Os créditos dos trabalhadores emergentes da cessação do contrato de trabalho gozam de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador no qual prestavam a sua atividade (art. 333, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho).
Sobre os demais imóveis da devedora insolvente — nomeadamente sobre aqueles que a sociedade, de acordo com o seu objeto social, destinava a comercialização —, não goza o trabalhador-credor da garantia do referido privilégio imobiliário especial.
(Sumário elaborado pelo Relator).
Proc. 2298/12.2TYLSB.L1 7ª Secção
Desembargadores: Higina Castelo - José Capacete - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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7ª Secção — Cível
Proc. n.° 2298/12.2TYLSB-A.L1
SUMÁRIO
1. Os créditos dos trabalhadores emergentes da cessação do contrato de trabalho gozam de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador no qual prestavam a sua atividade (art. 333, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho).
II. Sobre os demais imóveis da devedora insolvente — nomeadamente sobre aqueles que a sociedade, de acordo com o seu objeto social, destinava a comercialização —, não goza o trabalhador-credor da garantia do referido privilégio imobiliário especial.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
NO..., credor reclamante nos autos à margem identificados, não se conformando com a sentença de 06/06/2017 que graduou os seus créditos atrás de créditos dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial, interpôs o presente recurso.
A sentença posta em crise tem, para o que ora releva, o seguinte teor:
«I — JO..., foi declarada insolvente por
sentença de 04/02/13, transitada em julgado.
Foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.
Findo o prazo da reclamação, a Sra. Administradora da Insolvência juntou aos autos lista de
credores reconhecidos e não reconhecidos (fls. 4 e segs.).
(—)
O Fundo de Garantia Salarial veio, a fls. 238 segs., requerer a sua sub-rogação nos créditos pagos aos seguintes trabalhadores e credores reclamantes, no valor global (ilíquido) de € 58.035,04:
- JJ...: € 8.730,00;
- JM...: € 8.730,00;
- IS...: € 8.730,01;
- JO...: € 8.730,01;
- RA...: € 8.730,01;
- NO...: € 8.730,01;
- PE...: € 5.655,00.
(—)
Como referimos supra, de acordo com a certidão que juntou aos autos (e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido), o Fundo de Garantia Salarial procedeu ao pagamento parcial dos créditos detidos pelos mencionados trabalhadores.
Ao abrigo do disposto no art. 322.º, da Lei n.º 35/04 de 29.07 (atualmente, do art. 4.º, do Decreto-Lei n.º 59/2015 de 21.04), o Fundo de Garantia Salarial, relativamente ao pagamento de créditos efetuado aos trabalhadores, fica sub-rogado nos respetivos direitos e privilégios creditórios relativos aos pagamentos efetuados, acrescido dos juros de mora que se venham a vencer.
Assim, terá de se considerar habilitado o Fundo de Garantia Salarial, que passará a ocupar o lugar dos identificados credores reclamantes, na medida dos créditos a cujo pagamento procedeu (€58.035,04), que deverão ser satisfeitos a par com os verificados e graduados aos trabalhadores.
IV — Pelo exposto, nos termos dos citados arts. 130.º, n.º 3 e 131.º, n.º 3, do CIRE, homologo as listas de credores reconhecidos e não reconhecidos, apresentadas pela Administradora da Insolvência, e, em consequência:
a) Julgo verificados os seguintes créditos:
(—)
V — Verificados os créditos por homologação, há agora que proceder à sua graduação, tendo em atenção o que consta da lista homologada, as disposições legais aplicáveis e a composição da massa insolvente.
A regra geral é de que todos os credores estão em situação de igualdade perante o património do devedor.
Existem, porém, causas de preferência no pagamento, legalmente consagradas e que podem
incidir sobre alguns bens ou todos os bens do insolvente, as quais constituem exceções ao princípio da igualdade dos credores perante o património do devedor.
O CIRE, veio consagrar a repartição dos credores por classes — art. 47.9, do citado diploma e, em especial, o n.º 4 — sendo garantidos os créditos que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios especiais, privilegiados os créditos que beneficiem de privilégios creditórios gerais, subordinados os créditos enumerados no art. 48.º, exceto quando beneficiem de privilégios ou garantias que se não extingam por efeito da declaração de insolvência (cfr. art. 97.º, do CIRE) e comuns os demais créditos.
No caso concreto, e de acordo com a lista homologada temos créditos garantidos por hipoteca, créditos privilegiados reclamados por trabalhadores e créditos comuns.
Assim, e tendo em conta que os bens apreendidos são bens imóveis e móveis:
- Quanto aos créditos garantidos por hipoteca, que incidem sobre os bens imóveis apreendidos, nos termos do disposto nos artigos 686.º, n.º 1 e 693.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, importa referir que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor dos imóveis em questão, com preferência sobre os demais credores, abrangendo os juros e acessórios do crédito levados a registo relativos a 3 anos. Já o remanescente dos créditos hipotecários em causa, concorrerão como créditos comuns com os demais, na mesma posição e a satisfazer rateadamente;
- Os créditos reclamados pelos trabalhadores gozam do privilégio mobiliário geral previsto no art. 333.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, devendo ser graduados antes dos créditos referidos no n.º 1 do art. 747.º, do Código Civil [n.º 2, al. a), do art. 333.º, do Código do Trabalho]. Estes créditos gozam também de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis da insolvente, nos termos do art. 333.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, devendo ser graduados antes dos créditos referidos no art. 748.º, do Código Civil [n.º 2, al. b), do art. 333.º, do Código do Trabalho];
- Os créditos dos trabalhadores em que se mostra sub-rogado o Fundo de Garantia Salarial devem ser graduados a par com aqueles, nos termos do disposto no art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril (correspondente ao pregresso art. 322.º, da Lei n.9 35/2004, de 29/07);
- Os créditos comuns, ou seja, aqueles que não gozam de garantia real prevalente, de privilégios creditórios, nem são créditos subordinados, são os créditos que não se enquadram em nenhuma das classificações discriminadas, sendo pagos na proporção respectiva, se a massa insolvente foi insuficiente para a sua satisfação integral [artigos 47.º, n.º 4, alínea c), e 176.º, do CIRE].
Tendo ainda em conta o disposto nos arts. 174.º a 177.º, do CIRE, deverão, assim, ser graduados, quanto ao produto da venda dos imóveis, em primeiro lugar, os trabalhadores, seguidos dos credores garantidos, e, em terceiro lugar, os créditos comuns (no sentido de não dotados de qualquer privilégio quanto a estes bens), rateadamente, nos termos do disposto no art. 604.º, n.º1, do Código Civil.
Quanto ao produto dos demais bens, a graduação será geral, graduando-se em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores, depois os créditos comuns (no sentido de não garantidos ou privilegiados quanto a estes bens), também rateadamente.
VI - Pelo exposto, graduo os créditos sobre a insolvente JO..., da seguinte forma:
A - Para serem pagos pelo produto da venda das frações autónomas designadas pelas letras 12/20/A, C e I, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º …, freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, e inscrito na matriz predial sob o n.º …:
1— Em primeiro lugar, rateadamente:
- IS... - € 37.269,99;
- JC... —C 48.620,00;
- JM... —€ 5.430,00;
- JO... —C 17.789,99;
- JJ... —C 6.270,00;
- MA... —C 2.100,00;
- NO... — C 44.881,24;
- RA... —C 28.229,99;
- PE... —C 645,00;
- Fundo de Garantia Salarial — € 58.035,04.
2 — Em segundo lugar:
- AC... — € 251.956,86.
3 — Em terceiro lugar, rateadamente:
- NO... —€ 1.273.405,37;
(—)
B - Para serem pagos pelo produto da venda da fração autónoma designada pela letra I, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na AV..., e da RU..., freguesia do LU..., concelho de Lisboa, n.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, e inscrito na matriz predial sob o n.º …:
1— Em primeiro lugar, rateadamente:
- IS... - € 37.269,99; - JC... — € 48.620,00;
- JM... — € 5.430,00;
- JO... — C 17.789,99;
- JJ... —€ 6.270,00;
- MA... —€ 2.100,00;
- NO... — C 44.881,24;
- RA... — C 28.229,99;
- PE... — € 645,00;
- Fundo de Garantia Salarial —€ 58.035,04. 2 — Em segundo lugar:
- NO... — € 1.273.405,37.
(—)
C - Para serem pagos pelo produto da venda do prédio urbano, sito na RU..., e RU..., freguesia de CA…, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, e inscrito na matriz predial sob o n.º …:
1— Em primeiro lugar, rateadamente:
- IS... - € 37.269,99;
- JC... — C 48.620,00;
- JM... — € 5.430,00;
- JO... — € 17.789,99;
- JJ... — € 6.270,00;
- MA... — € 2.100,00;
- NO... — € 44.881,24;
- RA... —€ 28.229,99;
- PE... — € 645,00;
- Fundo de Garantia Salarial — € 58.035,04.
2 — Em segundo lugar:
- NO... —€ 1.273.405,37.
(—)
D - Para serem pagos pelo produto da venda das frações autónomas designadas pelas letras AL, A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, X, Z, AC, AF, AG, AH, AJ, AN, AO, AR, AAD, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na RU..., freguesia de AL..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …., e inscrito na matriz predial sob o n.º …:
1— Em primeiro lugar, rateadamente:
- IS... - € 37.269,99; - JC... — C 48.620,00;
- JM... — € 5.430,00;
- JCM... — € 17.789,99;
- JJ... —€ 6.270,00;
- MA... — € 2.100,00;
- NO... — € 44.881,24;
- RA... — C 28.229,99;
- PE... — € 645,00;
- Fundo de Garantia Salarial — € 58.035,04.
2 — Em segundo lugar:
- CEMG…, S.A. —€ 5.800.455,14.
3 — Em terceiro lugar, rateadamente:
- NO... —€ 1.273.405,37;
(—)
E - Para serem pagos pelo produto da venda todos os demais bens apreendidos para a massa
insolvente:
1— Em primeiro lugar, rateadamente:
- IS... - € 37.269,99;
- JC... —C 48.620,00;
- JM... —C 5.430,00;
- JM... —C 17.789,99;
- JJ... — € 6.270,00;
- MA... —C 2.100,00;
- NO... —C 44.881,24;
- RA... —C 28.229,99; - PE... — € 645,00;
- Fundo de Garantia Salarial —C 58.035,04.
2 — Em segundo lugar, rateadamente:
- AC.... —
251.956,86;
- NO... —€ 1.273.405,37;
(...)»
O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo:
«I. O Apelante não se conforma com a graduação de créditos operada pela douta sentença recorrida, na parte em que graduou em primeiro lugar os créditos de todos os trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial sobre o produto da venda dos bens imóveis que foram apreendidos à ordem da massa Insolvente e que se mostram descritos e identificados nas verbas 1 e 3 a 37, inclusive, do auto de apreensão junto aos autos de fls. (...).
II. Ao atribuir privilégios imobiliários especiais a todos os trabalhadores e ao Fundo de Garantia Salarial aos bens imóveis descritos e identificados nas verbas 1 e 3 a 37, inclusive, a douta sentença recorrida subverte a letra e o espírito da lei e regride no tempo (ao Código de Trabalho de 2003) transformando em privilégio imobiliário geral aquilo que o legislador expressamente quis restringir a um privilégio imobiliário especial.
III. Ora, o privilégio imobiliário especial previsto na alínea b), do n.° 1, do artigo 333.º, do C.T., pressupõe um nexo direto entre a prestação laboral e o imóvel ou imóveis individualmente considerados.
IV. Com efeito, dedicando-se a Insolvente JE..., à comercialização dos imóveis por si edificados, nos quais os trabalhadores iam prestando, transitória e pontualmente, a sua atividade, pelo menos, os bens imóveis descritos e identificados nas verbas 1 e 3 a 37, inclusive, não integram o conjunto estável de meios/bens afeto à prossecução do seu objecto social.
V. Esta noção de empresa como centro estável ou predominante do desenvolvimento da atividade laboral é o critério a ter em conta na interpretação do citado artigo 333.º do Código de Trabalho.
VI. E que foi acolhido no acórdão de uniformização de jurisprudência, proferido pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Fevereiro de 2016 devendo, assim e sem quaisquer restrições ser aplicado nos presentes autos.
VII. A revogação da douta sentença recorrida, no sentido consolidado pelo acórdão de uniformização de jurisprudência de Fevereiro de 2016, não só respeita os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade como assegura um tratamento justo e equilibrado aos legítimos direitos e expetativas dos diferentes credores privilegiados/garantidos, a saber, trabalhadores, hipotecários e promitentes-compradores.
VIII. A douta sentença a quo, na parte em que gradua os créditos dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial para os bens imóveis descritos e identificados nas verbas 1 e 3 a 37, inclusive, do auto de apreensão, acima dos créditos dos demais credores, onde se inclui o Recorrente, fez errada interpretação e viola as disposições constantes dos art.ºs 47.º, 140.º, n.° 2, do C.I.R.E., art.° 333, Os 1, alínea b), do Código de Trabalho e dos art.ºs 2.° e 18.° da Constituição da República Portuguesa.»
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
OBJETO DO RECURSO
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, a questão que se coloca é a de saber se os trabalhadores, credores da insolvente por créditos emergentes do contrato de trabalho e sua cessação, gozam de privilégio imobiliário sobre todos os imóveis da devedora.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os que constam do relatório, sendo ainda de ter em consideração os seguintes:
1. A Insolvente JE... tinha como objeto social principal a compra e venda de bens imóveis, urbanização de terrenos e a construção de prédios urbanos para a exploração direta ou para venda, na totalidade ou em regime de propriedade horizontal. [Sentença de declaração de insolvência de 04/02/2013 (conclusão de 28-01-2013) e relatório nos termos previstos no art. 155 do CIRE.]
2. A Insolvente tinha a sua sede na RU…, Lisboa, no imóvel descrito e identificado na verba 2 do auto de apreensão a favor da massa. [Relatório nos termos do art. 155 do CIRE.]
3. A verba 1 do auto de apreensão era parte de garagem do edifício da sede da insolvente. [Análise do auto de apreensão conjugado com as regras da experiência comum.]
4. Os bens imóveis que constituem as verbas 3 a 37 do auto de apreensão eram bens destinados a comercialização — arrendamento ou venda — de acordo com o objeto da empresa. [Análise do auto de apreensão conjugado com as regras da experiência comum.]
I I I. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Generalidades sobre a graduação dos créditos em insolvência
Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o
insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência — assim o determina o art. 47, n.º 1, do CIRE.
Ainda no art. 47, no seu n.º 4, agrupam-se os créditos sobre a insolvência nas seguintes espécies:
a) 'Garantidos' e 'privilegiados', quando beneficiem, respetivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente;
b) 'Subordinados ou
c) 'Comuns' os demais créditos.
Nos termos do art. 48 do CIRE são créditos subordinados os a seguir enumerados, exceto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência:
a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) Os juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração da insolvência, com exceção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respetivos;
c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes;
d) Os créditos que tenham por objecto prestações do devedor a título gratuito;
e) Os créditos sobre a insolvência que, como consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro de má-fé;
f) Os juros de créditos subordinados constituídos após a declaração da insolvência;
g) Os créditos por suprimentos.
Os créditos subordinados são graduados depois de todos os restantes créditos sobre a
insolvência.
Nos termos do art. 747 do CC, os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte:
a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais;
b) Os créditos por fornecimentos destinados à produção agrícola;
c) Os créditos por dívidas de foros;
d) Os créditos da vítima de um facto que dê lugar a responsabilidade civil;
e) Os créditos do autor de obra intelectual;
f) Os créditos com privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no artigo 737.
Os créditos com privilégio imobiliário, por seu turno e de acordo com o art. 748 do CC, graduam-se pela ordem seguinte:
a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações;
b) Os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial.
Fora do Código Civil encontramos outros privilégios creditórios. É o caso, para o que ora releva, do art. 333 do Código do Trabalho.
Os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade (art. 333, n.º 1, do CT).
O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747 do Código Civil; e o crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748 do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social.
A contrario, alcança-se do art. 333 do CT que os créditos dos trabalhadores não gozam de imobiliário a não ser sobre bem imóvel do empregador no qual prestam a sua atividade; o privilégio imobiliário (ao contrário do mobiliário) não é geral.
Com a declaração de insolvência, extinguem-se vários privilégios creditórios e garantias reais, a saber (art. 97 do CIRE):
a) Os privilégios creditórios gerais acessórios de créditos sobre a insolvência de que sejam titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
b) Os privilégios creditórios especiais acessórios de créditos sobre a insolvência de que sejam titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
c) As hipotecas legais cujo registo haja sido requerido dentro dos dois meses anteriores à data do início do processo de insolvência, e que sejam acessórias de créditos sobre a insolvência do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social;
d) Se não forem independentes de registo, as garantias reais sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo integrantes da massa insolvente, acessórias de créditos sobre a insolvência e já constituídas, mas ainda não registadas nem objecto de pedido de registo;
e) As garantias reais sobre bens integrantes da massa insolvente acessórias dos créditos havidos como subordinados.
O pagamento dos créditos privilegiados é feito à custa dos bens não afetos a garantias reais prevalecentes, com respeito da prioridade que lhes caiba, e na proporção dos seus montantes, quanto aos que sejam igualmente privilegiados (art. 175, n.º 1, do CIRE); o dos credores comuns tem lugar na proporção dos seus créditos, se a massa for insuficiente para a respectiva satisfação integral (art. 176); e, finalmente, o dos créditos subordinados só tem lugar depois de integralmente pagos os créditos comuns (art. 177).
O caso dos autos
Na situação dos autos estão em causa vários bens imóveis que eram propriedade da sociedade insolvente mas nos quais os trabalhadores não exerciam a atividade, pelo menos de forma habitual; na maioria eram destinados à comercialização em consonância com o objeto social da empresa.
O tribunal a quo considerou que os créditos dos trabalhadores e do FGS teriam privilégio imobiliário especial sobre todos esses imóveis, do que o recorrente discorda.
Como vimos acima, os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade (art. 333, n.º 1, do CT), e são graduados antes de crédito referido no artigo 748 do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social. Logo, os créditos dos trabalhadores não gozam de imobiliário sobre outros bens imóveis; o privilégio imobiliário (ao contrário do mobiliário) não é geral.
O anterior Código do Trabalho, 2003, tinha norma equivalente no art. 377, n.° 1, al. b), mas estando no plural «os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua atividade».
A atual norma refere «bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade». É agora ainda mais claro que está em causa apenas o bem imóvel que é local de trabalho habitual do trabalhador.
Ainda reportando-se ao Código de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão n.º 8/2016 (publicado no DR 74/2016, 5-1, de 15/04/2016) tinha uniformizado jurisprudência nos seguintes termos:
«Os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial previsto no art. 377°, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003.»
Agora, perante o teor singular da norma, por maioria de razão se impõe a mesma interpretação. O privilégio imobiliário especial que resulta da referida norma só abrange o imóvel que integra de forma permanente e duradoura a organização empresarial da empresa. Remete-se mais extensa fundamentação para o citado Acórdão Uniformizador, do qual extratamos:
«O local de trabalho situa-se, em princípio, no espaço físico onde o trabalhador presta a sua atividade; coincide, por regra, com as instalações da empresa.
Existem, todavia, situações em que as funções exercidas pelo trabalhador dificultam a determinação do local do trabalho (lembre-se os casos, diferentes, do motorista, do teletrabalhador e do operário da construção). Situações que se caracterizam pela ausência ou pela transitoriedade de um específico local de trabalho.
Apesar disso, mantém-se uma ligação comum constante desses trabalhadores à empresa, decorrente do contrato de trabalho que com esta celebraram e das funções que, em execução deste, passaram a exercer. Ligação permanente à empresa e à atividade que esta prossegue; à sua estrutura estável, designadamente aos imóveis que a integram e que suportam essa atividade.
Daí que, perante essas situações, o local de trabalho seja entendido, não apenas como o espaço físico das instalações da empresa, mas também como o centro estável ou predominante do desenvolvimento da atividade laboral.»
Do exposto resulta que os créditos dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial não gozam de um privilégio imobiliário especial sobre os imóveis apreendidos que não eram local de exercício da sua atividade laboral, nomeadamente os que a insolvente destinava a venda, objeto do seu negócio, pelo que a sentença do tribunal a quo que os graduou à frente dos demais tem de ser alterada.
A verba n.º 2 — loja com entrada pelo ..8-B do prédio sito na RU…, freguesia de …, Lisboa —, sede da empresa, está abrangida pelo privilégio imobiliário especial concedido pelo art. 333 do CT.
De notar que o ponto A. da graduação agora objeto de recurso, refere três frações (A, C e I) do mesmo prédio (RU…).
Apenas se mantém a decisão quanto à fração C, sede da empresa — correspondente à verba 2 do auto de apreensão —, que não é objeto de recurso.
Consignamos que não encontramos no auto de apreensão nenhuma fração I do mesmo prédio (RU...)
A fração A — correspondente à verba 1 do auto de apreensão — integra a garagem, pelo que também não era local de prestação da atividade pelos trabalhadores.
Na parte em que graduou os créditos dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial acima dos créditos dos demais credores, onde se inclui o recorrente, para os imóveis descritos e identificados nas verbas 1 e 3 a 37, inclusive, do auto de apreensão, a sentença deve ser alterada, o que faremos.
Em suma:
I. Os créditos dos trabalhadores emergentes da cessação do contrato de trabalho gozam de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador no qual prestavam a sua atividade (art. 333, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho).
II. Sobre os demais imóveis da devedora insolvente — nomeadamente sobre aqueles que a sociedade, de acordo com o seu objeto social, destinava a comercialização —, não goza o trabalhador-credor da garantia do referido privilégio imobiliário especial.
IV. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, alterando os pontos A., B., C. e D. da sentença recorrida, deixando os trabalhadores e o Fundo de Garantia Salarial de estar graduados em primeiro lugar e passando a ser pagos rateadamente com os demais credores comuns (exceto no que se refere à verba 2 do auto de apreensão incluída no ponto A. da sentença recorrida, que se mantém nesta parte).
Custas pela massa.
Lisboa, 11/09/2018
Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira