Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 18-09-2018   Incidente de qualificação de insolvência culposa. Transferência de bens patrimoniais de valor elevado (imóveis), abaixo do seu valor real, para sociedade para o efeito constituída pelo gerente da insolvente.
I - Perante a verificação de cada uma das situações previstas nas diversas alíneas do n° 2, do art° 186°, do CIRE, a insolvência será sempre considerada como culposa, sem necessidade da demonstração do mencionado nexo de causalidade.
II - Encontrando-se provado que, durante o período temporal previsto no artigo 186°, n° 1, do CIRE, o gerente da insolvente procedeu a várias transmissões de bens imóveis de avultado valor, pertencentes a esta, em favor de um sociedade em que são sócios o dito gerente e seu cônjuge e uma colaboradora da insolvente - e que foi sua legal representante -, constituída precisamente com vista a concretizar este propósito de esvaziamento da empresa insolvente de património que constituía garantia dos credores e que, valorizando-a, melhor propiciaria o seu giro comercial, tal situação preenche inequivocamente a previsão da alínea a) e d), do n° 2, do artigo 186.º do CIRE.
(Sumário elaborado pelo Relator).
Proc. 16347/15.9T8SNT-D.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Luís Espírito Santo - Conceição Saavedra - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação n° 16347/15.9T8SNT-D.L1
(Lisboa - Juízo de Comércio)
Relator: Luís Espirito Santo.
1ª Adjunta: Conceição Saavedra
2ª Adjunta: Cristina Coelho
Assunto: Incidente de qualificação de insolvência culposa (artigo 186°, n° 2, alíneas a) e d). Transferência de bens patrimoniais de valor elevado (imóveis), abaixo do seu valor real, para sociedade para o efeito constituída pelo gerente da insolvente, cônjuge e colaboradora.
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção).
I - RELATÓRIO.
TC..., NIPC 5..., foi declarada insolvente por sentença proferida em 22 de Julho de 2015, transitada em julgado.
Foi realizada a assembleia de apreciação do relatório.
Entretanto, o BA...., e o CO...deduziram incidente de qualificação da insolvência como culposa, com afectação do gerente JO..., com referência ao disposto no art.° 186.°, n.° 2, als. b), d), e) e f), do CIRE.
Alegaram essencialmente:
Na reclamação de créditos foi reclamado crédito emergente da celebração de contratos-promessa relativos a três fracções autónomas cujos valores não se mostram evidenciados na contabilidade da insolvente. Os valores declarados como recebidos não estão evidenciados na contabilidade da insolvente. O que significa que, ou foram recebidos e ficaram em poder do gerente, ou não foram recebidos e foi assim criado um prejuízo artificial para a insolvente.
Pela mão do gerente JO... ocorreram transmissões de imóveis para a sociedade PI..., constituída pelo mesmo gerente e pela mulher e administrada por colaborados da insolvente, por valores significativamente inferiores aos seus valores de mercado, com o intuito de prejudicar os credores da insolvente.
O Administrador da Insolvência apresentou parecer, no qual concluiu pela qualificação da insolvência como culposa, com afectação do gerente JO..., com referência ao disposto no art.° 186.°, n.° 2, als. a), b), d), e) e g), do CIRE.
O Ministério Público formulou parecer, no qual propôs a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art.° 186.°, n.° 2, als. a), d), e), f) e h), do CIRE.
Foi notificada a insolvente e citado o proposto abrangido pela qualificação da insolvência como culposa.
O Requerido deduziu oposição, na qual alegou, no essencial, que os valores referenciados nos contratos promessa referidos foram recebidos pela insolvente e usados na actividade da mesma, não devendo esquecer-se a crise económica que afectou Portugal nos anos de 2010 a 2016.
A sociedade PI... não foi constituída para desviar património, mas sim para que a insolvente, perante as ameaças de penhora, tivesse meios que lhe permitissem continuar a pagar aos credores. A situação já nem se coloca uma vez que os imóveis foram revertidos para a massa insolvente. JO... sempre agiu com a intenção de honrar os compromissos da sociedade insolvente.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 249.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção procedente e nos termos do disposto no art.° 189.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decidiu-se qualificar como culposa a insolvência de TC..., e que, em consequência,
a) Declarar afectado pela qualificação JO..., NIF …, residente na RU…;
b) Declarar JO... inibido, pelo período de cinco anos, para a administração de patrimónios de terceiros, exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por JO....
d) Condenar JO... a indemnizar os credores de TC..., em montante correspondente ao valor do passivo global da insolvência, deduzido do montante satisfeito pela liquidação da massa insolvente, até ao limite das forças do seu património, e do valor da venda, em liquidação, dos imóveis a que respeitam os negócios provados sob os n.°s 7, 8, 11 e 13 dos factos provados, a liquidar em incidente de liquidação de sentença.
JO... apresentou recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 289).
Juntas as competentes alegações, a fls. 286 a 288, formulou o apelante as seguintes conclusões:
I - Para que a insolvência possa ser qualificada como culposa é necessário que a actuação do devedor tenha sido causa da situação de insolvência ou do seu agravamento;
II - Uma vez que o devedor pode ter actuado dolosamente mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da insolvência;
III - O aqui Recorrente em 20 de Março de 2015 deu entrada junto do Juízo do Comércio de Sintra de um processo especial de revitalização com o intuito de a sociedade insolvente ser revitalizada e continuar o seu objecto;
IV - O processo veio a ser arquivado porquanto o BA… opôs-se à revitalização da insolvente;
V - Entre os anos de 2011 e 2015 Portugal atravessou uma grave crise económica que se repercutiu de forma negativa na economia em geral e na construção civil em particular;
VI - Tendo sido estas as causas da declaração de insolvência da TC...;
VII - Não houve qualquer nexo de causalidade entre a insolvência e o comportamento do Recorrente;
VIII - A insolvente através do aqui Recorrente vendeu à sociedade PI... os imóveis identificados nos pontos 11 e 13 dos factos provados;
IX - Em 7 de Outubro de 2015 o Senhor Administrador de Insolvência veio a resolver tais negócios, ponto 18 dos factos provados;
X - Tais negócios prenderam-se em exclusivo com a defesa da sociedade insolvente e dos credores;
XI - Se o se o intuito do Recorrente fosse o de agravar a situação da insolvente não esperaria até Julho de 2015, teria a Sociedade PI.... procedido à venda das fracções a terceiros da confiança do Recorrente;
XII - Fruto das resoluções não resultou qualquer prejuízo para a insolvente e para os seus credores;
XIII - O artigo 186° do CIRE considera sempre como culposa a insolvência quando os administradores tenham praticado qualquer um dos factos previstos nas alíneas do seu n° 2.
XIV - No entanto e na modesta opinião do Recorrente para que tenha lugar a aplicação do n° 2 do artigo 186° do CIRE há que ficar provado que a actuação do administrador contribuiu para o agravamento da insolvência;
XV - No caso dos autos tal não se verificou;
XVI - O comportamento do Recorrente não agravou a situação da insolvente;
XVII - Pelo que não existe qualquer nexo de causalidade entre a insolvência e os actos praticados pelo Recorrente;
XVIII - Mal andou, assim, o Tribunal a quo, ao aplicar o artigo 186° no 2 als. a) e d) do CIRE declarando a insolvência como dolosa;
XIX - Nos termos do artigo 189° do CIRE o Tribunal a quo deveria ter considerado a insolvência como furtuita;
XX - Violou, assim, o Tribunal a quo o artigo 186° do CIRE devendo o mesmo ter sido interpretado no sentido de que não houve qualquer nexo de causalidade entre o comportamento do Recorrente e a insolvência nem que tal comportamento agravou a situação de insolvência.
Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser declarado procedente e por via dele ser anulada a decisão do Tribunal qualificou a insolvência como dolosa.
Não houve resposta.
II - FACTOS PROVADOS.
1. Em sede de reclamação de créditos foram reclamados créditos no valor de € 4.500.000,00, emergentes de contratos-promessa celebrados entre a Insolvente na qualidade de vendedora, com promitentes-compradoras que invocaram o incumprimento dos mesmos por parte da Insolvente.
2. Os contratos em causa, datados de 15 de Julho e 14 de Fevereiro de 2005, incidiram sobre as fracções A, C e E do prédio urbano sito na Av…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° …, inscrito na matriz sob o artigo ….
3. Sobre esses imóveis incidem hipotecas a favor do BA….
4. JO..., na qualidade de gerente da insolvente declarou por escrito, em 6 de Julho de 2012, que o preço estipulado nos contratos-promessa referidos no n.° 1 dos factos provados, € 2.250.000,00, foi inteiramente liquidado.
5. Em 27 de Dezembro de 2012, o Gerente JO... e a sua mulher - VA...- constituíram a sociedade PI..., registada sob o número único 5….
6. JN... e VA...eram simultaneamente, titulares da totalidade do capital social da sociedade insolvente.
7. Em 31 de Dezembro de 2012 a insolvente, representada por JO..., transmitiu a favor da PI..., sociedade comercial registada sob o número único de pessoa colectiva 5…, então representada por VA..., a fracção CAI (loja 35) do prédio urbano registado na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais descrito com o número … do Livro n.° … da freguesia de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União de Freguesias de Cascais e Estoril, denominado por …, sito na AV… de que era proprietária e legítima possuidora, com o valor patrimonial de €18.197,75, pelo preço de €18.200,00.
8. Em 31 de Dezembro de 2013 a insolvente, então representada por SI..., transmitiu a favor da PI..., sociedade comercial registada sob o número único de pessoa colectiva 5…, então representada por VA..., a fracção CBPA (loja 85; sala de espectáculos) do prédio urbano registado na ta Conservatória de Registo Predial de Cascais descrito com o número … do Livro n.° … da freguesia de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União de Freguesias de Cascais e Estoril, denominado por …, sito na AV… de que era proprietária e legítima possuidora, com o valor patrimonial de €232.160,00, pelo preço de €232.160,00.
9. A referida fracção CBPA (loja 85; sala de espectáculos) era objecto de arrendamento.
10. A referida fracção autónoma foi avaliada em 23 de Setembro de 2015 em € 295.200,00.
11. Em 26 de Setembro de 2014 a insolvente, então representada por JN..., transmitiu a favor da PI...,
sociedade comercial registada sob o número único de pessoa colectiva 5…, então representada por SI..., as fracções seguintes do prédio urbano registado na ta Conservatória de Registo Predial de Cascais descrito com o número … do Livro n.° … da freguesia de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União de Freguesias de Cascais e Estoril, denominado por …, sito na AV… de que era proprietária e legítima possuidora:
a. Fracção CAZ (Loja 51) com o valor patrimonial de €36.700,00, pelo preço de €10.000,00;
b. Fracção CBB (Loja 54) com o valor patrimonial de €4.628,48, pelo preço de €4.700,00;
c. Fracção CBC (Loja 55) com o valor patrimonial de €35.620,00, pelo preço de €35.700,00;
d. Fracção CCB (Arrecadação 10) com o valor patrimonial de €2.110,00 pelo preço de €2.200,00;
e. Fracção CCC (Arrecadação 11) com o valor patrimonial de €2.110,00 pelo preço de €2.200,00;
f. Fracção CCD (Arrecadação 12) com o valor patrimonial de €2.110,00 pelo preço de €2.200,00;
g. Fracção CCE (Arrecadação 13) com o valor patrimonial de €2.210,00 pelo preço de €2.500,00;
h. Fracção CCF (Arrecadação 14) com o valor patrimonial de €2.280,00 pelo preço de €2.500,00;
12. As referidas fracções autónomas foram avaliadas em 23 de Setembro de 2015, no montante global de € 196.300,00.
13. No mesmo acto, em 26 de Setembro de 2014 a Insolvente transmitiu a favor da mesma sociedade a fracção identificada através da letra T (Loja 7) do prédio urbano 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais descrito com o número … do Livro n.° … da freguesia de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União de Freguesias de Cascais e Estoril, sito na AV… de que era proprietária e legítima possuidora, com o valor patrimonial de €136.340,00 pelo preço de €1.00.000,00.
14. JN...
a. É gerente e, desde 2008, titular das duas únicas quotas da insolvente;
b. Em 27 de Dezembro de 2012 constituiu a sociedade PI... em conjunto com VA..., com uma quota de € 2.500,00 cada;
c. É accionista da PI... resultante da transformação, em 14 de Março de 2014, da PI..., em sociedade anónima.
d. É cônjuge de VA...;
e. Participou enquanto legal representante da insolvente, na qualidade de vendedora, na transmissão de imóveis efectuadas a favor da PI... realizada em 31 de Dezembro de 2012;
f. Participou enquanto legal representante da insolvente, na qualidade de vendedora, na transmissão de imóveis efectuadas a favor da PI... realizada em 26 de Setembro de 2014.
15. VA...
a) É cônjuge de JN...;
b) Foi sócia fundadora da insolvente até 2008, altura em que cedeu a sua quota a favor do marido;
c) Constituiu, em conjunto com o marido, a sociedade PI..., tendo sido gerente da mesma até 14 de Março de 2014;
d) Participou com a entrada de €75.000,00 na transformação e aumento de capital da PI...., que passou a designar-se PI..., conforme deliberação datada de 14 de Março de 2014;
e) Participou enquanto legal representante da PI...., na qualidade de adquirente, na transmissão de imóvel efectuada pela insolvente em 31 de Dezembro de 2012;
f) Participou enquanto gerente e legal representante da PI...., na qualidade de adquirente, na transmissão de imóveis efectuada pela insolvente em 31 de Dezembro de 2013.
16. SI…
a) É colaboradora da insolvente desde data concretamente indeterminada;
b) É Administradora Única da PI... desde 14 de Março de 2014;
c) Participou enquanto gestora de negócios e legal representante da insolvente, na qualidade de vendedora, na transmissão de imóveis efectuada a favor da PI.... em 31 de Dezembro de 2013.
d) Participou com a entrada de €40.000,00 na transformação e aumento de capital da PI...., que passou a designar-se PI..., conforme deliberação datada de 14 de Março de 2014;
e) Participou enquanto legal representante da PI...., na qualidade de adquirente, na transmissão de imóveis efectuada pela insolvente em 26 de Setembro de 2014.
17. Em 14 de Março de 2014 PI... foi transformada em sociedade anónima e o seu capital social aumentado de € 5.000,00 para € 200.000,00, mediante as seguintes novas subscrições em dinheiro:
- SI..., MZ… e JS… - € 40.000,00 cada um;
- VA...- € 75.000,00.
18. Por cartas datadas do dia 7 de Outubro de 2015, de que foram apresentadas cópias em 30 de Outubro de 2015 no apenso C - Apreensão de bens, cujo teor se dá por reproduzido, o Administrador da Insolvência declarou resolvidos em benefício da Massa Insolvente, os negócios provados sob os n.°s 7, 8, 11 e 13.
19. Nas referidas declarações de resolução o Administrador da Insolvência declarou, além do mais, que a compra e venda não aparece reflectida na contabilidade da empresa, presumindo tratar-se de um negócio gratuito e simulado, visando que os bens deixassem de pertencer ao acervo patrimonial da empresa.
III - QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
Da qualificação da insolvência como culposa. Prova da existência de elementos que comprovem o seu carácter culposo (artigo 186°, n° 2, alíneas a) e d). Transferência de bens patrimoniais de valor elevado (imóveis), abaixo do seu valor real, para sociedade para o efeito constituída pelo gerente da insolvente, cônjuge e colaboradora.
Passemos à sua análise:
Nos termos do art° 186°, n° 1, do CIRE: A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. .
Perante a verificação de uma das situações previstas nas diversas alíneas do n° 2, do art° 186°, do CIRE, a insolvência será sempre considerada como culposa, sem necessidade da demonstração do mencionado nexo de causalidade.
Trata-se de uma presunção juris et de jure, em conformidade com o disposto no art° 350°, n° 2, do Cod. Proc. Civil.
Na situação sub judice, cumpre tomar em consideração que está em causa o período temporal compreendido entre a declaração de insolvência da apelada (22 de Julho de 2015) e 22 de Julho de 2012, em consonância com o disposto no artigo 186°, n° 1, do CIRE.
Ora, não há quaisquer dúvidas que, durante este período temporal, o gerente da insolvente procedeu a várias transmissões de bens imóveis de avultado valor, pertencentes a esta, em favor de um sociedade em que são sócios o dito gerente e seu cônjuge e uma colaboradora da insolvente - e que foi sua legal representante -, constituída precisamente com vista a concretizar este propósito de esvaziamento da empresa insolvente de património que constituía garantia dos credores e que, valorizando-a, melhor propiciaria o seu giro comercial.
Tal situação preenche inequivocamente a previsão da alínea a) e d), do n° 2, do artigo 186° do CIRE, tal como concluiu - e muito bem - o juiz a quo, nada havendo de relevante a acrescentar à fundamentação constante da decisão recorrida que inteiramente se perfilha.
Não colhe o argumentário apresentado pelo recorrente, nas suas conclusões das alegações, pela seguinte ordem de razões, sinteticamente enunciadas:
1ª — A crise económica que assolou Portugal entre os anos de 2011 e 2015, afectando em geral toda a economia e o tecido social do país, nada tem a ver com a realização de concretas manobras premeditamente engendradas pelo gerente de uma sociedade que, actuando em nome desta e pressentindo a eminência da responsabilidade perante os seus vários credores, num contexto de dificuldades económicas, decide então canalizar o património mais significativo (imóveis), por valores abaixo dos reais, para uma sociedade especialmente constituída por si, cônjuge e uma colaboradora, em doloso desfavor de todos os credores desse ente colectivo e em prejuízo do normal desenvolvimento da actividade societária.
Uma coisa não implica nem justifica a outra, como facilmente se compreende.
Não faz o menor sentido o gerente da insolvente pretender transferir toda a culpa da insolvência da empresa cuja gestão especialmente lhe incumbia para a crise económica que assolou o país no período temporal em referência, de modo a tentar fazer passar por inócua e inofensiva uma acção premeditada de esvaziamento patrimonial da sociedade em benefício de uma outra gerida por si, cônjuge e uma colaboradora próxima, em nítido prejuízo daquela e respectivos credores.
A sua actuação, nos moldes em que foi executada, constitui de resto o tipo de expedientes absolutamente inaceitáveis que o ordenamento jurídico especialmente censura e sanciona face às finalidades fraudulentas que nitidamente lhe estão subjacentes,
2ª - O arquivamento de um processo de revitalização promovido pelo ora recorrente, por si, nada mais significa do que a mera constatação desse facto: a sua pura inconsequência.
3a — É óbvio que um comportamento censurável como o que se deixou descrito contribuiu para o agravamento da situação da empresa (que se vê desprovida do seu considerável património imobiliário) e para a sua insolvência, não se entendendo sequer como pode o recorrer considerar que tais práticas ardilosos constituam afinal um meio de beneficiar a empresa e seus credores, querendo-nos convencer de que não tem mal nenhum...
É claro e evidente o nexo causal entre essa mesma conduta, deliberadamente assumida pelo gerente da insolvente, e a respectiva insolvência da empresa, directamente prejudicada pela conduta do respectivo gerente.
De resto, na resolução dos negócio em benefício da massa insolvente promovida pelo administrador de insolvência, consta das declarações de resolução o Administrador da Insolvência, além do mais, que a compra e venda não aparece reflectida na contabilidade da empresa, presumindo tratar-se de um negócio gratuito e simulado, visando que os bens deixassem de pertencer ao acervo patrimonial da empresa.
A apelação improcede, naturalmente.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Lisboa, 18 de Setembro de 2018
Luís Espírito Santo
Conceição Saavedra
Cristina Coelho
V - Sumário elaborado nos termos do artigo 663°, n° 7, do Cod. Proc. Civil.
I - Perante a verificação de cada uma das situações previstas nas diversas alíneas do n° 2, do art° 186°, do CIRE, a insolvência será sempre considerada como culposa, sem necessidade da demonstração do mencionado nexo de causalidade.
II - Encontrando-se provado que, durante o período temporal previsto no artigo 186°, n° 1, do CIRE, o gerente da insolvente procedeu a várias transmissões de bens imóveis de avultado valor, pertencentes a esta, em favor de um sociedade em que são sócios o dito gerente e seu cônjuge e uma colaboradora da insolvente - e que foi sua legal representante -, constituída precisamente com vista a concretizar este propósito de esvaziamento da empresa insolvente de património que constituía garantia dos credores e que, valorizando-a, melhor propiciaria o seu giro comercial, tal situação preenche inequivocamente a previsão da alínea a) e d), do n° 2, do artigo 186° do CIRE. (o relator Luís Espírito Santo)