicável: o casal emigrou para a Suíça com o filho em Setembro de 2015, são os três titulares de autorizações permanentes de residência válidas até 16 de Agosto de 2020 e a criança frequentou ininterruptamente escolas na Suíça (factos n.° 3 a 5).
Para a sua fixação contribuiu a seguinte passagem transcrita na acta de fls. 302: Pela Digna Procuradora do Ministério Público foi pedida a palavra e, sendo-lhe a mesma concedida, no seu uso questionou a progenitora se é ou não verdade que viviam, ininterruptamente, na Suíça há cerca de
2 anos e 5 meses com FR..., se tinham autorização de residência até 16 de Agosto de 2020, se eram titulares de um contrato de arrendamento para habitação e se o FR... frequentou, desde Outubro de 2016 a escola na Suíça e, desde Agosto de 2016, a Escola C.., tendo a progenitora a tudo respondido afirmativamente.
Perante esta realidade é por demais evidente que uma deslocação para férias em Portugal e os propósitos futuros da requerida, quer de divórcio quer de refazer a vida profissional neste país (factos n.°s 6 a 9), não têm a potencialidade de interferirem com a residência habitual da criança sedimentada ao longo de mais de dois anos.
Para efeitos do supra transcrito art.° 3° da Convenção de Haia de 1980 é igualmente inquestionável que o exercício das responsabilidades parentais, que tanto na Suíça como em Portugal recaem sobre ambos os progenitores e por ambos estava a ser exercido, não legitimava a requerida a impor a sua vontade de reter o FR... contra a vontade do marido, que ao fazê-lo enveredou pela autotutela que a legislação proíbe e pretende a todo o custo evitar.
A futura definição desse exercício é, indiscutivelmente, fundamental para o futuro do FR...; mas acções judiciais entretanto instauradas ou a instaurar com esse objectivo, envolvendo a apreciação dos afectos, de apoio familiar e demais elementos que venha a ser necessário ponderar na futura regulação das responsabilidades parentais de cada progenitor, em nada interferem com o que se discute nos presentes autos.
Igualmente não colhe o argumento de não terem sido solicitadas informações à Autoridade Central Suíça (conclusões 26 a 56) considerando, designadamente, a urgência do processo, a estabilidade da vida escolar do FR... e o facto de terem sido as próprias autoridades suíças a tomarem a iniciativa de formular o pedido urgente de regresso do menor perante as autoridades portuguesas, documentado a fls. 85 do processo físico.
É lícito partir do princípio de que um país tão organizado e familiarizado com a recepção e acompanhamento de emigrantes, uma vez satisfeito o pedido, tome todas as precauções tendentes a assegurar a estabilidade e bem-estar da criança a todos os níveis possíveis.
É verdade que a regra do retorno não é automática mas as circunstâncias deste caso, de manifesta autotutela de iniciativa da requerida, compreensiva pelos afectos mas sem suporte jurídico, não deixavam margem de manobra à julgadora.
Perante o exposto não faz qualquer sentido invocar a violação do art.° 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (conclusão 54), que só encontraria justificação se a requerida demonstrasse os riscos que alegou mas não demonstrou.
As últimas dez conclusões não são mais do que o repisar e sublinhar de pontos anteriormente focados, não justificando mais considerações.
Resta assim concluir, acompanhando a sentença recorrida, pela ilicitude da retenção da criança e pela consequente determinação da sua imediata entrega, dado que não foi feita prova de qualquer das situações impeditivas previstas no art.° 13° da Convenção de Haia de 1980.
III — Decisão
Nestes termos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar
improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 5 de Julho de 2018
Nuno Sampaio (relator)
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho
SUMÁRIO
I — A Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980 e aprovada pelo Decreto do Governo n.° 33/83, de 11 de Maio, publicado no D.R., I série, n.° 108, de 11/05/83 (doravante Convenção da Haia de 1980), tem por objecto ... assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e determina que As autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes deverão adoptar procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança (cfr. a alínea a) do seu art.° 1° e o art.° 11°, respectivamente).
II — O carácter urgente da intervenção veio a ser reforçado pelo n.° 3 do art.° 11° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e em Matéria de Responsabilidade Parental, ao dispor que O tribunal... deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.
III — O superior interesse da criança e a celeridade são as traves mestras que ressaltam da legislação aplicável ao rapto internacional de crianças, bem como os princípios do inquisitório, da equidade, da conveniência e da oportunidade que presidem aos processos de jurisdição voluntária na tramitação e gestão do processo, por força da remissão do art.° 12° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, para o n.° 2 do seu art.° 986° do Código de Processo Civil.
IV — Na audiência de progenitores não constitui nulidade, principal ou secundária, o facto de o juiz não se pronunciar acerca da dispensa ou não da inquirição de testemunhas que a parte expressamente se comprometera ...a apresentar tendo em consideração o carácter urgente do presente processo e que não compareceram.
V — Considerando que a própria requerida aí prestou declarações, devidamente assistida pela sua Advogada, mas foi absolutamente omissa relativamente a quaisquer maus tractos que o requerente alguma vez tivesse infligido ao filho de ambos — alegados para efeitos do preenchimento da excepção da alínea b) do art.° 13° da Convenção de Haia de 1980 — não faria qualquer sentido e até seria contraproducente o tribunal atrasar a decisão para, após tal omissão e sem qualquer requerimento nesse sentido, tomar a iniciativa notificar as testemunhas faltosas para deporem.
VI — Se um casal emigrou para a Suíça com o filho em Setembro de 2015, são os três titulares de autorizações permanentes de residência válidas até 16 de Agosto de 2020 e a criança frequentou ininterruptamente escolas na Suíça, uma deslocação para férias em Portugal e os propósitos futuros da mãe, quer de divórcio quer de refazer a vida profissional neste país, não a legitimam a impedir o regresso da criança ao país onde vivia no final do período de férias, constituindo tal comportamento um acto ilícito de autotutela que a referida Convenção visa impedir.
O Relator,
Nuno Sampaio